Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A QUALIDADE DOS CURSOS DE DIREITO

Autores e infomación del artículo

João Bosco Pavão*

Universidade do Estado da Bahia, Brasil

bosco@fasb.edu.br

Resumo
A questão da qualidade está ligada ao problema da desigualdade, ou melhor, está ligada à progressão igual para todos? O que faz com que um curso superior tenha qualidade parece não ser a impossível qualidade igual de todos, mas a qualidade dos mais proeminentes (intelectualmente) entre eles: quanto mais proeminentes, mais qualidade. Algumas Universidades públicas praticam então, um falso critério de qualidade, pois não promovem oportunidades iguais para todos. O papel político-social de algumas universidades públicas fica restrito aos já proeminentes e a “qualidade” tão propalada não é dada pela instituição, mas pelos proeminentes. Discutir a qualidade dos cursos de Direito está não somente ligado à questão dos proeminentes, mas também a uma prática interdisciplinar que propõe uma visão do Direito mais pluralista que forme o jurista crítico e que pense a realidade do direito dentro da globalidade de outros conteúdos que vão além da teoria pura do Direito.

Résumé
La question de la qualité est liée au problème de l'inégalité, ou plutôt est connecté à la même progression pour tous? Ce qui rend un degré à la qualité semble être impossible d’avoir la qualité égale pour tous, mais la qualité des plus preparés intellectuellement d'entre eux: plus il y a des  preparés, plus de qualité. Certaines universités publiques pratiquent alors un faux critère de qualité parce qu’elles n’offrent pas l'égalité des chances pour tous. Le rôle politique et social de certaines universités publiques est limitée aux déjà preparés et la «qualité» qu’elles disent avoir n’est pas donnée par l'institution, mais pour ceux qui sont les plus preparés. Discuter la qualité des écoles de droit n’est pas seulement liée à la question de la progression pour tous, mais aussi doit être lié a une pratique interdisciplinaire qui propose une vision de la loi pluraliste qui forme le juriste critique et pense que la réalité du droit dans l'ensemble de tout autre contenu qui sera au-delà de la théorie pure du droit.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

João Bosco Pavão (2017): “A qualidade dos Cursos de Direito”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/cursosdireito.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701cursosdireito


Introdução

                         A reflexão que este artigo se propõe visa especificamente tratar sobre a qualidade dos cursos de Direito. Entretanto, não podemos pensar sobre o curso de Direito sem antes procurar entender a qualidade de um curso superior. As perguntas que nos acompanham estão sempre ligadas à questão da qualidade. O que é um curso de qualidade? Qualidade pode ter uma relação direta com quantidade? Qualidade tem relação com progresso? A questão da qualidade está ligada ao problema da desigualdade, ou melhor, está ligada à progressão igual para todos?
                        O que faz com que um curso superior tenha qualidade parece não ser a impossível qualidade igual de todos, mas a qualidade dos mais proeminentes entre eles: quanto mais proeminentes, mais qualidade.
                         Querer qualidade esquecendo-se dos proeminentes é tentar fazer com que a massa (maioria) o seja, e isto, além de ser uma tarefa impossível, é uma forma de democracia ridícula, que leva à demagogia. Quanto maior a quantidade de “qualidades”, melhor a qualidade geral.
“A qualidade de uma sociedade, depende de sua capacidade de produzir personalidades diferentes”. (Gonzalo Fernandes de La Mora, 1984). No livro “La invidia igualitária” Fernández de La Mora rompe com o tabu da inveja e da igualdade do ponto de vista histórico e teórico e nós o tomamos como base de nossas reflexões sobre igualdade e qualidade na educação.
                        O progresso e a qualidade dependem de minorias superiores. Minorias superiores podem ser chamadas popularmente de gênios, ou daquelas pessoas mais ousadas que se tornam proeminentes. Não se pode querer que todos progridam da mesma maneira, mas graças ao progresso exagerado de alguns, os demais são obrigados a avançar um pouco mais.
                        Os seres humanos progridem graças à ousadia e aos esforços daqueles que saem da mesmice e não querem ser meros repetidores dos que já passaram. Mas, isto tudo provoca competição e ou até inveja que pode ter um caráter positivo ou negativo.

A formação (com qualidade) dos acadêmicos do Direito

                         A inveja por igualdade (igualitarismo), leva à castração dos brilhantes membros da sociedade, escondendo competências. A inveja que gera a justiça através da igualdade, faz com que os “diferentes” tenham desejo que os outros (“Aristos”) sucumbam; não tenham sucesso ou que motivem os “diferentes” a também terem sucesso.
                         Platão afirmava que a democracia era o pior dos regimes.  Isto significaria dar ao povo (“demo”), o poder de decisão sem estar preparado, através do conhecimento. Em outras palavras, sem ter qualidade para tal. Significaria nivelar as decisões coletivas para dentro do senso comum.
                           Promover o desenvolvimento (qualidade) dentro do senso comum, através do povo (massa) é uma tarefa impossível e perigosa, mas traz ganhos políticos e humanitários.
                         Afinal, nada melhor do que afirmar que todos são iguais por natureza e diante das leis (declaração dos direitos do homem das revoluções americana e francesa). Demagogia pura! Na realidade, somos desiguais por natureza e também diante da lei.
                          Esta declaração, entretanto, produziu uma ilusão e forçou o aparecimento de oportunidades iguais. Aquela igualdade formal diante das leis criou desigualdades reais, pois obrigou a distinguir um inocente de um criminoso, a punir uns em detrimento dos outros. Forçou até a criação de normas que beneficiem e compensem os desiguais.
                          Criou-se, assim, uma desigualdade necessária e uma igualdade também necessária em outro sentido. Desta forma, ficamos com a única igualdade possível, que é a igualdade de oportunidades, o que não significa tornar todos iguais.
                         As pessoas se contentam em serem iguais em tudo: nas roupas, nas músicas que ouvem nos gostos e até no conhecimento.
É o professor querendo se igualar ao aluno quando diz, estamos aqui para aprender. Não mesmo! Ele está lá na sala de aula para ensinar. É o aluno querendo ter o mesmo conhecimento que o professor. Também não! O aluno está lá para aprender com alguém que sabe aquele determinado assunto, mais do que ele.
                         Ora, a questão da qualidade está ligada primeiramente ao não igualitarismo do conhecimento entre professor e aluno.
                         Muitos pais, assim como muitos professores, não desempenham seus papéis de pais e de professores. O “vírus da Igualdade” os contaminou por várias razões, ou porque querem se sentir jovens e amigos dos filhos ou alunos, ou porque não se prepararam suficientemente em suas áreas de atuação e não se sentem capacitados para tal, no caso dos professores.
                         O estabelecimento de limites máximos e mínimos de igualdade deveria ser, mas não é só para questões econômicas e políticas. O mesmo não se deve dar em relação aos limites máximos do conhecimento, pois se estaria cerceando a possibilidade do conhecimento avançar. Sendo assim, deveriam ser estabelecidos limites mínimos de conhecimento. Talvez nestes termos possa ser retomada a discussão sobre qualidade na educação.  Resta saber o que é limite mínimo e de que espécie de conhecimento se está falando.
                         Retoma-se aqui o pensamento do estagirita Aristóteles, que diferentemente de Platão, propõe que o conhecimento esteja ligado à vida na Polis (cidade/Estado):ele deve ser “dietético”, que é uma mistura de ética e técnica. A vida na Polis deve estar contemplada na educação, pois somente desta forma o cidadão alcançaria a “eudaimonia”, ou seja, a felicidade. Ela está ligada ao desejo e à busca de felicidade. Felicidade seria o estado proporcionado pela satisfação dos desejos. Se os nossos desejos forem parcos, serão mais fáceis de serem realizados.
                         A felicidade está, então, relacionada com o conhecimento, pois só se pode desejar aquilo que se conhece. O desconhecido não é desejado.
                         Ora, qualidade parece estar ligada ao conhecimento e este, por sua vez, parece estar ligado à felicidade. Mas, que tipo de conhecimento é este que proporciona felicidade? É um conhecimento técnico? Informacional? Interior (emocional)? Comunitário (Ético)?
                         Afinal, a definição de felicidade na Polis, baseada em Aristóteles, parece uma utopia no mundo moderno, onde a cidade (comunidade) perdeu a sua função de se ocupar do coletivo e passou a cuidar das individualidades, dos Eus.
O “Eu penso, logo Eu existo” (René Descartes, séc. XVII) tornou-se a tônica do individualismo moderno. O coletivo (comunidade) passou a ser a soma dos indivíduos (Eus), e os “Eus” parecem existir ou subsistir sozinhos.
                          O conhecimento torna-se uma apropriação individual. Desta forma, as qualidades éticas não fazem parte deste indivíduo que existe sozinho e independente do outro. O conhecimento, como forma dietética, deixa de existir e passa a ser um conhecimento individualizado e somente técnico.
A felicidade que deveria estar relacionada ao conhecimento, também muda de figura. Trata-se de uma felicidade ligada ao desejo individual e à satisfação desses desejos individuais, da mesma forma, não é compartilhada.
                      Podemos achar tudo isto muito reacionário, apesar de que a conotação deste conceito transformou sua carga de tal sorte que fica difícil distinguir o que seria ou não reacionário. Em todo caso parece estranho, ou não politicamente correto, falar em “méritos” ou qualidade dos melhores dentro da educação ou do conhecimento. Ora, meritocracia requer desigualdade. Se todos fossem tratados iguais até em oportunidades, não deveria haver processo seletivo para entrada em uma faculdade pública, por exemplo.
                      Em geral acredita-se que o próprio ensino superior público não é meritocrático, porque é público e dispensado de qualquer suspeita. Mas, tal ensino o é.
                     Através de seu processo seletivo, o ensino superior público elimina uma grande parte e fica com os “melhores”. Assim, passa a dispor de uma maior quantidade de “qualidades” e a qualidade de seus cursos permanece sempre em alta. Aliás, não precisa nem mesmo “medir” a qualidade, pois aquilo que é público parece estar fora das medidas.  O público é que, supostamente, deveria medir o que não é público.
                       Ora, sabemos que as coisas não são bem assim. Este setor deve estar sempre dentro da lei. Neste caso, a suspeição é sempre presumida, o que gera uma permanente vigilância. No entanto e até de modo lamentável, as mazelas estão mais no setor público, que está acima de qualquer suspeita.
                       Algumas Universidades públicas praticam então, um falso critério de qualidade, pois não promovem oportunidades iguais para todos. Elas produzem “qualidade” a partir daquilo que, supostamente, já tem qualidade. Não dão oportunidades para todos aqueles que ainda não possuem “qualidade”.
                        Esta é uma tarefa fácil de realizar. Trabalhar com os privilegiados dos privilegiados, não requer muito esforço. E ainda, como eles são poucos, o professor trabalha com, no máximo, 15 alunos por turma. Existem universidades públicas, por exemplo, que seleciona os melhores dos melhores através de seus processos seletivos, mas tem uma média de cinco alunos por professor. Isso é quase uma preceptoria. Preceptoria, nos regimes monárquicos, era algo exclusivo para os filhos dos nobres. E a igualdade, mesmo que seja a igualdade de oportunidades, fica aonde?
                     Dar qualidade a quem já a possui e o mesmo que distribuir riquezas aos já ricos.
                     Finalmente, o papel político-social de algumas universidades públicas fica restrito aos já proeminentes e a “qualidade” tão propalada não é dada pela instituição, mas pelos proeminentes. Proeminentes e privilegiados, pois são sustentados pelos excedentes de produção dos “desprivilegiados”.
                     Aqui a ideologia igualitarista se cala. E o pior é que os privilegiados desenvolvem mais as suas capacidades técnicas, mas não desenvolvem as suas capacidades éticas e políticas. Recebem um diploma com a chancela pública, entram para o mercado de trabalho com mais privilégios, ocupam posições estratégicas na sociedade e passam a pertencer à classe dominante (à qual a maior parte já pertencia), mantendo o privilégio.
                       Daí vem o “sistema de cotas” que, simplesmente, vai acrescentar uma cor diferente aos privilegiados e que se não conseguirem segui-los, serão colocados ao lado do processo ou entram para as universidades particulares através do Prouni.
                        As universidades particulares têm que fazer esforços hercúleos, primeiramente para ter “clientes” a partir dos preconceitos advindos daquilo que é “privado”, em seguida para ter a mesma, ou quase a mesma “qualidade” das públicas, com um número de doutores por aluno e a mais árdua das tarefas qual seja a de fazer os menos proeminentes, mais proeminentes.
                         A maior parte de nossos dirigentes (políticos, promotores, juízes e outros) é provinda de universidades públicas. Se a qualidade da instituição estivesse também ligada aos problemas éticos, com certeza teríamos uma sociedade melhor, menos corrupta e mais preocupada com o bem público.
                        A conclusão a que se chega é que devemos rever o conceito de qualidade na educação e vincula-lo, como bem fez o estagirita, à “polis”, à comunidade, ao bem comum. Tentando iniciar esse processo, a nossa preocupação se volta agora para a formação deste cidadão que tem um papel importante dentro da Polis: o acadêmico de Direito.
A formação do acadêmico do Direito é a preocupação que nos leva a fazer reflexões sobre as grandes noções filosóficas e linguísticas relacionadas à Justiça e ao Direito.
Tradicionalmente se ensina nas faculdades de Direito, sobre o conjunto de normas jurídicas que formam o Direito Positivo de uma determinada sociedade. Este conjunto se divide em vários subconjuntos sistematizados.
Os alunos dos cursos jurídicos são levados a conhecer bem as leis e, talvez, eles poderão, através de cursos de pós-graduação ou de forma auto didática, conhecer ou se aprofundar nas escolas sociológicas, filosóficas, antropológicas e políticas, etc. Isto leva para o fracasso estabelecido entre a legalidade e a legitimidade, entre a teoria e a prática, entre o ”ser e o dever-ser”. A norma é estudada dentro de um sentido único, fechado e dentro de uma visão positivista.
O positivismo dos cursos jurídicos estabelece que o Direito só pode ser ensinado através das premissas básicas de um sistema. Predominam, então, de forma desproporcional, as disciplinas cuja função é menos a de dar uma formação generalizada aos alunos e mais a de lhes informar de maneira padronizada, sobre a linguagem necessária ao aprendizado da dogmática, fazendo com que o Direito pareça para o estudante como um conjunto de dados sem vinculação entre si. Os professores ensinam através de soluções definitivas em conformidade com as leis vigentes.
A mera informação de caráter estritamente instrumental faz com que, com o tempo, a ausência de raciocínio crítico, termine por “idiotizar” o conhecimento jurídico em áreas de especialização, impedindo a sua adaptação às novas situações e conflitos sociais.
Disso decorre a inflexibilidade da estrutura dos cursos jurídicos, em nome do “idiotismo especializado”, condenando os estudantes a um dogmatismo ou a uma formação burocrática e matematizante do Direito. Isso torna os alunos incapazes de entender os novos tipos e as novas formas de conflitos e tensões sociais.
Os alunos ficam aptos a elaborar um esquema estritamente prático e legalista, mas não conseguem visualizar a realidade fora desse Direito. Eles são educados para pensar que o Direito está em todas as partes, como um Deus onipresente.
Educar nos parece outra coisa completamente distinta. Não basta somente uma preocupação teórico-metodológica de ensino, se esta não vier acompanhada de um verdadeiro trabalho de conscientização por parte dos professores. Cabe também a eles, tornar efetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua real qualificação para o trabalho (art. 205 da Constituição).
É papel também dos cursos de Direito a formação de profissionais humanamente virtuosos e plenamente habilitados a trabalhar o Direito como prática social e integrada a outras ciências. Portanto, deve fazer com que o aluno conheça vias jurídicas múltiplas de explicação e articulação da conduta social humana.
O Direito tem sido ensinado como um sistema objetivo (positivo) de regras próprias.  É considerado assim, como objeto de uma ciência autônoma, ou daquilo que Kelsen (1881-1973) chama de “Teoria Pura do Direito”.
Assim, pode-se encontrar a essência do Direito nos modelos de Escolas que definem a sua epistemologia. Por exemplo, a teoria Racionalista (século XVII), nos conduziu a uma teoria do direito fundada sobre um modelo lógico-matemático.
O conhecimento parece ter um fim em si próprio e não servir senão para ascensão social e não para a vida na “Polis”(enquanto ser humano e cidadão).
A disseminação do conhecimento tem servido simplesmente para ampliar a produção e o consumo, que se tornam sinônimos de felicidade:  Se consumo, logo sou feliz.
A educação que se tem promovido tem levado os indivíduos a assumirem um comportamento de cordeiros. Imita-se e corre-se atrás de opiniões alienígenas. Assim, não há lugar para a criatividade porque a educação formal parece ser a destruidora da força dos jovens e ter como único mote incentivador que as habilidades e os conhecimentos são úteis para se ganhar mais dinheiro.
A educação, promovida por nossas escolas, ou é utilitarista, servindo apenas aos interesses do Estado, dos comerciantes, das elites, ou é absolutamente teórica, de um saber acumulativo e sem interconexões.
Qual deve ser a formação de nossos acadêmicos de Direito para adquirirem competência linguística dentro do “mercado” jurídico? Por que, em sua maioria nossos alunos são repetidores de conhecimento, alienados e amorfos, política e socialmente?
De um lado temos nossos magistrados e membros do Ministério Público que passam pelos concursos e não passam por uma adequada formação ética, multidisciplinar e filosófico-jurídica, destinada a potencializar a capacidade dos futuros juízes e promotores. Os concursos que lhes chancelam poderes, não contemplam as disciplinas humanísticas, de reflexão e de crítica, mas quase em sua totalidade, confirmam um saber dogmático e positivista do Direito.
De outro lado, a preocupação com o novo paradigma pedagógico tem afetado, particularmente, uma nova geração de jovens, acostumados a uma política educacional de vida fácil que os afasta da realidade e os torna fracassados em suas vidas. A política de “autoestima” os tem igualmente, levado a um egocentrismo (característica da modernidade) e assim não se preocupam com o mundo. Foram educados como “crianças-príncipes, a maioria das escolas não as repete mais de ano”.
Este é o aluno que as universidades recebem acostumado ao “decoreba”, acostumado a se dar bem (passar de ano) a qualquer custo, acostumado a não pensar, não criticar. Finalmente é o aluno alienado, na acepção originária do conceito grego. Mas, o mundo da vida não é fácil e o mercado não está preocupado com a autoestima dos indivíduos.
Educar o ser humano livre e único, reflexivo e crítico, não implica em abolir a necessidade de uma boa formação profissional. Também não significa armazenamento do conhecimento, mas o uso que o ser humano faz dele e de sua capacidade criativa para responder às necessidades da vida.
Assim, a educação deve ser necessariamente reflexiva, pois para o ser humano participar como cidadão, ele precisa de conhecimentos e ele precisa saber julgar e refletir sobre suas ações.
A maior virtude acadêmica seria criar no aluno o hábito do raciocínio lógico como fundamento do juízo. Isso significa educar para a reflexão e educar a capacidade de julgar.
 Acontece que as disciplinas que podem levar o aluno à reflexão são deixadas à categoria de introdutórias e sem importância para o curso de Direito. Há um predomínio das disciplinas que têm a função de informar universalmente dentro de um determinado padrão (burocrático) necessário ao aprendizado da dogmática jurídica (prático-legalista). Desta forma não se forma o aluno para ser capaz de entender os novos e diferentes tipos e formas de conflito e tensões sociais.
Buscar o artigo da lei sem as grandes teorizações e os necessários enquadramentos extrajurídicos, torna-se algo extremamente pobre dentro de um ensino meramente técnico.
Nossos cursos de Direito estão promovendo um ensino falso e tendencioso, fazendo com que os alunos tenham grandes lacunas na formação.
Infelizmente o tecnicismo dos docentes aprofunda-se, os programas e as especialidades crescem, o desprezo pela formação geral e humanística agrava-se.
O resultado é sempre o mesmo: uma incompreensão profunda das coisas essenciais, uma substituição de um conhecimento sapiente, saboreado, por um saber decorado (de coração) que nem sequer é feito com o coração.
Os professores de Direito, de outro lado, parecem ter esquecido a responsabilidade que lhes confere o art. 205 de nossa Constituição: “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua (real) qualificação para o trabalho”.
É necessário que os professores colaborem e se comprometam na mudança do atual modelo jurídico-educativo. Faz-se necessário corrigir as distorções dos cursos jurídicos através de um ensino que combata os tradicionais conceitos jurídico-positivistas. A formação do futuro profissional deve estar voltada para uma visão de justiça social, estimulando-o à investigação científica e cultural e ao estudo integrado de saberes.
O exemplo que podemos tomar é o da França em 1968, quando houve uma revolta contra as normas que levou os juristas marxistas a criarem à associação crítica do Direito com a Revista “Procés”, cuja finalidade era questionar as ideias aceitas sobre o Direito em nossa sociedade e as formas como ele é ensinado. O foco passa a ser centralizado na teoria crítica do Direito.
Ora, Karl Marx tinha elaborado a tese que o direito servia como regra de conduta, totalmente coercitiva, cuja origem retomava a ideologia das classes dominantes (a burguesia). Se não há sociedade sem direito, ou vice-versa, o direito é coercível e não é autônomo.
Mas, o direito não é o efeito exclusivo da vontade da classe econômica, ele é a síntese de um processo dialético de conflito de interesses entre classes sociais: a luta de classes.
O primeiro trabalho empreendido pelo próprio Marx foi uma revisão crítica da filosofia do Direito em Hegel que aparece nos Anais Franco-Alemães (Paris 1844). O resultado a que Marx chega é que as relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de “sociedade Civil”. (Marx, Os pensadores, 1996)
Marx acreditou na ingerência extraordinária do poder econômico sobre o direito, sobre a cultura, a história e as relações sociais, pois o direito se mistura com os fenômenos sociais, onde o poder é legitimado e é ele quem legisla, mas não ilimitadamente em razão da resistência da classe operária. A infraestrutura (a base econômica) comanda a superestrutura (a base ideológica onde o Direito também se encontra), mas esta pode oferecer resistências através da educação e de outras formas.
Ele toma o exemplo da Revolução Francesa de 1789, onde os detentores do poder econômico conquistam o poder político e rompem com o “ancien” regime que lhes atrapalhava a expansão mercantil. Com a Revolução Francesa e as Revoluções Industriais, obriga-se a regular as relações sociais, surgindo o direito comercial e do trabalho.
De outro lado, o processo educacional, não meramente enquanto técnico, mas como forma de conscientização, pode servir como meio de desalienação de regimes políticos alienantes.
Não podemos afirmar que Marx tenha se preocupado com a qualidade na educação, mas quando ele diz que educação não é um ato, mas um processo, ele eleva a dialética ao nível das representações simbólicas, como construção de uma relação de conflito social, histórica e necessária para o processo de entendimento da realidade a ser transformada.
Pelos exemplos que nós temos, parece não ser absolutamente certo que um melhor conhecimento dos códigos e normas jurídicas proporcione automaticamente um melhor cidadão, um melhor advogado, promotor, ou juiz.
O problema todo não pertence exclusivamente à ciência do Direito e parece provir da crise do conhecimento dos universais, fruto de uma ciência mecanicista e positivista.
Desta forma, a crise do Direito está ligada à fuga do Direito da realidade social; à procura de universais; à positivação das ciências e ao desprezo à legitimidade.
Mas, o Direito não se manipula através de símbolos matemáticos. Ele é escrito em um código que representa o mundo dentro de uma subjetividade cultural, portanto ele não é perfeito. Seria necessário (e impossível) criar uma língua perfeita para isso.
No século XIX, a reconstrução racional do Direito através da escola exegética, marcada pelos grandes comentários do código civil, vai para uma teoria de interpretação de textos (Hermenêutica) e cria uma ciência de regras. Não se tratava mais de procurar a construção lógica do Direito, mas de interpreta-lo como ele é.
O Direito e a vida social parecem pertencer a duas ordens separadas e sem contato algum. O pensamento de Habermas (que será estudado no final desse livro), último dos teóricos Iluministas, com os conceitos de “mundo sistêmico” e “mundo da vida” tentam unir estas duas ordens.
Ora, as normas não são compreensíveis fora da realidade social e histórica onde elas se aplicam. Logo, as normas não podem ser engendradas teoricamente a partir de outras regras do direito, mas da própria realidade sociocultural.
A partir do século XX, no período pós-guerra, quando o Iluminismo passa a ser questionado, e os paradigmas Racionalista e mecanicista são abalados, o “eu penso” passa para o coletivo “nós pensamos” e novos paradigmas são propostos.
O ensino com base cartesiana e fragmentada é questionado e novas práticas passam a ser consideradas. A mudança de direção de novos paradigmas somente pode ser empreendida como prática coletiva e solidária que implique o comprometimento e a colaboração das partes envolvidas no processo ensino-aprendizagem.

Conclusão
                Discutir a qualidade dos cursos de Direito está não somente ligado à questão dos proeminentes, mas a uma prática interdisciplinar que propõe uma visão do Direito mais pluralista que forme o jurista crítico e que pense a realidade do direito dentro da globalidade de outros conteúdos que vão além da teoria pura do Direito.
                A proposta da prática interdisciplinar pode corrigir as distorções dos cursos jurídicos, dotando o ensino de uma linha crítica dos tradicionais conceitos jurídicos, visando formar o futuro profissional com uma visão de justiça social e estimulando-o à investigação científica de um Direito comparado para melhor entender a legitimidade ou não da lei, dentro do aspecto cultural.
                Para que a crise do Direito seja vencida, os estudantes necessitam desfrutar de uma visão de Direito mais flexível. O docente deve assumir a responsabilidade de estar comprometido com o processo de ensino-aprendizagem e sua qualidade, dotando-o de uma visão pluralista da sociedade e preocupando-se com uma abordagem mais abrangente do sistema jurídico e mais multidisciplinar no que se refere a outras áreas do conhecimento. Tudo com a finalidade de formar juristas que possam pensar séria, global e criticamente o Direito.
                   O incentivo atual adotado leva mais à formação de “rábulas” do Direito, memorizadores, leitores de códigos e muito limitados ao silogismo lógico-formal do Direito positivo, esquecendo que a atividade hermenêutica se formula a partir de uma posição antropológica e filosófica.
                   Montesquieu dizia que “os operadores do Direito não são senão bocas que pronunciam as palavras da lei são seres inanimados que não podem moderar nem a força nem o rigor...”.
                   Direito não é só norma. A medida do Direito é o humano, o “demasiadamente humano”, com seus neurônios, experiências, culturas, valores, heranças culturais, poderes, etc. Ora, o operador do Direito deve estar apto a exercer sua função social em um mundo em permanente mudança e plenamente capacitado para a tarefa de explicar as garantias formais da democracia e da dignidade humana. Ele deve estar consciente que os valores, a identidade e a própria dignidade humana são definidos pela cultura e que a língua, por ser “parte, condição e produto da cultura” (Strauss) é quem estabelece esses valores, essa identidade e dignidade, essas normas e essa Justiça.

Bibliografia

AFONSO, Elza Maria Miranda. O Positivismo na Epistemologia Jurídica de Hans Kelsen. Belo Horizonte: FDUFMG, 1984.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ed: Ática, São Paulo, 2000.
DE LA MORA, Gonzalo Fernadez. La invidia igualitária. Madrid, Altera:2011
Martins, Ives Gandra da Silva, A Era das Contradições. São Paulo: Futura, 2000.
CARVALHO, Alonso Bezerra de. Um diálogo entre Weber e Kant sobre a educação. Educativa, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 11-25, jan./jun. 2004.
CORDON, Juan Manuel Navarro; MARTINEZ Tomas Calvo. História da filosofia: os filósofos e os textos. Tradução de Armindo Rodrigues. Rio de Janeiro: edições 70, 1983.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo. Martins Fontes. 1992.
FREITAS, Raquel, A. M. da M. A crítica à modernidade, a Educação e a Didática: contribuição de Boaventura e Souza Santos. In: LIBÂNEO, J.C.; SANTOS, A. (Org.) Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. Campinas, SP: Editora Alínea, 2005. p. 223-239.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomas Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro – 10 edu. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. 3. Ed., Coimbra: Arménio Amado, 1974
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução de Holzbach. São Paulo: Martin Clarent, 2002.
KUMAR, Krishan. Modernidade e pós-modernidade II: A ideia da pós-modernidade. In: _. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. Pgs. 112-154.
LYORTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Tradução de Teresa Coelho – 2ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.
SOBRINHO, José D. Educação Superior, globalização e democratização. Qual Universidade? Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro n. 28 jan./fev./ mar/ abr. 2005, p. 164-173. 
PAVÃO, J,B.e DA SILVA, D,V. Filosofia do direito: da filosofia à jusfilosofia. Goiânia: Editora PUC Goiás. 2014.
VEIGA-NETO, Alfredo. Michel Foucault e educação: há algo de novo sob o sol? In: VEIGA NETO, Alfredo et al. ( Orgs.). Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 9-56.

* Doutor em Sociolinguística, Professor Titular na Universidade do Estado da Bahia. Professor da Faculdade São Francisco de Barreiras. E-mail: bosco@fasb.edu.br

Recibido: 20/03/2016 Aceptado: 27/03/2017 Publicado: Marzo de 2017

Nota Importante a Leer:

Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.
Este artículo es editado por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.