Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


REFLEXÕES GEOGRÁFICAS: ASPECTOS DEMOGRÁFICOS, SOCIOECONÔMICOS E PRÁTICAS DO POVO PYKAHU-PARINTINTIN DA ALDEIA TRAÍRA – TERRA INDÍGENA NOVE DE JANEIRO-AMAZONAS

Autores e infomación del artículo

Allan Rodrigues Augusto*

Ádria Fabíola Pinheiro de Sousa**

Francilene Sales da Conceição***

Adnilson de Almeida Silva****

Laura Dominic Gazzotto Soares de Almeida****

Instituto Federal de Rondônia, Brasil

allan.augusto@ifro.edu.br

Resumo
Este artigo visa demonstrar os aspectos demográficos, práticas e os aspectos socioeconômicos desenvolvidos pelos Pykahu-Parintintin, do tronco linguístico Tupi Kagwahiva ou Kawahib que habitam a Terra Indígena Nove de Janeiro, no sul do estado do Amazonas. O trabalho resulta de uma atividade ocorrida no mês de agosto de 2015 no município de Humaitá, precisamente na Aldeia Traíra, onde fomos incumbidos de observar os aspectos anteriormente mencionados e diagnosticar algumas características da economia de subsistência, o saber tradicional indígena que sofre com as pressões impostas pelo sistema capitalista. Utilizamos como instrumentos de coleta de dados: entrevistas com moradores, a observação do ambiente investigado, registros fotográficos e a produção de mapas mentais. A observação e a relação com os moradores da Aldeia nos permitiram melhor conhecer acerca do ritual, das práticas cotidianas, da dinâmica econômica, das relações familiares, do potencial de recursos naturais e das relações que este povo estabelece com a terra e a natureza para a manutenção da sua subsistência e recriação social.
Palavras-Chave: Amazônia, Condição socioeconômica, Pykahu-Parintintin, Relações familiares, Saberes.

Abstract
Demographics and socio-economic aspects of the people Pykahu-Parintintin from the Village Traíra – Indigenous Land “Nine of the January”, Amazonas
This article aims to demonstrate the demographic aspects, practices and economic aspects developed by Pykahu-Parintintin, Tupi linguistic trunk or Kagwahiva Kawahib that inhabit the Indigenous Land “Nine of the January” in the southern state of Amazonas. The work is the result of an activity that occurred in the month of August 2015 in the municipality of Humaitá, precisely in the Village Traíra, where was tasked to observe the previously mentioned aspects and to diagnose some features of the subsistence economy, the traditional indigenous knowledge that suffers from the pressures imposed by the capitalist system. We used as data collection instruments: interviews with residents, the observation of the investigated environment, photographic records and the production of mental maps. The observation and the relationship with the residents of the Village has allowed us to better know about the ritual, the daily practices, the economic dynamics, the family relations, the potential of natural resources and the relations that these people establishes with the land and nature to maintain their livelihood and social recreation.
Keywords: Amazon. Socioeconomic condition. Pykahu-Parintintin. Family relationships. Knowledge.
Resumen
Demografía y aspectos socioeconómicos del Pueblo Pykahu-Parintintin de la Aldea Traíra – Tierra Indigena Nove de Janeiro-Amazonas
Este artículo tiene por objetivo demostrar los aspectos demográficos, las prácticas y los aspectos socioeconómicos desarrollados por los Pykahu-Parintintin, de la familia lingüística Tupi Kagwahiva o Kawahib que habitan la Tierra Originaria Nove de Janeiro, en el sur de estado del Amazonas. Esta investigación resulta de una acción desarrollada en el mes de agosto de 2015 en el municipio de Humaitá, precisamente en la aldea Traíra, donde fuimos incumbidos de observar los aspectos ya mencionados anteriormente y diagnosticar algunas características de la economía de subsistencia, de la sabiduría tradicional indígena que sufre con las imposiciones del sistema capitalista. Utilizamos como instrumentos para recoger los datos: entrevistas con los habitantes, observación del ambiente investigado, registros fotográficos y la producción de mapas mentales. La observación y el trato con los habitantes de la aldea nos ha permitido un mayor conocimiento de las prácticas ritualistas, del cotidiano, de la dinámica económica, de las relaciones familiares, del potencial de los recursos naturales y de la dependencia que este pueblo establece con la tierra y con la naturaleza para el mantenimiento de su subsistencia y resurgimiento social.
Palabras Clave: Amazonía. Condición Socioeconómica. Pykahu-Parintintin. Relaciones familiares. Saberes.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Allan Rodrigues Augusto, Ádria Fabíola Pinheiro de Sousa, Francilene Sales da Conceição, Adnilson de Almeida Silva y Laura Dominic Gazzotto Soares de Almeida (2017): “Reflexões geográficas: Aspectos demográficos, socioeconômicos e práticas do Povo Pykahu-Parintintin da Aldeia Traíra – Terra Indígena Nove de Janeiro-Amazonas”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/traira.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701traira


Primeiras palavras

O trabalho se fundamenta na representatividade simbólica do modo de vida dos indígenas Pykahu-Parintintin e se apresenta como um mecanismo de valorização de sua identidade cultural. Essas populações vivem suas temporalidades ao seu modo, portanto, não vivem o tempo da rapidez e da aceleração, mas vivem naquele que é regulado pela dinâmica da natureza e da calmaria, pois estão em contato direto com os recursos disponíveis no seu cognominado espaço de vida, além de estarem dispostos a manter o ambiente em que habitam ecologicamente equilibrado, como estratégia de manutenção da sobrevivência das atuais e futuras gerações.
Neste sentido, este estudo permitiu a aquisição de novas vivências e experiências. A observação e a relação com os moradores da Aldeia Traíra nos permitiram conhecer melhor acerca desse povo originário em suas múltiplas relações internas e externas, da qual passamos às considerações seguintes.

Os Pykahu-Parintintin

Pertencentes ao tronco linguístico Tupi Guarani, os Pykahu-Parintintin são falantes da família linguística Tupi Kawahib e sua organização de parentesco é patrilinear e acontece por meio das metades exogâmicas, as quais possuem nomes de pássaros: Kwandu (gavião real) ou Taravé (um psitacídeo) e Mytum ou Mytunynguera (mutum). 
Essa composição das metades exogâmicas para Kurovski (2009) está relacionada às características das aves: o voar alto e ter caráter selvagem da primeira, e o perfil doméstico da segunda são projetadas às personalidades das pessoas.
Neste sentido, Cardozo e Vale Júnior (2012) compreendem que sua transmissão de poder se dá, tradicionalmente, por via patrilinear e sua organização social é parcialmente exogâmica e está relacionada aos pássaros mutum e gavião real.
Para os Pykahu, o significado encontrado é de avoante Zenaida auriculata, espécie de pássaro que existe na região do rio Madeira (KANINDÉ, 2015). Os jovens só vieram a conhecer este nome durante o diagnóstico etnoambiental e o etnozoneamento realizado pela Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental.
Por outro lado, o nome Parintitin possivelmente tenha sido dado pelo povo originário Munduruku e denota-se “os que habitam mais ao norte”.
 Essa menção dos Munduruku aos vários povos Kagwahiva, Kawahib, Kawahiwa, Cavaíba, Cavahiba, Cabaiba, Cabahiba, Kagwahív, dentre outras, se caracteriza como territorialidades e/ou fronteiras étnicas, as quais eram bem definidas como “marcadores territoriais” – encontram-se localizados ao norte de sua localização geográfica (ALMEIDA SILVA, 2010; 2015).
          O termo “Kawahib” ou “Kawahiwa” é entendido como uma espécie “de vespa de cor avermelhada e muito irritável, que também entre os moradores do Baixo Amazonas é conhecida por cauahiba” (NIMUENDAJU, 1924, p. 201), o que confirma a tese de que “Parintintin” é o nome dado pelos Munduruku, visto que Curt Nimuendaju, no início dos anos 1920 conviveu com os indígenas no posto de pacificação Parintintin, vinculado ao SPI – Serviço de Proteção ao Índio. Deste modo, o termo pode sugerir tanto um estereótipo quanto um caráter irritadiço e belicoso daquela população, ou mesmo sua relação com o animal/inseto mencionado, que tem como particularidade ser territorializante.
Os Pykahu-Parintintin habitam a Terra Indígena Ipixuna (TII) com área oficial de 215.362 ha e SIG/ISA de 216.458 ha, e Terra Indígena Nove de Janeiro (TINJ) com área oficial de 228.777 ha e de SIG/ISA de 229.476 ha.
Os dados apresentados na Tabela 1 e extraídos do Instituto Socioambiental são bastante relevantes à medida em que se constata que na TII entre os anos de 1989-2010 ocorreu um crescimento populacional contínuo, embora o quantitativo de pessoas ainda seja inferior a uma centena.
Por outro lado, os números apontam que na TINJ com um maior número de pessoas verificou-se uma oscilação negativa, no ano de 2000, e posteriormente retomado o crescimento em 2010; possivelmente esta oscilação tenha sido resultado da migração de indígenas para a sede municipal de Humaitá e outras cidades vizinhas como Porto Velho e Manicoré. A retomada em 2010 poderá ser um indicativo que houve mobilidade pendular ou que ainda várias pessoas se autodeclararam Pykahu-Parintintin e passaram a habitar a TI Nove de Janeiro.
Especificamente o lócus do nosso trabalho, ou seja, a Aldeia Traíra, esta foi criada em 1989, às margens do Igarapé que dá nome à Aldeia, a partir de três famílias e hoje possui 20 famílias e um total de 136 pessoas. Não visitamos a Aldeia Pupunha que fica distante aproximadamente três quilômetros da Traíra, mas segundo o povo Pykahu-Parintintin a população é praticamente o mesmo número de pessoas que se verifica na Traíra.
A Aldeia Traíra (Figura 1) localiza-se na TINJ, a qual se situa no município de Humaitá, região sul do estado do Amazonas, na latitude 7°33'24.61"S e longitude 62°42'58.25"W e está na área de influência dos interflúvios dos rios Madeira e Tapajós.
As informações aqui registradas são resultantes de entrevistas com lideranças do povo Pykahu-Parintintin, quando de nossa participação no ritual do Yrerupykyhu ou Yrerua (celebração dos guerreiros) no período de 21 a 23 de agosto de 2015, como parte da disciplina “Populações Amazônicas e Sustentabilidade” no Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia - PPGG.
Para prestigiar o ritual do Yrerupykyhu ou Yrerua, os Pykahu-Parintintin convidaram outros povos originários da região (Munduruku e Apurinã), parentes da cidade e das Aldeias Pupunha (TINJ) e Canavial (TII), autoridades locais, docentes e discentes do PPGG/UNIR e PPGG/Universidade Estadual de Ponta Grossa, Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – PGDRA/UNIR, além de uma equipe da TV Allamanda/SBT de Porto Velho que registrou o acontecimento ritualístico.
Os Pykahu-Parintintin compreendem que a estratégia de participação de convidados que prestigiem sua cultura promovam a visibilidade de sua cultura junto à sociedade civil organizada de forma mais abrangente. Uma das ações resultantes da participação do PPGG/UNIR está em fase final de organização e é uma obra coletiva que será denominada “Uma viagem ao mundo dos Pykahu-Parintintin: olhares, percepções e sentidos”, a qual busca retratar, ainda que embrionariamente, o que foi vivenciado durante os três dias que dialogamos e partilhamos um pouco da experiência com este povo originário.

 

Uso da terra/natureza e o modo de vida indígena Pykahu-Parintintin

Os povos originários têm uma relação intrínseca com a natureza, onde a terra é uma unidade de produção que nutre a subsistência familiar indígena. Assim, a utilização dos recursos da natureza por essas populações se configura como uma condição substancial à (re) produção do seu modo de vida, a qual demarca suas especificidades históricas e geográficas.
Essas questões remetem aos fenômenos de percepção de mundo, o que para esses povos originários se baseia como “sobrevivência material e espiritual – na espacialidade e/ou territorialidade – e dissociada da ideia de apropriação dos recursos com finalidade meramente econômica” (ALMEIDA SILVA; SIQUEIRA; ALMEIDA, 2014, p. 59).
Em direção semelhante Bastos et al. (2009, p. 07) ponderam que a vinculação desses “povos com a floresta supera a objetividade material, em que essa faz parte da sua cosmologia, da sua simbologia e de todos os reflexos que as interações e percepções produzem em sua cultura, sociedade e espaço”.
Destarte, para falar de uma diversidade econômica, social e cultural que caracteriza a identidade cultural desses povos deve ser considerada seu enraizamento e/ou pertencimento, em virtude da relação que estabelecem com o meio. Desde que o homem descobriu novas técnicas e novas formas de adaptações no ambiente, temos a organização de um sistema simbólico alicerçado na “linguagem, no mito, na arte e na religião” (CASSIRER, 1997), as quais causam intercâmbios na vida dos seres humanos, e que são caracterizadas devido ao acúmulo de suas vivências e experiências.
Esse mosaico de princípios preestabelecidos nesse universo simbólico indígena integra uma estrutura política interna que busca promover a organização coletiva da aldeia, a qual objetiva manter seus laços de vizinhança e parentesco, preservar e valorizar a língua materna, bem como dos artesanatos e artefatos por eles produzidos e dos seus valores espirituais.
É com base nessa representatividade simbólica que o modo de vida dos indígenas Pykahu-Parintintin se assenta como um mecanismo de valorização de sua identidade cultural, o qual também está relacionado à integridade e defesa de seu território.
Essas populações vivem outras temporalidades com uma relação inseparável com o meio, pois é dele que sobrevivem e mantêm sua cultura e valores espirituais como parte de um modo de vida marcado por peculiaridades, cujos códigos são vivenciados em seu cotidiano.
Partimos dessa concepção da universalidade simbólica, que retrata a experiência obtida com o povo Pykahu-Parintintin, a qual resulta em um mosaico distinto dos aspectos sociais e econômicos quando confrontados com outras culturas.
Deste modo, o povo Pykahu-Parintintin cria, essencialmente, suas estratégias para se manter fortalecido coletivamente, para tanto extrai da floresta aquilo que é necessário para o consumo do coletivo. Em entrevista, um dos indígenas da Aldeia Traíra menciona que os principais produtos extraídos são o açaí (Euterpe spp.) e a castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), utilizados para a subsistência alimentar e também contribuindo como fonte de renda das famílias indígenas. A indígena Fontenele relatou em entrevista em agosto de 2015, como é realizado o trabalho extrativista:
O açaí e a castanha, é de ano em ano que é produzido. O mês da castanha e do açaí é o mês de janeiro, fevereiro, março. Aqui é coletivo, todo mundo vai, tira a castanha. Cada qual tem a sua ponta de castanha. Cada qual tira, vai em grupo e volta em grupo.
A confecção do artesanato também contribui como fonte de renda para as famílias da Aldeia Traíra, como relatam em suas entrevistas as senhoras Maria Landi e Fontenele Parintintin:
O artesanato a gente vende. A gente só vende quando vêm aqui, fora a gente não vende. O artesanato que a gente faz mais é brinco, pulseira, amarrador de cabelo, colar, colar, saia do buriti. O preço cada qual tem o seu. A saia tá 50 reais. O brinco tá 10, 20, conforme o tamanho. Se for grande, só de um lado, é de 10. Aqui é mais as mulheres que fazem o artesanato, é muito difícil os homens trabalharem. A mulher mexe mais com a parte de pulseira, brinco, as saias... agora quem faz arco, flecha são os homens. Às vezes a gente vende o arco de 10, a fecha de 10, depende do tamanho.
Como mostra o trecho da entrevista, os artesanatos são variados. Alguns são confeccionados por mulheres e outros por homens e o valor também varia de acordo com o tipo, o tamanho e a complexidade do trabalho. Esse artesanato é comercializado na própria Aldeia, principalmente nas visitas de pesquisadores, não indígenas e outras pessoas da sociedade abrangente. Todos os artesanatos confeccionados são extraídos da própria floresta, onde se situa a TINJ.
Os indígenas da Aldeia Traíra, bem como as demais aldeias do TINJ, desenvolvem práticas da agricultura como a plantação de tubérculos e frutíferas. Toda a família contribui para essa produção que beneficia a sua subsistência, como afirma Fontenele: “Planta macaxeira, cará, banana, abacaxi, só pro consumo. Tanto a mulher como o homem trabalham na plantação, e colhem, as crianças também. Pra plantar, pra arrancar, pra torrar, pra peneirar”.
A farinha constitui como um dos principais produtos que fazem parte da base de alimentação das famílias indígenas. É consumida, principalmente, com paca Cuniculus paca, queixada Tayassu pecari, diversas espécies de peixes, de tatu, de macaco e de outros animais que caçam.
A atividade da pesca é de grande importância, pois constitui-se para atender a base alimentar dos Pykahu-Parintintin. É realizada em um lugar bem distante da Aldeia Traíra – no rio Madeira e em lagos dentro da TINJ – o que demonstra a dificuldade na aquisição desse alimento. As indígenas Maria Landi e Fontenele afirmam que: “Aqui o pescado a gente não vende, é mais da nossa cultura, a gente pesca só pro consumo. Pra pescar é longe... de sete a oito horas de viagem pra pescar, é onde tem mais peixe. A gente saí pra pescar só num lugar, a gente fala no Pedral. Esse aqui é o rio Traíra”.
Como constatamos, a base da subsistência da Aldeia Traíra é manifestada na extração de recursos encontrados na própria floresta e no rio e lagos, o que fortalece inclusive a cultura do próprio indígena, que vê no seu território a possibilidade de realizar sua produção autônoma e desenvolver suas atividades agrícolas significativamente em suas múltiplas dimensões espaciais.
Portanto, a extração de produtos da floresta, as atividades de caça e atividade pesqueira são fundamentais como base alimentícia e medicinal ou até mesmo para a confecção de artesanatos, com materiais retirados da própria natureza. Alguns produtos confeccionados com matérias-primas extraídas naturalmente (Gráfico 1) são listados por um entrevistado como elemento que contribui para a fonte de renda das famílias indígenas:
Além disso, outros agricultivares como cará Dioscorea spp, macaxeira Manihot esculenta, abacaxi Ananas comosus, banana Musa spp., dentre outros, são produtos indispensáveis no cardápio alimentício de tais populações. Sua produção além de manter a subsistência da Aldeia Traíra é comercializada no próprio local ou na cidade de Humaitá, localizada aproximadamente 50 quilômetros da TINJ.
É importante destacar que a produção artesã é realizada fundamentalmente pelas mulheres e com a ajuda de algumas crianças. Temos, portanto, na Aldeia Traíra uma divisão do trabalho: as mulheres cuidam dos afazeres de casa, da confecção do artesanato; os homens se responsabilizam em realizar a caça, a pesca e a coleta de recursos naturais que servem como gênero alimentício. Somente em alguns casos extremos, nada impede que os homens recebam ajuda das mulheres e das crianças em outras atividades na Aldeia, como exemplo no extrativismo em que a participação das mulheres e crianças é de grande proeminência.
Percebe-se que os Pykahu-Parintintin utilizam de um sistema de organização, repletos de sentimento coletivo, isto é, oferecem para seus visitantes aquilo que têm de melhor e possuem uma relação com seus familiares de forma respeitosa, de modo a caracterizar suas territorialidades, seus modos e ritmos de vida. O objetivo desse povo originário não é promover a acumulação de riqueza, mas retirar da natureza aquilo que necessitam para seu consumo-familiar. Por esta razão operacionalizam seu próprio tempo de trabalho, sabem exatamente a hora de plantar, caçar e colher.
Por conseguinte, seus saberes tradicionais – que os mais velhos procuram transmitir aos mais jovens – são imprescindíveis na relação do sujeito com o lugar. O conhecimento que os Pykahu-Parintintin possuem com o meio em que vivem permite mapear o seu território e configurar seus “marcadores territoriais” (ALMEIDA SILVA, 2010; 2015).
A organização socioespacial da Aldeia Traíra se distribui conforme a atividade de cada um de seus moradores. No desenvolvimento da farinha, por exemplo, todos aqueles que trabalham diretamente com ela moram próximos aos locais de sua produção.
O cultivo da mandioca (Manihot esculenta) e de outros produtos como o café (Coffea spp.) e o açaí (Euterpe spp.), esse último extraído da própria floresta, demonstra como o afeto para com a natureza é exaltado como algo divino e espiritual, aquele que se emprega à vida e à morte; existe um grande respeito pelo meio onde vivem, não só pelos indígenas como pelos não indígenas que também vivem na Aldeia. O senhor João Batista, por exemplo, branco casado com uma indígena, afirma que toda sua produção de café, açaí e frutas são para consumo próprio, ou seja, para a própria subsistência de sua família, logo a produção em grande escala e o lucro não são focos em seu circuito produtivo.
Assim, o plantio na floresta é um manejo complementar para seu modo de vida, enquanto para o capitalismo a manutenção da floresta em pé, a abundância de recursos e terras disponíveis nos territórios indígenas representam, na concepção do não indígena, um obstáculo para a promoção do “desenvolvimento econômico”, e consideram como “terras improdutivas” e “sem titulares”.
Do outro lado, para os Pykahu-Parintintin esse mesmo ambiente é caracterizado como lócus da reprodução da vida, pois o uso da terra, da floresta, do subsolo, da água e da própria concepção de território possui um significado de liberdade, de autonomia e de manutenção da vida que acabam por construir as geografias dos lugares. Assim, percebe-se que há uma diversidade produtiva, na qual são manifestadas por meio da territorialização de sua população que constrói representatividade através de sua territorialidade, marcada por um modo de vida peculiar.

A prática do fazer e o saber tradicional indígena

Conhecer as práticas, os atos e as atitudes desenvolvidos no dia a dia dos Pykahu-Parintintin significa repensar sobre si mesmo, fazer diversos questionamentos sobre qual a relação estabelecemos com a natureza? Qual o nosso posicionamento diante de uma sociedade que é carregada de um sentimento individualista e egocêntrico? Quais os diferentes valores que são repassados ou estão presentes na vida das famílias?
Somente a experiência, o convívio e/ou contato direto com a cultura dessas populações indígenas nos instigam a repensar nossa forma de ver e se relacionar com o mundo, e permite-nos valorizar e respeitar a cultura do outro. Até mesmo conhecer mais profundamente as habilidades e competências que esses possuem na consumação do seu trabalho de maneira coletiva.
Esse fato da prática do fazer referente ao trabalho indígena é enriquecido através do emprego de seu conhecimento imemorial, saber este que tenta ser repassado de geração para geração, no sentido de garantir a manutenção e a recriação do seu modo de vida. O emprego das técnicas no setor de produção está fundado em um saber ancestral, pois nos objetos que confeccionam utilizam-se de produtos extraídos da floresta, os quais expressam o tamanho e o grau de relevância que a natureza exerce na vida dos indígenas.
O local de produção da farinha, por exemplo, é composto basicamente por um forno que é construído com barro e em cima um tacho de ferro em que a mandioca, depois de moída, passa pelo processo de secagem, para posteriormente, ser torrada.
Em média, quatro pessoas são necessárias na fabricação da farinha de mandioca, o que de certa forma, submete-se a uma produção familiar, de caráter coletivo, cujos membros envolvidos são os pais, os filhos, os tios e os sobrinhos. A produção da farinha na Aldeia Traíra (Figura 2) consiste na relação entre trabalho-família-consumo, fruto de uma unidade organizativa e solidária, que acabam por compartilhar o sentimento de união e fortalecimento de sua identidade cultural e territorial.

O local de produção também conta com um moinho que é basicamente um tronco de árvore apoiado em dois pontos. Ao se deslocar o tronco, este pressiona a mandioca que estava encharcada depois de dois a três dias de molho, o que elimina o líquido restante e favorece a secagem do produto.
Eles também contam com um pequeno motor (Figura 3) para moer a mandioca e deixá-la mais refinada, cuja finalidade é a obtenção da goma, a qual serve como preparo da tapioca e a massa pastosa que depois de passar por um longo processo do trabalho braçal, consiste na farinha, alimento indispensável que é consumido pelo povo indígena diariamente.
O produto depois de pronto é destinado ao próprio consumo da Aldeia Traíra e o excedente é comercializado na cidade de Humaitá. Os Pykahu-Parintintin admitem que o preço da venda é irrisório, sobretudo, no período sazonal de produção e isso resulta em baixa lucratividade econômica. Essa produção é comercializada com atravessadores e representantes comerciais dos mercados, e esse fato agrava-se pelo fato que os indígenas não têm nenhum intento em fazer a negociação direta na cidade, até mesmo em função da dificuldade de transportá-la até o consumidor final.
Em conformidade com Ramos (2002), nos últimos anos os indígenas que vivem em comunidades procuram buscar novas alternativas para sua economia, e que possam estar de acordo com modelos sustentáveis para a preservação do meio ambiente. Acredita-se que sua agricultura nos moldes atuais, onde o plantio ocorre no meio da floresta, não tem sido suficiente para suprir as novas necessidades da comunidade.
Novas alternativas econômicas como o turismo dentro das terras indígenas foram cogitadas como soluções para a subsistência dos povos originários, e como palco para estudos de viabilidade do seu potencial econômico. Para Faria (2005), as atividades turísticas não têm o objetivo apenas de retorno financeiro, mas se transformar em um potencial instrumento de reafirmação cultural, preservação ambiental e incentivar a gestão participativa no interior das terras indígenas.

As edificações na Aldeia Traíra

O governo do estado do Amazonas contribui na formação educacional dos jovens e adultos da Aldeia Traíra, onde instalou uma nova escola, que foi construída a fim de substituir outra existente que possuía menor capacidade.
A escola atende desde o ensino básico até o médio, possuindo um quadro de sete professores. A edificação construída de alvenaria se destaca na Aldeia Traíra, inclusive pelos seus muros e grades que impedem o acesso direto à edificação, o que se mostra como contradição ao seu modo de vida, onde as demais edificações da aldeia são desprovidas de elementos bloqueadores. A escola é um incentivo da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Amazonas e promove o ensino do sexto até o nono ano para as crianças da Aldeia.
Alguns dos professores residem na própria Aldeia, o que de certa forma favorece o senso de pertencimento ao local, mas ainda existem barreiras a serem vencidas, principalmente, ao que tange o material didático que ainda hoje não se acredita ser o ideal para atender à demanda da população estudantil, principalmente, devido à presença de elementos visuais e caracteres que não condizem com a realidade do indígena, como elementos que remetem à vida urbana. Até mesmo a infraestrutura da escola contrasta com a cultura do indígena, sendo que seu processo construtivo e até os materiais empregados não se adequam com a arquitetura local, que deriva de uma arquitetura vernacular que se baseia em elementos extraídos da floresta.
Desde os modos produtivos da economia até o aprendizado da língua indígena – na escola – existe a busca do fortalecimento cultural de um povo, que resiste às pressões promovidas pelo avanço da agricultura e da pecuária na região através de investidores externos, principalmente no ramo da extração de madeira.
As moradias das famílias são todas edificadas em madeira, com coberturas que variam, entre telhas de barro, palhas ou telhas de amianto – em que esta predomina, devido o menor custo e facilidade de instalação. As moradias não possuem uma estrutura complexa interna, ou seja, são compostas basicamente de sala e quarto.

As edificações não contam com instalações sanitárias na parte interna e as cozinhas também são externas à edificação. Essa estrutura trata-se de uma forma cultural, inclusive possui um nome na língua que é Iuráua que significa cozinha (Figura 4), em que essa também serve como uma espécie de depósito para os materiais de caça e pesca (arcos, flechas e varas de pesca).
Alguns prédios de utilidade pública destinados aos moradores da Aldeia foram construídos em alvenaria, como banheiros públicos com lavanderia anexo em um bloco único. Essas estruturas são necessárias devido à inexistência dessas no interior das moradias.

Mapas mentais da aldeia
Os mapas mentais (Figura 5) apresentados foram produzidos pelas crianças indígenas Rafaella, Leiriciame, Tamhiea da Aldeia Traíra e representam a importância da natureza para a vida delas.
Os mapas mentais elaborados pelas crianças Pykahu-Parintintin são a prova da importância da natureza e como essa exerce relação na vida dos indígenas, pois suas emoções, sentimentos e pensamentos são sinalizados por meio de um conjunto de signos e símbolos, dotados de significantes, bem como de seus respectivos significados.
Esse sentimento de pertencimento com o lugar vivido ou vivenciado é repassado pelos adultos às crianças, principalmente, pelos mais idosos que têm a preocupação em manter preservada a língua materna e tentam estimular os mais jovens a não abandonarem suas origens e valores culturais, pois o que mais anseiam é o fortalecimento de suas identidades, como pertencimento étnico. Nesse sentido, é que ocorre a acuidade demonstrada na representação cartográfica das crianças, relevante para a compreensão do modo de vida dessas populações.
Os indígenas não estão apartados da natureza. Eles a vivenciam em sua plenitude, pois é dela que retiram o seu próprio sustento familiar, além do que o trabalho ali é exercido de forma coletiva. Cada elemento composto no mapa mental é uma cartografia social da Aldeia Traíra e reflete as relações dos Pykahu-Parintintin com o meio, de forma que expressam sua maneira de ver e perceber o espaço em que vivem e de como esse é construído socialmente, a partir da relação com a terra, a floresta, as águas e o subsolo. É essa concepção e percepção de natureza que caracterizam as especificidades dos modos de vida amazônicos.
Os mapas mentais apresentam ainda elementos humanos, os quais evidenciam e permitem considerar que mesmo com as significativas mudanças sociais é factível compreender que a Aldeia Traíra encontra-se em pleno crescimento demográfico. Durante a nossa passagem por lá, constatamos um grande número de crianças e jovens que pretendem buscar formação acadêmica, mas que não desejam sair da TINJ – ali está seu porto seguro, sua terra com todas as relações possíveis e que na cidade (como mundo estranho) não teriam como se sentir seguros, até pela existência dos mais distintos preconceitos que a sociedade abrangente impõe.
Considerações Finais não conclusivas
O trabalho de campo possibilitou ampliar nossas reflexões geográficas acerca do modo de vida dos Pykahu-Parintintin e de como estes desenvolvem a sua produção econômica, de forma que permite sua reprodução social e espiritual no território.
Foi uma oportunidade de vivenciar e adquirir novas experiências e, ao mesmo tempo, aprender com o povo Pykahu-Parintintin o ritual festivo do Yrerua, as práticas cotidianas, a dinâmica econômica, as relações familiares, o potencial de recursos naturais e as relações que tais populações estabelecem com a terra e com a natureza para a manutenção da sua subsistência e recriação social.
A percepção que tivemos dos indígenas acerca do território é que estes possuem uma relação topofílica, uma relação inseparável com o ambiente onde vivem, de forma que resulta em uma relação de enraizamento e um sentimento de pertencimento com o lugar vivido e vivenciado.
Isso permite afirmar que há um processo que busca o fortalecimento da cultura indígena Pykahu-Parintintin, em que estes se reafirmam socialmente e culturalmente, ainda que sofram uma série de influências externas e com isso se apropriam de novas representações. 
O saber tradicional permite compreender uma multiplicidade de elementos presentes na TINJ, pois a confecção de diversos artesanatos, casas e outros objetos presentes no espaço significam a exaltação e a valorização da terra, da natureza e do território, o que contribui para o fortalecimento de sua identidade indígena e territorial.
A passagem do conhecimento dos mais idosos para os mais novos se torna preponderante neste contexto, haja vista que o saber-fazer é transmitido de geração para geração, como um continuum necessário a seu modo de vida, ainda que este passe por ressignificações, ou seja, com mudanças e permanências.
Em suma, o artesanato e a produção da farinha é uma estratégia que as famílias indígenas possuem na Aldeia Traíra como forma de acréscimo na renda. Ainda se tem que a confecção das peças do artesanato é uma produção em pequena escala, na qual participam tanto homens como mulheres.
Por fim, as várias opiniões de idosos, jovens e crianças Pikahu-Parintintin é que não pretendem se deslocar para os centros urbanos para morarem em definitivo, pois a TINJ é o seu território de referência, é onde se sentem seguros e é dali que retiram os alimentos necessários para a vida material, social e espiritual.

Referências

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* Allan Rodrigues Augusto, professor EBTT no Instituto Federal de Rondônia – Campus Calama do Curso Técnico em Edificações. Mestrando Bolsista CNPQ pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGG da Universidade Federal de Rondônia – UNIR

** Ádria Fabíola Pinheiro de Sousa. Mestranda Bolsista CNPQ pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGG da Universidade Federal de Rondônia – Programa de Pós-graduação Mestrado em Geografia – UNIR, Prédio do CEGEA, Bloco 1T, Sala 18, Campus UNIR

*** Francilene Sales da Conceição. Mestranda Bolsista CNPQ pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGG da Universidade Federal de Rondônia – Programa de Pós-graduação Mestrado em Geografia – UNIR, Prédio do CEGEA, Bloco 1T, Sala 18, Campus UNIR

**** Adnilson de Almeida Silva, professor doutor da Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Programa de Pós-graduação Mestrado em Geografia – UNIR, Prédio do CEGEA, Bloco 1T, Sala 18, Campus UNIR

***** Laura Dominic Gazzotto Soares de Almeida, discente da graduação em geografia da Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Programa de Pós-graduação Mestrado em Geografia – UNIR, Prédio do CEGEA, Bloco 1T, Sala 18, Campus UNIR


Recibido: 29/03/2017 Aceptado: 03/04/2017 Publicado: Marzo de 2017

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