Genisson Paes Chaves*
Lourdes Gonçalves Furtado**
Universidade Federal do Pará, Brasil
paes.paesg@gmail.comENTRE RÍOS, AGUJEROS Y CORRIENTES: EL AMBIENTE ACUÁTICO EN EL IMAGINARIO SOCIAL DE UNA SOCIEDAD AMAZÓNICA.
Resumen: En este estudio se destacan las percepciones de una sociedad amazónica, en el estado de Pará, en la Amazonía brasileña, sobre el medio acuático, en este contexto, entendido por ríos, pozos y arroyos. A través de un estudio de caso guiado por medio de entrevistas semiestructuradas y observación participante, se entendió que el medio acuático, lejos de ser sólo "las calles" en que circulan los barcos todos los días y de donde se saca gran parte de la dieta de muchas sociedades amazónicas, da vida a las historias y mitos que son significativos en el modo de vida de este tipo de sociedades.
Palabras clave: Pueblos del agua, medio ambiente acuático, imaginario social, cosmología, Amazonía.
Summary: This study deals with the perceptions of the aquatic environment - in this case relating to the rivers, borings and brooks - of an amazonian society located in the state of Pará in the Brazilian Amazon region. Through a study case realised by semi-structured interviews and participatory approach, we put forward that the aquatic environment, far from being only the “streets” in which move around people watercrafts on a daily basis, and from which is gained a big part of the diet of many amazonian societies, gives life to myths and stories that are important in the way of life of such societies.
Key-words: riparian people, aquatic environment, social imaginary, cosmology, Amazon region.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Genisson Paes Chaves y Lourdes Gonçalves Furtado (2017): “Entre rios, furos e igarapés: o ambiente aquático no imaginário social dos ribeirinhos de uma sociedade amazônica”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/rios-furos-igarapes.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702rios-furos-igarapes
Diversos são os aspectos atribuídos ao universo aquático. De morada de deuses e princesas encantadas, a lugares de perdição e habitados por monstros, ou mesmo espaços sagrados e de adoração e respeito, nota-se que o ambiente aquático historicamente foi sendo retratado pelas diferentes culturas de diversas sociedades desde tempos imemoriais, o que possibilita afirmar que a relação humana com o mundo das águas é milenar (LUCENA, 2007).
No que tange às diversas sociedades amazônicas que vivem às margens das águas escuras e barrentas de rios como o Amazonas, o Tocantins e o Tapajós, além de seus afluentes, dentre outros, é perceptível a existência de importantes exemplos que ilustram essa “relação milenar”, tecida esse homens e mulheres, com seres deste e de outros mundos. Para tais sociedades o mundo das águas é o cenário construtor de sociabilidades e de identidades, a via de comunicação entre o “continente”, ou seja, as cidades amazônicas, com outras ilhas e vilas e é a fonte inspiradora de histórias e mitos que ilustram o campo simbólico do rico imaginário social dos diferentes Povos das águas, das gentes que se reproduzem na Amazônia.
Algumas dessas sociedades, por exemplo, utilizam os perigos provocados pelas correntezas das águas como uma espécie de teste em que o(a) jovem amazônida, ao enfrentar a agitação das águas, com coragem e destemor, pode obter o status de pescador(a). É também por meio das águas que há séculos as populações nativas das Amazônias retiram grande parte da alimentação diária de que precisam para sua reprodução social, além de utilizá-la como referência geradora de histórias e mitos muitos importantes no dia a dia de tais modos de viver, pensar e agir.
Para muitas sociedades amazônicas o ambiente aquático, assim como a terra, representa vida e, por isso, exerce importante papel na reprodutibilidade social de grupos indígenas como rurais que vivem desde as mais remotas cercanias dos rios, lagos e igarapés às praias do litoral amazônico. Delas fluem os diversificados recursos, sobretudo os da pesca, que os povos das águas lançam mão para a sobrevivência, ascensão social e para o abastecimento de centros populacionais com os quais mantêm contato intercultural direto. Nesse sentido, as águas guardam valores que extrapolam o plano material e que são responsáveis pela explicação de comportamentos culturais entre grupos indígenas e não indígenas cujo universo cosmológico é permeado pelas relações do grupo com o meio ambiente circunvizinho (FURTADO, 1990).
O presente estudo tem como objeto de análise o uso social e simbólico do ambiente aquático na sociedade ribeirinha de Igarapé Grande, na Ilha Saracá, situado na área insular do município de Limoeiro do Ajuru, no Nordeste Paraense. A partir de um estudo de caso, buscou-se compreender quais os exemplos que ilustram o uso social e simbólico do ambiente aquático no cotidiano local. Ressalta-se que este trabalho foi iniciado por uma longa experiência de vivência e de relações de parentesco de um dos autores com a citada comunidade e por trabalhos posteriores sobre questões envolvendo a pesca e o extrativismo do açaí.
Na pesquisa de campo utilizou-se de registros fotográficos, observação direta participante e de entrevistas semiestruturadas. A essas ferramentas de pesquisa somam-se o uso da história oral como metodologia de investigação na medida em que “valoriza a liberdade de pensamento e da expressão” (HARRES, 2009, p. 14) dos interlocutores locais. A esse respeito o uso de fontes orais permitiu acesso à memória despertada pelas lembranças de um passado evocado em um presente que nele inscreve esperanças e ressentimentos, o qual é revisto continuamente pelas vivências e experiências acumuladas ao longo da vida (HARRES, 2009).
Igarapé Grande (ver mapa 1) localiza-se na região do Saracá da Costa, na Ilha Saracá1 , no município de Limoeiro do Ajuru, no Nordeste Paraense. Atualmente, nesta sociedade há aproximadamente 80 indivíduos que vivem em cerca de quinze moradias, construídas de madeira e geralmente cobertas por telhas de barro. O Rio Igarapé Grande possui características de várzea e é composto por estreitos furos e igarapés, sendo o principal, o rio que nomeia o local. Este tem aproximadamente trinta metros de largura e em tempos remotos chamava-se de Igarapé Carvalho.
A paisagem é marcada pela presença de açaizeiros (Euterpe oleracea Mart.), aningueiras (Montrichardia linifera), buritizeiros (Mauritia flexuosa), seringueiras (Hevea brasiliensis) dentre outras espécies vegetais. Em relação à economia, as principais atividades desenvolvidas são a pesca e a extração de açaí. E em menor proporção, mas não menos importante, a coleta do cacau. Há também destaque para a criação de galinhas, patos e porcos. No que se refere a serviços públicos, Igarapé Grande não dispõe de escolas, postos de saúde, água encanada e luz elétrica. Para estudar, a população que ali habita, se dirige à escola localizada no rio Paxiba e utiliza a unidade de saúde localizada neste mesmo rio. A luz é obtida através de motor/gerador que geralmente funciona durante o período de dezoito horas às vinte e uma hora. Normalmente, o motor/gerador é também acionado um pouco antes do almoço para o beneficiamento do açaí (CHAVES, 2013; CHAVES et. al., 2015). Atualmente, está em andamento uma ação que visa obter energia elétrica do município sede, mas esta ainda não está em funcionamento.
No que se refere ao lazer, Igarapé Grande dispõe de um campo de futebol, alguns bares e pequenos comércios. Há também o jogo de baralho, principalmente durante a tarde, em que a população fofoca e conversa sobre assuntos relacionados às telenovelas e aos acontecimentos das cidades e ilhas locais. Também é bastante comum o deslocamento da população para outras partes da ilha e de ilhas circunvizinhas a esta, em busca de festas e de torneios de futebol.
Povos das águas é o termo ideal para definir uma sociedade que tem como base de sua reprodutibilidade material e imaterial o ambiente aquático. Pois esta sociedade, assim como muitas outras da Amazônia, possui uma relação direta e cotidiana com os rios, furos e igarapés, elementos marcantes no modo de viver em questão. Abaixo são descritas algumas das múltiplas faces que o ambiente aquático possui para o grupo acima referido:
a) Para o transporte: Como outras sociedades que vivem beiradiando, ou seja, vivendo às margens das águas amazônicas, Igarapé Grande utiliza as vias aquáticas como os furos, igarapés e rios para a circulação diária de pessoas, mercadorias bens e serviços. Por meio dessas vias, esta sociedade se comunica com as demais comunidades da Ilha Saracá, com outras ilhas, vilas e com as cidades de Cametá, Limoeiro do Ajuru, Abaetetuba, a capital Belém, dentre outros. Nesse sentido, diariamente circulam embarcações de tamanhos variados para estes lugares onde a população comercializa o pescado, o açaí e o cacau coletados, e na busca de órgãos públicos e privados e de outros serviços disponibilizados pelas cidades.
Por tais vias, as pessoas também se dirigem aos pontos de pescaria e de extração e coleta de frutos e sementes, como o açaí, o cacau dentre outros; ou apenas vão à casa de um compadre para tomar café e saber das coisas da cidade e do mundo. Nesse sentido, a água é compreendida como território de comunicação que permite os contatos e as interações interculturais dessa sociedade com outras da Amazônia.
b) Para o lazer: Em Igarapé Grande, os corredores de água são também utilizados para o lazer, mediante brincadeiras, a saber: pega-pega; quem passa mais tempo no fundo d’água; quem chega primeiro na outra extremidade do igarapé; quem se submerge no rio e emerge mais longe; quem pega mais rápido terra no fundo do rio; quem acha o sabão que escorregou das mãos e caiu na água e; onde as crianças ensaiam a vida adulta, “brincando” de capturar peixe com uma vara amarrada com uma linha em um pedaço de pau. Mesmo um simples passeio a “casco” (termo local para identificar canoa) dentro do igarapé pode fazer com que o dia fique mais agradável.
c) Uso doméstico e tecnologias de “purificação” da água: Como não há água encanada em Igarapé Grande, a população utiliza a água do igarapé para o banho, o qual pode ocorrer no próprio igarapé ou em banheiros abastecidos através de baldes de plástico; para os afazeres domésticos, tais como lavar a roupa e preparar a comida, bem como para saciar a sede. Nesse caso, como a água do Igarapé Grande possui muito sedimento, por isso, assume uma coloração marrom, os moradores utilizam um pano de algodão para coá-la (filtrar) dentro de recipientes de plástico em que a água fica armazenada. Posteriormente, armazenam a água em garrafas do tipo pet e colocam-na em geladeiras ou frízeres ou mesmo diretamente em potes de barro para o próprio consumo.
Em relação às pessoas que possuem caixa d’água, a água obtida é bombeada através de canos posicionados próximos às escadarias que dão acesso às casas e que transportam a água do rio para as caixas situadas às proximidades da habitação. Normalmente, os moradores colocam um pedaço de algodão na boca da torneira e nela o amarram com um pedaço de pano, no intuito de coá-la. Essa técnica faz com que as impurezas visíveis fiquem retidas no algodão, o que melhora o aspecto da água e a torna, segundo os moradores, “propícia ao consumo”.
Outra técnica utilizada por esta população consiste em deixar a água armazenada em recipientes de plásticos ou em panelas em repouso durante algum tempo. Isso faz com que as impurezas visíveis fiquem armazenadas no fundo do recipiente, o que facilitará a retirada da água “limpa” que é despejada em outro recipiente e propícia ao uso doméstico e descarte das impurezas armazenadas no fundo do vasilhame.
d) Na reflexão local: Outro aspecto do uso da água observado na citada sociedade, foi sua utilização no processo de introspecção. Essa situação ocorre quando algum morador fica admirando sua própria, imagem refletida na água. Os moradores acreditam que esse processo ajuda na reflexão sobre si mesmos, sobre os problemas da ilha, o futuro da família, o resultado de uma pescaria ou de como será o dia de amanhã, pois “olhar a água é olhar o interior de si mesmo”. Nesse sentido, a água é percebida como moderadora de comunicação do indivíduo com o seu eu interior.
e) Água de inverno e água de verão: No inverno e no verão a água assume diferentes faces. “Ambos têm uma dinâmica relativamente diferenciada entre si, isto é, a morfologia social local apresenta sinais característicos dessa sazonalidade, ou da diferença de estações na Amazônia, recorrentes em áreas que partilham de situação análoga” (CHAVES e FURTADO, 2014, p. 1). Durante o inverno, por exemplo, período correspondente aos meses de janeiro a junho, ocorre um fenômeno natural denominado de lançante. A lançante ocorre quando a incidência de chuva eleva o nível da maré e faz com que a água invada a terra, muitas vezes chegando a invadir casas de baixa estatura. Portanto, nessa época do ano as águas são consideradas pelos moradores de Igarapé Grande como perigosas, pois tornam a vida um pouco mais difícil, na medida em que a maré alta e as chuvas fortes, muitas vezes, impedem o deslocamento de pessoas para pontos de extração de açaí e de pescaria. Tudo fica mais perigoso, já que a “água grande” atrai bichos, tais como cobras, “baratas do fundo”, aranhas dentre outros, para perto das casas e das árvores circunvizinhas a esta.
O período é ilustrado no relato de uma moradora que informa que “as pessoas ficam sem poder trabalhar, adquirir certas coisas (fazer compras, por exemplo), ir pro mato (local de extração de açaí e de cacau), é feio”. Ressalta que “por causa da chuva e da água, é perigoso, uma vez que o inverno e as chuvas concentram muita cobra”, poisa lançante contribui para que as cobras passem a viver nos galhos de árvores, galinheiros, dentre outros, situados próximos às residências e aos locais de extração de açaí. Outro problema que contribui para esta visão refere-se ao fato de que os objetos que caem no chão, são levados quando a maré sobe e “leva tudo”, afirma a referida moradora. A referida moradora informa também que “no inverno não há fartura”, a vida fica mais difícil, já que a pesca é proibida devido o período do defeso – época de reprodução dos peixes. No verão, a moradora esclarece, “tudo é bonito, é limpo, é farto” a vida melhora consideravelmente, pois não há lançante e é também a época da safra do açaí.
Para muitas sociedades amazônicas os rios, igarapés e furos “são locais, habitados por seres naturais e sobrenaturais benéficos que, quando desrespeitados, podem trazer destruição e desgraça” (DIEGUES, 2005, p. 1). Essa visão diferenciada faz com que essas sociedades, de modo geral, atribuam “valores às águas que são distintos daqueles utilizados pelas sociedades urbano-industriais” (DIEGUES, 2005, p. 1). Nesse sentido, o cotidiano ligado ao mundo das águas é recheado de experiências com “seres fantásticos” (MORAES, 2007).
A mitologia é uma questão muito importante do ponto de vista antropológico, pois é fruto do espírito humano e ajuda a reconstituir a memória de um povo em particular, já que diz respeito a um conhecimento transmitido de geração em geração e que tem uma aplicabilidade prática para cada grupo social, dentro do seu próprio contexto. Dessa forma, longe de associarem-se a acontecimentos banais, adquirem existência própria na medida em que dão significados à vida, aos acontecimentos e aos castigos, pois fazem parte de uma rica teia de conhecimentos que são construídos, condensados e metamorfoseados na práxis do cotidiano dessas sociedades (MORAES, 2007). O Fogo do Mar, O Boto e a Pata do Igarapé da Pata são alguns dos principais exemplos da cosmologia que norteia o imaginário social em Igarapé Grande. Abaixo são sintetizados esses exemplos:
a) O Fogo do Mar: O Fogo do Mar é retratado pelos moradores de Igarapé Grande como uma bola de fogo que anda por sobre as águas do Rio Tocantins, aparecendo sempre à noite. Os moradores acreditam se tratar de uma alma penada de alguém que “fez o que não devia” – possivelmente uma pessoa que teria desrespeitado os mais velhos, por meio de palavras ofensivas ou mesmo pelo uso de violência física – e por isso, foi condenada a vagar pelas águas do rio sob a forma de uma bola de fogo.
Outra possibilidade refere-se a uma morte por afogamento depois que determinado indivíduo contrariou as ordens dos pais que o aconselharam a não se aproximar do rio. O desrespeito deste indivíduo perante as ordens de seus pais ou de algum outro responsável, fez com que o mesmo, depois de morto, se tornasse uma bola de fogo que vive a vagar pelo mundo das águas até o momento em que será salvo, o que, na visão de um morador, depende da vontade Divina. Os moradores também acreditam que caso alguém toque com as mãos o Fogo do Mar, poderá libertar essa alma de sua sina e em troca, será recompensado com muitas moedas de ouro. Contudo, não há relato que afirme que tal façanha tenha ocorrido, pelo menos com a sociedade em questão.
b) O Boto: O Boto é uma crença presente em muitas sociedades da Amazônia. A maioria dessas narrativas descreve-o como um animal que se metamorfoseia em ser humano, geralmente um homem de aparência bonita e que frequenta as festas, encantando e seduzindo as caboclas das mais ermas sociedades amazônicas. Nesse sentido, o boto – um ser ambíguo – forjado a partir do “encontro” da cultura com a natureza, está ora como animal, no campo da natureza, ora como homem, no campo da cultura (nota-se que não há conflito entre esses dois conceitos que são muito caros para o pensamento antropológico). Para a sociedade amazônica de Igarapé Grande o boto é considerado um ser ruim, pois como afirma um morador: “um bicho que se transforma em gente não deve ser coisa boa”, por isso, é preciso manter certo cuidado com este animal.
Outro aspecto percebido em relação ao boto, diz respeito a um tipo de “contrato assinado” entre este animal (aqui apenas no campo da natureza, já que neste caso o boto não se transfigura em ser humano) e o ser humano. Essa relação ganha sentido a partir do momento em que determinado pescador constrói um tipo de armadilha de pesca denominada de “paredão”. Os paredões ou “currais são armadilhas de pesca colocadas em locais estratégicos que devam favorecer a entrada dos peixes. Podem ser grandes ou pequenos e sempre são posicionados em direção à correnteza da maré. Sua colocação pode ser na orla praiana, litorânea ou ‘mar-de-fora’” (NERY, 1995).
Para que por meio dessa armadilha haja uma boa pescaria, o dono do “paredão” pede para que os botos empurrem peixes para o interior da armadilha. Em contrapartida, o pescador se compromete a sempre entregar aos botos alguns dos peixes capturados. Os peixes destinados ao boto não podem ser de má qualidade, mas sim, os mais bonitos. A entrega ao boto de peixes estregados ou que contenha muita espinha, implicará na quebra desse “acordo” e poderá fazer com que o boto não mais empurre peixes para a armadilha ou mesmo os espante. Em último caso, o animal, “se o animal se sentir ofendido”, pode até quebrar a armadilha, o que já ocorreu segundo alguns moradores.
c) A Pata do Igarapé: A Pata do Igarapé da Pataé um ser que, segundo os moradores, aparece na forma de uma pata em um igarapé que ficou conhecido por sua lenda. Para muitos é um ser que não faz mal a ninguém, mas que precisa ser respeitado (não perturbado). Acredita-se que a pata, assim como o Fogo do Mar, seja uma alma penada que veio a este mundo pagar sua penitência. Atualmente, tanto este como aquele, não são mais vistos pelos moradores do local. A esse respeito é válido questionar se já chegou a hora destes seres se libertarem deste mundo depois de terem pagado suas respectivas penitências. Será?
CONCLUSÕES
Por viver em meio a um mundo cercado pelas águas, a sociedade de Igarapé Grande cria e recria significados sobre esse universo sociocultural. Nesse sentido, as estórias e os mitos criados, não são narrações bobas ou destituídas de significado, mas dão sentido e justificam a própria vida. Elas retratam a visão de mundo que estes “filósofos” têm sobre si mesmos. A esse respeito Lévi-Strauss (1987) diz que as pessoas são movidas “por uma necessidade ou um desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem. Por outro lado, para atingirem este objectivo, agem por meios intelectuais, exactamente como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode fazer e fará um cientista” (p. 26). É dentro dessa linha que a sociedade aqui estudada se encaixa.
Nesse sentido, as representações criadas a partir das (es)histórias aqui apresentadas, ensinam e permitem relembrar que valores como a respeito e o amor ao próximo, hoje em dia tão frágeis, precisam ser retomados. O Fogo do Mar é um desses exemplos que possibilita refletir sobre esses valores hoje perdidos. Portanto, os mitos e as estórias locais estão dentro do campo simbólico, inseridos no contexto social da sociedade. Representam o patrimônio cultural, material e imaterial muito valorizado pela UNESCO e pelo IPHAN e que em muitos contextos sociais de hoje vão aos poucos se perdendo. São maneiras de ver e perceber o mundo através das gentes da Amazônia que traçam suas formas de entender e de viver o mundo do qual fazem parte.
Dessa forma e compartilhando o pensamento de FURTADO (2009), deseja-se que este estudo de caso sirva de base para subsidiar políticas públicas que levem em consideração a diversidade sociocultural e adaptativa, o patrimônio cultural imaterial de populações tradicionais e que os valores da sociedade em questão e das sociedades amazônicas das águas, de modo geral, sejam levados em consideração como indicadores de conhecimento, para que os benefícios da modernidade sejam socializados por todos os grupos e não para alguns setores da sociedade.
REFERÊNCIAS
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CHAVES, G. P. Açaí na mesa: o circuito produtivo do açaí em uma comunidade da Ilha Saracá (PA). 49f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais). Belém: Universidade Federal do Pará. 2013.
CHAVES, G. P. et. al.,. A importância sociocultural do açaí (Euterpe oleracea Mart.) na Amazônia brasileira. Contribuciones a las Ciencias Sociales, Andaluzia, v. 29, p. 1-11, 2015.
DIEGUES, A. C. (2005): Aspectos Sócio-Culturais e Políticos do uso da água. In: Plano Nacional de Recursos Hídricos – MMA:São Paulo, NUPAUB, USP, 2005.
FURTADO, L. G. (2009): Comunidades tradicionais: sobrevivência e preservação ambiental. In: D’INCAO, M. Â.; SILVEIRA, I. M. (Org.). Amazônia e a crise da modernização. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA/UFPA) /Museu Paraense Emílio Goeldi: Belém, pp. 65-72.
FURTADO, L. G. (1990): Apresentação. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Série Antropologia, vol. 6, nº 1.
HARRES, M. M. (2009): Pelos caminhos da memória: uso de fontes orais na pesquisa histórica. In: HARRES, Marluza Marques; JOANONI NETO, Vitale (Org.) História, Terra e Trabalho em Mato Grosso: Ensaios Teóricos e Resultados de Pesquisa.Editora OIKOS, São Leopoldo; edUFMT, Cuiabá, pp. 13-25.
LÉVI-STRAUSS, C.(1978): Mito e Significado. : Edições 70, Lisboa, Portugal.
LUCENA, I. (2007) Apresentação. In: MORAES, Sérgio Cardoso de. Uma Arqueologia dos Saberes da Pesca: Amazônia e Nordeste. EDUFPA, Belém, pp. 09-10.
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MORAES, S. C. (2007): Uma Arqueologia dos Saberes da Pesca:Amazônia e Nordeste. EDUFPA, Belém.
NERY, A. C. (1995): Traços da tecnologia pesqueira de uma área de pesca tradicional na Amazônia – Zona do Salgado – Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Série Antropologia vol. 11, nº 2, pp. 199-293.
* Mestre em Agriculturas Amazônicas pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Embrapa Amazônia Oriental, com Período Sanduíche no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Extensão Rural, Sistemas Agrários e Ações de Desenvolvimento e Graduado em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia pela UFPA. Docente da Faculdade Metropolitana de Paragominas (PA) E-mail: paes.paesg@gmail.com..
** Dra. em Antropologia pela USP, Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará. E-mail: lgfurtado@museu-goeldi.br.
1 De acordo com a população local, a ilha Sacará se divide em três áreas principais comumente conhecidas por: Saracá de Cima, Saracá de Baixo e Saracá da Costa. A região denominada de Saracá da Costa compreende os rios Três Barracas, Igarapé-Grande, Caverna e Armândio; o Saracá de Baixo constitui-se pelos rios Paxiba, Cobra e Mata Fome e o Saracá de Cima pelo rio Gregório.
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