Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A DESAMORTIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL E CONTEXTO HISTÓRICO E NORMATIVO DAS ENFITEUSES

Autores e infomación del artículo

Paulo Henriques da Fonseca*

Universidade Federal de Campina Grande, Brasil

pepaulinho@yahoo.com.br

RESUMO. As desamortizações fundiárias na Europa e América luso-espanhola, especialmente no século XIX têm um paralelo tardio no Brasil no tratamento legislativo que enfraquece as enfiteuses privadas e urbanas. As desamortizações fundiárias atingiam bens eclesiásticos, da aristocracia territorial e terras comunais (de vilas, pueblos e povos tradicionais) transferindo a propriedade para novos titulares. No Brasil, esse fenômeno foi restrito a algumas normas (pombalinas) no período colonial e no Império, de constrição dos direitos da Igreja Católica. Neste trabalho, analisar-se-ão processos de desamortização de terras em alguns países de mais próxima tradição jurídico-política do Brasil e como esse movimento foi recepcionado aqui. Utilizando o método histórico e comparativo na análise das desamortização fundiária, se construirá um paralelo com as posições da doutrina jurídica nacional e de parlamentares na Constituinte de 1988.  

Palavras-chave: Desamortização fundiária, Enfiteuse urbana, História da propriedade.

THE BRAZILIAN LAND DISENTAILMENT: HISTORICAL AND LEGAL CONTEXT OF LONG LEASE (EMPHYTEUSIS).
ABSTRACT. The land disentailment in Europe and Portuguese-Spanish America specially in the nineteenth century have a late parallel in Brazil in the legal treatment of private and urban long lease (“emphyteusis”). The land disentailment reached ecclesiastical property, the territorial aristocracy and town lands (villages, pueblos and traditional peoples) transferring the property to new owners. In Brazil, this phenomenon was restricted to some rules (Pombal) during the colonial period and the Empire, constriction of the rights of the Catholic Church. In this paper, analyzed will land confiscation processes in some countries more closely Brazil's legal and political tradition and how this movement was received here. By the historical and comparative method in the analysis of land confiscation, will be built parallel to the positions of the national legal doctrine and parliamentary in Constituency of 1988.

Keywords: land confiscation/disentailment. Urban long lease. History of ownership.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Paulo Henriques da Fonseca (2017): “A desamortização fundiária no Brasil e contexto histórico e normativo das enfiteuses”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/enfiteuses.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701enfiteuses


Introdução

            As reiteradas tentativas parlamentares de desafetação das enfiteuses públicas no Brasil 1, alimentadas por conveniências locais e políticas em diversos níveis, traz um eco das ideias e ações de desamortização de terras de um passado recente no Ocidente: as revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX, principalmente. As intervenções legislativas tentam mais “municipalizar” as enfiteuses públicas federais, cujas áreas “de marinha”, situadas ao longo do litoral brasileiro, são muito disputadas e valorizadas. Portos, mangues, moradias de alto padrão e empreendimentos turísticos e industriais se situam nessas áreas.
Apesar das tentativas de extinção das enfiteuses públicas pelo Congresso Nacional as propriedades enfitêuticas pertencentes ao Estado e seus entes permanecem rigidamente protegidas. Isso remete a questão das difíceis conexões entre propriedade, direito e poderes privados e publico-estatais que neste artigo se analisará sob o marco das desamortizações de terras como um eixo jurídico e político a envolver diversos atores.
No tocante às enfiteuses privadas, além a negligência e abandono de direitos dos senhorios, as transferências de propriedade entre foreiros, sem a comunicação aos senhorios, podem caracterizar uma desamortização à brasileira. Em paralelo, a “adoção à brasileira”: o registro “gracioso” de filiação por parte de pai/mãe não biológicos, com a leniência de parentes e autoridades, burlando o processo oficial de adoção.
Na Constituinte de 1988, a questão enfitêutica foi tratada na “Subcomissão da Questão Urbana e Transportes” ficando as enfiteuses rurais fora do tratamento constitucional e resultou no artigo 49 dos ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – da Constituição de 1988. Ali sob a abstração da norma, se oculta uma questão fático-histórica que ultrapassa muito em complexidade a forma e conteúdo recebidos.
A “desamortização” também chamada secularização, desafetação, desvinculação (o confisco e a expropriação, eram os efeitos seguintes) ou outros termos correlatos. Indica o processo de concentração da propriedade num único e exclusivo titular, o proprietário individual e exclusivo em detrimento de outro titular, com quem dividia o domínio ou simplesmente o substituindo. É um processo jurídico e político, além de forte aspecto econômico, com graus variados de violência. Aconteceu nos processos revolucionários liberais atingindo em geral as propriedades fundiárias da Igreja e terras comunais, além de eventualmente, terras da aristocracia.
No Brasil não houve confrontações violentas e ostensivas com desamortização de terras, no caudal de transformações liberais-burguesas do século XIX, dado a continuidade do Status quo colonial-imperial e da “proteção” com que o sistema de “padroado” submetia a Igreja. Mas teria ela acontecido “à brasileira”? Negociações e renúncias da Igreja titular de áreas de solo rural e urbano recebidas em doações de particulares e da Coroa portuguesa e imperial podem estar sofrendo adjudicações por sentenças judiciais em que as partes na lide escondem o terceiro, a Igreja titular de direitos reais. O silêncio e desconhecimento em torno da enfiteuse, nos lugares onde ela ocorre 2 a têm privado do atributo de notoriedade como prova judicial, efeito disso é a possibilidade de desamortização judicial, quando numa ação real entre enfiteutas, o senhorio direto é um terceiro ausente na relação processual.
A expressão “desamortização” diria respeito também à fragilização das enfiteuses privadas? Haveria pertinência entre a ideologia liberal e desamortizadora dos séculos XVIII e XIX com a posição jurídico-política brasileira? No que tange a concentração proprietária o Código Civil brasileiro dispõe que “Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.” À primeira vista, o esforço legislativo de extinguir a enfiteuse (púbica e privada) é coerente com a tendência à concentração de domínios e  à exclusividade da propriedade que é tendência dominante paradoxal pois se multiplicam as formas condominiais de fruição da propriedade.
Este artigo parte de levantamentos jurídicos e históricos para a discussão da situação atual das enfiteuses privadas afetadas pelas inovações da Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002, um aporte de entendimento histórico-normativo com base nas categorias da amortização e desamortização do solo. A experiência de outros países permitem que, avaliando-lhes as críticas aos processos de liberação e mercantilização da terra, analisar as consequências sociais e jurídicas das desamortizações. Sobretudo, no caso da atual conformação do direito a um quadro de constitucionalidade e respeito aos direitos fundamentais os quais enunciam novas e inéditas “amortizações” exatamente para proteger segmentos populacionais como índios e remanescentes quilombolas, por exemplo.

Na origem da questão: a propriedade senhorial e eclesiástica “mão morta”

As propriedades públicas também foram afetadas pelo movimento desamortizador nos séculos XVIII e XIX. Mas o estatuto jurídico das propriedades públicas sendo frágil e cambiante entre bens pessoais do monarca, da Coroa e do Estado só repercutiram efetivamente nas terras “comuns” das vilas.  As propriedades públicas-estatais só são relevantes quando se misturam com as concessões à Igreja e particulares, na zona imprecisa do público-privado-corporativo do Antigo Regime.
Ademais o Estado sempre teve meios de coação para reaver o domínio fundiário alterado rompendo o Status quo quando necessitava ou teve força para fazê-lo. E a contemporaneidade é a era dos Estados para os quais o domínio político e não o fundiário é que interessa diretamente. A redução afetou sim o patrimônio fundiário comunais e municipais, importante para a centralização administrativa e política em várias nações. A desamortização “civil” de Madoz na Espanha em 1856 e algumas consequências da Lei de Lerdo, no México afetaram terras comunais, privando inteiras populações do acesso à propriedade controlada por entes locais e comunais como câmaras, ejidos e vilas.
A propriedade fundiária 3 foi e continua sendo instrumento e indicador de poder econômico e social, revestido de fortes tutelas jurídicas. No Ocidente, pode-se afirmar que a história da propriedade privada pode conter os elementos centrais do evolver político, social, econômico e jurídico das sociedades e nações4 . As expansões e mudanças territoriais dos impérios e reinos na Europa e América, em que pese sua dimensão política e militar iniciais, intimamente se associavam à forma de regulação e distribuição da propriedade, um instrumento central no exercício de poder das classes dirigentes.
A Igreja Católica, as povoações detentoras de bens de uso comum e a aristocracia territorial foram estes os afetados mais ostensivamente pelas desamortizações no Ocidente moderno e contemporâneo. A Igreja como a instituição central do período da Cristandade, medieval e moderna, estendeu sua influência religiosa e moral exclusiva por mais de mil anos entre os anos 476 até 1517, nas suas múltiplas organizações, ordens religiosas, Dioceses, ordens militares e hospitalares, mosteiros e abadias, “Misericórdias”, fundações pias e a Santa Sé romana dentre outras formas institucionais. Relativamente bem organizada em meio a um mundo ruralizado e semibárbaro, detinha um grande estoque de terras em toda a Europa e em escala mais reduzida, nas Américas espanhola e portuguesa.
Foi no direito romano-justinaneu que se tratou especificamente dos bens de entidades beneficentes e eclesiásticas, as Piae Causae (“Causas Pias”) que se transmudaram de ações caritativas e ganharam personalidade jurídica próprias no direito fundacional romano. Junto com as imunidades e privilégios, vinham as vinculações, afetações e limitações das propriedades “amortizadas” no intuito de protegê-las contra eventuais administradores desonestos. Justiniano, o imperador-sacerdote-legislador dispôs de modo detalhado sobre os venerabilia loca, religiosíssima loca, venerabilia collegia (o corpora) e as venerabilia domus, cujos bens estavam “protegidos”. Essa última qualificação foi estendida às casas nobres e leigas e seus bens postos “fora de comércio” e inalienáveis (os “morgadios”, por exemplo) pelos serviços prestados, em geral militares (Cf. NOUGUÉS, 2008, p. 172).
            As imunidades jurídicas da Igreja e mesmo o fato de que na Idade Média ela era a instituição mais coesa e com governo racional além da presença capilar e ostensiva junto das populações, faziam-na destinatária de muitas doações de terras e outros bens. Observar que não havia nítida distinção entre Estado, Sociedade e Igreja, tudo era envolvido na cosmovisão unificadora de “Cristandade”, a Res Publica Christiana. cuja expressão “visível” era o Sacro Império Romano Germânico, de apenas nominal ascendência sobre diversos reinos e feudos quase independentes na Europa5 . Desse modo, os bens fundiários da Igreja não tinham a forma definida e individualizada de titularidade que a propriedade tem hoje6 , sendo esse dado imprescindível para entender as desamortizações e confiscos.
Havia um entrelaçamento das esferas religiosa, eclesiástica e laica e civil difícil de separar e a propriedade fundiária estava no centro dessa amálgama. Então, muito de legitimidade tiveram as desamortizações de terras em alguns países, reconhecidas pela própria Igreja. Por isso aplicar tal e qual hoje se concebem as categorias jurídicas de violação de direitos de propriedade atuais aos entes com bens desamortizados é certamente muito inadequado ou extemporâneo.
            As formas de exercício da propriedade no Antigo Regime eram também diferentes, pois sobre uma mesma coisa se admitia vários domínios e jurisdições 7 (real, senhorial, do burgo, da corporação e da Igreja) e a terra não valendo como mercadoria, não havia venda de terras de modo habitual no período medieval (havia sim a venda de “direitos” sobre  a renda da terra) até o início do período contemporâneo. A doação ou concessão eram as formas jurídicas de alienação e transferência de bens imóveis, sempre conservando vinculações entre transmitentes e adquirentes até a nova legislação liberal moderna estabelecer que a compra e venda seria daí em diante o modo jurídico de alienação principal.
Não havendo valor de “troca” restava o valor de “uso”. O uso e a funcionalização da terra, o caráter obrigacional predominava sobre o dominial e este era sujeito a várias constrições. Aliado a isso, a estabilidade dos títulos senhoriais e das populações nela residentes, uma série de contrapartidas e “homenagens”, incorporadas do direito germânico, uniam os diversos titulares, na base o camponês e o vilão ou burguês e, no topo, o patriciado senhorial ou a vila, pueblo, ou burgo, no caso das propriedades comunais. A propriedade territorial era assim “inclusiva”, havia o lugar certo de cada pessoa naquela sociedade holística, hierarquizada e estamental, de “solidariedade orgânica”8 .
            O aspecto predominante ou mesmo exclusivo era o comunal e feudal, marcada por vinculações e sujeições e subdividida em glebas e com domínios sobrepostos, os censos, enfiteuses e superfícies, as formas jurídicas mais usuais9 . O modelo central e típico era a enfiteuse. A propriedade “alodial” ou livre era praticamente desconhecida, em geral só de bens móveis, mas a res fundiária era marcada pelas limitações e vinculações 10. Sobre isso diz Wald (1994, p. 96)11 : “ A hierarquia dos feudos corresponde a hierarquia das pessoas. Institui-se um sistema que foi definido como uma sucessão de enfiteuses, constituindo, como já falamos, um verdadeiro anfiteatro enfitêutico”.
Os senhorios leigos, a nobreza, em termos territoriais tinham mais flexibilidade em seus títulos de domínio territorial, mediante casamentos e novas concessões de vassalagem. Já os senhorios eclesiásticos tendiam a manter estáveis seus domínios e mesmo fazê-los crescer, em vista da condição celibatária dos seus membros e portanto, a não divisão por abandono da vida clerical ou monástica, nem sucessão hereditária ou dote matrimonial. Aí entra o núcleo de sentido da expressão “mãos mortas”, a imobilidade do bem e a estabilidade dos camponeses e moradores desses territórios, bem mais que nos outros domínios, os dos senhores leigos.
            “Mão morta” 12 é qualidade referente à propriedade (móvel ou imóvel, mas em especial esta) dos clérigos e religiosos, bem como a condição jurídica destes titulares, (Ordens, conventos, “misericórdias”, etc). Tais bens não se transmitiam, nem ingressavam no mercado de bens. A condição do sujeito – em geral coletivo, corporações - “mão morta” se irradiava sobre a coisa imóvel que ficava “amortizada”. Os bens imóveis e móveis do clero e religiosos em geral eram “fora de comércio” por conta da condição de bens sagrados, de culto. Os bens imóveis, porque gravados de cláusulas “pias” e encargos espirituais dos doadores que ansiavam pelos bens celestes, a salvação da alma, tinham a circulação muito restrita, a mudança de titularidade, quando havia, ficava dentro da instituição eclesiástica. O que era pacífico na Idade Média torna-se problemático na Idade Moderna.
Mas não só por esse motivo de ordem sobrenatural, os estudiosos do Medievo e primeira modernidade viram na estabilidade da vida e patrimônio eclesiástico uma condição de reprodução social da (pequena) nobreza e classes urbanas ansiosas por ascensão social. Garantir a incolumidade desses espaços e comunidades religiosas era condição de uma exitosa reprodução de classes e estamentos sociais, dentro da cosmovisão estática medieval. Os religiosos, de vida comunitária e observância de votos, como o de pobreza, não podiam exercitar atos de comércio, vedação canônica que se estendia de modo mitigado aos clérigos seculares individualmente. Esse traço socioeconômico e antropológico é o antípoda do homem citadino, o burguês comerciante do alvorecer da modernidade europeia.
            Com a quebra da unidade religiosa com a Reforma Luterana e o cisma da Inglaterra, já no alvorecer da Idade Moderna, século XVI, esse padrão de relação entre instituição eclesiástica e propriedade, regida por imunidades e interditos espirituais contra os que ousassem adentrar os direitos temporais da Igreja, foi bruscamente alterado. Os novos dirigentes, os Príncipes alemães convenientemente “convertidos” à fé luterana e o regente inglês, Henrique VIII, dos primeiros atos contra o Status quo da Igreja foi o confisco de bens. Os novos Estados Nação que se formavam na Europa precisavam ao mesmo tempo eliminar o poder da Igreja, um ente “internacionalizado” e uma soberania concorrente e junto com isso, angariar simpatias, apoio e financiamento da nova classe, a burguesia citadina e comercial, dando-lhes algo em troca.
A história moderna é grande parte contada pela ação política e econômica burguesa aliada às centralizadas monarquias nacionais que passaram a, externamente, retalhar entre si a soberania sobre os territórios do Sacro Império Romano Germânico e os tomados das unidade políticas mais frágeis (cidades e ligas comerciais) e internamente, agir sobre os patrimônios, as terras enfeudadas cuja autonomia e jurisdição concorrente com os novos Estados eram inaceitáveis para estes que se fortaleciam como unidades de poder e soberania internos. A igreja e as suas terras “amortizadas”, sob a titularidade dura e governo próprio, além de setores da aristocracia mais ciosos dos seus direitos feudais, foram os pontos de tensão que culminaram com as chamadas revoluções liberais, de enfrentamento violento, para a constituição de novas elites dirigentes e também proprietárias. A propriedade imobiliária, agora junto com a riqueza mobiliária (dinheiro), continuou a caracterizar e qualificar o homo politicus moderno 13.
Houve a reação moderna estatal e burguesa à propriedade eclesiástica e “mão morta”, copiada em parte pela aristocracia territorial nos “morgadios” de exclusividade de direitos patrimoniais para o filho primogênito, com vistas a consolidar e preservar a propriedade. O ideário iluminista e liberal forneceu a base ideológica do novo jusnaturalismo laico de sacralização do individuo e as teorias contratualistas por sua vez, habilitaram o Estado a intervir em favor do individuo sacralizado em seus direitos pelo jusnaturalismo.
Essa reação à propriedade “mão morta”, senhorial e eclesiástica teve vários nomes expropriação, desapropriação, desvinculação, abolicionismo, secularização, mas essas categorias de desposse de bens enfeudados, tem uma definição mais precisa e aglutinadora: a desamortização (de bens, terras). Desamortizar é retirar da condição e característica de bens “mãos mortas”, lançar no mercado de bens mediante venda, aluguel, arrendamento, hipotecas, a propriedade antes “amortizada”. A dinâmica mercantil passa a predominar sobre a agrária e rural. A propriedade agora é mercadoria, está volatilizada até certo ponto, e não fosse a segurança jurídica e econômica prestada pelo Estado moderno à sua nova classe protagonista, tal quebra da segurança feudal e estabilidade proprietárias não teria condições de ter se desenvolvido.
A desamortização/amortização fundiária não é uma expressão, contudo, que ficou perdida num passado mais ou menos recente e vista da democratização das sociedades e dos estados, mas permanece latente. A Constituição do Panamá, por exemplo, no artigo 291, veda expressamente que haja bens inalienáveis ou irredimíveis, fixando em 20 (vinte) anos o máximo de duração dessa condição. Em contrapartida, novos direitos fundamentais reconhecidos para grupos humanos como indígenas e remanescentes quilombolas, produz novas espécies de amortização de tipo “memorial” e “étnica”. O Artigo 216, da Constituição brasileira dispõe que “§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.” A mesma Constituição brasileira no artigo 231, dispondo sobre os direitos territoriais dos índios, determina por sua vez que “§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis”.
As mediações culturais são bem diversas no caso das amortizações fundiárias que consolidaram as propriedades senhoriais e eclesiásticas na Europa, após a reconquista militar de territórios, dessas que reconheceram direitos territoriais fundamentais de índios e negros. O núcleo jurídico-normativo, entretanto, coincide nas duas situações no que tange a vincular a um titular, reconhecendo-lhe prerrogativas jurídicas muito distintas dos demais proprietários, bem como declarar uma condição sui generis desses titulares. A distinguir está o binômio político-cultural da condição de hegemônico/não-hegemônico dos afetados com essa nova amortização constitucional.
                       
2. As desamortizações de bens imóveis na história jurídico-político moderna

A categoria “desamortização”, derivada de outra, a “amortização”, refere-se ao processo histórico, político e econômico de desafetação jurídica da propriedade do solo também chamado desvinculação, abolicionismo, liberação, secularização de bens, expropriação, etc mudando a titularidade ou o modo de exercício da propriedade. Mas amortização-desamortização não são processos simétricos e os contextos históricos são muito diversos.
Nos séculos XVII a XIX os processos de desamortização tinham fundo político e econômico: sobrestar as forças da velha ordem feudal-senhorial e poderes locais (aí compreendidos a aristocracia, a Igreja e as vilas ou povoações) transferindo-lhes as terras para novos titulares, em geral a nova burguesia rural e pequena nobreza. Os camponeses não foram beneficiados, geralmente, com o acesso à propriedade nesses movimentos.
A força do poder político fica mais explícita no caso da desamortização, em geral violenta e capaz de alterar o Status quo jurídico da propriedade. A amortização é a afetação do bem a uma finalidade, função e titularidade específica, estável e inalienável, por sua vez se refere ao processo mais consensual e pacífico. Nela, as terras e bens são reconhecidos como estáveis e de segura titularidade por um ente individual ou coletivo, grupo ou segmento social (Igreja, nobreza e vilas). Assim, o binômio conflito-consenso é importante na interpretação dessa questão, sendo a desamortização conflitiva e a amortização mais consensual ou apenas mais silenciosa a resistência a ela.

2.1 As desamortizações de terras no Brasil e o solo urbano: cidade de quem?

Não houve no Brasil um processo de desamortização de terras propriamente dito em nenhuma fase de sua história, em grande parte esta dependente de Portugal e na continuação histórica marcada pelas “transições negociadas”, sem grandes e violentas rupturas institucionais. A propriedade da terra se regulava mais pela informalidade do que pela lei, por isso uma desamortização com base numa legislação como a espanhola e mexicana, dificilmente produziria aqui os efeitos que naqueles lugares produziu.
No Brasil colônia, a partir de meados do século XVIII reinado de Dom José I, o Marquês de Pombal que em 1759 havia conseguido a expulsão dos Jesuítas e confisco de todos os seus bens, em 1764  consegue impor a proibição de admissão de noviços nas outras ordens religiosas. A finalidade era a extinção dessas ordens (beneditinos, carmelitas, franciscanos, dominicanos entre outros) e retomada dos bens por falta de quem os titularizasse (ENDRES, 1980, p. 136-138).
            O que Doralice Satyro Maia, por sua vez registra após a independência do Brasil, período em que noutros países processos violentos de desamortização aconteciam na Europa e América Latina, foi a busca de definição dos chamados “próprios nacionais”, os bens do Estado. Algumas normas no século XIX, antes da “Lei de Terras” de 1850, procuravam definir esse acervo, e ao fazê-lo, separar o que era da Igreja e do Estado. Nessa busca, os documentos mostram um Decreto do Ministério da Fazenda de 7 de novembro de 1827 que “ordena a remessa de uma relação de todas as propriedades nacionais”. A autora afirma que apesar de não ter havido um processo de desamortização de bens eclesiásticos como o ocorrido na Espanha encontra uma “Decisão n. 324 do Ministério da Fazenda em 4 de Julho de 1837 que trata da incorporação nos “Proprios Nacionaes de huma capella vaga e explicando o processo de seguirse em taes casos” (MAIA, 2012)
            O impacto das legislações protetivas dos “bens nacionais” teve seus efeitos nas cidades, apesar de não dizer respeito especificamente ao espaço urbano. O poder do Estado nacional se manifestava mais ostensivamente em suas cidades, quando se sobressaiu o lugar político e jurídico da “capital” e onde era grande a influencia da Igreja:

Pelo exposto, a legislação nacional seja a espanhola, seja a brasileira confirma o projeto de solidificação do Estado Nacional. A relação com a Igreja dá-se de forma diversa tratando-se de uma e de outra nação, porém, em ambas prevalece o interesse por se definir e proteger os bens nacionais, diminuir o poder eclesiástico e também regulamentar e definir a propriedade privada. (MAIA, 2012)

O protagonismo da Igreja na formação de povoações já foi devidamente confirmado, tanto no caso brasileiro como dos vizinhos países, embora a colonização espanhola tenha gerado cidades mais reguladas pela ação urbanística do Estado. Mas no Brasil “O patrimônio religioso decidiu o nascimento dum sem-número de povoações no litoral e nos vastos Sertões” (MARX, 1991, p 14).
Murilo Marx, em outra obra reforça a ligação entre Igreja e as cidades no Brasil, a configuração simbólica e ordenação do espaço urbano, sem entrar na discussão patrimonial: “Nosso prisma atenta para a correlação entre as instituições e as diretrizes para o despontar e o transformar-se dos estabelecimentos urbanos no Brasil. Voltou-se para uma presença poderosa e prolongada, a da Igreja, até bem pouco tempo, unida ao Estado”. (MARX, 2003, p. 13).
A essa presença ordenadora, soma-se outra posição de ordem jurídica: a Igreja titularizava o “Patrimônio” em geral fundiário que era constituído em nome do santo padroeiro do novo pequeno templo, do seu orago ou invocação. Daí, como chamou a atenção Pierre Deffontaines, a usual denominação de ‘capela’” (MARX, 1991, p. 39), que antes que fosse a construção em si mesma, a “capela” era a prática de uma cessão mais ou menos extensa de terras, para sediar um Oratório com condições litúrgicas. As rendas próprias garantiam os serviços religiosos regulares ou autorizados: batismo, confissões, missas, casamentos etc.
Nos estudos de Fania Fridman, a Igreja Católica, por suas Ordens e Irmandades atuou decisivamente na produção do espaço urbano do Rio de Janeiro, pelo poder que exercia e a irradiação de sua presença no cotidiano da cidade nos séculos XVI e XVII. Os referenciais diários da população eram ditados pela proximidade dos religiosos protagonistas de vários melhoramentos urbanos e sociais no Rio de Janeiro: habitação, saúde, agricultura e abastecimento, cultura e lazer, previdência e assistência, além dos atos litúrgicos “Ao descrever o patrimônio religioso, estabelecemos relações com os marcos referenciais citadinos, pois discutimos a hipótese da acumulação da propriedade ‘santa’ como um importante vetor da expansão e valorização do solo urbano” (FRIDMAN, 1999, p. 15).
A desamortização do patrimônio beneditino, que Fridman trabalha especificamente,  deu-se por venda, iniciativa dos próprios religiosos, quando o baixo valor dos foros tornou mais vantajosa a alienação pura e simples, processo que se completou por volta de 1930. Mas a autora registra que antes disso “A animosidade contra a propriedade clerical foi abrandada com a proclamação da República, quando a Igreja se separou do Estado e as ordens religiosas transformaram-se em sociedade administradoras de seus bens.” (FRIDMAN, 1999, p. 74). Ou seja, os patrimônios eclesiásticos “incomodavam” pela inércia, provavelmente na gestão documental, mais pela acomodação gerada pelo “padroado” do que por se opor aos interesses da população. Quando a República consolidou os bens eclesiásticos, dando plenos poderes de administração à Igreja, segundo Fridman, as celeumas diminuíram o que situa o foco do conflito não na existência dessas propriedades, mas na sua gestão e acessibilidade.
Temporal e historicamente a desamortização fundiária aponta para a difícil e inconclusiva passagem da cidade colonial (e certo modo, feudal) para a cidade moderna e o modelo de propriedade exclusiva de seu solo, passível de ser comercializado. A cidade “obra” e a cidade “mercadoria” formam a mescla dessa transição do antigo para o novo, um processo inconcluso se considerarmos as diversas dimensões da cidade. O turismo movido pelos valores históricos e arquitetônicos, por exemplo, a conservação é regra, ao passo que nas cidades industriais e comerciais, a rentabilização do solo assume a maior importância.
Para Henry Lefebvre (1999) as mudanças que fizeram nascer a Idade Moderna, estavam centradas novamente na força das cidades, os “burgos” que criaram o sistema urbano, em oposição ao sistema feudal. A cidade, lugar de acumulação e de poder segundo ele “engendra alguma coisa diferente e superior de si mesma: no plano econômico – a indústria; no plano social – a propriedade mobiliária (não sem concessões às formas feudais de propriedade e organização); enfim, no plano político – o Estado” (LEFEVBRE, 1999, p. 43). O autor acentua em meio às mudanças, resquícios de formas feudais de propriedade. A cidade, o “burgo” é expressão do local, do cotidiano, em geral “reativa, isto é, em oposição aos processos gerais iniciados pelo Estado” e o poder central (FISCHER, 1994, p. 13).
A cidade estava no centro de uma disputa “Tal foi na Europa, o resultado histórico da primeira grande luta de classes e das formas sociais: cidade contra campo, burguesia contra feudalidade, propriedade mobiliária e privada contra a propriedade fundiária e comunitária” (LEFEBVRE, 1999, p. 43). No Brasil, a força do espaço rural e dos processos produtivos ali situados, deixou a cidade numa posição secundária, o registro que Holanda (2004) do Brasil colonial (e até século XX), da pujança e predominância do rural sobre o urbano. Esse fato aqui no Brasil adiou a disputa pelo espaço simbólico e econômico nas cidades, em geral extensões do patrimônio rural com terrenos cedidos ou doados e edificações para alugar e arrendar (ENDRES, 1980; FRIDMAN, 1999). Disse bem o autor ao situar aquele enfrentamento modernizador na Europa, pois no Brasil as recepções desses eventos podem ser tardias. No caso das (des)amortizações nas cidades, isso se vem se dando à brasileira, de modo espontâneo, negociado, não raro levando milhares de imóveis para a informalidade ou irregularidade formal, a propriedade imperfeita e extralegal.
Ainda no Brasil, Nilson Ghirardello afirma uma excentricidade nos negócios com o solo urbano: a “amortização” da terra por particulares, de forma acidental e meramente formal. Segundo ele, no início do século XX, o modelo da enfiteuse era tão presente que mesmo sem menção expressa nos documentos de doação, tal vínculo real era automático entre a “Fábrica” (administração do Patrimônio eclesiástico nas diversas cidades) e os moradores que formavam as povoações junto às linhas de ferro em São Paulo, onde ele situa sua pesquisa:

Percebe-se que o sistema de doação para enfiteuse era tão arraigado, até então, que mesmo o doador deixando expresso por diversas vezes que a doação não era para fins de aforamento, e que nada além do valor de venda deveria ser cobrado dos futuros adquirentes, trata-os sintomaticamente de “emphitheutas”, quando o termo correto seria simplesmente “compradores”. (GHIRADELLO, 2002, p. 146)

 

            Pode-se nesse ponto afirmar que no caso brasileiro, não houve um processo desamortizador de terras por ausência de vários fatores entre os quais, o fato do solo urbano onde a presença reguladora e capilar da Igreja era muito mais sentida que no meio rural, manter-se num misto de espontaneidade de ocupação e mínimo de exigências formais. A ereção de varias cidades sobre a propriedade “santa” (expressão de Fânia Fridman) e a proximidade afetiva e efetiva do religioso no cotidiano, mantiveram o solo urbano relativamente longe do mercado imobiliário, ou este era diretamente exercido pelos senhorios eclesiásticos nas vendas,  aluguéis, arrendamentos e aforamentos.
Para Ivan Manoel, em vez de desamortização, acontecia no Brasil a amortização (termo não usado pelo autor citado), em pleno século XX, processo inverso ao europeu (transferência de bens da Igreja para o Estado e a nascente burguesia apoiadora do Estado liberal). Eram frequentes as doações para a Igreja: “O hábito de latifundiários doarem terras para a Igreja Católica, sobre as quais foram fundadas cidades e as quais se constituíam fontes de rendas para a instituição católica na forma de enfiteuses e aforamentos” (MANOEL, 1997, p. 70-71). E isso já em plena República.
            Talvez ainda a não existência de um processo de desamortização de terras privadas tenha se dado pelo interesse do Estado nos bens em confusa titularidade com a Coroa. As doações de imóveis dentro do regime de benefícios eclesiásticos e do padroado e que não tiveram plena utilização e, sobretudo, a imensidão de terras devolutas, desviaram o olhar quanto aos bens dominicais da Igreja. A palavra de ordem no período pós-independência e regencial, era a formação dos chamados “próprios nacionais” como já se tratou.
            Na segunda metade do século XIX, logo após a Lei de Terras, a atenção do Estado voltou-se para as terras indígenas, desamortizadas e incorporadas ao estoque de terras devolutas e postas à venda. A “cidadanização” e “nacionalização” dos índios e a desamortização de suas terras é tema de interessante pesquisa de Vânia Maria Losada Moreira comparando os casos brasileiro e mexicano, ambos nos anos de 1850:

A desamortização das terras dos índios, deslanchada em ritmo firme com a promulgação da Lei de Terras de 1850, dos seus regulamentos, em 1854, e de uma série de avisos e leis complementares, cujo objetivo precípuo era o de acabar com o domínio e o uso comum sobre várias terras que eles possuíam na forma de sesmarias, missões, aldeamentos, compras e doações. (MOREIRA, 2012, p. 69)

 

Com essa enorme extensão incorporada ao estoque de terras nacionais, as terras da Igreja e dos “elementos reinóis” (portugueses) passou da Monarquia para República sem grandes alterações, além daquela que favoreceu à Igreja que foi a consolidação de sua autonomia na administração dos próprios bens pela sua separação do Estado.
Ademais no Brasil, havia a grande propriedade, mas não se teve aqui uma mentalidade feudal com rígidas hierarquias sociais e privilégios hereditários formais, conforme atesta acertadamente Holanda (2004, p. 35). A propriedade de tipo “senhorial” não predominou sobre dois aspectos que foram dominantes: o latifúndio e os altos capitais envolvidos na monocultura de exportação, o que inclui a propriedade escrava. Aqui não predominou a propriedade como mera fonte de renda para uma classe de senhores cortesãos e citadinos, cenário de Portugal e Espanha no período, para ficar em dois países mais próximos culturalmente. Nestes, os arrendamentos e sub-arrendamentos, as enfiteuses e uma sucessão de subenfiteuses, acirrava a disputa pela renda da terra e a oneração dos produtores na base da cadeia.
  As tensões entre Igreja, Estado e sociedade no período colonial eram mais de corte pontual (escravidão indígena, violência dos colonos, devassidão dos costumes, questão maçônica, etc) do que propriamente disputas de modelos políticos que pudessem se alternar, produzir rupturas institucionais.
O solo urbano brasileiro é afetado pela informalidade e falta de regularização não raro em decorrência do custo proibitivo. A secularização da sociedade, como bem registra Marx (1991; 2003) tem seus efeitos imediatos no cotidiano das cidades, na mudança da simbologia religiosa e para outra de caráter mais cívico e laical. No entanto, seja a paisagem urbana, seja o histórico fundiário de origem da cidade, a propriedade amortizada para fins de fixação propiciou, com a estabilidade da população sob a titularidade da “propriedade santa” (Fridman, 1999), as condições necessárias à formação urbana.

2.2 A mentalidade jurídica nacional e o tema da desamortização

Se no plano histórico, dos eventos, não houve no Brasil um processo de desamortização, no plano das ideias jurídicas e abstrações doutrinárias, no entanto, há uma forte corrente desamortizadora. A influência da literatura jurídica estrangeira faz veicular ideias abolicionistas: "O Código Civil conserva a enfiteuse, que é um dos cânceres da economia nacional, fruto, em grande parte, de falsos títulos que, amparados pelos governos dóceis a exigências de poderosos, conseguiram incrustar-se nos registros de imóveis” (PONTES DE MIRANDA, 1971, pág. 179). Nos países de industrialização tardia, a terra era a riqueza que se queria circulando, “mercadoria” concentrada pelos agentes econômicos mais exitosos na acumulação e circulação de capitais. 
Orlando Gomes trata do instituto basicamente acentuando de modo analítico os elementos constantes do Código Civil de 1916, ainda em vigor para o caso das atuais enfiteuses. O autor afirma a unidade do domínio formalmente para o senhorio ou detentor do domínio direto ou eminente. Ele não reconhece a dualidade de domínios, a enfiteuse tratando-se de jura in re aliena.14 Essa observação válida ainda que parcialmente para as enfiteuses públicas, pela forte presença administrativa do Estado, perece de realismo no caso das enfiteuses privadas e eclesiásticas onde o animus domini é praticamente inexistente em face às centenas ou milhares de foreiros numa área urbana enfiteuticada.
A enfiteuse é para Orlando Gomes “de escassa utilização, principalmente nos países em que a terra está parcelada em pequenas propriedades. Subsiste, porém, naqueles que contam ainda com terras inexploradas, embora seja escassa a constituição de novos aforamentos” (GOMES, 2001, p. 266). Um instituto em desuso enfim.
Hely Lopes Meirelles, tratando o tema dentro do direito administrativo, assesta o argumento desamortizador mirando as valiosas terras públicas e seu emprego para fomento: “Sempre acentuamos a inutilidade do regime enfitêutico e a sua inconveniência mesmo na prática administrativa. Muitos Estados já o excluíram de suas leis, e os que o conservam não tinham razões ponderáveis para a sua subsistência” (MEIRELLES, 2005, p. 516). Para o doutrinador “O aforamento é uma velharia que bem merecia desaparecer de nossa legislação, e, principalmente, da prática administrativa.” (id. p. 516). Em simples análise a invectiva doutrinária desamortizadora é contra as enfiteuses pública e privadas, que apesar das distinções entre elas em vista da proteção dos bens públicos na Constituição e na legislação, num país onde a apropriação privada do que é público é uma marca ignóbil, são uma unidade jurídica.
              Outros autores como Joaquim Modesto Pinto Jr parte da tese de serem originalmente as terras brasileiras “públicas” (Coroa e Ordem de Cristo), passando por sucessivos processos de privatização (p. 194). É certo que o conceito de “público” não era no antigo Reino Português aquele “estatal” de hoje (também). Para isso basta ver Lei de 26 de junho de 1375 citada pelo autor em que Rei determinava que se as terras aforadas, próprias ou emprazadas se não fosse lavradas, posta em benefício e aproveitamento “devem perdê-las para o comum, a que serão aplicadas para sempre, devendo arrecadar-se o seu rendimento a benefício comum, em cujo território forem situadas” (PINTO JUNIOR,  2012, p. 194-195).
Assim, uma das linhas de argumentação jurídico-histórica justificadora da desamortização das vinculações sobre a propriedade caso das enfiteuses privadas é a titularidade “público-estatal” originária das terras de “propriedade imperfeita”. Isso em geral decorrente do caos fundiário pela má regulação no período sesmarial quando as terras eram concedidas pelo poder público. Após esse período o caos fundiário teve outro fator: 

[...] de 1822 e 1850 vivenciou o “império (áureo) da posse” pois esse fenômeno fático-jurídico passou a constituir-se no único mecanismo para aquisição de pretensões dominiais, ocorrendo então um grande impulso nas ações individuais ou coletivas de colonização espontânea. Constituindo-se paulatinamente um sistema não oficial caracterizado pela simples ocupação. (PINTO JÚNIOR, 2012, p. 199)

            Por essa linha de raciocínio, as propriedades que não se enquadram no formato do registro formal, exclusivo e individualizante da titularidade, estariam remetidas pela Lei de Terras de 1850 à plena dominialidade pública, ainda que entes privados se apresentem como dominus. A consequência jurídica disso é a adjudicação de todo território nacional à propriedade pública na origem e que esta sendo alienada por concessões de diversos tipos (doações, sesmarias, datas, capelas etc) permanecia o Poder Público como “senhorio”. As enfiteuses privadas então, na verdade, por esse raciocínio seriam “subenfiteuses” dentro de um regime mais amplo, o sesmarial.
Esse argumento tem caráter desamortizador ao devolver para o Estado a titularidade original da terra, conjugando-lhe o poder de Imperium com o de Dominium que concentra a gestão dos bens comuns assinalados na Lei das Sesmarias de 1375. Nesse ponto a tese jurídica da propriedade pública originária de todo território nacional carece de suporte numa teoria do Estado que justificasse uma continuidade entre o Estado português (e sua legislação sesmarial) e as terras “descobertas”. Ademais, os direitos territoriais das populações originárias desautorizam a concentração de titularidade de tipo dominial e público-estatal de todo o território, constituído de “terras devolutas” ou a elas equiparadas. Disso trata o trabalho de Moreira (2012) retromencionado no item 3. Não poderiam os territórios indígenas serem considerados “propriedade imperfeitas” assim definidas por um formato jurídico muito posterior, o do direito liberal. Por outro lado, não há como negar que o impulso colonizador foi legitimado e mais que isso, patrocinado pela Coroa portuguesa, sendo dela e do “Mestrado de Cristo”15 as terras “descobertas”. 
Outra vertente da mentalidade desamortizadora, considerando que esse fenômeno ocorre no Brasil de forma sutil pode ser diagnosticada nos intensos debates constituintes em preparação da Constituição de 1988 na Subcomissão Temática da Questão Urbana e Transporte. Nesta via não houve tanta sutileza.
Nesse caso, as inovações do artigo 49 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias e do artigo 2.038 do Código Civil realçara de um colorido normativo mais explícito o que em surdina ou de forma bem consensual e pactuada vinha ocorrendo: o ocaso das enfiteuses urbanas, por simples desuso do instituto e desídia dos senhorios quanto as enfiteuses já constituídas. O debate desse tema na constituinte, envolto em muita polêmica revelou sim a indícios de uma filiação ideológica dos discursos com as desamortizações liberais dos séculos XVIII e XIX.
No Anteprojeto do Relator, o Deputado José Ulisses de Oliveira, nas fases iniciais das Subcomissões (Fases A até H) o texto que foi proposto para a fase seguinte da “sistematização” foi: “Art. 24 – Fica extinto o Instituto da Enfiteuse, bem como os direitos e obrigações dela decorrentes em imóveis urbanos públicos e de pessoas físicas e jurídicas de direito privado, adquirindo o enfiteuta, sem ônus, o pleno domínio da propriedade” 16.
            A intervenção do Dep. Noel de Carvalho do PDT/RJ é emblemática:

Os anteprojetos de Códigos Civil, elaborados pelos maiores civilistas brasileiros, como Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira e Miguel Reale, têm propugnado, à unanimidade, a extinção da enfiteuse por tratar-se de instituto anacrônico, desvestido de qualquer função social e, por isso, fonte de conflitos e perplexidades, perturbadoras da ordem jurídica. No Brasil o aforamento assumiu, com o tempo, feição de privilégio odioso e feudal, ao arrepio de sua primitiva destinação social, o que justifica a sua extinção17 .

Por esse texto se teria repetido no Brasil o que a Constituição Portuguesa de 1976 fizera, a extinção pura e simples e sem indenização. Interessante, que esse foi um tema polêmico na constituinte mas que não registrou nenhuma audiência pública nem se localizou nas buscas, a origem do texto, quem e porque o propôs. Ainda na Fase E de “Emenda ao Anteprojeto”, o Dep. Cunha Bueno PDS/SP) assim advertia:

As Santas-Casas e inúmeros estabelecimentos beneficentes, espalhados pelo país, têm na enfiteuse fonte de receita que as ajuda no desempenho de seus encargos. Os enfiteutas raramente fazem parte das camadas populares, uma vez que as áreas que receberam em regime de enfiteuse, valorizaram-se, através do tempo, a partir da data remota em que foi constituído o regime em apreço. Assim, muitas vezes, a assistência do Poder Público, em numerosos casos, deveria ter como alvo o “senhorio” e não o foreiro ou enfiteuta. Há ainda os casos em que imóveis submetidos a regime enfiteuta, foram objeto de transação entre o senhorio e poderosas empresas imobiliárias, que transferem a adquirentes de grandes posses responsabilidade do “foro” e do “laudêmio”. Seria equívoco imaginar que o enfiteuta é a parte fraca ou carente e como tal merecedora do tratamento favorecido que o artigo 6º deseja lhe conceder.

Na Comissão de Sistematização, o texto votado ao final foi pela extinção, com aquisição dos domínios diretos pelos enfiteutas (antes, sem ônus, agora a aquisição com ônus). Na fase de “Plenário” assim chegou “Art. 37. Fica extinto o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros a remissão dos imóveis existentes, mediante a aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos”. Com a Emenda Substitutiva do “Centrão”, a redação foi alterada para o atual artigo 49, no qual: se delegou a lei ordinária deliberar o tema, a aquisição do domínio direto é facultativo ao foreiro, a extinção da enfiteuse é condicionada à lei ordinária, a remissão é onerosa.
As posições moderadas, tendentes a defender as enfiteuses públicas e algumas das privadas, eram de parlamentares constituintes como Cunha Bueno (PDS/SP), Luis Roberto Ponte (PMDB/RS), Roberto Freire (PCB/PE), numa fase inicial alertou para o texto que extinguia as enfiteuses públicas, dentre outros.
O dep. Sérgio Naya, (PMDB/MG) foi outro constituinte que insistiu na inadequação do instituto e pedia sua extinção. Sergio Naya foi incorporador imobiliário dos edifícios Palace I e Palace II que desabaram no Rio de Janeiro, representa o poderoso grupo de enfiteutas, descrito pelo também dep. Cunha Bueno. Assim pugnava Naya contra as enfiteuses públicas e privadas, na Fase G – Emendas ao Substitutivo do Relator da Comissão: “Entendemos ser o Instituto – enfiteuse - já ultrapassado, sem nenhum sentido prático. (vem do Império). Não é justo que todo cidadão pague essa taxa sobre o imóvel com objetivo maior de aliviar os cofres de Dom João, Dom Pedro, especialmente em Petrópolis.”
Ao final, na fase U, já de Plenário, falhou uma última tentativa do Deputado Lysaneas Maciel e Ruy Nedel de manter apenas as enfiteuses públicas nas áreas “de marinha”. A votação final sobre o tema, no dia 16 de setembro de 1988, aprovou a proposta da Deputada Sandra Cavalcanti, que manteve o texto do Centrão e o atual dos ADCT artigo 49, com a votação de 244 a 159 votos.
O texto aprovado é um híbrido jurídico, reforça e fragiliza as enfiteuses. Separa a modalidade rural da urbana, reforça as enfiteuses públicas e onera os enfiteutas “não contratuais” com o percentual de resgate das enfiteuses públicas (alterado em 1998 para 17% do valor real da propriedade plena). Mas é pode ser um avanço se interpretado à luz da proteção constitucional à moradia (artigo 6º) que consiste numa espécie de amortização social do imóvel de residência da família, conforme a Lei 8.009/1990.
Em que pesem opiniões de juristas abalizados e contrários à extinção da enfiteuse como a de Aronne (2001, p. 269) “É incompreensível o pudor do Projeto [do novo Código Civil] com o aforamento, em que um excluiria o outro, chegando a vedar novas constituições de enfiteuses. projeto legislativo codificador, que aponta a contramão da história” o main stream liberal prevaleceu na legislação e decisões judiciais.
A redação que o novo Código Civil deu às inalienabilidades e incomunicabilidades de bens na sucessão apontam na tendência do ordenamento à propriedade livre e desembaraçada:

Código Civil de 2002
Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testamento estabelecer cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

Código Civil de 1916 (revogado)
Art. 1.723 – Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes no art. 1.721, pode o testador [...] prescrever-lhes a incomunicabilidade, [...] e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia.

A vedação de novas enfiteuses no Código Civil que praticamente renunciou normatizar por completo o tema e o texto ambíguo do artigo 49 dos ADCT favoreceu uma desamortização discricionária, pela via judicial, ou simplesmente acena para um retorno de um regime de posses na área urbana. A mentalidade jurídica nacional, que se pode acertadamente chamar de senso comum teórico dos juristas, no tocante a essa questão, é de desamortização, ainda que o custo social e econômico do resgate ou da judicialização do problema sejam altos para a população.

Considerações finais

A desamortização fundiária no Brasil passa pela secularização de bens ou desapropriações em geral de bens particulares, mas reveste-se de forma mais sutil na fragilização jurídica da enfiteuse privada urbana pela Constituição de 1988 se aprofundou no Código Civil de 2002. A textualidade abstrata da norma do artigo 49 dos ADCT da Constituição e do artigo 2.038 do Código Civil, em descompasso com a história e evolver dos fatos sociais, subtrai do ordenamento uma forma de exercício da propriedade, a enfiteuse. Por outro lado, tenta responder a uma demanda política e histórica de formação da propriedade fundiária.
A mobilidade da propriedade burguesa-liberal, apta à mercantilização pela ausência de vinculações e afetações, influenciou ainda que hesitantemente, a desamortização no Brasil, num de seus lances mais ostensivos, a exclusão da enfiteuse do rol dos direitos reais. Ao invés da expropriação pura e simples se lançou numa espécie de limbo jurídico as enfiteuses, tornando potencialmente conflitivas uma relação jurídica antes negocial, em que a consolidação dos domínios ia acontecendo consensualmente ou por renúncia de direitos pelo senhorio.
O impacto dessa desamortização à brasileira é, no entanto, reduzido se comparado ao acontecido noutros países, se não pela quantidade de imóveis envolvidos, mas pela inobservância crônica e deslegitimação social das regras legais nesse campo. A normatização formal de terras no Brasil é renitentemente ineficaz: a situação fático-jurídica concreta da posse parece se estender às terras enfiteuticadas de particulares. Estes, na maioria dos casos, provavelmente (a falta de dados estatísticos dessa questão invisível)  continuam respondendo à lei com a informalidade e negociações locais.
            Mas a mentalidade jurídica nacional, chamada “senso comum teórico” de Warat, é alinhada com o discurso decimonônico da propriedade liberal, desvinculada e livre para circular no mercado de bens. Raras exceções como Ricardo Aronne viram as possibilidades que o vetusto instituto da enfiteuse abre para viabilizar a função social da propriedade. A catilinária liberal do total anacronismo de um direito “medieval” (sic) da maioria dos juristas e políticos nacionais não atentou para o fato de que a propriedade absoluta e exclusivamente individualizada do modelo liberal é ela também um anacronismo incompatível com as limitações democráticas, ambientais e sociais da propriedade.
A história violenta das desamortizações se processou só marginalmente dentro do Direito, em geral este apenas legitimou a posteriori atos de poder nos países onde a desamortização afetou negativamente a população, retirando-lhe a estabilidade na terra dos sistemas de propriedade antigos. Tal constatação deixa a suspeita de na recepção tardia da desamortização de terras no Brasil, possa esse mesmo defeito jurídico afetar de ilegitimidade ou ilegalidade as disposições normativas referentes a enfiteuse privada urbana.

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* PAULO HENRIQUES DA FONSECA, professor efetivo da Universidade Federal de Campina Grande, é doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, e mestre em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador CAPES, Programa Prodoutoral 2014-2016.

1 Nesse sentido os Senadores Ricardo Ferraço (PMDB/ES) em 8/12/2011  na Comissão de infraestrutura e Serviços do Senado sobre os “Terrenos de Marinha”, Roberto Cavalcanti (PRB/PB) em 10/6/2009 atacou a burocracia “excessiva” e que esses terrenos ficassem com os municípios, Marcos Guerra (PSDB/ES) em 3/08/2004 propôs emenda a Constituição (PEC 40, de 1999), Paulo Hartung (PPS/ES) em 9/10/2000 defende projeto que municipaliza os terrenos de marinha. (Fonte: SICON – Senado Federal).

2 Após o Concilio Vaticano II que terminou em 1965, a Igreja Católica distanciou-se da dimensão jurídica e administrativa de sua atuação em direção a inserção pastoral mais orientada para pessoas e grupos humanos em situação de vulnerabilidade, de certo modo “desaparecendo” das interações sociais como aquelas em torno de patrimônios imobiliários.

3 Mais que um instituto jurídico, a propriedade era o “eixo reicêntrico” na Idade Média. A racionalidade do direito tinha de se firmar sem o suporte do poder Estado, conforme Paolo Grossi em El orden jurídico medieval, uma sociedade medieval, comunal e orgânica, anti-individualista, cf. Grossi (1996).

4 Barrington Moore Jr afirma que a democratização passa pela modernização das estruturas fundiárias: onde elas foram reviradas radicalmente pelas revoluções liberais, aí há democracia, segundo Moore Jr (1967) que propõe três modelos de modernização, a liberal sendo a que conduz à democracia plena.

5Sobre a plasticidade e o aspecto de teias como se configurava o Medievo em suas formas de organização política que entraram pela Idade Moderna, conforme Grossi (1996).

6 Dessa mutação da propriedade e do dominium  de lugar e sentido jurídico, ver Grossi (2006), cuja posição teórica é seguida ou precedida por outros autores, guardados os diferentes pontos de partida se mais jurídico, atento ao direito material  (Michel Villey) ou processual (Windscheid) ou histórico-jurídico (Berman).

7 Para Eroulth Cortiano Júnior o desmembramento da propriedade no período medieval, especialmente a cisão entre “domínio útil” e “domínio eminente” comprova uma visão de propriedade em que o direito e a titularidade vêm da coisa mesmo e não dos sujeitos envolvidos. Cf. Cortiano Júnior, (2002, p. 88).

8 Noêmia Santos Crespo compara a construção da subjetividade nas sociedades antigas, holísticas e  inclusivas  e nas modernas de relações mais horizontais, baseadas no mérito individual. Cf Crespo (2004).

9 Outros correlatos de uso mais localizado são as “capelas”, as “colônias” “sesmarias” (Portugal),, “long lease” (Inglaterra), “Erbpacht” (Alemanha), “Merceds”(Colônias espanholas) etc. todas referentes a característica central da desconcentração proprietária do período pré-moderno no Ocidente: a propriedade individual e exclusiva só de bens móveis, não de bens imóveis.

10 A funcionalização e “obrigacionalização” da propriedade e do direito civil no conjunto é fenômeno que vai contra as reforma liberais e “absolutizadoras” do direito privado nos séculos XVIII e XIX. Cf . Moraes (2007) e especialmente Aronne (2007, p. 209) correlaciona vinculações antigas  e a função social da propriedade.

11 Interessante pois chama atenção para o direito como “forma” da sociedade, uma circularidade entre os dois, bem das abordagens sistêmicas do fenômeno jurídico de Luhmann, Teubner dentre outros.

12 No Código Comercial brasileiro, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, no artigo 2º, os atos de comércio eram impedidos às “corporações de mãos-morta, os clérigos e os regulares”, para confirmar o emprego normativo do termo, a vedação canônica das práticas comerciais era assim reforçada na esfera do direito estatal e civil.

13 “Pois o enorme acúmulo de riqueza ainda em curso na sociedade moderna, que teve início com a expropriação - o esbulho das classes camponesas que, por sua vez, foi consequência quase acidental da expropriação de bens monásticos e da Igreja após a Reforma.” (ARENDT, 2004, P. 76)

14 Digna de crítica é a desconsideração básica do fato econômico, pelos juristas: a imensa assimetria entre o valor de mercado (crescente) do “domínio útil”, a parte aforada, contra o “domínio direto” que sequer tem valor de mercado. Há, pois uma desconsideração da natureza fática e “situada” da questão enfitêutica.

15Há um registro inverso: é o Papa Julio III que na bula Praeclara carissimi de 1551 quem confirma o “patronato” das terras descobertas aos monarcas portugueses como Grãos Mestres da Ordem de Cristo (HOLANDA, 2004, p.118). As relações entre Papado e Coroa complicam a questão.

16 Os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte nessa questão estão no sitio da Câmara dos Deputados – Centro de Documentação e Informação (CEDI) – Coordenação de Relacionamento, Pesquisa e Informação – Corpi. http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissoes-e-subcomissoes/comissao6/subcomissao6b  Acesso: 2-10-2014.

17 Idem, intervenção na Fase “B – Emenda ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão”.


Recibido: 31/10/2016 Aceptado: 03/02/2017 Publicado: Enero de 2017

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