Tamires Cunha de Aguiar*
Allan Rodrigues Augusto**
Universidade Federal de Rondônia, Brasil
mytami92@gmail.comResumo: O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise da evolução temporal nas taxas de desmatamento em uma área que recebe impactos indiretos da Usina Hidrelétrica de Jirau, instalada sobre o rio Madeira, a Sub bacia do Rio Mutum-Paraná. Sabe-se que áreas próximas ao empreendimento receberam uma série de impactos, inclusive sobre o aumento nas taxas de desmatamento da região, um problema que já existia, mas que pode ter sido acentuado após a instalação das hidrelétricas. Nesse sentido, foi realizado um levantamento das condições ambientais da bacia em questão, além de compreender o contexto de ocupação da bacia a partir de levantamento histórico do desmatamento da área. Observou-se que o grande aumento do percentual de desmatamento entre os anos de 2000-2005 está associado à criação do Núcleo de Povoamento de União Bandeirantes que fica a 30 km dos limites topográficos da Sub-bacia do rio Mutum-Paraná. O estabelecimento desse povoado se iniciou em 1999 até sua completa fixação em 2014. O núcleo é localizado na subzona 2.1 do Zoneamento Socioeconômico e ecológico, cuja ocupação era restrita, no entorno da Resex Jaci-Paraná, Flona Bom Futuro e Terra Indígena Karipuna. Segundo o Ministério Público houve o cometimento de crimes ambientais, esbulho de terras particulares e invasão de terras públicas. Como percebe-se em relação a série histórica abordada, a dimensão dos desflorestamentos extrapolaram para a região como um todo, fato que se estabelece como resposta à abertura das estradas, que serviram basicamente como um “corredor” para o avanço do desmatamento na região.
Palavras-chaves: Hidrelétricas, Amazônia, Desmatamento, Bacia Hidrográfica, Ocupação.
Abstract: The present work has the objective of analyzing the temporal evolution of deforestation rates in an area that receives indirect impacts from the Jirau Hydroelectric Power Plant, installed on the river Madeira, the subbasin river Mutum-Paraná. It is known that areas close to the project received a series of impacts, including on the increase in deforestation rates in the region, a problem that already existed but which may have been accentuated after the installation of the hydroelectric dams. In this sense, a survey of the environmental conditions of the basin in question was carried out, in addition to understanding the context of basin occupation based on a historical survey of the deforestation of the area. It was observed that the large increase in the percentage of deforestation between the years 2000-2005 is associated to the creation of the Bandeirantes Union Settlement Nucleus that is 30km from the topographic limits of the Mutum-Paraná River Sub-basin. The establishment of this village began in 1999 until its complete establishment in 2014. The nucleus is located in Sub-area 2.1 of the Socioeconomic and Ecological Zoning, whose occupation was restricted, in the surroundings of Resex Jaci-Paraná, Flona Bom Futuro and Karipuna Indigenous Land. According to the Public Prosecutor's Office, there were environmental crimes, embezzlement of private lands and invasion of public lands. As can be seen in relation to the historical series discussed, the dimension of deforestation extrapolated to the region as a whole, a fact that is established as a response to the opening of the roads, which served basically as a "corridor" for the advancement of deforestation in the region.
Keywords: Hydroelectric, Amazon, Deforestation, Hydrographic Basin, Occupation
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Tamires Cunha de Aguia y Allan Rodrigues Augusto (2017): “Contexto de ocupação amazônica em área de impactos dos empreendimentos hidroelétricos: evolução temporal do desmatamento na sub-bacia do rio Mutum-Paraná”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/empreendimentos-hidroeletricos.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703empreendimentos-hidroeletricos
As transformações que ocorrem em bacias hidrográficas por meio das atividades antrópicas aliadas à dinâmica das águas pluviais, podem fornecer novos dinamismos nesse sistema, muita das vezes reconfigurando-os, perdendo sua originalidade e a capacidade de determinadas funções ecológicas. Neste sentido as atividades antrópicas podem intensificar o desprendimento e transporte do material que naturalmente é escoado pelas águas das chuvas para o canal mais próximo.
A bacia hidrográfica escolhida para a pesquisa é uma sub-bacia do Rio Mutum Paraná, situada entre os municípios de Porto Velho e Nova Mamoré. É uma sub-bacia do Rio Madeira que vem passando por problemas ambientais desencadeados por ações antrópicas que visam, sumariamente, a retirada da Floresta para implantação de atividades ligadas ao agronegócio da soja e pecuária, e dos grandes investimentos infra-estruturais. Essa bacia é uma área que reflete impactos dos empreendimentos hidroelétricos instalados no alto rio Madeira (NUNES, 2004).
Áreas adjacentes à empreendimentos desse porte podem receber uma série de impactos, e ser avaliados em três momentos: o Primeiro ocorre anterior à construção da obra – a estes denominamos de Especulativos. Em segundo plano, tem-se os impactos imediatos que ocorrem durante a construção dos empreendimentos. Um exemplo deste tipo de impacto pode ser o deslocamento compulsório da população do entorno do canteiro de obras e da área inundada. No terceiro momento tem-se aqueles problemas desencadeados no pós-obra e que se somam às tendências existentes na área, os chamados Impactos Cumulativos. Para o estudo proposto na bacia, o destaque vai para os impactos Cumulativos, pois observa-se problemas que já existiam na região, mas que foram potencializados por conta da implementação das Usinas Hidrelétricas no alto rio Madeira. Isto se dá principalmente porque o processo de instalação das Usinas Hidrelétricas pode favorecer ou promover ações que viabilizam o progresso do Uso e Ocupação em áreas ainda não ocupadas, podendo desencadear novos desmatamentos, aumento do fluxo populacional, construção de novas estradas e/ou reestruturação das já existentes e pressão sobre áreas legalmente protegidas (CAVALCANTE, 2012).
Sabe-se que o ponto inicial para ocupação de novas áreas é o desmatamento, e este por sua vez, está diretamente relacionado a problemas como: perdas de áreas produtivas, assoreamento de corpos hídricos e diminuição da qualidade da água disponível na bacia. Alguns destes problemas, são a resultante do processo mecânico de desagregação, transporte e deposição de partículas dos solos, iniciado através da dinâmica do processo de erosão hídrica. Isto porque, à medida que ocorre a retirada da cobertura vegetal os solos ficam expostos ao contato direto das águas das chuvas que possuem uma energia potencial e, ao se chocar com o solo, dependendo também das condições topográficas em que se encontram, transforma esta energia Potencial em Cinética, causando a desagregação de partículas (TRICART, 1977; SIEFERT E SANTOS, 2012). Se a Cobertura Florestal existe, ela pode interceptar parte desta energia e contribuir para o processo de infiltração da água pluvial no solo, diminuindo a velocidade do escoamento superficial. Se a infiltração é insuficiente, dado pelas próprias condições físicas à que o solo está submetido, a tendência é que haja o desprendimento e arraste de sedimento pelo escoamento das águas (BERTONI & LOMBARDI NETO, 1999).
Dada a importância da manutenção da cobertura vegetal no funcionamento da dinâmica hidrossedimentológica de uma bacia hidrográfica, torna-se de fundamental importância compreender como se deu o desmatamento e o atual aumento dele em relação à área da sub-bacia estudada, como fatores que interferem na ocupação dessa área e a intensidade com que ocorrem.
A bacia do Rio Mutum-Paraná está situada no noroeste do estado de Rondônia entre Município de Porto Velho e Nova Mamoré. O exutório da bacia é no rio Madeira, e o setor da bacia estudado nessa pesquisa constitui área de cabeceiras que se encontra à montante do sistema hidrográfico principal. Com aproximadamente 330,62 Km² a bacia apresenta uma Reserva Indígena Karipuna, que ocupa quase 48% de sua área total (Cf. Fig. 01).
O ZEE-RO estabelece a divisão em Zonas para organizar a ocupação humana em Rondônia, e na área delimitada da sub-bacia encontram-se 3 sub-zonas do ZSEE-RO. A sub-zona 3.3 que corresponde à terra indígena Karipuna em 48% da área, a sub-zona 2.1 que ocupa cerca de 39% e ainda a 1.3 que corresponde a 12% da area. Por tanto, 39% da bacia é de uso especial passíveis de uso apenas sob manejo sustentável e 48% zona de uso restrito da Terra Indígena.
Uma bacia hidrográfica é considerada um sistema aberto, e se encontra mesmo em estágio natural, em contínua “flutuação”, ou seja, num estado de equilíbrio transacional (LIMA, 1986) ou dinâmico (TRICART, 1977), onde há constantes trocas de energia, seja para a perda ou ganho no e do próprio sistema. Dada situação de constante dinamismos impostos nesse sistema integrado constituído de variáveis naturais e antrópicas como a sub bacia do rio Mutum-Paraná, entende-se que a alteração em qualquer uma das componentes da bacia pode se refletir sobre o sistema como um todo, fato que pode ser materializado na perda de áreas produtivas, assoreamento de corpos hídricos, perda de solo e diminuição da qualidade da água disponível nos corpos hídricos (VESTENA, 2008).
Na Sub bacia do rio Mutum-Paraná o tipo de Cobertura Vegetal Original é de Floresta Ombrófila. A Floresta Ombrófila Higrófita Submontana é predominante na área de estudo. De maneira geral apresentam-se abertas com dossel descontínuo, permitindo ausência de área foliar entre 30 e 40 % e estão associadas a cipós e bambus. Rondônia (2001) as destacam como Florestas tropicais úmidas, pluviais, sempre verdes, com Dossel bem distinto, indivíduos emergentes e sub-bosque estratificado. Essa Cobertura Vegetal natural caracterizada por fanerófitos de grande porte, sem dúvida interfere positivamente na conservação da água, proteção dos solos aos desgastes hídricos de erosão, regulando o volume das nascentes, além de ser abrigo de inúmeras espécies, rica em biodiversidade deve ser preservada (BRASIL, 1978). Nesse contexto, o tipo de solos identificados não poderia ser diferente, já que a floresta ombrófila condiciona um ambiente propício à intemperização dos solos amazônicos, dada a relação de interdependência dos elementos que compõem esse bioma; Tem-se então, o Latossolo Vermelho Amarelo Distrófico predominante na área da bacia (RONDÔNIA, 2001), que de maneira geral foram desenvolvidos a partir de rochas ácidas ígneas e metamórficas, apresentam uma estrutura micro granular bem desenvolvida e ótima estruturação entre os horizontes. Em relação à sua fertilidade são pobres, ácidos e distróficos (saturação por bases <50%). Estes solos foram desenvolvidos a partir de material mineral do Super Grupo Gnaisse Jaru, composto por ortognaisses de origem granítica provenientes do período Proterozóico/Mesoproterozóico, de um ambiente tectônico Orogênico. As Ortognaisses, de acordo com Guerra e Guerra (2008), são gnaisses produzidos pela transformação de rochas eruptivas metamorfizadas. Esta por sua vez caracteriza-se por rocha cristalofiliana com os mesmo elementos do Granito – Quartzo, Feldzpato e Mica-, porém encontram-se xistosados, identificados por origem ígnea classificada como Ortognaisses (BRASIL, 2007; BRASIL, 1990).
A Sub Bacia do Rio Mutum Paraná situa-se em ambiente amazônico, e se inclui por tanto, nos constantes dinamismos sociais e ambientais estabelecidos nesse espaço. Sabe-se que a Amazônia está inserida num contexto de apropriação de seus recursos naturais, no sentido de ser vista como espaço para expansão do capital. Para Herrera, et. al. (2013) que a Amazônia é um retrato da expansão do capital, onde os recursos naturais tanto florestais quanto minerais, servem de alavanca para apropriações capitalistas que tem a finalidade de agregar valor aos produtos e acumular riqueza. O problema se dá por que essa apropriação sobre o espaço amazônico acaba se dando de forma agressiva, por preterir a imensa diversidade cultural, ambiental e social presente, que fica anulada em meio a tantas necessidades de expansão do capitalismo. O resultado é, resumidamente, o descaso com as populações tradicionais, a falta de respeito com a população e com o meio ambiente, deflagrando a degradação ambiental e problemas sociais.
Segundo Becker (1991) é a partir da década de 60 que a Amazônia torna-se alvo prioritário para avanço capitalista e desenvolvimentista brasileiro, contando com capital nacional e estrangeiro. O governo passa a viabilizar e subsidiar a ocupação de terras à frente da expansão pioneira (BECKER, 1991; SOUZA E GROSSI, 2010). Como comenta Becker (Op. Cit.), a ocupação da Amazônia se torna prioridade máxima após o golpe de 1964, onde o objetivo básico do governo militar era a implantação de um projeto de modernização nacional, acelerando uma radical reestruturação do país, incluindo a redistribuição territorial de investimento de mão-de-obra, sob forte controle social.
Ao se tornar alvo para exploração, essa região passa a fundar seu desenvolvimento de acordo com o paradigma de relação sociedade-natureza, o que segundo Becker (2005) se trataria de uma economia de fronteira onde o crescimento econômico é visto como linear e infinito, baseado na incorporação de terra e de recursos naturais, que são também percebidos como infinitos. Desse modo a expansão do capitalismo no espaço Amazônico tem consolidado a degradação ambiental e o agravamento dos problemas sociais, principalmente devido à substituição dos modelos tradicionais de Uso dos Recursos Naturais por um Sistema Econômico Integrado (Herrera, et.al., 2013), onde a principal preocupação é a geração do lucro, que se reflete, dentre outros inúmeros problemas, sobre o esgotamento dos solos, principalmente por conta da utilização predatória do mesmo.
Nesse contexto, permanece atualmente, o reflexo da apropriação do capital privado sobre os recursos naturais na Amazônia, via grandes obras de infraestrutura como as Usinas Hidrelétricas (Herrera, et.al., 2016). A sub-bacia do rio Mutum-Paraná não foge desse contexto, pois trata-se de uma área adjacente ao empreendimento que recebe impactos cumulativos frente à instalação das Hidrelétricas do Madeira. Cavalcante (2012) destacou como impactos Cumulativos, aqueles problemas que já existiam na região, mas que foram potencializados pela implementação das Usinas, como o caso de favorecer ou promover ações que viabilizam o progresso do Uso e Ocupação em áreas ainda não ocupadas, podendo desencadear novos desmatamentos, aumento do fluxo populacional, construção de novas estradas e/ou reestruturação das já existentes, além da pressão sobre áreas legalmente protegidas.
Desse modo, entendendo que o ponto inicial para ocupação de novas áreas é o desmatamento, analisa-se então, o avanço do desmatamento nessa área, que reflete as transformações ocorridas na paisagem, fato que se associa principalmente ao contexto do avanço capitalista sobre a Amazônia, materializada inclusive, por essa apropriação dos recursos naturais pelo capital privado, uma vez que as transformações que vem ocorrendo na paisagem da bacia por meio das atividades antrópicas e podem ser apontadas como resultado/consequência das vontades desse desenvolvimento que acaba interferindo sobre essas modificações e favorecem a elas novos dinamismos, muita das vezes reconfigurando, perdendo sua originalidade e a capacidade de determinadas funções ecológicas.
O desmatamento pode ser o maior problema ambiental existente no meio rural, e manifesta-se pela intervenção do homem sobre a floresta original, dada pelas necessidades econômicas e a disponibilidade de recursos naturais que a floresta dispõe. O fato é que, a retirada da cobertura vegetal expõe o solo ao contato direto das águas pluviais, podendo ocorrer trocas de energia e matéria que se materializam na dinâmica hidro-erosiva mediante a atuação de processos morfogenéticos (TRICART, 1977).
Por se tratar de ambiente amazônico, cuja principal característica morfoclimática definidora são as longas e intensas chuvas que decorrem inclusive da evapotranspiração do enumerado conjunto florístico existente (GRILO & ENAMI, 2008; JASECHKO, et al., 2013), deve-se entender a ação da água como o principal elemento ativo do processo. Essas florestas tropicais, como as que constituem a Amazônia, caracterizam-se pela presença de macro e mesofanerófitos, lianas lenhosas e epífitas em abundância que fornecem grande acúmulo de evapotranspiração à região (WANG, et. al., 2009). A área que compreende a região estudada possui variação de índices pluviométricos entre 1800 mm e 1900 mm anuais (RONDÔNIA, 2001), o que se considera alta interferência pluviométrica sobre a região.
Considerando essa grande contribuição pluviométrica, a cobertura vegetal tende a favorecer a infiltração por reduzir a carga de energia das águas da chuva antes de entrar em contato com o solo, não apenas diminuindo o impacto da água na desagregação das partículas, mas evitando também, sua dispersão no transporte de material com maior intensidade (CASSOL & LIMA, 2003). Sem a cobertura vegetal o terreno perde a capacidade de retenção hídrica e inicia-se então, o processo de escoamento superficial.
O processo de escoamento superficial envolve outros elementos do estrato geográfico, como o declive do terreno e o tipo de solo no qual os processos estão sendo submetidos. Mesmo mediante a importância de outras variáveis, é necessário reconhecer que, no contexto de uma bacia hidrográfica, a ação de interceptação da cobertura vegetal é primordial para manter a qualidade e quantidade dos recursos hídricos disponíveis. De modo que o sistema hidrossedimentológico estabelecido na bacia, se reflete sobre a deposição de sedimentos, geralmente nos canais mais próximos que se configuram as regiões mais rebaixadas de aluviação. Em se tratando de um sistema onde as variáveis estão dependentes uma das outras, a mudança na cobertura vegetal afeta outros recursos naturais disponíveis e interfere nas atividades humanas que dependem de boas estruturas no solo e da manutenção na quantidade e qualidade dos recursos hídricos disponíveis. Nesse sentido, para o estabelecimento de atividades de uso que não comprometam o sistema, é necessário conhecer a realidade da área, para propor medidas mitigadoras.
O uso de imagens orbitais se destaca com grande relevância nesse sentido, para o mapeamento e monitoramento de recursos naturais permitindo uma visão dinâmica temporal da superfície terrestre (SILVA, et.al., 2009). Para analisar uma série histórica capaz de dar conta do entendimento do processo de desmatamento na área da bacia estudada, foi necessário adquirir cenas do satélite LANDSAT TM– 5, bandas 5R, 4G, 3B, das órbitas pontos -233/66, entre o período de 2000 a 2016 com intervalos de 5 anos, onde o desmatamento foi mais significativo. As imagens foram trabalhadas em SIG pelo ArcGis, 8.3, foram compostas, georreferenciadas e classificadas, para então gerar o cálculo do desmatamento.
Dessa forma obteve-se a evolução do desmatamento para a área da bacia, onde o maior percentual de perda de vegetação foi entre os anos de 2000 e 2005 com aumento de 12,8% entre o intervalo de 5 anos. A quantidade de área desmatada passou de 8,776 km² para 51,409 km². Em 2010 já não havia mais vegetação natural em 74,996 km² da bacia, o que equivale à 22,8% em relação à área total
O aumento do percentual de desmatamento entre os anos de 2000-2005 está associado à criação do Núcleo de Povoamento de União Bandeirantes que fica a 30 km dos limites topográficos da Sub-bacia do rio Mutum-Paraná (Conf. Fig. 01). O estabelecimento desse povoado se iniciou em 1999 até sua completa fixação em 2014 (VITACHI, 2015). O núcleo é localizado na subzona 2.1 do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico, cuja ocupação era restrita, no entorno da Resex Jaci-Paraná, Flona Bom Futuro e Terra Indígena Karipuna. Segundo o Ministério Público houve o cometimento de crimes ambientais, esbulho de terras particulares e invasão de terras públicas. Como percebe-se em relação a série histórica abordada, a dimensão dos desflorestamentos extrapolaram para a região como um todo, fato que se estabelece como resposta à abertura das estradas, que serviram basicamente como um “corredor” para o alastramento do desmatamento na região.
A proporção de desmatamento está diretamente relacionada à proximidade com as estradas, obedecendo um padrão de ocorrência, com prejuízos irreparáveis à biodiversidade, meio ambiente e sociedade. O desmatamento pode ser a melhor representação da alteração da paisagem do bioma amazônico e também um de seus maiores problemas. É justo afirmar que esse também é um dos grandes problemas da bacia em tela, dada a localização da área. Fearnside (1989), já alertara para tal problemática quando apresentou seu gráfico de alças causais que tratou do desmatamento em Rondônia no período da colonização agrícola. Em sua análise, o papel das estradas foi determinante na expansão do desmatamento e pelos levantamentos atuais é justo afirmar que essa lógica ainda é vigente para o caso da sub bacia do rio Mutum Paraná. Corrobora essa assertiva Ferreira et al.(2005) quando indica ser a estrada o primeiro passo para o desmatamento que permite a expansão humana e, via de regra, a ocupação irregular de terras. A construção ou pavimentação de estradas e rodovias reflete consequências, condenando a floresta circunvizinha ao desmatamento, isto se deve pela estreita relação entre desmatamento e a proximidade com as rodovias (FEARNSIDE, 2006).
Dados levantados por Nepstad et al.(2001) confirmam esta afirmativa ao demonstrarem que 75% do desmatamento entre 1978 e 1994 ocorreram dentro de uma faixa de 100km de largura ao longo das rodovias que ligam Belém-Brasília (BR-019) e Cuiabá-Porto Velho (BR 364). Nesse caso, o contexto se torna mais intenso se considerarmos que essas invasões trouxeram forte pressão sobre a reserva Extrativista de Jaci-Paraná, que fica a 38km de distância da área, e para a Reserva indígena Karipuna. A RESEX de Jaci-Paraná foi criada pelo Decreto nº 7355 do Poder Executivo, de 17 de Janeiro de 1996, e desde o ano de 2000 vem passando por pressões antrópicas aceleradas. Em 13 de setembro de 2011 foi sancionada pelo Governo de Rondônia a Lei Complementar nº 633, que trata sobre a exclusão de áreas da Reserva Extrativista Jacy-Paraná e outras três reservas. Na lei, foram excluídas cinco áreas pertencentes à RESEX, o equivalente ao total de 2.240,2638 hectares. Nessas áreas já estavam efetivadas predominantemente pastagens, e a lei regulamentou a invasão de verdadeiros grileiros e grandes latifundiários. Diferente do que alegaram alguns deputados na época, os índices de desmatamento que os números apontam (mais de 100ha/ano) dão conta de que a vegetação derrubada não caracterizaria o estabelecimento de agricultura familiar ou extrativismo, só poderia ser reflexo do estabelecimento de outros atores sociais.
Diante desse conflito de interesses na região da sub-bacia estudada, têm-se atualmente um percentual total de desmatamento de 39%, ou seja 61% ainda é floresta. Destaca-se o fato de que a presença da Reserva Indígena tem assegurado esses números, pois da Área total da bacia de 330,2 km², 156,9 Km² são pertencentes à Reserva Indígena Karipuna. Porém com a abertura desse “corredor” para a grilagem de terras, os madeireiros e grandes latifundiários tem traçado forte pressão sobre essa área da AI. Segundo Vitachi (2015, p. 15) os atores protagonistas dos conflitos são: “ A população indígena, o camponês, o posseiro, o trabalhador rural sem-terra e também o empresário do setor madeireiro, comerciantes, enfim, o capital, a economia privada, e comunidades tradicionais”.
Esse contexto de expansão do desmatamento segue ocorrendo sobre a bacia, de modo que o primeiro a extrair lucros das terras obtidas para agregação de valor são os madeireiros, que retiram as espécies comercialmente mais valorizadas, para em seguida, dar lugar à formação de pastos. O tipo de uso predominante na área é a Pastagem em levantamento feito por Nunes (2012), e em visita à área é visível a predominância desse tipo de uso, a própria região favorece a reprodução desse enredo e o avanço da fronte.
- Os dados da evolução temporal do desmatamento dão conta de que o período do aumento da retirada da vegetação da área esteve associado à criação do Núcleo de Povoamento de União Bandeirantes;
- A Amazônia está inserida num contexto de apropriação de seus recursos naturais, no sentido de ser vista como um espaço para expansão do capital, e a sub bacia do rio Mutum Paraná, por situar-se em ambiente amazônico, se inclui nos constantes dinamismos sociais e ambientais estabelecidos nesse espaço.
- Os dados de desmatamento levantados, endossam a atuação de atores sociais sobre a bacia, que se reflete sobre conflitos de uso e ocupação em terras previamente definidas pelo instrumento de gestão que é o ZSEE/RO, como de especial passíveis de uso apenas sob manejo sustentável e Restrito como é o caso da Reserva Indígena Karipuna;
- Apesar da forte pressão sobre a área da Reserva Indígena Karipuna, é ela que ainda tem assegurado o avanço de desmatamento para a bacia do rio Mutum-Paraná, porém, conhecendo a área em questão, entende-se que a pressão sobre os limites geográficos da área é intensa, inclusive por parte de madeireiros e grileiros, em busca de terras principalmente para especulação fundiária.
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** Professor no Instituto Federal de Rondônia allan.augusto@ifro.edu.br
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