Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


DISPOSIÇÃO IRREGULAR DE RESÍDUOS SÓLIDOS: CONSEQUÊNCIAS DE UMA SOCIEDADE DESINFORMADA QUE NÃO PARTICIPA

Autores e infomación del artículo

Emília Alves da Cruz*

Alexandra do Nascimento Passos**

Centro Universitário UNA, Brasil

alvesemiliavereadora@gmail.com

RESUMO

Este artigo apresenta parte das reflexões elaboradas na pesquisa “O descarte recorrente de resíduos em calçadas pelos moradores do Distrito São Benedito em Santa Luzia, Minas Gerais: reflexo do/no desenvolvimento local”. O estudo buscou conhecer fatores que interferem nessa mobilização, tendo em vista a realização de intervenção na área de Gestão Social do Espaço Urbano para potencialização do desenvolvimento do/no local. A pesquisa toma como referência estudos acadêmicos, além de observação e entrevistas realizadas com membros da administração pública municipal e moradores em dois bairros do Distrito São Benedito. O princípio da participação por meio de relações dialógicas foi apontado como premissa na transformação e desenvolvimento locais. O favoritismo político, a desinformação dos moradores, as ações isoladas e setorizadas do poder público luziense em estimular a participação social são alguns dos fatores apontados pela pesquisa como responsáveis pelo cenário observado.

Palavras-chave: Participação, Intersetorialidade, Desenvolvimento local, Disposição de resíduos.

ABSTRACT

This article presents some of the reflections made from the research named “The recurrent disposal of waste on sidewalks by residents of São Benedito District in Santa Luzia, Minas Gerais: a reflex of/in the local development”. The study aimed to know the factors that interfere in this mobilization, considering the accomplishment of intervention in the field of Social Management of the Urban Space to potentialize the development of/in the local. The research takes academic studies as reference, as well as observation and interviews made with members of the local public administration and residents of two neighborhoods in São Benedito District, part of the city of Santa Luzia, located in the state of Minas Gerais, Brazil. The principle of participation by means of dialogic relations was pointed as a premise to local transformation and development. Cultural political favoritism,  the residents’ misinformation, the public power’s isolated and sectored actions in Santa Luzia with no encouragement of social participation are some of the factors shown as responsible for the scenario observed by the research.

Key words: Participation – Intersectoriality – Local development – Disposal of waste.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Emília Alves da Cruz y Alexandra do Nascimento Passos (2017): “Disposição irregular de resíduos sólidos: consequências de uma sociedade desinformada que não participa”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/participacion.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701participacion


Mesmo numa cidade perdida nos confins da história ou da geografia, há pelo menos uma calçada ou praça que é de todos e não é de ninguém, há o lixo que não pode se acumular nas ruas nem pode ser simplesmente enterrado no jardim, há a igreja ou templo a construir e manter, enfim, há sempre na cidade, uma dimensão pública de vida coletiva, a ser organizada (ROLNIK, 2009, p. 20).

O descarte irregular de resíduos sólidos é uma realidade presente em todo o território nacional. Alguns municípios como Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, doravante RMBH, convivem com calçadas repletas de entulhos diversos, dentre eles, os da construção civil1 . Os múltiplos problemas resultantes dessa disposição incluem a ampliação de ambientes favoráveis à proliferação do mosquito Aedes (transmissor de doenças como Dengue e Zika), risco de atropelamento de pedestres em vias públicas por obstrução de calçadas, entupimento de bueiros, ruptura em asfaltos, exposição de moradores ao convívio diário com animais peçonhentos, mau cheiro, além de comprometer o aspecto visual da cidade desvalorizando o território pelo mercado imobiliário, etc.
Tomando como referência o contexto dos últimos anos, a partir dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família2 , uma imensa parcela da população que possuía reduzido poder de compra, foi inserida no mercado. Nesse sentido, além de outras aquisições, esse público vislumbrou a possibilidade de reformar sua residência, o que pode ser associado a fatores que ampliaram a geração de resíduos. Contudo, como relatam Godecke, Naime e Figueiredo (2012), a capacidade de consumo não necessariamente se relaciona ao volume de resíduos gerados. Ao observar distintas realidades, o Japão produz quantidade de resíduo consideravelmente menor que os estadunidenses, enquanto o Brasil, que apresenta uma renda per capita bem inferior às duas potências, produz volume equivalente ao dos japoneses, denotando uma questão de consumo sustentável, ao qual nosso país ainda não aderiu (GODECKE, NAIME & FIGUEIREDO, 2012).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regida pela lei 12.305/10, que regula o descarte de resíduos e rejeitos, tem por princípio a não geração, a redução, a reutilização dos resíduos, bem como o descarte dos rejeitos (resíduo que teve esgotadas as possibilidades de tratamento e a recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis) em locais adequados (Art. 9° PNRS, 2010).
Essa legislação nacional prevê o envolvimento de diversos atores sociais 3 numa responsabilidade compartilhada do destino adequado aos resíduos. A despeito de as campanhas de conscientização sobre a Dengue alcançarem todo o país, a conscientização e a mudança de hábitos que propiciam o desenvolvimento do/no local são processos endógenos, de dentro para fora (BUARQUE, 2008 apud MONTEIRO & QUARESMA, 2014). Assim, a transformação não ocorrerá apenas por determinação do poder público, tampouco pelo rigor na fiscalização da lei. Antes, demandará instrumentos que conduzam ao envolvimento de todos, de forma a produzir modificações no comportamento de cada cidadão.
Um dos principais instrumentos dessa lei é a coleta seletiva ou “coleta de resíduos sólidos previamente segregados, conforme sua constituição ou composição” (Art. 3°, V, PNRS). Embora sua instituição seja condição para encaminhamento de recursos financeiros, poucos municípios a implantaram. Dos 5.570, apenas 1.865 municípios concluíram a elaboração do Plano de Resíduos Sólidos: “(...) a coleta seletiva abrange apenas 8% dos municípios e 12% da população Brasileira” (MME, 2011 apud GODECKE; NAIME; FIGUEIREDO, 2012, p. 175).
Somam-se à cultura da irresponsabilidade ambiental na disposição adequada do resíduo produzido as melhorias em todo o país na distribuição de renda desde a ascensão do Partido dos Trabalhadores a partir de 2003, como também o aquecimento da economia impulsionada pelo crescimento no mercado da construção civil, que favoreceram reconhecida elevação da condição financeira, não somente em Santa Luzia, mas no Brasil como um todo, elevando o consumo e o volume de resíduos gerados 4.
Boletim de outubro de 2010, o Dieese aponta dados do IBGE, nos quais a construção civil obteve crescimento de 14,9% no primeiro trimestre de 2010, tendo se revelado como “(...) um dos principais carros-chefes do crescimento econômico atual, impulsionada pela recuperação dos investimentos, maior facilidade de acesso ao crédito e prorrogação da isenção do Imposto sobre Produto Industrializado – IPI para materiais de construção.” (DIEESE, 2010, p. 1)

A construção civil, em particular, cresceu às maiores taxas do quinquênio (últimos cinco anos), expandindo-se, respectivamente, 6,9% e 11,6% no segundo e no terceiro trimestres do ano de 2004 (...). (SENAI, 2005, p. 25)

A frequência de pequenas reformas em imóveis e a aquisição de bens móveis pelas classes menos favorecidas, de certa forma, caminham na contramão da não geração de resíduos preconizada pela PNRS. Seu Art. 27, § 2º, preceitua que o recolhimento de resíduos descartados irregularmente deverá ser ressarcido aos cofres públicos por meio de sanções aos infratores sobre as despesas decorrentes da intervenção.
Em Santa Luzia, mesmo sendo do morador a responsabilidade pela manutenção, limpeza e descarte adequado de resíduos conforme disposto em lei, a Prefeitura, por meio da Secretaria de Limpeza Urbana (SLU), promove repetidas ações de recolhimento de entulhos em calçadas e espaços coletivos, utilizando máquinas e caminhões destinados a obras de estruturação viária e equipamentos públicos em execução, sem notificação ou sanções aos infratores, lesando, assim, o erário público.
O Código de Obras de Santa Luzia, instrumento básico a serviço da técnica e experiência em se construir, em seu Art. 223, proíbe a colocação de qualquer elemento construtivo no passeio, entendido como parte da via pública de circulação destinada ao trânsito de pedestres (Código de Obras – Lei Nº. 2.262/2001). Ou seja, nem material a ser utilizado, nem descartado.
Já o Código de Posturas, Lei n.º 1.545/92, disciplina a utilização do espaço urbano bem como normas de construção e áreas de uso do espaço público. Trata das posturas necessárias para que se garanta, pelo princípio da legalidade, a convivência harmoniosa entre os cidadãos luzienses. Seu Art. 218 proíbe a utilização de logradouros, parques, praças, áreas verdes de preservação como “bota-fora”. Durante o período de construção, responsabiliza o construtor por manter o passeio em frente à obra em boas condições de trânsito aos pedestres, efetuando todos os reparos e limpezas que para esse fim se fizerem necessários (Lei n.º1.545/92, Art. 254). Contudo, o descarte de resíduos em calçadas em Santa Luzia é recorrente, sendo necessária a promoção de diálogo entre o poder público e a população, em atuação conjunta ao combate a esse tipo de comportamento.
Este artigo, por meio de uma pesquisa em abordagem qualitativa, explicativa e aplicada (GIL, 2008; MINAYIO, 2009), buscou conhecer os fatores interferentes na ausência de mobilização e envolvimento de moradores do Distrito São Benedito, em Santa Luzia, na manutenção e limpeza de suas calçadas. Recorreu a estudos que abordam o espaço como produto e produtor da sociedade que o ocupa, bem como aos autores que demonstram o quão essencial é o processo da gestão social ao fortalecimento da participação e protagonismo de cada cidadão como agente de mudanças.
Os conceitos aqui abordados se sustentam em Lefebvre (2001), Rolnik (1998) e Maricato (2013), para os quais o lugar constitui e reflete a identidade, bem como o comportamento das pessoas, dada a estreita relação entre sujeito e território, de modo que o espaço produz a sociedade, não sendo apenas um mero produto social. Sustentam-se, ainda, na PNRS, Lei 12.305/10, que preconiza a responsabilidade compartilhada entre todos, desde fabricantes, comerciantes e consumidores até o poder público quanto ao descarte final adequado de resíduos que se avolumaram, de certa forma, pelo aumento no potencial de compra da sociedade brasileira, principalmente da população de baixa renda, contexto em que se insere o Vetor Norte, do qual Santa Luzia faz parte.

A construção de dois territórios: Sede X Distrito São Benedito

Santa Luzia, situada a 25 km da Capital Mineira, vizinha à Cidade Administrativa, é considerada a 10ª cidade mais populosa do Estado de Minas e o 3º Polo Industrial da Grande Belo Horizonte (SANTA LUZIA, 2011, apud SARAIVA, 2012, p. 57). Compreende a Sede (Parte Alta e Parte Baixa) e o Distrito São Benedito. Uma das primeiras áreas de conurbação da RMBH, cujo marco na elevação do número de habitantes pode ser associado ao final dos anos 1990, quando a Av. Brasília, principal via de acesso da cidade, já concentrava o maior polo comercial luziense. Mais tarde, esse adensamento se ampliou por meio dos projetos urbanos implantados no Vetor Norte Metropolitano, como: o conjunto de obras viárias da Linha Verde, a ampliação do Aeroporto Internacional Tancredo Neves e a instalação da Cidade Administrativa no entorno imediato do Distrito São Benedito, divisa com o Bairro Via Colégio.
Santa Luzia foi constituída por ocasião do ciclo do ouro (1692), denominando-se Arraial Bom Retiro em 1724 e Santa Luzia a partir de 1924. A Sede, Centro Histórico, apresenta uma arquitetura em estilo barroco, de expressivo valor artístico e histórico-cultural. Dentre as antigas edificações, destaca-se a Igreja Matriz, construída em 1778 pelo sargento Mor Joaquim Pacheco Ribeiro, após atribuir a restauração de sua visão à imagem da “Protetora dos Olhos”, Lúcia de Siracusa, encontrada por um pescador chamado Leôncio em águas do rio que corta a cidade, o Rio das Velhas (PLANO MUNICIPAL DE CULTURA, 2013).
Enquanto o adensamento da Sede Tricentenária advém da fixação dos tropeiros ao final do Sec. XVII, a população do Distrito São Benedito, criado recentemente pela Lei Estadual nº. 2.764/62, em grande parte, resulta da remoção de famílias assentadas em vilas e favelas de Belo Horizonte que, seja pela falta de alternativa, seja pela imposição econômica e política ou pelo mercado imobiliário, foram para lá direcionados.
À medida que a Sede crescia, formava-se ali uma elite com hábitos e cultura sofisticados (SARAIVA, 2012). Na década de 1950, a Sede recebeu o maior frigorífico da América Latina - Frigoríficos de Minas Gerais S.A (Frimisa) - idealizado pelo então governador de Minas, Juscelino Kubitschek, bem como o Conjunto Habitacional Carreira Comprida, na Parte Baixa da cidade para atender seus trabalhadores (SINGER, 1968, apud SILVA, 2011)5 . Neste sentido, relaciona-se à instalação do Frigorífico na Sede Luziense, a aprovação do empreendimento imobiliário no Distrito São Benedito, sendo que a criação de seus bairros e loteamentos atenderam aos interesses de uma política habitacional voltada à população de baixa renda, por sistema de autoconstrução e com implantação de conjuntos habitacionais pela Companhia Nacional de Habitação, COHAB.
Ocupando uma pequena faixa dos 235 km da cidade, o Distrito São Benedito estabelece divisa com Belo Horizonte, estando sua malha viária conurbada à periferia da Capital. Com o aumento da população atraída para Belo Horizonte, o déficit habitacional agravou-se, o que levou a COHAB a implantar, em cidades como Vespasiano e Santa Luzia, mais de 9.000 unidades habitacionais nos bairros Cristina e Maria Antonieta de Azevedo (Palmital), destinadas à população de baixa renda. Cabe questionar acerca da definição do local destinado às novas habitações, uma vez que estas foram implantadas em uma área distante do espaço urbano que já possuía infraestrutura básica, como o Conjunto Carreira Comprida, localizado na Sede. Os novos Conjuntos foram implantados após uma extensa faixa vazia, onde não existia sequer água, luz, esgoto, asfalto, transporte ou posto médico.
Para Rolnik e Nakano (2009) os espaços destinados à habitação popular podem ser definidos como “não cidades”, pois uma moradia digna não se resume a paredes e teto; antes inclui condições que garantam acesso ao trabalho, aos espaços públicos, à educação de qualidade e outros serviços básicos. Os novos Conjuntos habitacionais do Distrito, distantes da área urbana, foram implantados sem a mínima infraestrutura necessária e, dessa forma, numa expressão literal do pensamento de Rolnik (2008), é possível afirmar que os moradores do Distrito, em especial dos Conjuntos Cristina e Palmital, encontravam-se “fora da cidade” de Santa Luzia.
As unidades dos Conjuntos Cristina e Palmital, no Distrito São Benedito, a princípio, destinadas à venda para familiares de funcionários públicos, foram habitadas ainda inacabadas pelos flagelados da enchente do Ribeirão Arrudas (Belo Horizonte) no início da década de 1980 (SANTOS, 2010). Assim, em 1992 foram removidas áreas das favelas do Perrela, do Pombal e Edgar Werneck para áreas afastadas da região central de Belo Horizonte, o que contribuiu para tipificar Santa Luzia como extensão periférica da Capital Mineira (SARAIVA, 2012), cujo adensamento rápido, irregular e não planejado trouxe consequências ainda hoje vivenciadas. O Distrito possui uma população duas vezes maior que a da Sede, e nele se encontram os mais diversos problemas sociais.
O cenário nos dois territórios (Distrito São Benedito e Sede da cidade) revela notórias diferenças. Enquanto a maioria das vias em bairros tradicionais da Sede (Parte Alta e Parte Baixa) possui infraestrutura básica de pavimentação, rede de esgoto, varrição e capina permanente nas ruas, o mesmo não se aplica em proporção equivalente aos Bairros no Distrito São Benedito. Entretanto, o relevo típico de planalto e vias muito íngremes em toda a cidade tornou comum o entupimento de bueiros por entulhos que escorrem em enxurradas pelas calçadas, alagam vias e rompem o velho asfalto, em períodos chuvosos.
Questões envolvendo coleta domiciliar, saneamento básico, pavimentação e infraestrutura urbana tipificam áreas de segregação do espaço definidas em função dos interesses do mercado imobiliário, já que o poder público atua em áreas valorizadas pelo mercado, nos espaços das cidades em detrimento das “não cidades”, para os privilegiados que por ela podem pagar. Cabe registrar a analogia feita por SILVA (2011) ao comparar o território a uma arena de teatro, cujos lugares quanto mais próximos ao palco, mais elitizados e, portanto, adquiridos pelos que têm melhores condições econômicas, enquanto os menos providos financeiramente se submetem a lugares tão distanciados, por vezes, inviabilizando-lhes a visão completa do espetáculo. O território do Vetor Norte, na Grande Belo Horizonte, no qual se insere o Distrito São Benedito, foi parcelado de forma a absorver uma população sem condições de adquirir um lugar ao Centro, contentando-se em estar à margem, na periferia, “fora da cidade”.
Santa Luzia enfrentou interrupções na coleta de lixo domiciliar em 2012, o que se somou a entulhos descartados em calçadas no Distrito São Benedito. Iniciaram-se aí, ações como operação de limpeza em calçadas, praças, áreas públicas em toda a cidade e ativação do Departamento de Fiscalização e Posturas Municipal para emitir notificações a moradores flagrados em reincidente descarte irregular de resíduos. Contudo, os moradores, cujos pedidos em grande parte são atendidos, recorrem a parlamentares, solicitando nova limpeza local e nulidade de possíveis multas. As medidas adotadas pela Prefeitura, por intermédio da SLU e da Fiscalização e Posturas, foram definidas e executadas isoladamente, sem participação, envolvimento e protagonismo da comunidade, não se revelando eficientes.

Conhecimento, envolvimento e participação: transformações no território com vistas ao desenvolvimento local

Santa Luzia ainda é rotulada como “cidade dormitório” em função da dependência da Capital em atividades de trabalho, estudo, atendimento médico e até mesmo lazer. Embora a Avenida Brasília concentre uma gama de grandes lojas, parte dos moradores opta pelo comércio em Belo Horizonte, o que contribui para fragilizar o vínculo destes ao Distrito, mantendo-os ligados ao território de origem.
O cenário atual do Distrito São Benedito suscita a imagem de uma população pouco envolvida ou indiferente às consequências da disposição inadequada de resíduos. Para compreender as relações estabelecidas no território, foram realizadas entrevistas entre julho a dezembro de 2015 com moradores dos bairros Via Colégio e Palmital, pertencentes ao Distrito, e com representantes do poder público municipal, dentre eles o ex-prefeito Carlos Calixto 6.
Dada a condição econômica da população Beneditense7 , figuram entre os possíveis fatores que levam à não locação de caçambas para recolhimento de materiais descartáveis: o baixo poder aquisitivo, a prática clientelista promovida por parlamentares, a insatisfação popular com a ausência ou insuficiência na atuação do poder público, a desinformação e o desconhecimento legal sobre a responsabilidade na disposição adequada dos resíduos, mesmo após algumas notificações.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas (GIL, 2008), com questões que versavam sobre a relação com o espaço, a disposição de resíduos e a inobservância legal, oportunizando suscitar questões não previstas no início do estudo. Os questionamentos foram conduzidos de forma a colher informações que apontassem fatores interferentes no envolvimento e participação da comunidade em bairros do Distrito São Benedito, na manutenção de limpeza e conservação de suas calçadas, bem como sugestões para possibilitar tal participação.
Os bairros escolhidos para a realização da observação e entrevistas foram o Via Colégio, pela proximidade a Belo Horizonte (fronteira com a Cidade Administrativa) e o Palmital, em função do grande número de moradores egressos da capital no período da remoção dos atingidos pela enchente do Rio Arrudas. Cabe destacar que o Bairro Palmital é frequentemente citado em páginas policiais pela imprensa e concentra um número de habitantes muito superior a outros bairros do município.
A limpeza e retirada de entulhos seguem cronograma planejado pela SLU, segundo seu dirigente, priorizando vias de itinerário para transporte coletivo, maior circulação de pessoas ou de maior volume de reclamação de munícipes, parlamentares e, ainda, determinações pelo gabinete do prefeito que, por vezes, comprometem toda a programação. Ele afirma que:

... tudo é necessário, mas nem tudo pode ser priorizado. Tudo precisa ser feito, mas nem tudo pode ser feito ao mesmo tempo. Se não, eu não dou conta! Então eu priorizo os principais corredores, as áreas de escolas, postos de saúde e de lazer, áreas de comércio, de maior circulação de pessoas. (Entrevista 23/05/15 - Secretário de Limpeza Urbana)

Nessa declaração, o secretário justifica a segregação dos espaços, em função do critério de fluxo e acesso. Rolnik (2015) entende a cidade como espaço de todos e para todos, pois vivê-la implica uma garantia de acesso físico e político. Reporta-se a Lefebvre, retratando a dimensão do espaço da cidade como polis definida de forma coletiva, democrática e participativa, “não somente por meia dúzia”. Viver a urbanidade significa “viver plenamente, quer dizer universalmente, quer dizer todos. Todos os moradores, todos os residentes, sejam eles cidadãos desta cidade ou não, possam igualmente ter acesso a ela” (ROLNIK, 2015).
A divisão equivalente das equipes de limpeza entre os bairros do Distrito e Sede não contempla as necessidades de seus espaços, dadas suas peculiaridades. As vias do Distrito, em grande parte, não apresentam nenhuma pavimentação ou possuem calçamento poliédrico precário, o que favorece o crescimento rápido de mato, tornando mais árduo e difícil o trabalho de capina. Já na Sede, a maioria das ruas asfaltadas torna mais ágil e frequente a limpeza. Soma-se a isso o volume da população do Distrito, que corresponde ao dobro da população da Sede. Nesse sentido, é possível inferir que o Distrito produza e descarte um maior volume de resíduos, deixando as calçadas locais mais sujas em relação aos bairros da Sede.
Os relatórios apresentados nas ações desenvolvidas pela SLU foram insuficientes para uma análise apurada da frequência e periodicidade de limpeza nas ruas. O cuidado na elaboração de tais relatórios  comprovaria a reincidência do munícipe no descarte irregular de resíduos. Todavia, esse detalhamento por agentes do órgão não seria o bastante para expedir notificação e multa, o que demandaria a presença de um fiscal da Secretaria de Posturas, levando-nos ao entendimento da necessidade de ação intersetorial entre as secretarias que, no momento, atuam de forma tradicionalmente setorizadas.
Em meados de 2015, novas equipes de limpeza se somaram às anteriores, distribuídas por extensão de via linear. O cenário nos bairros do Distrito São Benedito não alterou, haja vista o número de casos de Dengue relatados na reportagem exibida por telejornal local, que divulgou o aumento de 100% nos casos da doença em Santa Luzia no mês de dezembro, mesmo após a ampliação das equipes de limpeza (MGTV, 26/01/2016)8 .
Para o poder público, a cultura local é o fator responsável pelo que reconhece ser um problema.

(...) Parece uma coisa, que eu acho que é cultural (...) Pra acabar com isto falta mesmo é fiscalização. A fiscalização que existe hoje aqui, é “meia-boca, sabe? Tem que ser como em Belo Horizonte: colocou, notificou, multou e pronto, acabou (Entrevista 23/07/15 - Secretário de Limpeza Urbana).

A maioria dos depoimentos revela que o Poder Público acredita ser capaz de agir autoritária e independentemente, cabendo à população apenas cumprir a Lei, o que se resolveria intensificando-se a fiscalização. As entrevistas demonstraram que muitos moradores desconhecem sua  responsabilidade no zelo e manutenção de suas calçadas, prevalecendo os discursos de cobrança pela atuação da prefeitura na limpeza de todas elas:

Vê se pode? A prefeitura só limpa lá em Santa Luzia mesmo (Sede). É só olhar as calçadas: cheinho de mato, entulho, rato e tudo quanto há. É o que sobra para nós aqui (Distrito). Agora, na eleição, eles (poder público) vêm e limpa tudo. Pode acreditar, moça! Na eleição eles fazem a obrigação deles (Entrevista 29/07/15 - Moradora do bairro Via Colégio em 29/07/15).

A prática de intervenção parlamentar para recolhimento de entulho e nulidade de possíveis notificações ou multas foi citada na maioria das declarações, justificadas pelo elevado valor na locação de caçambas. Apesar de poucos admitirem adotar tal prática, por vezes negando-a, a maioria declarou não locar caçambas por questões financeiras, e confessaram descartar entulho nas próprias calçadas à espera da SLU, a quem são gratospelas ações de recolhimento. A barganha por apoio político em troca de favor parlamentar no recolhimento de entulhos pela SLU é uma prática tão naturalizada que moradores reclamam a ausência da realização de tais “serviços” em períodos não eleitorais.

Na época da eleição, eles aparecem (os vereadores e candidatos) e recolhem tudo, deixam tudo limpinho (a SLU). Aí a gente vota, né? Quando eles ganham, aí não pode mais (recolher o entulho). Aí tem a lei, aí é difícil, já não consegue mais e some. Só aparece pra limpar de novo na época da eleição. Só o vereador “X” que ainda vem, pega os entulhos pra gente. Porque os outros... nem aparecem mais mesmo (Entrevista em 30/07/2015 - Morador do bairro Via Colégio).

Alguns moradores justificaram o descarte em calçadas pelo fato de a Prefeitura já recolher o entulho de alguns moradores gratuitamente, vendo-se desobrigados a contratar serviços de recolhimento por meio de locação de caçambas.

Eu não tenho condição, não, por isso tá aí fora esperando a Prefeitura pegar. Mas é pouca quantidade (volume), você viu, né? Como é que eu vou alugar uma caçamba pra pegar isso aí tão pouco, enquanto a Prefeitura pega o dos outros, que é muito maior que o meu e não cobra nada. Não acho certo. Não tenho dinheiro, não, mas, mesmo se eu tivesse, não sei se ia alugar não. A Prefeitura tem que fazer pra todo mundo, né? Todo mundo paga imposto direitinho, né? (Entrevista em 17/09/2015 - Morador do bairro Via Colégio).

Os moradores declararam, ainda, que o tempo entre uma limpeza e outra nas calçadas é mais extenso no Distrito se comparados aos bairros da Sede. Pode-se inferir que esse intervalo é resultado da divisão da equipe por extensão territorial, que desconsidera características sociais, volume de resíduo gerado e condições de pavimentação das vias, o que dificulta a limpeza do Distrito São Benedito.
A falta de envolvimento da população é justificada pelos representantes da administração pública pelo suposto desinteresse em ações realizadas pela prefeitura.

O povo não tem tempo de mexer com isso. Ele quer a porta da casa dele limpa e pronto. O que a Prefeitura vai fazer ou deixar de fazer com o entulho não interessa pra ele, contanto que recolha o entulho da calçada, senão ele acusa a Prefeitura de não lutar contra a Dengue, de não olhar pros pobres. O povo é assim. (Entrevista 22/10/2015 - Secretário de Meio Ambiente).

De fato, as entrevistas realizadas com moradores não sinalizaram grande  preocupação em saber o destino final dado aos resíduos recolhidos. Para um morador no Via Colégio, “se os resíduos são recolhidos pelo órgão público (Prefeitura), o mínimo que se espera é que tenham destino em conformidade com a lei, sem prejudicar o meio ambiente”. Já a falta de desejo de participar é um argumento refutado pelos moradores que reivindicam maior diálogo entre os representantes públicos e comunidade por meio de fóruns de debate, audiências públicas e conferências, com ampla divulgação, em horários e locais compatíveis com as necessidades dos moradores. Para tanto, sugerem, ainda, reuniões dos Conselhos Municipais de forma itinerante pelos bairros:

A gente quer participar sim. Pra isso a gente tem que saber os nossos direitos e deveres. Mas vocês não falam com a gente (se referindo à pesquisadora como alguém do poder público de Santa Luzia). Como a gente vai participar das reuniões de dia? A gente trabalha! (...) e se quisesse mesmo fazia de noite perto da casa da gente. Faz uma a cada mês, em cada bairro. Principalmente pra gente saber da saúde. As reuniões do Conselho a gente aprende muito. Já participei, mas agora eu trabalho e este urbano (coletivo entre o Distrito e Sede) é uma loucura (Moradora do bairro Palmital, em 19/09/2015).

Nessa entrevista, a moradora revela que participava de reuniões do Conselho Municipal de Saúde, que aconteceram no auditório da Prefeitura, localizada na Sede. Contudo, o deslocamento entre Sede e Distrito, feito pelo coletivo intramunicipal, o chamado “Urbano”, sempre foi demorado.
Um Pastor, morador do bairro Via Colégio há mais de 30 anos, sugeriu que todos os espaços de aglomeração, inclusive igrejas, fossem utilizados para discutir a responsabilidade compartilhada da sociedade no cumprimento da legislação ambiental, e declarou: “Quem não cumpre a Lei dos homens também não está cumprindo a Lei de Deus” (Entrevista em 19/08/2015 - Morador do bairro Via Colégio).
Apesar das fortes relações com o território de origem, a RMBH, poucos moradores declararam desejar residir em outro local. A maioria já fixou raízes e estabeleceu relações com o espaço ocupado. Dentre as principais razões para não desejarem mudar de bairro ou cidade, ressaltam-se a aquisição da casa própria e o relacionamento entre vizinhos. Merece destaque a declaração de moradores do Bairro Palmital afirmando que os índices de violência e criminalidade responsáveis por parte da identidade atribuída ao bairro, sempre presentes em páginas policiais, não são percebidos com tanta notoriedade entre eles:

Aqui é muito tranquilo pra morar. Todo mundo é amigo de todo mundo. Um ajuda o outro. Eu fico aqui, não mexo com ninguém, então não vejo nada e ninguém mexe comigo também. Esse negócio de violência tem em todo lugar, não é só aqui não. O jornal é que já acostumou a falar que o Palmital é violento, mas não é tudo isso, não. (Entrevista em 20/09/2015 - Moradora do bairro Palmital).

É possível inferir que, embora parte dos moradores tenha ocupado o Palmital por falta de opção mediante as contingências do momento, ao longo do  tempo, as relações de identidade foram construídas por meio de um sentimento de pertencimento ao lugar.
As declarações revelam comparações entre o Distrito, a Sede de Santa Luzia e bairros vizinhos pertencentes a Belo Horizonte, a ponto de suspeitarem de que a legislação seja diferenciada na mesma cidade: “Eu sei que em Belo Horizonte, não pode, não, senhora (colocar entulho na calçada). Agora aqui, eu não sei, não. Eu acho que pode. Todo mundo coloca e a Prefeitura tira” (Entrevista em 19/08/2015 - Moradora do bairro Palmital).

Tinha que criar uma lei aqui (Distrito), que nem lá em Belo Horizonte, lá em Santa Luzia: as pessoas que jogam entulho, material de construção nas calçadas, são multadas. Aí ninguém vai colocar mais. Vai ter que alugar caçamba. (Entrevista em 25/10/2015 - Morador do bairro Via Colégio).

Ao ser informado acerca da existência da legislação que coíbe descarte de resíduos em calçadas, como a PNRS, o morador acima questionou: “Então por que não cumprem a lei”? A resposta a esse questionamento perpassa principalmente a cultura do favoritismo, da “barganha pelo apoio político”. Dessa forma, esperar que a população mobilize-se e cumpra a legislação, munindo-a de informação e estimulando sua participação e protagonismo no desenvolvimento do território que ocupa, pode não ser objetivo do poder público e dos políticos.
Segundo Dowbor (2008), quem detém informação, detém poder. Pessoas que não estão informadas não participam e não se envolvem. Ficam indignadas, ficam revoltadas, mas não participam no sentido construtivo (DOWBOR, 2008). Para tanto, durante as entrevistas, os membros da administração municipal sugeriram a distribuição de panfletos educativos, o que foi refutado pelos moradores. Eles alegaram que se não houver um envolvimento de setores como escolas, ou outros, a estratégia não produz grandes efeitos.

Não acredito não. A gente nem lê estas coisas, a não ser quando se recebe numa fila do posto, ou do ônibus. Geralmente a gente recebe, dá uma olhadinha nas figuras, embola e joga fora. Só se tiver a pessoa pra explicar, sabe! Assim, se um Agente de Saúde vai lá em casa, fala as coisas comigo e depois me entrega o panfleto, aí eu vou guardar, né? Ou se eu receber ele lá na escola e a professora for me explicar direitinho, aí é diferente. (Entrevista 25/06/2015 - Morador do Palmital)

Essa declaração direciona nossa reflexão para ações intersetoriais, o que, para Junqueira, seria a “articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando ao desenvolvimento social, superando a exclusão social”. (JUNQUEIRA, 1998, p. 14)
Para Dowbor (2013), a capacidade do município de autotransformação econômica e social pode ser chamada de “poder local”. Nesse sentido, alterar a estrutura implica empoderar e dar voz por meio de mecanismos de participação popular, a quem hoje não atua diretamente na interferência, nem na tomada de decisão. É necessário que o poder público compreenda que participar é ser protagonista, e ninguém é, de fato, ator quando meramente reproduz um roteiro sem vivenciar o personagem. Assim, acredita-se que medidas isoladas e impositivas dificilmente alterarão o cenário local.

Precisamos vencer a comunidade pelo cansaço. A equipe tem que ser eficiente de forma que o povo suje e a secretaria limpe. O povo suja e a secretaria limpa novamente, até que já não haja entulho para ser recolhido. ( Entrevista 23/07/2015- Secr. de Limpeza Urbana).
Se a gente, sabendo que a responsabilidade é do morador, não recolhe o entulho, o morador suja ainda mais. Ele pensa: Tá sujo mesmo. Mais um pouco, menos um pouco não faz diferença. Agora, se ele vê a rua dele toda limpinha, bem cuidada... ele fica constrangido de colocar o entulho ali. E ele dá um jeito, aluga caçamba, pede o carroceiro pra recolher, mas ele não suja onde está limpo (Entrevista 28/07/2015 - Prefeito Calixto).

A administração acredita que, mantendo a estratégia setorizada, isolada e monopolizada no recolhimento de entulhos, será possível garantir a limpeza das calçadas pelo constrangimento dos moradores em sujar um espaço bem cuidado apenas pelo poder público.
A intensificação na fiscalização é admitida por todos. No entanto, os moradores declaram desconhecer a lei, acreditando ser responsabilidade da Prefeitura de promover tal serviço, demandando a necessidade de informação e conscientização para proceder as notificações e multas.  No entanto, o ex-prefeito e o secretário de obras consideraram a cobrança de sanções uma prática inaplicável, uma vez que os moradores não têm condições financeiras nem para locar caçambas, e apontaram o poder público como o único responsável por garantir a limpeza da cidade:

A prefeitura necessita criar alternativas pra dar solução ao problema. Se o morador não tem condições de locar uma caçamba, certamente não terá condições de pagar uma multa. (Entrevista 28/07/2015 - Prefeito Calixto)

É como morar na favela entende? Ninguém mora lá porque quer, mas porque não pode morar noutro lugar. E não é porque é favela que o poder público não tem a obrigação de garantir que o córrego não inunde, que tenha escola perto, que tenha ônibus pra todo mundo. O povo não tem dinheiro e não pode ser impedido de fazer uma reforma, uma melhoria no barraco. Isto também é responsabilidade do poder público (Entrevista 23/07/2015 - Secretário Municipal de Obras )

Cabe ressaltar que, apesar da comparação com áreas de ocupações irregulares, os bairros Via Colégio e Palmital são devidamente aprovados pela Prefeitura de Santa Luzia.
Para Ermínia Maricato (2013), os programas sociais de distribuição de renda não distribuem cidade. Ter cidade implica acesso a políticas públicas, infraestrutura, transporte, saneamento, saúde, educação, isto é, os direitos que constituem a cidade (MARICATO, 2013). A população de baixa renda continua morando “fora da cidade”, como bem define Rolnik (2009), em áreas ambientalmente frágeis, próximas a córregos, encostas, não oferecendo mobilidade urbana, infraestrutura, ou seja, direitos elementares. Por vezes, nem deveres. A esses que moram em territórios regulamentados, mas “fora da cidade”, a cobrança dos deveres sociais é sempre flexibilizada, tendo em troca a negação dos direitos a uma sociedade que vive às margens.
As relações entre os moradores do Distrito e a Sede se apresentaram frágeis nas entrevistas realizadas. Distante das suas relações diárias, de seus modos de vida; moradores do Distrito não se revelaram pertencentes à Sede. Entre os trinta entrevistados, apenas oito afirmaram participar das tradicionais festas religiosas na Sede de Santa Luzia, como a Festa do Rosário e o Jubileu. Três deles referem-se à Sede de Santa Luzia como local não convidativo para passear e, menos ainda, para morar, mesmo considerando o maior zelo e cuidado do poder público para com bairros da Sede em relação a bairros do Distrito.
A precariedade do transporte intermunicipal ao longo da história da cidade, o apelido dos moradores da Sede aos Beneditenses como “pés vermelhos” e a intensa relação de dependência com a RMBH são questões que podem ter dificultado os relacionamentos cotidianos intensos entre os dois territórios, de forma que, durante muito tempo, os moradores detiveram-se em seus limites geográficos. Os moradores do Distrito São Benedito podem não se sentir pertencentes à Sede Luziense, contudo, consideram-se plenamente enraizados ao Distrito, sendo o valor de aluguel e a conquista da casa própria as motivações mais robustas, bem como a proximidade aos familiares. Isso demonstra o quão importante é a casa, seu “cantinho para morar”, na qualidade de instrumento promotor de vínculos territoriais. Cabe aqui registrar o depoimento de um morador ao eleger a casa própria a razão para permanecer residindo no Distrito:

Meus pais sempre moraram de favor e, quando casei, passei a pagar aluguel. É um barracão simples, mas é meu e vou deixar pros meus filhos. Meus pais morreram e não deixaram nada pra nós (os filhos). Eu não, quando eu morrer, meus filhos têm lugar pra criar meus netos porque eles podem construir em cima, aqui nos fundos, sabe? Por isso eu gosto daqui. Eu consegui comprar aqui (lágrimas). (Morador do bairro Via Colégio, 17/10/2015).

Mesmo num bairro cujo loteamento fora devidamente aprovado pela Prefeitura, muitas residências foram construídas pelo sistema de autoconstrução, com edificações que não atendem às normas estabelecidas no Código de Obras. Dessa forma, é comum existirem três, quatro e até cinco residências em um único lote, conforme necessidade familiar.
Cabe aqui uma reflexão sobre o Distrito São Benedito, onde a concentração do comércio na Avenida Brasília foi responsável pelo crescimento da região. O crescimento econômico local favoreceu o surgimento de novos e pequenos centros disseminados por todo o território, o que contribui para novos vínculos e novas relações, fortalecendo o pertencimento ao território. No Palmital, a Feirinha da Savassi movimenta um grande público e aquece a economia local, gerando inúmeros empregos informais, bem como oportuniza o acesso da sociedade local a bens e produtos, sendo também um espaço de sociabilidade. Os avanços que propiciam o desenvolvimento local perpassam a ordem estrutural, as ações intersetoriais, as relações dialógicas entre poder público e sociedade, a participação popular, a resistência ao clientelismo e a alteração de comportamento culturalmente estabelecido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A particularidade da pesquisa aqui relatada acerca de fatores comprometedores da mobilização dos moradores do Distrito na limpeza de suas calçadas soma-se às pesquisas sobre relações estabelecidas entre sujeitos e territórios, demonstrando a interferência do processo de adensamento na constituição de múltiplas relações. O objetivo do estudo é justificado frente às consequências geradas ao meio ambiente, à saúde humana e ao desenvolvimento econômico local, visto que os territórios que revelam paisagens não atrativas tendem a se tornar pouco valorizados pelo mercado imobiliário refletindo no desenvolvimento social.
Os dados analisados permitiram inferir a necessidade de se promover uma relação dialógica entre o poder público e a comunidade, capaz de envolver a população do Distrito São Benedito em Santa Luzia para atuar na conservação e limpeza das calçadas como espaço público.
Entre os fatores apontados, as práticas clientelistas ganharam destaque nas declarações de moradores e representantes da administração pública. Da mesma forma, a falta de envolvimento da população com o poder público, que se limita a recolher o que a população descarta, sem inseri-la como protagonista no contexto. Soma-se também a desinformação dos moradores, que desconhecem a legislação sobre o assunto, embora saibam das consequências à saúde decorrentes de seu comportamento. Os habitantes se confundem na avaliação da sua própria conduta, uma vez que a SLU recolhe, sem ônus, o descarte que deveria ser objeto de notificação e multa, legitimando e estimulando tais ações.
Cabe ressaltar que o envolvimento da população não deve ficar a cargo exclusivamente do poder público por meio da criação de espaços institucionais de participação. Nesse sentido, torna-se necessária a participação em espaços criados pelos próprios moradores, tais como as associações de bairro. Acredita-se que esses moradores conscientes dos seus direitos, poderão reivindicar do poder público ações que julguem necessárias para a melhoria das condições de sua cidade como espaço coletivo.
As informações acerca das consequências da disposição de resíduos, como as que afetam a saúde são abundantes, porém, insuficientes para sensibilizar os cidadãos, não apenas aqueles residentes no Distrito São Benedito. Basta observar as campanhas nacionais de prevenção à Dengue para que se perceba que não se trata de uma questão que atinge apenas aquele local, mas todo o território nacional.
Conhecer as consequências da disposição irregular de resíduos não elimina os resíduos cotidianamente gerados pelo mercado que fomenta o consumo indiscriminado, como instrumento de garantia da felicidade. Também não impulsiona o poder público a rever sua postura de atuação isolada sem o envolvimento da população, nem mesmo dos setores diversos contribuindo para soluções mais eficientes, mesmo que com medidas impopulares que não favoreçam a manutenção da cultural barganha de votos. Nesse sentido, pensar a relação estabelecida entre os moradores do Distrito com o local, com a Sede e com o próprio bairro pode ser fundamental para levar a considerações mais amplas que permeiam a desigualdade das cidades brasileiras.

 

REFERÊNCIAS
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* Educadora da Educação Infantil – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (2015). Supervisora da Educação Básica- Secretaria de Estado de Minas Gerais (2013). Diretora Escolar na Rede Municipal- Prefeitura Municipal de Santa Luzia (2009-2012). Vereadora Reeleita ( Segundo Mandato ) Câmara Municipal de Santa Luzia (2013-2017). Endereço Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8156504A2

** Professora doutora do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

1 Consideram-se resíduos da construção civil os classificados no Art.13 da PNRS, gerados nas construções, reformas, reparos e demolições, incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis, que podem ser reaproveitados como material de complementação em base de pavimentação ou composto aditivo na matéria prima da própria construção.

2 Programa instituído pelo Governo Federal em 2004, gerenciado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDF) que beneficia famílias carentes buscando superar a fome e o estado de extrema pobreza.

3 Produtor, fabricante, comerciante, consumidor, poder público.

4 De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) a desigualdade de renda no Brasil vem caindo continuamente desde 2001. Entre 2001 e 2011, a renda per capita dos 10% mais ricos aumentou 16,6% em termos acumulados, enquanto a renda dos mais pobres cresceu notáveis 91,2% no período. Ou seja, a renda do décimo mais pobre cresceu 550% mais rápido que a dos 10% mais ricos. Os ganhos de renda obtidos aumentam paulatinamente, à medida que caminhamos do topo para a base da distribuição de renda (IPEA, 2012, p. 6).

5 Na ocasião, a população se concentrava basicamente na Sede, pois o Distrito São Benedito era composto apenas por fazendas, conhecido como Lagoa Vermelha de Venda Nova, por onde se escoava o gado abatido no Frigorífico com maior rapidez.

6 O Prefeito entrevistado em 2015, Carlos Alberto Parrilo Calixto, faleceu em janeiro de 2016.

7 A população do São Benedito é historicamente composta por pessoas de baixa renda, levando em conta o processo de aprovação de loteamentos sem infraestrutura, autoconstruções sem projetos técnicos, instalação de conjuntos habitacionais da COHAB, concentração de habitações em áreas irregulares, vilas e favelas.

8 Reportagem de Fabiana Almeida ao programa televisivo MGTV em 26 de janeiro de 2016 sobre o LIRA https://www.facebook.com/groups/sociedadetribunalivre/?fref=ts.


Recibido: 03/03/2017 Aceptado: 09/03/2017 Publicado: Marzo de 2017

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