Cíntia Alves Araújo *
Matilde Meire Miranda Cadete **
Centro Universitário UNA, Brasil
cintiaenfermagem@yahoo.com.brRESUMO: objetivou-se analisar as dificuldades enfrentadas pelo Conselho Municipal de Saúde em um município de pequeno porte e a efetividade desse canal de participação no acompanhamento, controle e fiscalização das políticas públicas. Trata-se de estudo com abordagem qualitativa realizado por meio de entrevistas semiestruturadas durante o ano de 2014. No total, 10 conselheiros participaram do estudo, cujos depoimentos foram analisados à luz da análise de conteúdo. Constatou-se que os conselheiros sabiam da importância, significado e competências desse órgão, porém mencionaram diversos entraves para o funcionamento do mesmo, como: dificuldade no acesso à informação, falta de preparo e de tempo, dificuldades na infraestrutura, horário incompatível com as atribuições cotidianas dos conselheiros e acesso prévio aos documentos. O estudo evidenciou que mesmo com o interesse e envolvimento dos conselheiros, tanto na parte operacional como nas questões conceituais, a fragilidade dessas instituições ainda se faz presente.
Palavras-Chave: Controle Social, Conselhos de Saúde, Participação Cidadã, Políticas Públicas, Mobilização Popular.
SOCIAL CONTROL IN HEALTH COUNCILS: BARRIERS TO EXERCISE
ABSTRACT: the objective was to analyze the difficulties faced by the Municipal Health Council in a small municipality and the effectiveness of this channel of participation in the monitoring, control and oversight of public policies. It is a qualitative study conducted through semi-structured interviews during the year 2014. In total, 10 counselors participated in the study whose testimonies were analyzed in light of the content analysis proposed by Bardin (2011). It was found that the councilors knew the importance, meaning and competencies of this body, but pointed out several obstacles to the functioning of the same as: difficulty in access to information, lack of preparation and time, difficulties in infrastructure, time inconsistent with daily assignments And prior access to documents. The study showed that even with the interest and involvement of the board members, both in the operational part and in the conceptual issues, the fragility of these institutions is still present.
DESCRIPTORS: Health Councils; Citizen participation; Social Organization.
CONTROL SOCIAL EN LOS CONSEJOS DE SALUD: ENTRAVES EXISTENTES PARA SU EJERCICIO
RESUMEN: se objetivó analizar las dificultades enfrentadas por el Consejo Municipal de Salud en un municipio de pequeño porte y la efectividad de ese canal de participación en el seguimiento, control y fiscalización de las políticas públicas. Se trata de un estudio con enfoque cualitativo realizado por medio de entrevistas semiestructuradas durante el año 2014. En total, 10 consejeros participaron del estudio, cuyos testimonios fueron analizados a la luz del análisis de contenido. Se constató que los consejeros sabían de la importancia, significado y competencias de ese órgano, pero mencionaron diversos obstáculos para el funcionamiento del mismo, como: dificultad en el acceso a la información, falta de preparación y de tiempo, dificultades en la infraestructura, horario incompatible con las atribuciones De los consejeros y acceso previo a los documentos. El estudio evidenció que incluso con el interés e implicación de los consejeros, tanto en la parte operacional como en las cuestiones conceptuales, la fragilidad de esas instituciones aún se hace presente.
Palabras clave: Control Social. Consejo de Salud. Participación Ciudadana. Políticas públicas. Movilización Popular.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Cíntia Alves Araújo y Matilde Meire Miranda Cadete (2017): “Controle social nos conselhos de saúde: entraves existentes para seu exercício”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/controle-social-saude.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703controle-social-saude
INTRODUÇÃO
É notório o “acordar” da população brasileira sobre a necessidade de acompanhamento e participação nos espaços políticos. A população volta às ruas, como em um passado não muito distante, para cobrar dos governantes responsabilidade na condução da política no país.
Tão importante quanto cobrar e exigir nas ruas, é participar do processo de construção dessas políticas. Isso é possível e já é um direito garantido por lei. Os conselhos gestores são realidade na quase totalidade do país, possibilitando a interferência direta do cidadão no planejamento, execução e fiscalização das ações do poder público.
A história dessa conquista tem base nos movimentos sociais iniciados na década de 60, que questionavam a ausência do Estado e buscavam a conquista de direitos sociais em diversas áreas. No campo da saúde, o Movimento da Reforma Sanitária (MRS) que adquiriu expressão já na segunda metade da década de 70 articulou diversas forças setoriais que lutavam por um mesmo objetivo: a garantia do direito à saúde pelo Estado(1).
Por meio da Constituição Federal (CF) de 1988, da Lei Orgânica da Saúde 8.080/90 e da Lei 8.142/90, a sociedade passa a ter garantido um canal de participação direto com a formulação e execução das políticas públicas no campo da saúde. Foram criadas instâncias colegiadas de participação como os Conselhos Municipais de Saúde (CMS) e as Conferências de Saúde (CS), em cada esfera de governo(2).
A partir desse momento o controle social toma forma(3), a sociedade civil passa a exercitar o direito de participar da gestão de diferentes políticas públicas por meio dos conselhos e a organização jurídica do país inclui os conselhos de saúde na estrutura decisória e na fiscalização do manejo dos recursos públicos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
O processo de implantação dos conselhos em cada município brasileiro demandou a mobilização de milhares de cidadãos, gestores e trabalhadores de saúde, a partir de 1990, sendo necessário utilizar o capital político acumulado pela reforma sanitária(4).
Considerando-se a possibilidade de um novo modelo de fazer saúde, os conselhos não podem deixar de assumir uma postura dinâmica, ativa e renovadora para se tornar mero cumpridor de resoluções formais. Muito se tem questionado sobre a efetividade desses conselhos. Fatores que vão desde a capacidade de formulação até a negociação de propostas interferem nesse âmbito. O que se apura é que foram desconcentradas responsabilidades e não democratizado o poder(5).
A obrigatoriedade da aprovação de diversos documentos pelo conselho faz refletir se esses espaços ainda se mantêm devido à mera formalidade legal ou se realmente estão possibilitando o exercício do controle social, da participação cidadã e da fiscalização das políticas públicas, como se propõe na legislação.
A expansão quantitativa dos conselhos gestores não significou necessariamente o sucesso dessa nova institucionalidade na superação dos desafios a ela interpostos. As dificuldades constatadas no cotidiano dos conselhos no Brasil levam a questionamentos relativos à viabilidade ou ao potencial desse formato institucional para o alcance dos objetivos a que se propõe, especialmente na instância do controle social democrático e eficiente sobre as políticas públicas(6,7).
Diversos estudos(3,8,9) trazem como realidade a dificuldade do efetivo exercício do controle social e da participação popular. Grande parte das discussões é superficial, os pontos mais críticos e relevantes não são aprofundados, existe pouca participação da população e a maior parte das informações não chega até a comunidade.
O CMS é um importante instrumento de mobilização social e participação nas políticas de saúde do país. Torna-se um grande desafio fazer com que os órgãos de controle social, como os conselhos, ampliem o debate em conjunto com a comunidade que representam e com os gestores para que os princípios do SUS, entre eles a participação social, sejam fortalecidos.
Nesse sentido, o presente artigo busca apresentar as principais dificuldades enfrentadas para o exercício do controle social e participação na formulação e acompanhamento das políticas públicas no âmbito do CMS da cidade de São Gonçalo do Rio Abaixo (SGRA)-MG.
MÉTODO
O estudo foi realizado na cidade de SGRA, situada a 84 km da capital Belo Horizonte, que conta com população de 9.777 habitantes(10).
Trata-se de estudo com abordagem qualitativa e a coleta de dados realizada por meio de entrevistas semiestruturadas.
As entrevistas foram realizadas no período de janeiro e fevereiro de 2014, com os membros titulares do CMS, totalizando 10 entrevistas. Todas foram gravadas com o consentimento prévio dos sujeitos e, posteriormente, transcritas literalmente preservando-se a fala dos sujeitos e após tratamento dos dados, que foram decompostos, codificados e ordenados em categorias, utilizando a técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin(11).
A pesquisa atendeu às determinações estipuladas pelas normas do Conselho Nacional de Saúde - Diretriz e Normas Regulamentadoras Envolvendo Seres Humanos - Resolução CNS nº 466/2012(12). E foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNA, sob o Parecer nº 303.673, de 13 de junho de 2013, e CAAE nº 15511313.2.0000.5098. Os participantes, após orientados e esclarecidos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando a participação como sujeito da pesquisa e posterior divulgação dos resultados.
RESULTADOS
Visando à preservação da identidade dos sujeitos da pesquisa, as entrevistas foram enumeradas aleatoriamente de um a 10, seguidos da letra C quando houvesse referência à fala de algum conselheiro.
Antes da realização propriamente dita das entrevistas, ocorreu desencontro de informações acerca dos conselheiros que compõem o CMS de SGRA. Ao serem procurados pelo entrevistador, surgiram relatos de conselheiros que não sabiam sequer que estavam compondo o conselho. Outros declararam que já não eram mais conselheiros e havia também os que já não residiam mais no município.
Concluiu-se também nessa fase inicial que o segmento dos prestadores de serviço estava sem representação no conselho, mostrando o descumprimento da legislação municipal vigente(13).
A organização dos segmentos, conforme estabelecido nacionalmente(14), deve seguir o princípio da paridade, em que 50% dos integrantes, obrigatoriamente, devem ser representantes dos usuários. Os outros 50% são distribuídos em 25% profissionais de saúde e os outros 25% gestores e prestadores de serviços do SUS.
Ao que se pôde averiguar, a falta de representatividade no segmento dos prestadores de serviço foi substituída por representantes do governo.
Dos 10 conselheiros, membros titulares que compõem o CMS de SGRA, três são do sexo masculino e sete do sexo feminino. Em relação à idade, seis conselheiros estão na faixa etária entre 25 e 45 anos e quatro estão na faixa etária acima de 45 anos. No quesito escolaridade, apurou-se distribuição regular da escolaridade, sendo que dois conselheiros possuem o ensino fundamental, quatro o ensino médio e quatro o ensino superior.
Em relação ao mandato no conselho, cinco encontravam-se no primeiro mandato no CMS, os outros cinco já estavam há dois ou mais mandatos.
Sobre a forma de inserção no conselho, três (30%) dos conselheiros foram convidados pela gestão da Secretaria de Saúde para compor o conselho; três (30%) mencionaram terem sido indicados pelo governo; e quatro (40%) informaram que foram convidados por outros conselheiros.
Perguntados sobre o que representava o conselho para eles, qual o seu significado, foram obtidas diversas opiniões, listadas no Quadro 1.
Constatou-se, por conseguinte, que os conselheiros sabiam da importância e significado desse órgão para a formulação e acompanhamento das políticas públicas. Essa consciência é necessária a partir do momento em que essas pessoas passam a compor o conselho.
Ao discorrerem acerca das competências do Conselho Municipal de Saúde, as seguintes menções foram feitas:
Verificou-se, então, que os conselheiros do CMS de SGRA tinham conhecimento acerca das competências que estão estabelecidas em lei para serem cumpridas no conselho.
Um dos conselheiros, apesar de pontuar qual seria a principal competência do conselho, expôs a sua opinião sobre a realidade observada por ele:
A fiscalização é a principal competência do conselho, mas ela deve ser realmente feita da maneira correta. Particularmente eu acho que nosso conselho peca muito em relação a isso. Eu tenho a sensação que se não todos, mas a maioria dos membros, se lembram que são conselheiros municipais de saúde somente quando são convocados para as reuniões ordinárias e extraordinárias (C5).
Muitas vezes não ocorre o envolvimento necessário para que se promova efetivamente uma mudança nos paradigmas existentes. A função do conselheiro acaba sendo meramente formal, deixando de exercer o controle social nos espaços legítimos de negociação, fiscalização e de formulação de propostas.
Buscando avaliar a autonomia dos conselheiros, questionou-se, então, como se dá a participação dos mesmos nas decisões emanadas pelo órgão, incluindo-se as proposições para plenária, controle e avaliação das atividades do conselho.
Nesse quesito, as opiniões ficaram assim divididas:
A maior parte dos conselheiros relatou ter as suas opiniões e sugestões respeitadas no conselho. A construção da autonomia torna-se essencial no exercício da cidadania. Ao sentirem-se ouvidos, respeitados, cresce nos indivíduos a vontade de envolver-se e até mesmo de participar.
Perguntados, então, se os conselheiros teriam alguma dificuldade em participar do conselho, foi obtida uma divisão sistemática das opiniões: 50% dos conselheiros encontraram dificuldades e 50% responderam que não possuíam alguma dificuldade em participar do conselho, que eram ouvidos e tinham suas opiniões respeitadas.
As dificuldades relatadas foram:
A) Dificuldade no acesso à informação
Por a gente estar numa cidade de interior, a gente tem uma maior dificuldade de acesso à informação e a uma série de outras coisas [...] (C7).
O acesso aos documentos e às informações deveria estar à disposição de todos os membros do conselho, independentemente de ser uma cidade de interior ou uma grande metrópole. Iniciativas como os portais de transparência têm possibilitado consultas diversas a toda a população, porém são soluções que demoram a chegar ao conhecimento da sociedade.
B) Falta de preparo
[...] a gente não tem um preparo, assim... um bom preparo, “né”, mas a gente vai participando assim mesmo.
Os temas discutidos nos conselhos são diversos e muitas vezes carregados de informações de contabilidade, termos técnicos, termos políticos, entre outros. A familiaridade com esses temas requer tempo e capacitação.
C) Falta de tempo
A minha maior dificuldade em participar do conselho é muito em relação à vida profissional que eu “tô” tendo atualmente... bem apertada... então eu não consigo dedicar suficientemente o que eu gostaria de dedicar ao conselho, para ser um bom conselheiro (C7).
Para exercer a função de conselheiro, mais do que o tempo propriamente dito, é necessário envolvimento. Quando a causa que é defendida está bem incorporada pelo sujeito, a participação é exercida de maneira espontânea.
D) Estrutura física
A falta ou deficiência de estrutura física e recursos nos conselhos pode levar a certa dependência da Secretaria de Saúde para a efetivação das ações operacionais do órgão (realização de comunicados, espaço para receber a população, atividades de fiscalização, entre outros).
E) Horário das reuniões
O horário para mim é uma grande dificuldade, pois é sempre no meu horário de serviço [...] (C5).
Se o horário das reuniões é impeditivo para mais de um conselheiro poder participar, deveria ocorrer um envolvimento no sentido de viabilizar horários mais flexíveis e adaptáveis à realidade dos envolvidos.
F) Leitura prévia dos documentos
[...] em certos momentos, a gente precisa ler mais as coisas pra gente aprovar, só que a gente às vezes não tem tanto prazo pra responder (C4)
Essa fala revela que há pouco prazo para o conselheiro entender sobre o que está em votação; os prazos são curtos diante do volume de informações. Esse curto espaço de reflexão associado à baixa experiência participativa pode levar à ocorrência de decisões que vão de encontro dos reais anseios e necessidades da população, que fica alheia às decisões do conselho.
Apesar das dificuldades apresentadas, a experiência no conselho pareceu ser enriquecedora para os entrevistados. Questionados sobre o interesse em participar novamente de alguma associação ou conselho, apenas dois (20%) responderam que não. Outros dois (20%) responderam que dependeria dos objetivos da instituição e seis (60%) dos conselheiros afirmaram que sim, pois ser conselheiro é uma forma de ser útil à sociedade.
DISCUSSÃO
A distribuição irregular da paridade no CMS de SGRA deveria ser objeto de questionamento por parte dos conselheiros e da sociedade local, pois a atual distribuição está com um membro a mais da gestão, o que pode favorecer o processo de deliberação.
Estudos(3,9) confirmam a ocorrência dessa distribuição irregular da paridade e deficiência nas representações nos espaços dos conselhos gestores.
Observar se a distribuição ocorre de forma paritária é importante para se avaliar o nível de democratização e autonomia dos conselhos. Diversificar o leque de grupos ou movimentos sociais participantes desses espaços pode ampliar os debates acerca de assuntos importantes e necessários para a sociedade.
A forma de escolha do representante de cada entidade exerce influência no tipo de representação que se deseja, de modo que sua identificação pode ajudar a entender os limites e as possibilidades dessa representação(15).
A escolaridade não foi um ponto discrepante no estudo, considerando sua distribuição regular. Entende-se que a escolaridade, por um lado, pode favorecer o bom desempenho no conselho, porém, por outro lado, indica outro fenômeno, qual seja, a “elitização” dos representantes dos usuários no conselho(16).
Para participar mais ativamente e compreender os assuntos colocados em pauta, algumas aptidões são necessárias, como a capacidade mínima de compreensão textual e conhecimento sobre o funcionamento e princípios do SUS, entre outros(8).
Verificou-se que existiam conselheiros iniciantes e outros já atuantes há mais de um mandato. A experiência democrática pode favorecer o processo de acompanhamento e fiscalização dessas arenas, porém a permanência prolongada no conselho pode levar à significativa apatia participativa.
A “profissionalização” do conselheiro é algo preocupante, pois é um mesmo grupo a se fixar nos espaços deliberativos, correndo-se o risco de que a representatividade perca o sentido de trazer para o espaço de discussão os anseios dos representados(16,17).
Acredita-se que exista desconhecimento por grande parte da população acerca da existência dos conselhos gestores. A população, que vivencia a maior parte dos problemas existentes, muitas vezes não sabe nem como ingressar nessas instituições. A indicação pela gestão e governo leva a questionar se não ocorre favorecimento já no processo de escolha dos conselheiros.
A fragilidade na mobilização social e apatia política têm sido reconhecidos como grandes entraves ao funcionamento dos conselhos(18).
Se a institucionalização da democracia garante um lugar aos cidadãos, com seus direitos e meios de intervir, existe outro processo necessário à realização desse lugar, que é própria do sujeito, do reconhecimento de si como sujeito político(19).
Os conselheiros mostraram-se conscientes do seu papel, sabem das competências e atribuições do conselho, afirmam ter suas opiniões e manifestações respeitadas. Sem dúvida, as respostas advindas desse grupo demonstram uma vitória alcançada pela participação popular.
A participação social na gestão das políticas públicas deve representar uma oportunidade de assumir postura crítica, ativa e criativa dos sujeitos no conjunto da atenção e promoção da saúde. Por meio do remanejamento efetivo do poder e do saber, é possível perceber os avanços e a força da mobilização popular(20).
Nesse sentido, cabe aos conselheiros serem interlocutores na sociedade, para que ocorram lutas por conquistas que vão ao encontro dos interesses da comunidade, tornando o usuário corresponsável pelo processo de tomada de decisão.
Quanto maior for a participação dos diretamente interessados no processo decisório de determinada política, mais chances ela tem de produzir resultados que atendam às necessidades daqueles e menos riscos de expressarem os interesses dos governantes(21).
Dessa forma, a construção do modelo assistencial de saúde local estaria mais adaptada e condizente com a realidade local.
Democratizar as informações e permitir sua avaliação por parte dos sujeitos seria colocar o usuário no centro do processo, numa relação de corresponsabilidade. Para que isso ocorra, é imprescindível o fluxo constante de informações, em que população e conselheiro se comuniquem com clareza(22).
Somente nos ambientes nos quais os valores democráticos são respeitados e valorizados, os conselhos conseguem exercer de maneira eficaz o papel de instância democrática, participativa e deliberativa(18).
Contudo, os entraves identificados pelos conselheiros indicam situações que acabam comprometendo todo o processo democrático.
A diferença de acesso às informações pode gerar relações dissimétricas de discussão dentro do conselho. Em consequência, a configuração democrática desse espaço fica fragilizada, pois pode haver certo grau de controle daqueles que detêm o conhecimento específico, restringindo, assim, o debate(22).
Ao considerar-se despreparado, o conselheiro pode deixar de se envolver em discussões e de emitir opiniões acerca dos assuntos deliberados nas reuniões.
A educação para o exercício da cidadania pode ser um dos caminhos necessários para essa mudança(7).
Nesse sentido, os processos de formação e qualificação são estratégias fundamentais para a compreensão e aperfeiçoamento do conselheiro no exercício de seu papel decisório das políticas de saúde, de maneira a permitir os debates em patamares de igualdade institucional(1).
Os conselhos têm o direito de requisitar da administração municipal a disponibilização de recursos tanto para organização da estrutura física, administrativa e logística (computador, acesso à internet, secretária executiva, mobiliário) como para o deslocamento dos conselheiros e custeio de ações de educação continuada(23).
As restrições às condições de funcionamento podem ser consideradas uma das formas de se deslegitimar a atuação dos conselhos(21).
A atual forma de organização e as regras definidas para o seu funcionamento têm levado à burocratização e à hierarquização no espaço dos conselhos gestores. Consequentemente, as decisões sobre as necessidades de saúde, que deveriam ser o foco de atuação do conselho, cedem espaço para assuntos que vão de encontro aos interesses dos gestores.
Logo, constitui-se um desafio evitar que estruturas que foram frutos de lutas históricas e sociais acabem se esvaziando de sentido e força, sendo somente um “esqueleto” de um sonho(19).
CONCLUSÃO
Os conselhos municipais de saúde são, sem dúvida, um marco de conquista da sociedade brasileira, que passou a ocupar os espaços antes vazios de voz popular. Contudo, constata-se que a cultura política em desenvolvimento no país ainda é um processo que está se desenvolvendo lentamente. Ainda existem traços das práticas autoritárias e clientelistas que permearam o cenário dos governos brasileiros.
Dificuldades que vão desde a estrutura física, consenso entre horário de reuniões até questões mais complexas, como deficiência no processo de capacitação e a própria paridade na representação dos conselhos, são entraves ao exercício da participação cidadã e à prática do controle social. As dificuldades encontradas no CMS de SGRA são condizentes com as vivenciadas em diversos conselhos do país, conforme verificado na literatura que subsidiou este estudo. Tanto na parte operacional como nas questões conceituais a fragilidade dessas instituições ainda se faz presente.
Dessa forma, acredita-se que a simetria de poder interno nos conselhos gestores será consolidada com a participação efetiva dos atores sociais por meio do diálogo com novas formas de participação e na construção de políticas que promovam uma realidade social mais justa.
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** Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: matilde@nescon.medicina.ufmg.br
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