Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


POLÍTICA E INFORMAÇÃO NAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013: A IMAGEM DO MOVIMENTO PASSE LIVRE SEGUNDO A REVISTA VEJA

Autores e infomación del artículo

Tiago da Silva Soares*

João Henrique Zanelatto**

Universidade do Extremo Sul Catarinense, Brasil

jhz@unesc.net

Resumo: As jornadas de junho de 2013 ficaram marcadas na história da política brasileira, assim como nas páginas das revistas e jornais do país. A abordagem dos veículos de comunicação em relação aos protestos foi se transformando no decorrer dos acontecimentos. Neste ínterim, importante perceber a relação entre mídia e política, que restam configuradas neste artigo na medida em que analisa a forma como a Revista Veja foi construindo a imagem do Movimento Passe Livre, idealizador inicial das manifestações.
Palavras-chave: Mídia, Movimento Passe Livre, poder, política.
POLICY AND INFORMATION IN JUNE DAYS OF 2013: THE MOTION PICTURE FREE PASS AFTER THE REVIEW SEE
Abstract: June 2013 journeys were marked in the Brazilian political history, as well as in the pages of magazines and newspapers in the country. The approach of the media in relation to protests was turning over the events. In the meantime, important to understand the relationship between media and politics, that remain set in this article in that it looks at how the Veja magazine was building the image of the Movement Free Pass, initial founder of the demonstrations.
Keywords: Media; Free Pass Movement; power; policy.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Tiago da Silva Soares y João Henrique Zanelatto (2017): “Política e informação nas jornadas de junho de 2013: a imagem do movimento passe livre segundo a revista veja”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/movimento.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701movimento


Introdução

O mês de junho de 2013 ficou marcado na história brasileira. Há algum tempo não se via uma mobilização repercutir tanto no país. Neste período, milhares de pessoas tomaram os grandes centros urbanos. Houve passeatas, cartazes, marchas e gritos. As reivindicações eram diversas, assim como os problemas apontados pelos manifestantes. Os protestos ascenderam e se multiplicaram de maneira tão meteórica que levou algum tempo para que partidos, intelectuais e imprensa dessem conta de compreender o fenômeno que emergia (VAINER, 2013). Cabe ressaltar que as últimas mobilizações ocorridas no Brasil ocorreram no final da ditadura militar com a campanha das “Diretas Já” em 1984 e posteriormente as mobilizações que pediam o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo em 1992 (primeiro presidente eleito através de eleições diretas após o fim da ditadura).
Apesar de, no decorrer das manifestações, haver uma dispersão quanto às pautas abordadas durante os vários atos realizados, um fator foi decisivo para que as pessoas tomassem as ruas em 2013: as reivindicações do Movimento Passe Livre pela revogação do aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo.
Para interpretar os protestos de junho a partir deste fato, basta analisar em que termos e de que modo as manifestações foram tomando forma e se tornando cada vez mais abrangentes. Nos dois primeiros atos organizados pelo Movimento, compareceram cerca de dois mil manifestantes; quantidade tradicional de arregimentação do MPL nos protestos de rua. Ainda no quarta ação organizada, o número de pessoas não era tão expressivo, entretanto, neste ato “a repressão policial desencadeou uma onda de solidariedade ao MPL, o que levou ao ato seguinte cerca de 250 mil pessoas” (SECCO, 2013, p. 73)
A proposta deste estudo não é teorizar sobre a quantidade de manifestantes, a repressão policial, ou as pautas abordadas durante as jornadas de junho. Entretanto, estes fatores são fundamentais para a tentativa de esclarecimento sobre os fatos e os agentes envolvidos nas marchas de 2013, assim como os ecos gerados nas políticas, nos governos e na imprensa brasileira a partir daquele momento. Assim, o objetivo deste estudo é averiguar, em três edições da Revista Veja que circularam no mês de junho e julho de 2013, qual a imagem transmitida sobre o Movimento Passe Livre e as jornadas de junho.
Esta questão parece pertinente, pois analisa o tratamento dado por um dos maiores veículos de comunicação impresso do país ao Movimento que originou uma das maiores mobilizações nacionais após a redemocratização do Brasil. Em outras palavras, o trabalho busca avaliar a forma como se noticiou a atuação de determinado movimento popular e, em paralelo, tenta compreender a perspectiva do próprio movimento sobre sua atuação em um momento específico. Para tanto, além de analisar as reportagens da revista, foram utilizados neste escrito, os documentos, carta de princípios e artigos elaborados pelo Movimento Passe Livre.

Movimento Passe Livre: o que é?
Tendo em vista a compreensão de que a atuação do MPL foi determinante para a eclosão das jornadas de junho de 2013, se faz necessária uma breve reflexão para tentar compreender de forma mais pormenorizada quais as perspectivas, bandeiras e o que é o MPL segundo sua própria concepção e de teóricos que estudam o Movimento.
O embrião do Movimento é a Revolta do Buzu, ocorrida no ano de 2003, em Salvador, como resposta ao aumento da passagem de ônibus. Nesta ocasião a revolta, que levou, segundo estimativas, 40 mil pessoas às ruas gerou uma incógnita sobre como deveria se organizar toda esta mobilização. No ano seguinte, 2004, desta vez na cidade de Florianópolis, uma nova mobilização surge; a Revolta das Catracas que ocupou terminais e bloqueou a ponte que dá acesso à ilha da capital catarinense. As experiências nestas campanhas, e o êxito nesta última foi o que serviu de base para a fundação do MPL em 2005, que se tornou
“uma tentativa de formular o sentido presente naquelas revoltas, a experiência acumulada pelo processo popular, tanto em sua forma como em suas motivações. Surge então um movimento social de transportes autônomo, horizontal e apartidário, cujos coletivos locais, federados, não se submetem a qualquer organização central. Sua política é deliberada de baixo, por todos, em espaços que não possuem dirigentes, nem respondem a qualquer instancia externa superior” (MPL, 2013, p. 15).
Este é o inicio da atuação e a definição sobre o que é o movimento, pelo próprio movimento. Oito anos depois, mais bem articulado, o MPL, em sua Carta de Princípios, mantém a mesma definição, e ainda incorpora novas motivações, afirmando, por exemplo, que o movimento, assim como a luta pela tarifa zero, não são fins em si mesmo, mas devem ser os instrumentos iniciais que propõe debates sobre a transformação da concepção a respeito do transporte coletivo urbano repelindo a lógica mercadológica que existe atualmente. Deve abrir a luta para o transporte público, gratuito e de qualidade para toda sociedade (MPL).
Em seus primeiros anos, a batalha que travava o MPL era pelo passe livre estudantil. Porém, a partir destas novas concepções incorporadas, o movimento se reorganiza e passa a compreender que “a luta de reapropriação do espaço urbano produzido pelos trabalhadores supera, na prática, a bandeira do MPL” (MPL, 2013, p. 15). Deste modo, o que pretende o movimento é, de fato, propor uma ampla discussão sobre a gratuidade das tarifas de transporte público para todos.
Portanto, brevemente, o que se pode afirmar é que o MPL é uma organização que se propõe a debater a forma de organização das cidades, na tentativa de propor uma reestruturação que resulte em um acesso mais democrático aos centros urbanos. Para este fim, a discussão invariavelmente tem que passar pelas condições de transporte coletivo.
É por isso que o movimento toma as ruas na tentativa de revogação de aumento de passagens ou pela luta da implantação da tarifa zero. Em suas lutas, o MPL entende que as mobilizações são maiores que o próprio movimento, e que este jamais se intitula como dono dos protestos que organiza. O movimento reitera, ainda, a importância da organização descentralizada da luta que aparece em seus princípios, e assinala que este tipo de organização é “um ensaio para uma outra organização do transporte, da cidade e de toda a sociedade” (MPL, 2013, p. 17).
Pautado nos princípios de horizontalidade e de autonomia frente ao estado, o MPL apresenta características um pouco diferentes daquelas praticadas pelos movimentos sociais tradicionais que no Brasil aparecem de modo mais enfático nas décadas de 1970 e 1980 (SADER, 1988).
Deste modo, as relações e experiências vividas pelo MPL apresentam caráter que aparentam ser contraditórios, ou, de outra maneira, apenas evidencia essa nova maneira de organização. Por exemplo, em relação à autonomia que afirma ter, o MPL se distancia de partidos, mas não se furta a dialogar com parlamentares que simpatizem com suas causas. O movimento também reitera sua autonomia frente ao estado, mas mantem relações estreitas com outros movimentos sociais e trabalhistas que alimentam intima aproximação com o governo petista (MEDEIROS, 2013).
Além dessa dinâmica de autonomia, mas que permite diálogos com demais instituições, o MPL inova no Brasil quando passa a trabalhar com a dinâmica do consenso. Isso porque, apesar dessa dinâmica ser incorporada esporadicamente e em momentos específicos por alguns movimentos, como o trabalhista e estudantil, essa forma de organização não faz parte da estrutura desses movimentos. “Assim, no MPL, uma única pessoa tem o mesmo peso que um grupo organizado” (MEDEIROS, 2013, p. 114). O que inviabiliza a existência de minorias dentro do movimento.
Desta maneira, em síntese, o que se pode afirmar é que o MPL é um movimento social, que se propõe às lutas, protestos, debates e manifestações acerca do transporte coletivo – por isso os movimentos para revogação do aumento da passagem, mobilizações pela tarifa zero, entre outros - mas estas discussões estão inseridas dentro de uma compreensão maior sobre a organização e o acesso pela população à cidade. Ou seja, não é apenas luta por transporte público, mas luta por melhores condições de vida dentro da cidade, e para viabilizar essas lutas conta com uma dinâmica de organização e algumas experiências que apresentam certo grau de inovação frente aos movimentos sociais tradicionais brasileiros.

Mídia, informação e política: algumas considerações

Antes de abordar como a revista Veja tratou as jornadas de junho e procurou construir uma imagem do MPL, é imperativo tecer algumas considerações sobre a relação entre mídia e política, e como é elaborada a informação quando transmitida por determinado veículo de comunicação ao grande público.
Destarte destaca-se com quais conceitos de mídia e política fundamentou-se este escrito. Para tanto, se utilizará dos conceitos de Lima, que define mídia como “o conjunto das instituições que utiliza tecnologias específicas para realizar a comunicação humana” (LIMA, 2004, p. 50). O autor ainda ressalta que para que exista a instituição mídia, há sempre a necessidade de existência de tecnologia intermediária que viabilize a comunicação. Existindo esta tecnologia, a comunicação passa a ser midiatizada. Para tornar mais claro: “concretamente, quando falamos de mídia estamos nos referindo ao conjunto das emissoras de rádio e de televisão (aberta e paga), de jornais e de revistas, do cinema e das outras diversas instituições que utilizam recursos tecnológicos na chamada comunicação de ‘massa’” (LIMA, 2004, p. 50).
Por outro lado, política será aqui abordado de acordo com a definição grega clássica e que deriva da pólis, se caracterizando como tudo aquilo relacionado a cidade, ao que é público e urbano (LIMA, 2004). O que se pretende, neste aspecto, é entender a política em sentido amplo, para além dos aspectos partidários e institucionais. Deste modo, explicitado os conceitos de mídia e política, se torna possível afirmar que o MPL é um movimento político e a Revista Veja é um veiculo de comunicação que faz parte da mídia. A partir de então, será trabalhado a relação entre mídia e política no contexto das jornadas de junho.
É inegável que hodiernamente a mídia ocupa uma posição de destaque na formação de conceitos e tomada de decisões das pessoas inseridas na maioria das sociedades - sociedades estas que podem ser consideradas como centradas na mídia -, tendo em vista que ela possibilita a construção do conhecimento público a todos e permite escolhas que não seriam possíveis em sua ausência (LIMA, 2004).
Entretanto, ainda mais importante que esta capacidade de influenciar na tomada de decisões cotidianas das pessoas, é o poder que a mídia tem de, em longo prazo, construir uma realidade por meio das representações que faz dos mais variados aspectos da vida humana e também da política. Assim, é pela mídia que a política passa a ser construída de modo simbólico e adquire um significado (LIMA, 2004, p. 51).
A mídia é tão presente e seu poder é tão grande, que dela deriva quase todas as informações que os cidadãos têm para se situar no mundo. Apesar disso, é importante perceber que cada pessoa recebe apenas informações fragmentadas, pois é humanamente impossível acompanhar todos os acontecimentos, ainda que através de um único veículo de informação e em um curto período de tempo. “No dia-a-dia, um misto de escolha e acaso filtra o conjunto de informações que cada indivíduo específico recebe” (MIGUEL, 2004, p. 7).
Outra característica do poder midiático, é que pode ser o responsável pela agenda pública.
“A pauta de questões relevantes, postas para deliberação pública, é em grande parte condicionada pela visibilidade de cada questão nos meios de comunicação. Dito de outra maneira, a mídia possui a capacidade de formular as preocupações públicas. O impacto da definição de agenda pelos meios de comunicação é perceptível não apenas no cidadão comum, que tende a entender como mais importantes as questões destacadas pelos meios de comunicação, mas também no comportamento de líderes políticos e de funcionários públicos, que se veem na obrigação de dar uma resposta àquelas questões” (MIGUEL, 2004, p. 8)
É fundamental compreender que não apenas de maneira neutra a mídia organiza esta agenda. O que acontece, é que ela “fornece os esquemas narrativos que permitem interpretar os acontecimentos” (MIGUEL, 2004, p. 9) e prioriza alguns desses esquemas atenuando outros. Ou seja, o fato de a mídia ditar a agenda pública, em determinados casos não é uma consequência de ações pura e simplesmente aleatórias, mas sim, resultado de uma ação premeditada.
Diagnosticadas essas características e relações entre mídia e política, é possível desenhar o cenário e tentar compreender os desdobres daqueles acontecimentos ocorridos em junho de 2013. Isso porque foi perceptível uma espécie de “mutação” na pauta dos protestos. Iniciou com um objetivo claro: a revogação do aumento da tarifa de ônibus, mas na medida em que o número de pessoas foi crescendo, outros problemas começaram ser apontados. Desde corrupção até cobrança por investimentos em saúde e educação.
Tal mutação pode ser relacionada com a forma como a mídia tradicional tratou os protestos. Inicialmente condenou e indicou a necessidade de repressão. Todavia, na medida em que o fenômeno foi adquirindo volume, houve uma alteração radical na forma de transmissão das notícias. A imprensa passou a fazer coberturas em tempo real, fazendo os espectadores crerem em sua imparcialidade e distância em relação aos protestos. Então, de maneira sútil começou a instigar e pautar as manifestações com bandeiras alheias ao que motivou a jornada inicial (LIMA, 2013).
Evidente que a relação entre mídia, política e as manifestações de junho de 2013 são muito mais amplas e abrangentes, entretanto, não há espaço para abordar todas as questões relevantes neste estudo. Cumpre salientar, entretanto, que um tipo relativamente novo de mídia foi fundamental para as dimensões que tomaram as manifestações: a internet e as redes sociais. Estes aparatos cumpriram função oposta àquela capitaneada pela grande mídia. Serviu para cooptação de manifestantes e organização dos atos que se seguiram, mas não é este o objeto deste trabalho.
Desta maneira, o que se verifica, é que todas as características abordadas sobre mídia e política estiveram presentes na jornada das manifestações eclodidas em junho de 2013. É possível verificar a posição de centralidade da mídia influenciando no julgamento das pessoas sobre as passeatas; também se verifica a representação da realidade através da construção de símbolos que adquirem significados positivos ou negativos (como o tratamento em relação ao MPL); e a capacidade de pautar a agenda pública fazendo, inclusive, com que as manifestações tomassem outros rumos.
É imperativo ressaltar que, apenas a relação entre mídia e política não dá conta de interpretar e compreender a amplitude das  dimensões e os caminhos que se seguiram durante e após o término das jornadas de junho. O fenômeno é muito mais complexo e exige a análise de outras questões envolvidas na vida social e na dinâmica política do país. Porém, inegável que esta relação exerceu papel deveras importante no desdobrar dos acontecimentos. É o que se pretende demonstrar a seguir.

A Revista Veja: construindo a imagem do MPL
No auge das manifestações, no dia 19 de junho de 2013, a Revista Veja publicou uma reportagem de capa sobre o que estava acontecendo no país. A matéria era a proposta da revista de fazer a população entender o que estava sendo reivindicado, quem estava indo às ruas e quem organizava o movimento. Aqui, se tentará analisar a exposição da revista sobre o MPL.
Já no inicio da reportagem, além de acusar partidos e militantes radicais de esquerda, punks e desocupados de vandalismo, a matéria começa a explicar o que são as jornadas de junho, e quem são seus mentores:
“Foi a quarta de uma série de manifestações organizadas por um grupo nanico criado por estudantes de São Paulo sob inspiração de um movimento nascido em Florianópolis. O Movimento Passe Livre (MPL) defende a estatização das empresas de transporte e a gratuidade das passagens. Em São Paulo, ele não tem sede, nem chega a reunir uma centena de integrantes. Vangloria-se também de não ter líderes. Tem, claro, mas prefere chama-los de ‘porta-vozes’” (VEJA, 2013, p. 86).

Após esta exposição, a revista começa a traçar o perfil de quem ela chama de “líderes” ou “porta vozes”. Apesar de não aprofundar a apresentação sobre o movimento e nem apontar com clareza as bandeiras levantadas pelo MPL, a revista não ataca diretamente a organização, mas já deixa evidente, através do vocabulário e dos termos utilizados que, no mínimo, não simpatiza com o MPL.
Nos parágrafos seguintes, a matéria faz acusações mais sérias, apontando o movimento como uma minoria que quebra tudo a sua volta. Há também uma comparação com o movimento Ocuppy Wall Street. Segundo a Veja, as maiores semelhanças são que ambos foram movimentos organizados por ativistas, os quais, em sua maioria, são jovens, brancos e de classe média que não tem nenhum problema urgente (VEJA, 2013).
Feitas estas considerações sobre o movimento, a matéria admite que a luta pela redução das tarifas seja legítima, pois em comparação com capitais de outros países, o peso médio do valor gasto pelos paulistanos em transporte público é mais alto. Mas então, a reportagem encaminha o final da matéria concluindo que, “boa parte dos manifestantes não é usuária de ônibus. Por que direitos eles lutam e vociferam, então?” (VEJA, 2023, p. 92) Ou seja, a revista define que apenas os usuários constantes do transporte coletivo tem legitimidade para reclamar o valor da tarifa.
Uma semana e uma edição depois, outra lógica surge para interpretar as manifestações. Dadas a complexidade e a heterogeneidade das reivindicações, a revista elabora uma pesquisa pela internet (sem esclarecer as orientações metodológicas e se foram perguntas abertas ou com alternativas elencadas) que elege a corrupção e a base do governo petista como o principal alvo dos protestos.
Nesta reportagem predomina o ataque ao governo de Dilma Roussef, ao PT e a esquerda de maneira geral, que é acusada de querer ser a detentora das ruas e não aceitar perder este espaço para outra categoria de manifestantes que não se identifica com as causas progressistas. Ou seja, a revista aponta um inimigo em comum dos manifestantes e passa a positivar os protestos em dissonância com a edição anterior.
Interessante que, nesta edição, há apenas uma breve referência ao MPL:
“Na sexta-feira o Movimento Passe Livre (MPL), que iniciou os protestos em São Paulo, anunciou sua retirada de cena. Oficialmente declarou que tomou a decisão por já ter atingido seu objetivo. A verdade, porém, é que, seguindo a lei histórica segundo a qual as revoluções raramente são concluídas pelos que a iniciam, o MPL, tornou-se irrelevante ao cabo de alguns poucos dias.” (VEJA, 2013, p. 71)
Portanto, a única menção feita ao MPL é para desqualifica-lo, na medida em que julga insignificante a sua participação nas jornadas de junho. Não esclarece, entretanto, qual o efetivo objetivo atingido – a revogação do aumento do preço das tarifas de ônibus – não dedica algumas linhas para explicar que anuncio foi este emitido pelo movimento, muito menos menciona a existência de uma nova nota emitida pelo MPL em 21 de junho de 2013, por meio da qual o movimento afirma que a luta continuará.
Desta maneira, nesta edição, a revista reformula suas alegações: continua marginalizando o MPL, mas passa a positivar as pautas fragmentadas das manifestações e os participantes que não tem vinculo com a esquerda, com partidos políticos, nem com os movimentos sociais tradicionais.
Na primeira semana de julho de 2013, a revolta popular que tomou conta do Brasil no mês anterior ainda ecoava nos bastidores políticos do país. E, portanto, ainda era objeto de análise e matéria da Revista Veja. Nesta edição, a linha adotada na semana anterior permanece, e os protestos são positivados na reportagem.
Desta vez, a grande valorização se dá no âmbito dos êxitos alcançados a partir das jornadas de junho. Segundo a revista o saldo ficou “Brasil 5 x 0 Brasília” e os reflexos aconteceram nos 3 poderes: executivo, legislativo e judiciário. Isso porque, a revista elenca a revogação do aumento da passagem, a votação em caráter de urgência do Projeto de Emenda Constitucional que trata sobre o poder de investigação do Ministério Público e a prisão e cassação do mandato de um deputado condenado por corrupção em 2010 (VEJA, 2013), como conquistas alcançadas através da manifestação popular.
Apesar de mencionar os 3 poderes e apontar a responsabilidade em outras esferas da administração pública – estados e municípios – mais uma vez a presidente e o Partido dos Trabalhadores são citados e criticados com mais ênfase e maior frequência. A revista declara que algumas decisões tomadas por Dilma Roussef e seus ministros – como a tentativa de uma Constituinte ou plebiscito para discutir a reforma política - foram equivocadas e causaram mal estar frente a base aliada (VEJA,2013).
Portanto, estes foram os objetos centrais desta edição da revista: reflexos das manifestações e críticas aos 3 poderes do país com ênfase no executivo federal. Nenhuma menção ao MPL, tumultos, repressão dos protestos ou qualquer outra análise que pudesse agregar uma carga negativa às manifestações.
Destarte, Tendo como pressuposto, então, a importância exercida pela mídia em toda a dinâmica política, e após analisar especificamente o poder exercido por esta mídia nas jornadas de junho de 2013, se faz adequado a comparação de informações fornecidas pela Revista Veja sobre o MPL e os documentos escritos e elaborados pelo grupo.
Quando é proposta essa comparação, se poderá verificar que há um desencontro de informações no que diz respeito ao movimento. O que fica evidente, é que a revista utiliza uma forma de narrativa e usa termos sutis que aparentam ter o objetivo de negativar a imagem do MPL. O grupo, em nenhum momento é apresentado como movimento social que debate sobre a questão do transporte público e que tem diversos coletivos em variadas cidades e estados do país.
Ao contrário, o movimento é tido como baderneiro, sem uma motivação plausível - posto que, segundo a revista, não utilizam transporte público - e insignificante, pois não tem sede na cidade de São Paulo e detém apenas um número pequeno de participantes. Ou seja, a revista desmoraliza o movimento pelas características que ela própria aponta, mas não debate as propostas e princípios do MPL, ainda que inserido nas manifestações de 2013.
Tanto a revista se furta deste debate que considera os militantes do MPL sem causa, pois não utilizam o transporte público. Todavia, importante observar que para o movimento, a luta pelo transporte não é um fim em si mesmo, mas uma forma de retomada da cidade pelas pessoas, o que possibilita a efetivação de direitos. Ou seja, a conquista na mudança de concepção sobre o transporte coletivo é um caminho para efetivação de outros direitos. E não é necessário ser usuário de transporte público para pleitear estes direitos.

Considerações Finais
A questão urbana é um debate fundamental nas cidades do século em que estamos vivendo. É tão essencial que, os mais diversos protestos, nos mais variados países estão eclodindo nestes tempos. É importante que se entenda que nem toda melhoria de condição de vida é atingível por meio de melhores salários ou distribuição de renda. Melhores condições de vida dependem também “de políticas públicas urbanas – transporte, moradia, educação, saúde, lazer, iluminação pública, coleta de lixo, segurança” (MARICATO, 2013, p. 19) e uma reorganização na estrutura da cidade. Nisso reside a importância do MPL.
De outro lado, a grande mídia ainda é a mais importante geradora de conteúdo para a grande massa e aquela que tem a capacidade de pautar a agenda política, portanto, é manifesta a sua importância como mediadora de notícias e informações. Entretanto, quando se evidencia as características apontadas neste estudo, emerge um poder com grande capacidade de coação e responsável por formar a imagem de instituições, pessoas ou movimentos políticos.
Neste sentido atua a reportagem da Revista Veja: criando uma imagem superficial de um movimento político que se tornou muito visado durante os protestos de junho de 2013. É possível notar que, com a efervescência do processo humano e político que acontecia naquele momento, a repercussão dos fatos era imprevisível. Assim, na medida em que as manifestações foram tomando maiores dimensões, a revista foi ajustando seu discurso para atingir seu público e consequentemente seus objetivos.
Esta mutação fica clara quando, na primeira reportagem analisada há uma condenação às manifestações e ao MPL, e nas duas edições sequentes a lógica se inverte e os protestos passam a ser adjetivados sob uma ótica positivada. Apesar dessa mudança na interpretação dos fatos, em um segundo momento a Veja continua deslegitimando o MPL, mas já sem trazer o movimento para o centro do debate, e por fim, ignora de vez aqueles que iniciaram as jornadas de junho e foca sua atenção no resultado das pautas fragmentadas que surgiram no decorrer da mobilização.
A Partir da constatação da mudança do discurso da Revista Veja com o decorrer dos fatos e das manifestações em 2013, se observa que é possível que os veículos de comunicação façam uma opção ideológica sobre como vão noticiar os fatos, podendo, inclusive, haver uma mudança na abordagem do tema como ocorreu com a Revista Veja em junho e julho de 2013. Desta maneira, é importante que novas pesquisas estudem quais as motivações, os interesses ou os agentes que determinam a forma como os assuntos serão abordados nos veículos midiáticos do país. Essa discussão se faz importante para um debate mais denso sobre a democratização e a pluralidade de ideias disseminadas nos veículos de comunicação do país.

Referências
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* Graduado em Direito, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico na Universidade do Extremo Sul Catarinense. Membro do Grupo de pesquisa “História Econômica e Social de Santa Catarina.”

** Pós-Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, professor do Curso de História e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico na Universidade do Extremo Sul Catarinense. Membro do Grupo de pesquisa “História Econômica e Social de Santa Catarina.”


Recibido: 12/02/2017 Aceptado: 01/03/2017 Publicado: Febrero de 2017

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