Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


INFLUÊNCIA DAS POLITICAS DE INTEGRAÇÃO DA AMAZÔNIA NAS DINÂMICAS DEMOGRAFICAS DA REGIÃO NORTE DO BRASIL

Autores e infomación del artículo

César Pereira da Silva*

Universidade Federal do Pará, Brasil

Cesarps2006@hotmail.com

Resumo:

Este artigo tem por objetivo principal analisar as influências das políticas de integração da Amazônia do Governo Federal brasileiro, a partir da segunda metade do século XX, sobre as dinâmicas demográficas da região Norte do Brasil (Região que abriga a maior parte da Amazônia brasileira). Esta analise se justifica na observação do extraordinário incremento populacional pelo qual passou a região Norte do Brasil durante e após as ações governamentais sobre a Amazônia. Os resultados revelam que em toda a região Norte do Brasil houve uma significativa alteração do quadro demográfico após a segunda metade do século XX, porém, essas alterações demonstraram mais efetivas nos Estados onde as interversões governamentais foram mais proeminentes.
Palavras-chave: Demografia, Amazônia, Integração nacional, Imigrantes, Governo militar.

Abstract: This article has as main objective to analyze the influences of the national integration policies of the Brazilian Federal Government from the second half of the 20th century on the demographic dynamics of the Amazon region. This analysis is justified in the observation of the extraordinary population increase through which the Amazon passed during and after the governmental actions on the region. The results show that throughout the Amazon region there was a significant change in the demographic picture after the second half of the 20th century, but these changes were more effective in the states where government inter- ventions were more prominent. Keywords: Demography, Amazonia, National integration, Immigrants, Military government.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

César Pereira da Silva (2017): “Influência das politicas de integração da Amazônia nas dinâmicas demograficas da região Norte do Brasil”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/politicas-integracion-amazonia.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702politicas-integracion-amazonia


Introdução:

            A partir da segunda metade do século XX, a Amazônia passou a ser objeto de uma série de intervenções por parte do Governo Federal, no intuito de integrar a região ao restante do país. Tais medidas se embasavam, principalmente, no discurso oficial de segurança nacional
            As políticas de integração da Amazônia se materializaram através de grandes obras estruturantes, como a construção de rodovias – Belém-Brasília e Transamazônica –, hidrelétricas, como Tucurui e Balbina, além de polos agropecuários e projetos de reassentamento agrário.
            Em contrapartida, concomitantemente às ações do Governo Federal na região amazônica, observou-se um acentuado aumento populacional na região norte do país, motivo pelo qual se justifica o presente artigo.
            Este artigo tem como objetivo analisar as influências das políticas de integração da Amazônia, por parte do Governo Federal, sobre a dinâmica demográfica da região Norte do Brasil. Para este fim, o artigo se divide em duas partes. Na primeira se debruçará sobre as políticas Estatais de integração Amazônica, seus objetivos, discursos e ações.
            Na segunda parte, apresentará dados numéricos que demonstram as significativas alterações no quadro demográfico da região Norte do Brasil no período que abrange ações das políticas de integração da Amazônia.

Políticas de integração da Amazônia e a lógica de expansão capitalista

A partir da segunda metade do século XX, a reorganização e expansão capitalista resultou na reconfiguração espacial dos países do terceiro mundo. Porém, esta reconfiguração apresentou-se multifacetada espacialmente, pois enquanto umas regiões se industrializavam outras estavam atreladas a agropecuária e a extração de recursos naturais. Lógica imposta para e pelo o capital (Corrêa, 1987, p. 56).

            A reprodução do modelo capitalista materializou-se em diferentes aspectos sobre o território brasileiro. Em relação a Amazônia, “fronteira de recursos” e/ou “fronteira do capital”, fazia-se necessário molda-la ou estabelecer nela os alicerces para a sua inserção tanto ao capital nacional como internacional. Tal modelamento compete, a partir de então, ao Estado que passa a projetar sobre a região uma série de ações estruturantes principalmente de comunicação, transportes e energia. Neste sentido Becker comenta:

Após 1955, a tendência à acumulação monopolista condiciona tanto a urbanização quanto a expansão da fronteira agrícola. A produção de bens de consumo durável e de capital por empresas estrangeiras torna-se o centro dinâmico da economia, e o capital nacional se desloca para setores especulativos da economia, diversificando seus investimentos inclusive pela compra de terras. O Estado participa amplamente do processo, não só estabelecendo estímulos econômicos, como difundindo a ideologia desenvolvimentista que garante à um tempo a monopolização da economia, a unificação do mercado nacional e a centralização do poder. “Energia e Transporte” é o slogan que mobiliza a nação e a estratégia que lança as bases para a produção do espaço global (1988, p. 68)

            Assim, as estratégias estatais para a integração da Amazônia ao restante do território nacional passam a se materializar sobre a região em forma de redes. Para Corrêa(1987) estas redes, apesar de nos discursos oficiais estarem relacionadas a questões como integração, povoamento e desenvolvimento, na realidade serviam de bases para a incorporação da Região ao grande capital. Sendo assim, o discurso oficial funcionava apenas como aparato ideológico para justificar este fim último.
            Por fim, Corrêa (1987) classifica em três as intenções do projeto de integração da região, sendo o primeiro relacionado a contenção dos conflitos agrários ligados aos excedentes populacionais em áreas rurais no Nordeste e centro-oeste e ao redirecionamento de parte da corrente migratória das áreas periféricas metropolitanas, principalmente do Sudeste, para a Amazônia, o que por sua vez, proporcionava a criação da força de trabalho para o capital, dentro da região. O segundo propósito diz respeito a expansão do mercado consumidor de produtos industrializados em direção a Amazônia e reinserção desta na DIT como fornecedora de matérias-primas. E por fim, O controle capitalista dos recursos naturais, através da incorporação de terras voltadas para atividades econômicas como mineração, extrativismo vegetal e agropecuária.

Política das redes de integração

            Com a expansão industrial brasileira e sob a égide do modelo desenvolvimentista, o governo central do Brasil, a partir da segunda metade do século XX, volta seus esforços para a correção de duas distorções no sistema espacial do país, frente ao modelo centro-periferia. Tais correções dizem respeito aos conflitos sociais do nordeste, e a falta de integração da Amazônia as demais regiões do país, havendo, assim, a necessidade de promover uma melhor articulação do território nacional na tentativa de atenuar as disparidades regionais que se configuravam obstáculo para a consolidação e ampliação do mercado interno. Sobre este cenário da estrutura espacial brasileira Becker (1974) comenta:

Por um lado, tensões socioeconômicas e políticas no Nordeste surgem, passando a ser objeto da preocupação política. Por outro lado, o dinamismo crescente do centro exige vazão para suas manufaturas, mediante a tentativa de ampliar o mercado interno. Surge, então, a necessidade de integração nacional induzindo à gradativa elaboração de uma política nacional de desenvolvimento regional (p. 16).

            É a partir deste cenário que a Amazônia passa a experimentar uma série de ações de planejamento por parte do governo federal sobre a mesma. Tais ações se intensificam ainda mais com a instalação de governo militar no país, pela visão que os militares tinham sobre a Amazônia, como sendo uma área isolada do restante do país e com uma densidade demográfica preocupante do ponto de vista da segurança do território nacional, necessitando, assim, com urgência, de ações estratégicas de integração e ocupação.
Desta forma com o principal discurso de integração da Amazônia o Estado, sendo o principal agente de produção espacial da região, passa a investir maciçamente na implementação de projetos de integração como os de redes rodoviárias a exemplo da Belém-Brasília, Brasília-Acre, Cuiabá-Santarém e Transamazônica. Tais redes viabilizaram, então, os mais variados fluxos – produtos industrializados, matérias primas, pessoas, etc. – entre a região amazônica e o Sudeste do Brasil. O que por sua vez, alterou profundamente as relações e as dinâmicas próprias da Amazônia.
Becker (2001), complementa que o Estado priorizou a região em seu planejamento de desenvolvimento com o objetivo de solucionar as tensões sociais provenientes da modernização agrária no sudeste e nordeste do país, controlar focos de resistência ao governo militar, ampliar o controle nas fronteiras e garantir a soberania nacional face ao interesse externo.
Além das redes de integração, se fazia necessário estabelecer um maior controle social na região, sendo assim, o estado passa a amparar suas estratégias pelo fortalecimento de instituições na região. Instituições estas que respondiam diretamente às orientações políticas do governo federal. Como exemplo dessas instituições Becker (2001) cita a transformação do Banco da Borracha em Banco da Amazônia (BASA), bem como a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) transformando-se em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), que, segundo a autora, se constituiu em “um enclave industrial em meio à economia extrativista e próximo à fronteira norte” (Pag. 137)
Porém, foram as redes de integração que embasaram todas as formas de planejamento do Governo Federal para a Amazônia durante toda a segunda metade do século XX. Tais redes se materializaram, inicialmente, através dos grandes eixos de integração rodoviária que passaram interligar a região amazônica – vista como “arquipélago” pelo General Golbery Costa e Silva, em função do seu isolamento do restante do país – ao centro econômico e industrial brasileiro.

As redes rodoviárias

Para Raffestin (1993) existe uma estreita relação entre as ações do Estado e o solo, pois suas ações sobre o território se estabelecem através de um sistema de circulação que se articula em rede.
Sob este prisma, as rodovias assumem um papel fundamental nas estratégias do Estado, que visa, através da articulação de um sistema viário, a comunicação entre qualquer ponto do território nacional, promovendo não só políticas de ocupação como estabelecendo bases para a inserção e consolidação do capital na Amazônia, antes e durante a ditadura militar.
A desarticulação da Amazônia ao centro produtor do país, apesar de ser alvo de ações governamentais desde o primeiro governo Vargas, só ganhou efetividade a partir do plano de desenvolvimento nacional de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Com o discurso de “desenvolver 50 em 5”, JK promoveu o desenvolvimento da indústria nacional, com base em investimentos externos, construiu Brasília, projetada para assumir a função de capital federal e abriu estradas com intuito de promover a integração e a interiorização do país.
A construção de eixos viários rasgando a Amazônia teve um papel muito importante para as políticas geoestratégicas do Estado nacional na segunda metade do século XX, pois, contribuiria com a solução de conflitos demográficos e serviria de base para a fomentação de entrada do capital externo e interno na região. 
Desta forma a articulação do território através de rodovias apresentava-se como fundamental no contexto da geopolítica do Estado. Mediante isso, destaca-se a abertura de duas rodovias de integração pioneiras na “fronteira”: a Brasília-Acre e a Belém-Brasília, as quais proporcionaram, tanto o fluxo quanto a fixação populacional, fluxo de mercadorias e a exploração de recursos naturais da região. Além de se apresentarem como aporte para o grande sistema viário que se estenderia posteriormente.
As políticas de interiorização e articulação da região de “fronteira” através de vias de circulação terrestre ganham força a partir do período de implantação do governo militar no país e suas diretrizes de segurança nacional.
Assim, entre os anos de 1967 e 1973 o governo brasileiro mobilizou uma elevada gama de recursos financeiros, provenientes tanto de financiamento internacional (período do “milagre econômico) como de recolhimento tributário, para a implementação de um vasto sistema rodoviário no país.
É a partir deste contexto que é implementada a construção da rodovia Transamazônica (BR-230), juntamente com outras várias rodovias na Amazônia e no Centro-Oeste, num período que englobou os anos de 1970 e 1974 e tendo como eixo base a rodovia Belém-Brasília. Entre estas obras destaca-se a continuação da pavimentação da Belém-Brasília no trecho Anápolis-Porangatu, a expansão da Cuiabá-Porto Velho até a fronteira com o Peru, a conclusão da estrada Porto Velho-Manaus e a implantação de dois novos eixos rodoviários: a Cuiabá-Santarém, e “a construção de estrada pioneira ligando o Nordeste à Amazônia” (VELHO, 2009, P.139).
Sobre esta última obra, Velho destaca o seguinte comunicado feito pela Presidência da República no dia 16 de Março de 1970:

Partindo de conexões com a Rede Rodoviária do Nordeste, essa rodovia atravessará a Belém-Brasília, na altura de Marabá, às margens do Tocantins, para, em seguida, cruzar as bacias do Xingu e do Tapajós e alcançar Humaitá, onde se encontrará com a estrada Porto Velho-Manaus. Com seus 1.750 km, a estrada, que se poderá chamar de transamazônica, conectará os pontos terminais dos trechos navegáveis dos afluentes meridionais do rio Amazonas e será uma vereda aberta ao nordestino para a colonização de enorme vazio demográfico e o início da exploração de potenciais até então inacessíveis” (Jornal do Brasil, 17/3/70 APUD, 2009, p.139)

No trecho acima é possível perceber, além da grandiosidade do empreendimento (ficando conhecida como uma das obras “faraônicas” do governo Médice), e das principais ligações e trechos, à intencionalidade de seus elaboradores em construir uma “vereda aberta” à população nordestina para colonizar o “enorme vazio demográfico”, e a exploração de recurso que até aquele momento se encontravam “inacessíveis”.
No final de 1970 dão-se início as obras de construção da rodovia, sendo que o trecho que vai do Porto da Balsa até Marabá é entregue em outubro de 1971.
Em janeiro de 1972 a Transamazônica chegava a Altamira (Xingu) e Itaituba (Tapajós), porém em péssimas condições que só viria a melhorar em um trecho pouco depois de Jatobal, onde um ramal fazia ligação da estrada com Tucuruí (VELHO, 2009, p. 140).
A maioria dos trabalhadores que ajudaram na construção da Transamazônica era de imigrantes, principalmente nordestinos, por isso, muitos acampamentos de empreiteiras foram construídos à margem da rodovia, como por exemplo, no km 68 do trecho Marabá-Porto da Balsa e no município de São Domingos do Araguaia, onde mais de duzentos trabalhadores imprimiram uma dinâmica nunca antes observada na localidade (VELHO, 2009, p. 140).
No contexto da construção da Transamazônica algumas cidades antigas tiveram participação muito importante, pois, atuaram como polos regionais. Nesse sentido temos Marabá e Altamira, cidades que já desempenhavam influências econômicas dentro de suas regiões, as quais relacionavam-se diretamente com os rios Tocantins e Itacaiunas (Marabá) e Xingu (Altamira).
Sobre isto Becker comenta:

No caso da Transamazônica, os núcleos planejados pela colonização oficial, se superpõe à velha estrutura urbana vinculada à circulação fluvial, utilizando as antigas cidades dotadas de equipamento funcional e localização vantajosa, como é o caso de Altamira e Marabá. (1994,p. 59)

A autora sinaliza para a alteração no padrão de circulação destas cidades – antes dependente da hidrografia da região – mediante o avanço da rodovia, bem como, suas funções estratégicas como localização geográfica e dotação de equipamentos funcionais essenciais para atender a logística do projeto.

A construção da rodovia Transamazônica foi uma das maiores obras de intervenção do governo militar na região amazônica, alterando profundamente sua configuração espacial, imprimindo novas dinâmicas e relações sociais à região. Assim Santos Junior entende que:

De todos os grandes projetos que marcaram esse período da história amazônica, talvez o mais emblemático tenha sido a estrada conhecida como Transamazônica. A estrada seria o instrumento de mais um grande projeto de ajuste espacial (HARVEY, 2005) interno que possibilitaria, novamente, o escoamento de um grande contingente de nordestinos para a Amazônia, onde poderiam trabalhar nos diversos projetos governamentais e nas empresas que se instalaram na região (2012, p. 7)

Neste mesmo sentido, sobre as redes de integração rodoviárias, Becker (1998) assinala que o Estado promoveu a produção do espaço amazônico através da extensão de redes, sendo a rede viária a pioneira. Estas grandes redes viárias de penetração – Belém-Brasília e Brasília-Acre – passam a romper com as barreiras geográficas responsáveis pela existência de mercados regionais isolados, além de estimular o fluxo migratório de camponeses e fazendeiros.
Porém, para além das redes de integração fazia-se necessário estabelecer-se força de trabalho para a incorporação capitalista, atraindo e assentando mão de obra (temporária e/ou permanente) para as áreas de intervenção do governo federal na região para este fim foram anexados aos programas de desenvolvimento para a Amazônia vários projetos de colonização da região, os quais tiveram forte impacto no povoamento da região.

Integração e colonização

Na fronteira a mobilidade da força de trabalho se traduz pelo “trabalho móvel, com trabalhadores assalariados (temporários e permanentes) e com pequenos produtores que vendem sua força de trabalho empregando-se em atividades rurais e urbanas” (BECKER, 1988). Tal mobilidade da força de trabalho é a base para a constituição do mercado de trabalho na área de fronteira.
No intuito de promover, de forma acelerada, a ocupação do território amazônico, projeta-se um panorama de falta de força de trabalho, resultante do histórico de povoamento da região. Dessa forma torna-se urgente a constituição de uma força de trabalho “dinâmica” e “versátil”, o que por sua vez, justificou a solução encontrada, pelo governo central, na mobilidade desta força de trabalho, sem, no entanto, conceder-lhe legalmente a terra, atrelada, em contrapartida, a necessidade de fornecer terras tanto para produção alimentícia como para a amenização das tensões sociais (BECKER, 1985).
Os projetos de povoamento da região amazônica passaram então a integrar boa parte das políticas de planejamento regional do governo federal, utilizando como base de execução outros órgãos como BASA, SUDAM E SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Estes projetos ganharam maior força com a intervenção militar na região, principalmente a partir do governo do General Médici, que coincidi com o período que ficou conhecido como “milagre econômico brasileiro”, conforme já mencionado.
Assim, os projetos de colonização ganham destaque no contexto da “Operação Amazônia” e do PIN (Plano de Integração Nacional) como, por exemplo, o PROTERRA (Programa de Redistribuição de Terra), o I PDA e o II PDA (Plano de Desenvolvimento da Amazônia), a Zona Franca de Manaus e o POLAMAZÔNIA (Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia).
Estes projetos diziam respeito não somente ao povoamento mas também a integração produtiva da região, que decorriam dos avanços capitalista da agropecuária, indústria e mineração sobre a mesma.

Colonização ao longo da Transamazônica

Conforme mencionado o projeto de integração da Amazônia previa a utilização de mecanismos de atração populacional, como forma de atenuar os conflitos populacionais no Nordeste e de garantir a soberania nacional pelo preenchimentos dos chamados, pelos militares, de vazios demográficos.
Para Rocha (2013, p.118), a política agraria brasileira é norteada pela ocupação planejada, que pode ser implementada por modelos de acesso à terra como colonização dirigida, projetos de assentamentos, projetos de desenvolvimento sustentável e projetos agroextrativistas. Porém, na Amazônia o acesso à terra se deu mais pelo modelo de  “colonização, expansão e abertura de espaços de
Durante as ações do governo militar na Amazônia um dos principais marcos foi a construção da rodovia Transamazônica, não só pela grandeza do projeto, mas també pelo valor estratégico no contexto das ações do Estado, principalmente no que concerne as questões populacionais, tanto da Amazônia, como do Nordeste.
Neste sentido, para ROCHA:

A estrada seria um instrumento de mais um grande projeto de ajuste espacial (HARVEY, 2005) interno que possibilitaria, novamente, o escoamento de um grande contingente de nordestinos para a Amazônia que poderia trabalhar nos diversos projetos governamentais e nas empresas que se instalaram na região. A interligação com o Nordeste para o escoamento da força de trabalho e a concepção urbanística rural da colonização oficial foram (e ainda são) indispensáveis para entender a formação de mercado de trabalho necessário para os sucessivos projetos de exploração dos recursos naturais regionais (2013, p. 116).

Em números o I PDN previa promover o assentamento de 100 mil famílias ao longo da referida rodovia, que no discurso dos militares se configurava como um verdadeiro projeto de reforma agrária. Para este fim foi desapropriada uma área de 100 Km de largura nos dois lados da Transamazônica.
O projeto de colonização ao longo da Transamazônica ficou a encargo do recém criado INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura.
Como forma de incentivar a ocupação e a expansão da fronteira, o INCRA passa a oferecer várias formas de financiamentos para os colonos, como lotes de 100 ha ao valor de 200 Dólares que poderiam ser quitados em até 20 anos, e em alguns casos era possível optar por lotes com casa de madeira a um custo de 100 Dólares a mais e pelo mesmo prazo de pagamento. Além disso, todos os colonos eram beneficiados com empréstimos para a manutenção de suas necessidades básicas até que estes tivessem os resultados de suas primeiras colheitas.  Como forma de organizar as políticas de subsídios são implementados vários tipos de projetos de assentamentos, tais como o Projeto de Assentamento Rápido (PAR), Projeto de Assentamento (PA) e o Projeto Integrado de Colonização (PIC).
Em 1970 o INCRA lança o PIC (Projeto Integrado de Colonização) Altamira, às margens da rodovia Transamazônica e com uma área de 2.795.250 há. Esse foi o primeiro projeto de assentamento do PIN, e em suas normativas pretendia que 75%¨dos assentados fossem da região Nordeste, meta muito próxima de ser atingida, haja vista que, segundo Oliveira (1993) esse foi o projeto que recebeu o maior contingente de nordestinos, atingindo um percentual de 65% do total de colonos.
O PIC Altamira foi bastante utilizado como propaganda pelo governo militar, como modelo de sucesso e reforma agrária, porém foi abandonado logo após atingir o seu pico de implantação em 1972 (OLIVEIRA,1993, p.97).
Outro PIC destacado pelo autor supracitado foi o de Marabá, também na área de influência da Transamazônica, porém, com uma extensão bem inferior ao do PIC Altamira com apenas 356.500 ha. O projeto, implementado em 1971 e localizado no município de Marabá, recebeu aproximadamente 3.500 colonos que foram assentados em agrovilas e agrópolis. O PIC Marabá acabou gerando vários conflitos em sua área, pois havia recebido um contingente de famílias maior do que o esperado pelo INCRA (1993, p.97).
Por fim, o terceiro PIC na área de influência da Transamazônica foi o de Itaituba, o qual estava disposto em uma sobre uma extensão de 1.26.679 ha, e que ao longo da década de 70 recebeu um número próximo de 3.400 famílias (OLIVEIRA, 1973, p.97).
Em 1973 o fluxo migratório de trabalhadores rurais para a região da Transamazônica suplantou as expectativas do INCRA, que até aquele ano adotava a política de disciplina do povoamento “espontâneo” da Amazônia. Porém, o governo federal já estava a dar prioridade as políticas de incentivos para a atração das grandes empresas para a Amazônia (Pereira, 2014, p. 7).
As políticas estratégias do Estado para a integração da região amazônica ao implementarem seus equipamentos técnicos como abertura de rodovias e projetos de colonização reconfiguraram o panorama demográfico da região. Uma nova estrutura de povoamento foi estabelecida ao longo da Transamazônica, o padrão Rodovia – terra firme (ROCHA, 2013). Esse novo sistema de povoamento da fronteira acarretou, deveras, em uma experiência demográfica até não vivenciada pela região, principalmente no estado do Pará, o que, por sua vez, induziu um remodelamento significativo da malha municipal local.

As políticas de integração da Amazônia e as dinâmicas demográficas na região Norte do Brasil

As ações do Estado nacional visando a integração da Amazônia, a partir da segunda metade do século XX, como aberturas de estradas, projetos de colonização e a instalação de grandes projetos econômicos, viabilizaram uma atração populacional, para a região, fora de quaisquer padrões antes observados.
Vale lembrar, conforme já mencionado, que uma das principais motivações, ou pelo menos no discurso, para a implementação de ações integradoras na Amazônia dizia respeito ao preenchimento de “vazios demográficos”, no intuito de assegurar a soberania nacional, além de estabilizar conflitos demográficos em outras regiões do país.
Porém, como é bem lembrado por Costa (1986), o principal interesse das políticas ocupacionais do governo federal voltadas para Amazônia em nada tinha a ver com os excedentes populacionais de outras regiões do país e sim com o “interesse claramente definido pela grande empresa e pela propriedade capitalista de terra” (p. 63).
Outrossim, pode-se dizer que o diminuto contingente populacional da região serviu de excelente base argumentativa para a implementação de políticas econômicas e sociais que objetivavam a expansão do sistema capitalista sobre a mesma.
Assim, as políticas estatais adotadas na região amazônica, bem como no estado do Pará tiveram forte influência na dinâmica populacional que se sucedeu a estas, alterando profundamente os seus quadros demográficos. Isto pode ser observado na tabela abaixo:

            No início da década de 1960 a população absoluta da região Norte era de 2.930,005, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esta população mais que dobrou, segundo o mesmo órgão, em um período de apenas vinte anos chegando ao total de 6.767,249 habitantes no início de 1980. E se estendermos esse período por mais onze anos (os dados do censo seguinte só foram divulgados em 1991) esses números são ainda mais impressionantes, com a população da região atingindo o total de 10.257,266 de pessoas, um contingente mais de três vezes superior ao registrado no início da década de 1960.
O surto demográfico exposto acima coincide com o início da chamada Operação Amazônia e com o posterior PIN, ou seja, com as políticas de povoamento voltadas para a região amazônica, e consequentemente para a região político-administrativa que mais a engloba, a região Norte.
Para se ter uma ideia mais ampla do ritmo do crescimento demográfico da região Norte em relação as outras regiões do país pode-se observar as taxas médias geométricas de crescimento da população residente (Percentual de incremento médio anual da população residente em determinado espaço geográfico, no período considerado), conforme a tabela a seguir:

            É possível observar na tabela II que, após 1950, o Brasil apresentou um decréscimo gradativo em relação ao crescimento médio anual de sua população, passando de 2,99 no período de 1950/1960 para 2,48 em 1970/1980. Tal decréscimo deriva-se de uma série de fatores, como amento da urbanização e políticas de controle de natalidade.
Porém, a partir da análise da tabela VI também pode-se observar que, no período entre 1970 e 1980, o Norte é a região que apresenta a maior taxa média geométrica de crescimento da população, com um percentual de 5,02, seguido do Centro-Oeste, que apresentou um crescimento de 4,05. Note-se que no mesmo período todas as outras regiões do país e inclusive a própria média nacional, apresentaram declínio em relação a década anterior, sendo que a taxa de crescimento do Norte superou em mais de duas vezes, tanto as das outras regiões, à exceção do Centro-Oeste, como a média nacional.
Para Brasil (1996) é a partir desse período que novas tendências demográficas para a região Norte passam a se apresentar de forma mais nítida, com a migração de nordestinos e sulistas em busca de terras na área da “nova fronteira” e com a intensificação da urbanização, que se dá em função dá incapacidade de fixação de tal contingente populacional nas áreas rurais da região.
As alterações no quadro demográfico da região norte ocorreram predominantemente em decorrência desses fluxos migratórios em direção a Amazônia, em virtude das já mencionadas políticas de colonização dirigida, através do INCRA, e de incentivos a expansão capitalista.
Brasil (1996), revela que a região norte absorveu um total de 813.251 imigrantes, durante a década de 1970 e que, embora, esta população seja relativamente pequena em comparação com outras regiões do país, representou uma taxa de crescimento populacional superior a 5% ao ano, o que por sua vez, superou as taxas apresentadas em todo o território nacional.
Em toda a região Norte o maior destaque, em termos relativos, com relação ao números de imigrantes foi Rondônia, onde na década de 1970 a taxa de imigrantes alcançava o percentual de 58,8% da população residente no estado, ou seja, para cada 100 moradores de Rondônia aproximadamente 59 não haviam nascido no referido estado. Além de Rondônia, Roraima apresentou elevados índices quanto ao percentual de imigrantes na década de 1970, atingindo 23, 1% do total da sua população (BRASIL, 1996, p. 643).
Durante a década de 1970 os fluxos migratórios na região Norte eram majoritariamente de pessoas de outras regiões, representando 86,2% das migrações, contra 13,8% de migrações intrarregionais. Neste aspecto, também se constata que a maior parte dos migrantes de outras regiões, eram provenientes da região Nordeste com 32,1% do total, vindo logo em seguida o Centro-Oeste com 20,9%, o Sul com 17% e o Sudeste com 16,2%.

Considerações finais

Na última metade do século passado, a região amazônica passou por uma série de transformações, muitas das quais intermediadas pelo Governo Federal, com o intento de incorporar a região a lógica de expansão capitalista.
No entanto a base ideológica propagandeada pelo governo central, para justificar suas ações sobre a Amazônia, estava alicerçada em temas como segurança nacional e vazio demográfico.
 Dessa forma o Estado passa a agir de forma efetiva na região, com obras de infraestrutura como rodovias e hidrelétricas, além de projetos de colonização que contribuiriam para atenuar as tensões populacionais de outras regiões.
Mediante o exposto pode-se observar, com base nos dados dos censos demográficos da segunda metade do século XX, que as políticas de integração da Amazônia capitaneadas pelo governo federal, influenciaram diretamente na alteração do quadro demográfico da região Norte do Brasil, trazendo para esta região uma experiência populacional nunca antes experimentada pela mesma.

Referências:

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* Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Pará (2012). Mestre em Gestão de recursos naturais e desenvolvimento territorial local na Amazônia pelo Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Professor Ensinos Fundamental e Médio, além do uso de ferramentas de Geoprocessamento.

Recibido: 04/05/2017 Aceptado: 11/05/2017 Publicado: Mayo de 2017

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