Everkley Magno Freire Tavares*
Universidade Potiguar, Brasil
everkley@unp.brRESUMO: Esta investigação teve como objetivo avaliar a efetividade da gestão participativa do PRONAF em Serra do Mel-RN sob a ótica dos atores relevantes e insere-se num conjunto de pesquisas que são realizadas atualmente no Brasil sobre o impacto dos conselhos gestores de políticas públicas para o desenvolvimento.
PALAVRAS-CHAVE: Stakeholders. Conselhos gestores. Políticas públicas.
ABSTRACT: The objective of this research was to evaluate the effectiveness of participatory management of PRONAF (Brasil/RN/Serra do Mel) from the perspective of the relevant actors and is part of a series of researches currently carried out in Brazil on the impact of the public policy management councils for the development.
KEYWORDS: Stakeholders. Management councils. Public policy.
RESUMEN: Esta investigación tiene como principal meta evaluar la eficacia de la gestión participativa del PRONAF (Brasil/RN/Serra do Mel) a partir del punto de vista de los actores relevantes y es parte de un conjunto de investigaciones que se llevan a cabo actualmente en Brasil sobre el impacto de los consejos de administración de las políticas públicas para desarrollo.
PALABRAS CLAVE: Stakeholders. Los consejos de administración. La política pública.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Everkley Magno Freire Tavares (2017): “Percepções dos stakeholders acerca da gestão participativa do CMDR de Serra do Mel –RN”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/cmdr.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701cmdr
Neste texto, revisitamos reflexões e problematizações de estudo que incidiram sobre as percepções de atores sociais relevantes sobre a proposta de gestão participativa do PRONAF municipal em Serra do Mel-RN, no período de 1997-1999. De lá para cá, ainda sustentamos nosso ponto de vista de que a gestão participativa se constrói em uma revalorização do poder público local no Brasil (COSTA, 1996), combinando a melhoria da qualidade de vida da população com mecanismos de democratização dos processos decisórios sobre políticas públicas em âmbito local. Objetivou-se, dessa forma, avaliar a efetividade da gestão participativa do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF no município de Serra do Mel-RN. O presente artigo apresenta as percepções dos conselheiros, agricultores e agentes mediadores sobre a atuação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - CMDR, bem como uma análise do tipo SWOT sobre a gestão participativa do conselho, no referido município.
Para tanto, avaliamos o perfil do CMDR quanto aos seguintes aspectos: funcionamento na formulação e controle das ações municipais do PRONAF, além da verificação do nível de democratização dos processos de gestão e suas ações em relação às demandas da agricultura familiar no município, identificando permanências e rupturas nas políticas de apoio ao desenvolvimento local. Também foi aplicada a análise de matriz SWOT para monitorar os fatores externos e internos que influenciam o CMDR na sua gestão participativa, observando estrategicamente as oportunidades, ameaças, forças e fraquezas, com o intuito de otimização da proposta de gestão e fazer prescrições.
Gestão Participativa de Políticas Públicas
A gestão participativa desponta como um modelo de gestão que viabiliza a intervenção da população local nos processos de tomada de decisão e negociação de políticas públicas. É o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, especificamente na sua linha de ação de infra-estrutura e serviços municipais.
A organização desses novos padrões de gestão concorre também para sedimentar uma cultura de cidadania ao romper com a tradição autoritária e elitista que há muito domina o poder local no Brasil. Daí muitas experiências de avaliação de conselhos gestores têm caminhado no sentido de apontar subsídios para a reformulação de políticas e a sua adequação às necessidades da população, considerando os recursos disponíveis.
As experiências de participação na gestão de políticas públicas foram se constituindo no recente período de redemocratização política do Brasil, nas décadas de 70 e 80, quando diversos setores da sociedade, movidos por interesses e estratégias específicas, adotaram o discurso democratizante e conduziram a um consenso social em torno das virtudes da participação e da descentralização. Entretanto, a correlação direta entre essas virtudes políticas e a efetividade nem sempre significa uma causalidade determinante para atingir melhores resultados e a mudança social.
A gênese da revalorização do poder local no Brasil deve-se primeiramente à influência dos movimentos sociais na década de 80, que incorporaram os temas da democracia, da descentralização e da participação popular. As lutas dos anos 70 e 80 resultaram em reflexões sobre as estruturas de poder local, permitindo uma modernização nas formas de gestão (DANIEL, 1988; DOWBOR, 1999).
A partir dos anos 80 a descentralização e a participação foram institucionalizadas com a Constituição Federal de 1988. Naquele contexto, o discurso da descentralização e da participação tornou-se consensual entre os atores políticos relevantes. Conforme Costa (1996, p.116):
Por esse motivo, a discussão sobre a descentralização e autonomia dos municípios, diferentemente de temas como a reforma agrária, nacionalização do subsolo e estatização, pareceu menos polêmica e disputada, devido ao consenso alcançado.
De maneira geral, há na atualidade uma grande preocupação com a maior participação da sociedade na gestão pública. No Brasil, a Constituição promulgada em 1988 definiu em termos legais um novo modelo de gestão, que supõe a abertura do processo decisório à sociedade organizada para tornar mais eficiente a prestação dos serviços públicos, assim como dá respostas eficazes ao quadro de carências locais. Para tanto, implantam-se novos canais de formulação e implementação de políticas públicas no país. A partir dos anos 90, o desenho de todas as políticas sociais inclui a constituição de Conselhos Gestores, os quais significam o estabelecimento de novas relações entre governo e sociedade, o que supõe a distribuição do poder de decisão entre ambos como bem expressa a socióloga Gohn (2001, p. 13-14):
O entendimento dos processos de participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas nos conduz ao entendimento do processo de democratização da sociedade brasileira; o resgate dos processos de participação leva-nos, portanto, às lutas da sociedade por acesso aos direitos sociais e à cidadania. Nesse sentido, a participação é também luta por melhores condições de vida e pelos benefícios da civilização.
A abertura para a participação nos conselhos gestores de novos agentes internos e externos às políticas tem mostrado ser condição fundamental para que as demandas e reivindicações populares ganhem visibilidade e legitimidade (SANTOS JÚNIOR, RIBEIRO & AZEVEDO, 2004).
A participação ocorre quando a população contribui, influi e usufrui de informações efetivas e diretas na construção e transformação de sua realidade, através de ações organizadas e do compartilhamento do poder decisório. Isto indica que não podemos discutir o desenvolvimento sem discutirmos a ação política e a distribuição do poder de decisão. Nesse sentido, é preciso o envolvimento da sociedade na gestão do desenvolvimento, como Acselrad e Leroy (1999, p. 45) alertam:
É preciso fazer ouvir a voz de outros setores da sociedade e criar condições para que possam desenvolver a sua capacidade de afirmação política (empowerment), formular efetivamente seus projetos e viabilizá- los.
Há de se considerar que a importância assumida pelo poder local representa, por um lado, a oportunidade de tecer um novo significado ao campo político, o que requer um sentimento de partilha das responsabilidades do governo local com os cidadãos. Por outro, partilhar a responsabilidade pública significa criar uma outra perspectiva para um engajamento do cidadão (BAUMAN, 2000).
Então, o que se coloca em relevância é a necessidade crucial de se obter maior eficiência (fazer mais, com menos e melhor) e maior impacto nos investimentos governamentais em políticas públicas. Dessa maneira, a efetividade assume um critério mais político, na possibilidade de concretizar uma real mudança nas condições de vida das comunidades.
Na realidade, a avaliação da gestão participativa do PRONAF possibilitou o mapeamento e a reflexão acerca das mudanças do poder local no Brasil e a articulação dos sujeitos partícipes envolvidos no processo de implementação de políticas públicas e do desenvolvimento.
A atuação do CMDR na gestão do PRONAF
Os conselhos são pensados como espaços de interface entre o Estado e a sociedade, constituídos com a finalidade de serem pontes entre a população e o governo, assumindo a co-gestão das políticas públicas. O poder é partilhado entre os representantes do governo e da sociedade, e todos assumem a tarefa de propor, negociar, decidir, implementar e fiscalizar a realização do interesse público (GOHN, 2001).
No tocante ao surgimento do CMDR de Serra do Mel-RN, devemos retomar a sua trajetória a partir do momento de elaboração da proposta de Desenvolvimento Sustentável para o município na década de 90, especificamente nos anos de 1993 a 1995, durante a elaboração do PIDSSM e da sua proposta de gestão participativa. Como observa Silva (1999, p. 57):
O avanço nas práticas organizativas e de articulação entre as entidades locais levou à proposta de construção e efetivação de um Plano Integrado de Desenvolvimento Sustentável de Serra do Mel. Em 1994, foi elaborado o PIDSSM, com a utilização de uma metodologia participativa que incentivou o fortalecimento das organizações locais como base para uma eficiente execução das ações planejadas. Participam do processo 36 entidades, entre as quais a Prefeitura, Igreja, ONGs, órgãos do Governo do Estado e organizações locais.
Desse modo, o chamado Conselhão surge num primeiro momento com a finalidade de coordenar e deliberar sobre as ações do Plano e ser elo de comunicação entre o poder público local, organizações não-governamentais e a população local, com a missão de encaminhar as tarefas capazes de viabilizar o PIDSSM. No caso do conselho do PRONAF, a participação é apresentada como uma condição estratégica do desenvolvimento municipal sustentável.
O município de Serra do Mel-RN possui uma configuração do poder local diferente de muitos outros municípios do Rio Grande do Norte e, especialmente do Oeste potiguar, pois a sua formação nasce da pressão de organizações da sociedade civil, no sentido de formar uma classe média rural num projeto de reforma agrária na década de 70 e, essa organização social fincou raízes e forças, dando uma constituição de organização política capitaneada pela participação da sociedade local na luta por direito a terra, melhores condições de reprodução da agricultura familiar e de permanência do homem no espaço rural.
Para avaliar as possibilidades e desafios da gestão participativa no âmbito do CMDR, foram investigados os seus aspectos formais, isto é, a verificação se o conselho foi criado e funciona de acordo com as normas e orientações do PRONAF. Assim, verificamos o seu processo de criação e desempenho como canal de participação no controle das ações do PRONAF municipal.
No que se refere às atribuições do CMDR, a Lei Municipal 076/97, o define como órgão deliberativo, opinativo de acompanhamento, controle e avaliação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, bem como de assessoramento ao poder executivo municipal.
Essas atribuições estão de acordo com as instruções normativas do PRONAF, que define o CMDR como órgão deliberativo com as atribuições de elaborar e aprovar o PMDR. E no que se refere à sua missão e capacidade de controle social, a Lei Municipal 076/97 reproduz as diretrizes nacionais.
Como veremos mais adiante, uma das principais dificuldades apontadas pelos conselheiros da sociedade civil está exatamente no acesso às informações sobre o programa e os ritos de sua implementação. Desse modo, pudemos observar que a maioria dos conselheiros entrevistados não tinha informações suficientes sobre a disponibilidade de recursos, as diretrizes de sua aplicação, de como fiscalizar, responsabilizar e de quanto foi, especificamente, gasto em cada obra executada com os recursos do PRONAF no município de Serra do Mel. Segundo o relato de um dos conselheiros entrevistados:
Nós sempre questionávamos a adequação do plano de execução das obras com aquilo que tinha sido planejado nos projetos pelo conselho. Na época do PRONAF municipal foram construídos: a central, o mercado, os viveiros e comprou-se o carro para o transporte da produção da castanha. Mas, a gente que era do conselho não tinha muita informação sobre o quanto realmente foi gasto; era difícil ter um controle sobre o quanto tinha sido gasto numa obra ou outra, pois ficava muito centralizado entre a prefeitura e a CEF que liberava o dinheiro para a conta do município e o prefeito assina o cheque. Eu mesmo, que sempre tive uma boa conduta de saber reivindicar e discutir, não sei nem dizer por alto o quanto foi gasto no Mercado, pois foi feito um projeto e o dinheiro não dava, teve que aumentar a contrapartida da prefeitura, teve coisas que não atendiam às exigências de saúde, e se teve que acrescentar uma fossa céptica própria para o que era despejado, teve que fazer uma calçada a mais que não tava no projeto. Tudo isso aumentou o preço e ficava difícil de ter um real controle. (Francisco Sales da Silva, 71 anos, agricultor, entrevista ao autor em 02-12-2003).
Quando os entrevistados eram indagados sobre o valor das obras que foram implementadas, o que se ouvia muito era: “não sei ao certo”, “não acompanhei” e “não tenho essa informação (precisa), por isso não quero arriscar”. Essas falas revelam a falta de publicidade dos atos administrativos, bem com a falta de legalidade, na medida em que a prestação de contas não era apresentada.
Em relação à composição do CMDR, o texto da Lei Municipal 076/97, em conformidade com as diretrizes do programa, estabeleceu um critério de paridade entre representantes das esferas dos prestadores de serviço público, igrejas, outras entidades e as representações do público beneficiário (agricultores familiares).
A Lei 076/97 estabelece a forma de composição sendo que 50% dos representantes do CMDR serão oriundos de Poder Executivo Municipal, Estadual e outras entidades com sede no município. E 50% das representações serão oriundas das comunidades rurais e das representações dos agricultores familiares. Além disso, o Art. 7º da referida Lei, estabelece que o CMDR criará um grupo de colaboradores municipais (técnicos de entidades do município, do governo do estado e federal), bem como de entidades privadas correlatas, a fim de lhes prestar apoio, tendo o direito de voz nas reuniões do conselho.
No que se refere à forma de indicação dos conselheiros, a Lei Municipal esclarece que as entidades escolhem ou elegem seus representantes, indicando-os por escrito para um mandato de dois anos, podendo ser reconduzido por mais dois. No caso dos representantes do executivo e das instituições públicas, a indicação é prerrogativa do chefe do Executivo Municipal; com relação às outras representações, a responsabilidade é de cada entidade, associação ou comunidade. A partir daí o prefeito nomeia os conselheiros através de decreto.
Verificou-se que o CMDR não contou com instâncias permanentes de apoio técnico ou administrativo e também não organizou comissões internas entre seus componentes destinados a desenvolver estudos a fim de discutir questões globais e específicas para o desenvolvimento sustentável do município. Também não criou comissões para averiguar e priorizar ações adequadas às principais necessidades dos agricultores familiares, o que acontecia é que os conselheiros apontavam nas reuniões as carências, porém não existia um processo mais consistente e amplo de assembléia, escuta popular e nem comissões para emitir pareceres, formular propostas e fiscalizar ações.
No caso do CMDR da Serra do Mel-RN, a sua composição contava com os seguintes segmentos: representantes do governo e da sociedade civil, representante da prefeitura municipal, da EMATER, igreja evangélica, associação de vilas, associação de jovens, Câmara Municipal, FNS, Escola Agrícola Estadual, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Igreja Católica, Associação dos Agricultores, Coopermel e Coopercaju.
Dos oito conselheiros entrevistados, cinco são funcionários públicos: dois do município e três do Estado, e os demais são trabalhadores rurais. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural da Serra do Mel traduz sua condição paritária em duas bancadas: representantes da sociedade civil e por representantes do poder público.
Outro fator verificado no perfil dos conselheiros foi que a maioria já tinha vivenciado outras experiências de participação em conselhos e associações. Como enfatiza um dos conselheiros entrevistado:
Uma das motivações para ser conselheiro, foi e é a minha grande preocupação com o desenvolvimento da Serra do Mel. A partir disso, tive ligação como presidente da associação da vila Pará durante três mandatos e antes do conselho do PRONAF, participei do chamado conselhão nos anos de 94 a 95 para a construção do PIDSSM. Tudo isso me levou a tomar a decisão política como pequeno agricultor de participar na organização do desenvolvimento local. (José Alves da Silva, 60 anos, agricultor, entrevista ao autor em 22-08-2003).
Essa e outras falas colhidas nos depoimentos sinalizam para o fato de que a não efetividade na gestão do PRONAF em Serra do Mel não se deu por falta de experiência de participação em conselhos e associações dos representantes dos agricultores familiares.
As percepções sobre o Conselho e o papel dos conselheiros
Foram constatadas diferentes percepções sobre o Conselho e a função dos conselheiros. Em relação à visão sobre o CMDR, os entrevistados expressaram duas avaliações quanto ao significado do conselho. A primeira o relaciona como um espaço político de negociação de consensos e de controle social, permeado pela disputa de interesses. A segunda o percebe como ineficaz para a realização desses pressupostos. Quanto à primeira concepção, parte dos entrevistados expressa sua compreensão do Conselho enquanto espaço de articulação e de decisão:
O conselho funcionou bem no direcionamento e aplicação dos recursos, ele era autônomo e independente das associações. Ele se firmou como um mecanismo participativo e fiscalizador. Às vezes os principais conflitos eram os interesses particulares que se chocavam nas discussões. (Francisco Mariano Régis, 46 anos, vereador, conselheiro, entrevista ao autor em 27-11-2003).
Na avaliação dos entrevistados 56% afirmaram que o Conselho é importante como espaço participativo, como espaço para conhecer a realidade e planejar ações comuns e para discutir, decidir e cobrar responsabilidades dos governantes e 44% dos entrevistados considera que o CMDR não é eficiente na gestão participativa do PRONAF. A segunda percepção, a respeito do conselho, o define como espaço que não tem capacidade decisória e é desvalorizado pela administração municipal. Estas percepções são caracterizadas pelos entrevistados em diversas falas:
A gente era participativa. Mas a pior coisa foi ter colocado na presidência do Conselho – o prefeito Silvio porque muitas vezes ele desmarcava ou não comparecia nas reuniões, pois estava na capital e deixava a gente de mãos atadas, sem falar que para muitos era difícil estar nas reuniões e quando chegavam, não havia a reunião por falta de coro ou do presidente. Legalmente, o Conselho funcionou como instrumento participativo e deliberativo do PRONAF, mas se não teve continuidade é porque faltou apoio da administração municipal. (Francisco Sales da Silva, 71 anos, agricultor, conselheiro do PRONAF, entrevista ao autor em 02-12-2003).
O reconhecimento por parte dos entrevistados dos limites da participação no CMDR evidencia várias dimensões como: o domínio do prefeito, a falta de articulação, qualificação técnica e apoio da administração municipal.
A dependência e submissão relativas aos padrões de gestão tradicionais estão alicerçadas em uma cultura política tradicional, tanto quanto na ineficiência das instituições públicas em produzir repostas satisfatórias para melhoria das condições de vida da maioria da população.
Buscou-se verificar quais comportamentos políticos têm caracterizado a presença dos representantes da sociedade civil e das instituições governamentais no CMDR. As variáveis analisadas foram: atitudes dos conselheiros (com base na qual construiu-se um índice de desempenho), e avaliação dos conselheiros sobre a efetividade e sobre os principais fatores que limitavam o funcionamento adequado do mesmo. Vejamos a seguinte tabela:
Atitudes dos Conselheiros
Da análise destes dados, algumas constatações puderam ser feitas: A) As atitudes mais freqüentes são: “expor aspectos da realidade, contribuindo nas discussões”, “apresentar propostas de solução” e “cobrar o cumprimento das decisões do Conselho”. B) As atitudes menos freqüente são: “assinar documentos de modo ilegal” (sem haver apreciação do Conselho – relatórios e prestações de contas – e forjando atas) e a “solicitação de verbas e serviços para a entidade ou setor que representava diretamente” (atitude de pedinte). Essa última atitude citada adquire caráter negativo quando ocorre “sempre” tendo em vista que, no Conselho, podem estar sendo reproduzidas práticas de corporativismo que beneficiem apenas a entidade ou setor que está diretamente representando no conselho, revelando, também, a predominância da prática de reivindicação de interesses imediatos daqueles que estão presentes nos conselhos. Esta prática inviabiliza a proposta dos conselhos como espaços de ampliação da participação e controle social na gestão de políticas públicas. C) Há um nível considerável de conselheiros que “às vezes” “ficam calados nas reuniões” ou “falam sempre concordando”, totalizando 37,5% dos conselheiros entrevistados. Esse tipo de atitude tende a pender para a prática de cooptação do conselheiro, revelando a falta de preparação ou total desconhecimento para colocar em prática o seu papel e até podendo ser uma conformação com práticas tradicionais de gestão e de centralização do poder de decisão.
Com base nessas informações coletadas foi possível construir um índice estatístico para medir o nível de desempenho dos entrevistados quanto à participação no CMDR. Tomou-se por base critérios ou características (não convencionadas) de uma “participação ativa” e de uma “participação fraca”, ou seja, meramente formal ou submissa no CMDR.
Construção de índices de desempenho
Tomando por base o índice construído pode-se considerar que o nível geral de desempenho dos conselheiros é “excelente” (ver gráfico 02). Baseado em pesos atribuídos para cada um dos níveis das atitudes foi construída uma escala para medir o nível de desempenho dos entrevistados, tendo como valores mínimo e máximo 27 e 0 pontos, respectivamente: de 0 a 6 pontos, baixo desempenho; de 7 a 13 pontos, desempenho insuficiente; de 14 a 20 pontos, desempenho razoável, e de 21 a 27 pontos, desempenho excelente.
Atitudes – índice médio de desempenho dos conselheiros
Para chegar ao índice médio de desempenho dos entrevistados, foi utilizada a seguinte fórmula: ∑ (Fn x Pn)
N
Onde,
∑ = somatório
Fn = freqüência de ocorrência de cada nível das atitudes
Pn = peso atribuído no quadro 02 a cada nível de atitude
N = 8 (total de entrevistados)
Logo,
Ficar calado: 3x5 +2x0 + 1x2 + 0x1 = 2,1
8
E, assim seguindo as demais categorias para se estabelecer o índice médio de desempenho dos entrevistados.
Tomando o nível de desempenho para cada um dos entrevistados, verifica-se que há uma forte predominância do nível “excelente” e não ocorre nenhum caso de “baixo desempenho” vejamos o gráfico que se segue:
Nível de desempenho dos entrevistados no CMDR
Examinando-se este desempenho excelente dos conselheiros, devemos considerar primeiramente que os agentes mediadores, os não-conselheiros e os beneficiários entrevistados não concordam na sua maioria com estes indicativos. Segundo o desempenho participativo dos conselheiros, a elaboração e implementação do PRONAF não garantiu melhores resultados (impacto social), nas condições de trabalho, produção e comercialização da população-alvo.
No que se refere ao processo decisório do Conselho em relação as prioridades da agricultura familiar no município, percebemos que apesar da participação dos conselheiros na discussão e encaminhamento de projetos. As suas deliberações de fiscalização não eram respeitadas pelo poder público, prevalecendo assim, um modelo de gestão tradicional centralizado. Isso fica explicitado diante do depoimento de um dos agentes mediadores entrevistados:
Hoje eu vejo com outros olhos a atuação do Conselho, consigo agora apontar com maior clareza os erros e acertos, as possibilidades e limites na gestão do PRONAF e o poder de decisão dos conselheiros. Nos anos de 97 e 98 o Conselho discutia, mas o pior problema na gestão do PRONAF é que quem decidia mesmo era o poder executivo municipal. Isto era uma falha estrutural do programa que orientava muitas vezes que o presidente do conselho tinha que ser o secretario de agricultura. A partir disso, existiu a possibilidade de um maior controle do prefeito na composição do conselho, nas decisões e deliberações de compra, pois a unidade executora era a prefeitura e o dinheiro era depositado na conta da mesma. Nesse sentido, mesmo que a fiscalização do conselho fosse boa, desde a definição da obra, elaboração do projeto até o acompanhamento da execução, pouco foi feito mesmo diante das denúncias feitas pelo conselho a CEF, foi tanta coisa ruim, que recursos de projetos aprovados não foram liberados, muitos recursos foram desviados ou aplicados de forma inadequada, como exemplo, o MCR na sua execução contou com a fiscalização, mas sua distribuição em termos da efetividade não existiu, foi uma subutilização da obra e o conselho não foi omisso, mas no jogo de quem pode mais venceu o executivo. (Terezinha Maria de Oliveira Medeiros, 42 anos, agrônoma, técnica local da AACC, entrevista ao autor em 2-12-2003).
O desempenho dos conselheiros está geralmente associado as dinâmicas internas CMDR no tocante a elaboração dos projetos, não garantindo outros pressupostos da efetividade da gestão participativa, tais como fiscalização do gasto público, publicização (visibilidade social das ações), o acompanhamento da execução de obras e compras de equipamentos e articulação dos diversos atores que configuram o poder local, na tentativa de potencializar o espaço democrático na gestão do PRONAF.
Sobre esses pontos um não conselheiro entrevistado relata que:
Para mim a atuação do Conselho é ruim, pois os conselhos na Serra do Mel são pelegos, não avançam e ninguém tinha informações concretas das ações que estavam desenvolvendo. Isso já diz tudo, o conselho são apenas fachadas para o controle do prefeito, ninguém conhecia quem era os conselheiros, nem o processo de sua posse e a entidade que eles representavam (Raimundo José de Oliveira, 31 anos, agricultor, entrevista ao autor em 2-12-2003).
O que se deve cogitar, portanto, é a exigência de uma participação que vá além do espaço institucional. Ela precisa viabilizar a componente normativa (grau de conhecimento e outras atitudes) e assumir-se enquanto planejamento estratégico, dinâmico e democrático. Com isso, será possível não apenas fixar cenários e metas, mais também monitorar e avaliar a implementação das políticas por ela balizadas.
Avaliação dos conselheiros quanto à efetividade do CMDR
Os dados resultantes dos questionários fechados confirmaram que em termos de efetividade, ou seja, diante da dinâmica interna do CMDR e suas atribuições, as ações desenvolvidas nas percepções dos conselheiros estabeleceram um significativo desempenho em conformidade com os objetivos normativos do PRONAF, quando propõem que os conselhos gestores de políticas públicas possam se constituir em espaços de participação, de discussão dos problemas que entravam o desenvolvimento da agricultura familiar e de legitimação das decisões tomadas no município. Sobre essa avaliação os resultados são os seguintes: 62,5% dos conselheiros entrevistados dizem que o conselho teve um bom desempenho na gestão participativa e 37,5% dos entrevistados confirmam que foi razoável:
Avaliação da efetividade do CMDR
Entretanto, a análise qualitativa por meio das entrevistas realizadas com os diversos sujeitos, no que diz respeito à prática cotidiana da gestão participativa, apesar de inovadora, não foi assumida pela população local e suas organizações, ou seja, não teve o apoio popular necessário para o efetivo controle social, como estava previamente estabelecido nos objetivos do CMDR, levando conseqüentemente ao cancelamento dos convênios do PRONAF infra-estrutura e serviços para o município de Serra do Mel e a não liberação dos recursos aprovados para implementação de obras em 1999.
Gestão Estratégica do CMDR na perspectiva da análise de SWOT e prescritiva
A gestão estratégica do CMDR deve considerar que o conselho como instância de formulação, implementação, acompanhamento e avaliação dos resultados/impactos do PRONAF adote um foco de longo prazo, de articulação de diversos atores e projetos, revisando processos e garantindo publicidade, transparência e responsabilidade diante das ações executadas.
A matriz de SWOT é uma ferramenta de diagnóstico, possibilitando mapear riscos e mudanças do ambiente externo de uma organização, verificando também as tendências políticas, culturais, legais e administrativas, podendo ajudá-la a conquistar oportunidades e a lidar com as ameaças exógenas. No tocante, ao ambiente interno, possibilita verificar forças que diferenciam e são propulsoras de superação das limitações da proposta gestão participativa do CMDR. Nas fraquezas são verificadas as características que atrapalham a atuação do conselho como espaço de participação e controle social para a efetividade do PRONAF.
A aplicação da matriz SWOT no caso pesquisado é de grande relevância, principalmente pelo diferencial do poder local em Serra do Mel-RN em relação a outros municípios do RN, a saber: a existência de processos participativos, com fóruns ativos que congregam atores locais, ONGs e movimentos sociais, desde as origens do projeto de colonização na década de 70.
Segundo TAVARES (2010) a análise SWOT, também conhecida como FOFA (em sua tradução) é uma técnica que faz a relação entre o ambiente interno e externo da organização, verificando alguns fatores que limitam ou otimizam o desempenho da organização. Assim, destacamos as seguintes Oportunidades, Ameaças, Forças e Fraquezas organizacionais do CMDR de Serra do Mel-RN na gestão participativa do PRONAF infraestrutura e serviços municipais, no período de 1997 a 1999.
Análise de SWOT do CMDR
Desse modo, faz-se importante destacar a título de proposições estratégicas que a gestão participativa do CMDR na condução do PRONAF deverá considerar uma abordagem sistêmica, ou seja, integral e articulada do conjunto dos fatores organizacionais e as suas múltiplas influências, com o intuito de obter informações que reorientem a gestão para novos patamares organizacionais.
Sobre a relevância da gestão estratégica das políticas públicas para a obtenção de informações, assinalam Dias e Matos (2012, p.133):
... ajuda a administração a se adaptar às condições mutáveis do ambiente e a solidificar os acordos considerando os aspectos principais; possibilita a definição de responsabilidades com mais precisão; dá mais ordem às operações; contribui para melhorar a coordenação das diversas partes da organização; tende a tornar os objetivos mais específicos e mais conhecidos, diminui as conjecturas e especulações, economiza tempo e esforço, dinheiro, e principalmente, ajuda a diminuir erros nos momentos de tomada de decisão.
A gestão estratégica do CMDR deve ser pautada na descentralização do processo decisório e no reconhecimento do conselho como instância de controle social das políticas públicas pela sociedade local. Para isso, o conselho tem que se efetivar como instância paritária, consultiva, deliberativa e, sobretudo, garantidora da supremacia do interesse coletivo na execução das ações do PRONAF. É perceptível nesse momento que a gestão participativa de políticas públicas é um conjunto de decisões inter-relacionadas, concernindo a seleção de objetivos razoáveis e mensuráveis diante dos problemas públicos, dos meios para alcançar os objetivos dentro de uma situação específica e o impacto desejado, ou seja, de transformação social e, portanto, de resolutividade das demandas agricultura familiar no município pesquisado.
A análise prescritiva do CMDR tem como finalidade garantir funções informativa, criativa, argumentativa e legitimadora que combinaram num repertório de informações para a superação das limitações institucionais, culturais e organizacionais, na medida em que haja uma reorientação na gestão participativa com base nos parâmetros da eficácia, eficiência, relevância, efetividade, sustentabilidade e equidade de políticas públicas. Sobre as funções da análise prescritiva, destaca SECCHI (2016, p.16-17):
Função informativa: diagnosticar um problema público, seu contexto, suas causas e consequências; prover informações úteis ao processo decisório; aconselhar o tomador de decisão a escolher a alternativa mais adequada.
Função criativa: desconstruir entendimentos consolidados sobre problemas públicos e gerar alternativas de política pública utilizando criatividade estruturada;
Função argumentativa: fornecer e evidenciar argumentos para o embate político, mediar e dissolver conflitos políticos com processos argumentativos quanto a decisões políticas a serem tomadas.
Função legitimadora: gerar aceitação entre os atores sobre política pública já formuladas; legitimar alternativas de política pública que ainda serão implementadas.
A gestão estratégica tem a função sistêmica de lidar com os desafios organizacionais, considerando fatores internos e externos que influenciam na formulação, implementação e avaliação dos resultados da política pública. A análise de SWOT permite a investigação das forças e fraquezas do ambiente interno e das oportunidades e ameaças do ambiente externo e envolvente. Focar nessas dimensões possibilita um maior controle no conjunto das ações do CMDR.
Conclusões
Esta investigação teve como objetivo avaliar a efetividade da gestão participativa do PRONAF em Serra do Mel-RN sob a ótica dos atores relevantes e insere-se num conjunto de pesquisas que são realizadas atualmente no Brasil sobre o impacto dos conselhos gestores de políticas públicas para o desenvolvimento.
No caso examinado muitos conselheiros apontam que o CMDR era um bom espaço de discussão dos problemas do município, de articulação dos representantes da agricultura familiar e de participação. O grande entrave estava na falta de reconhecimento da importância do mesmo pelo executivo municipal, não dando real abertura ao processo participativo e apoio suficiente para a execução com transparência das ações do PRONAF.
No caso do CMDR em Serra do Mel, é possível afirmar que a institucionalização dos mecanismos de participação, por si só, não foi sinônimo de democratização dos padrões de relacionamento entre Estado e sociedade civil. Observou-se que a centralização do processo decisório na gestão do PRONAF em Serra do Mel articulou-se com a institucionalização de arranjos políticos frágeis e a existência de comportamentos políticos-administrativos tradicionais que modelam um ambiente organizacional mais amplo e que está além das quatro paredes do conselho.
REFERÊNCIAS
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