Adrilane Batista de Oliveira*
George Henrique de Moura Cunha**
Michel Constantino***
Universidade Católica de Brasília, Brasil
george@ucb.brResumo
Durante as décadas de 1960 e 1970, o Cerrado brasileiro estava imerso em uma dialética política na qual se buscava o desenvolvimento econômico da região por intermédio da modernização de seus arranjos produtivos, bem como de sua integração com os principais centros metropolitanos do país. Seguindo esta orientação política, o Cerrado presenciou uma avalanche de programas voltados para a promoção do seu desenvolvimento, dentre os quais se destacam: o Programa de Assentamento Dirigido do Alto do Parnaíba (PADAP), o Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e o Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). A importância desses programas deve-se a forte intervenção que exerceram sobre as estruturas econômicas da região, sobre a dinâmica de ocupação do território. Apesar de esses programas terem promovido o desenvolvimento da região, esse desenvolvimento foi conservador. Isso porque esse desenvolvimento segue uma lógica de progresso em escala valorativa e evolucionista que supervaloriza o crescimento econômico e desconsidera a complexidade inerente a demais variáveis. Desta maneira, o presente artigo pretende examinar o desenvolvimento provido por esses projetos a partir de uma perspectiva mais ampla, na qual o desenvolvimento assuma uma ótica que abranja variáveis humanas, sociais e ambientais.
Abstract
During the 1960s and 1970s, the Brazilian Savannas was immersed in a political dialectic in which he sought the region's economic development through the modernization of its production arrangements, as well as its integration with the major metropolitan centers of the country. Following this policy, the Brazilian Savannas witnessed an avalanche of programs for the promotion of their development, among which are: the Settlement Program Headed Alto Parnaíba (PADAP), the Programme for the Development of the Brazilian Savannas (POLOCENTRO) and Cooperation Programme for Development of the Brazilian Savannas (PRODECER). The importance of these programs due to strong intervention had on the economic structures of the region, about the dynamics of land use. Although these programs have promoted the development of the region, this development was conservative. That's because this development follows a logic of progress and evaluative evolutionary scale that overemphasizes economic growth and ignores the inherent complexity of other variables. Thus, this article aims to examine the development provided by these projects from a broader perspective, in which the development takes a multidimensional variables covering humanities, social and environmental.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Adrilane Batista de Oliveira, George Henrique de Moura Cunha y Michel Constantino (2017): “Cerrado brasileiro: um estudo exploratório nas políticas para o seu desenvolvimento”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/cerrado.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701cerrado
Introdução
Os programas voltados para o desenvolvimento do Cerrado foram uma extensão de um projeto político iniciados em meados da década de 1960 que buscava a ocupação ordenada do Centro Oeste do país, bem como promover seu desenvolvimento econômico por meio da expansão agrícola da região. Os resultados apresentados pelos programas demonstram um grande desenvolvimento econômico regional e crescimento demográfico expressivo, contudo, observou-se também um elevado índice de tensão socioambiental.
O presente artigo se propõe a examinar as lacunas existentes nos principais programas voltados para o desenvolvimento do Cerrado São eles: Programa de Assentamento Dirigido do Alto do Parnaíba (PADAP), Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). Para tanto se pretende examinar os resultados apresentados pelos programas a partir de uma perspectiva mais abrangente, na qual seja adotada uma visão holística de desenvolvimento.
Além desta introdução, o artigo consiste de uma seção que resgata o histórico das políticas públicas adotadas com o intuito de acelerar a produção agrícola do Cerrado, e busca interfaces deste processo com algumas abordagens teóricas que priorizam a dimensão econômica do desenvolvimento. A terceira seção do artigo avança na análise de algumas dimensões que não foram consideradas na implantação dos programas que visavam o desenvolvimento do cerrado brasileiro. As considerações finais encerram o presente artigo.
Histórico
A expansão agrícola do Cerrado está atrelada ao processo de ocupação da região, e pode ser entendida como extensão de um projeto o de cunho desenvolvimentista iniciado na década de 1960, no qual se buscava a modernização dos arranjos produtivos da economia brasileira como mecanismo de crescimento. Dentro desta lógica de modernização, a agricultura brasileira passou por um processo de transformação que de acordo com Coelho (2001), buscava a independência brasileira no sistema agroalimentar mundial e que, entretanto, acabou por condicioná-lo a um modelo de produção e de culturas a serem priorizados. No caso do Cerrado, optou-se pela sojicultura por ser uma commodity de considerável demanda no mercado internacional. (QUEIROZ, 2006). Somada às políticas públicas, a disseminação de técnicas da Revolução Verde1 – dentre as quais se destacam o uso intensivo de fertilizantes/agrotóxicos e a mecanização dos sistemas de produção – foi de vital importância para a construção de um novo modelo produtivo na agricultura brasileira (SILVA, 2001).
O Cerrado assume papel estratégico no plano nacional de expansão agrícola na medida em que se apresenta como solução para o problema de escassez de terras, tendo em vista que a lavoura brasileira e os incentivos governamentais inicialmente centralizados nas regiões sul e sudeste precisavam suprir a necessidade de aumento de produtividade (WARNKEN, 1999). Ademais, a opção pelo Cerrado deu-se por razões logísticas, geográficas e também por fatores físico-ambientais (AB’SABER, 2005). Neste sentido, a construção de Brasília foi fundamental para consolidação de políticas públicas no Centro-Oeste, pois a nova capital impôs a instalação de uma malha rodoviária que a interligasse com o restante do país e, consequentemente, possibilitasse escoamento de produtos da região aos principais centros metropolitanos. O relevo plano do Cerrado também favoreceu os projetos de ocupação agrícola na região, pois permitia instalação de uma agricultura mecanizada sem grandes obstáculos.
É interessante observar que este processo de expansão agrícola do Cerrado se dá num contexto de “fundamentalismo do capital”, em que a acumulação acelerada de capital é vista por correntes teóricas como sinônimo de desenvolvimento (TODARO e SMITH, 2003). As nações menos desenvolvidas deveriam, portanto, mobilizar poupança doméstica e externa para gerar taxas de investimento capazes de acelerar o crescimento econômico.
Ao longo dos anos, entretanto, a teoria econômica não foi capaz de explicar o processo de desenvolvimento unicamente pela busca de acumulação de capital, e outras dimensões passaram a ser consideradas quando se busca entender e promover o desenvolvimento de determinado território. Neste contexto, a hipótese que este trabalho apresenta é de que apesar de determinadas políticas públicas terem promovido o crescimento econômico do Cerrado, gerando alguns enclaves de alto desenvolvimento tecnológico agropastoril, desencadearam também um processo de marginalização, exclusão social e degradação ambiental típicas de áreas subdesenvolvidas.
O processo de desenvolvimento agrícola na região Centro-Oeste apresenta singularidades na metodologia de implementação, multiplicidade de atores, e beneficiários das políticas públicas. Contudo é importante ressaltar que nesse processo o Estado assumiu papel de fundamental importância, atuando tanto como agente provedor de subsídios e como indutor de modelos a serem seguidos (OLIVEIRA, 2008). Além do Estado, tiveram também grande importância no processo de desenvolvimento econômico, bem como agrícola, da região do Cerrado a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e os recursos financeiros oriundos de Cooperação Internacional.
Até a década de 1950 a região era pouco valorizada por conta da falsa ideia de baixa fertilidade de seus solos. Somente após as pesquisas feitas pela EMBRAPA foi possível a correção dos solos e o aumento gradativo da produção de grãos na região (SILVA, 2001). Não menos importantes, os recursos externos financiaram parte dos programas governamentais e até mesmo projetos de cooperação internacional técnica para melhoramento de técnicas agrícolas para as regiões de Cerrado e Ecótonos2 .
A elevação dos preços da soja no mercado internacional juntamente com a política cambial dos anos de 1979 e 1980 também exerceu influência na expansão da lavoura brasileira. Isso porque levou o Governo a adotar uma política de concessão de linhas de crédito para os segmentos empresariais agrícolas que estivessem interessados na produção de soja (QUEIROZ, 2003).
Para WARNKEN (1999), além destas razões óbvias incluiu-se também a mudança paradigmática na política econômica brasileira, pois, durante a década de 40 e meados da década de 50, costumava-se sobrevalorizar o mercado interno em detrimento do externo devido à adoção por parte do governo da “Teoria do Comércio de Excedente Exportável3 ”. Dentre as medidas adotadas pelo governo para incentivar o consumo interno, destacam-se as restrições às medidas de importação. A agricultura foi um dos setores mais prejudicados por esta política, pois a indústria interna não conseguia prover a demanda por novas tecnologias. O Brasil enfrentava então, um período de arcaísmo na produção de primários compreendido entre 1940 a 1970, caracterizado por baixas taxas de crescimento da produtividade agrícola (COELHO, 2001).
Programas de Desenvolvimento Agrícola durante o Regime Militar
Foi no período dos governos militares que o Cerrado mais recebeu atenção da esfera Federal, e em grande parte o sucesso da agricultura tem como protagonistas os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). No período 1964-66, durante o Governo Castelo Branco, é criado o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) que tinha como um de seus objetivos a ampliação da produção de alimentos com fins de exportação. (PIRES, 2000).
O Governo Costa e Silva (1967-1969) foi responsável por duas grandes medidas políticas de Econômico-PED e da Superintendência do Desenvolvimento do Centro Oeste (SUDECO), que apoio à agricultura: a criação do Plano Decenal de Desenvolvimento priorizavam a comercialização e as transformações tecnológicas da agricultura (BRAGA 1998).
A política de modernização teve ações continuadas no Governo Médici (1969-1974) que implantou o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND. Nesse Governo, contudo, houve uma maior preocupação com o desenvolvimento da agricultura na região Centro-Oeste, tanto que culminou na criação do Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE), que tinha como objetivo o desenvolvimento econômico do Cerrado e a implementação de malha rodoviária que tornasse viável escoamento dos produtos primários. Em 1972, logo após o I PND, ao mesmo tempo em que crescem as vantagens nas áreas centrais do país, aumentam maciçamente os investimentos em pesquisas científicas referentes à correção dos solos ácidos e pobres em nutrientes dos cerrados, através da calagem e da utilização de adubação e fertilização de forma intensa (PIRES, 2000).
No Governo Geisel o papel estratégico da agricultura se tornou claro, pois com a implementação do II PND, foram moldados o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLOAMAZÔNIA), o Programa Especial da Região da Grande Dourados (PODEGRAN), o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados(POLOCENTRO), Programa de Desenvolvimento de Cerrados (PRODECER), e o Programa de Desenvolvimento Especial da Região Geoeconômica de Brasília. Em 1970, a ocupação dos Cerrados se intensifica por conta dos incentivos governamentais, de investimentos externos oriundos para programas de cooperação agrícola nos cerrados além de outros fatores como o baixo preço das terras e respaldos legais que asseguravam os incentivos fiscais. (MOURA, 1997).
Programas de Cooperação Agrícola e Avanço Econômico do Cerrado
De acordo com Pires (2000), estima-se que tenham sido gastos mais de 200 milhões de dólares com construções de rodovias, linhas de transmissão de energia elétrica, centros rurais e habitações no cerrado brasileiro. Ainda segundo o autor, 80% dos colonos eram residentes das regiões sul e sudeste do Brasil e tinham em comum a descendência japonesa. Além de contar oficialmente com financiamento direto de agências internacionais, o PADAP pôde contar com a Cooperação Técnica e as visitas do governo japonês. Devido às hostilidades do solo do cerrado, desde seu início, o programa necessitava do emprego de técnicas aperfeiçoadas para plantio e utilização de insumos modernos. As funções das cooperativas instaladas se voltavam para consolidação do assentamento que tinha como requisitos: capacidade tecnológica, econômica e administrativa em geral, a coordenação e controle das atividades, o beneficiamento, a industrialização e a comercialização da produção, bem como o fornecimento de insumos.
O papel da CAC (Cooperativa Agrícola de Cotia) influenciou a integração da indústria à agricultura, pois, favoreceu os agricultores na mesma escala que auxiliou o complexo agroindustrial, considerando que incentivava, organizava e canalizava a compra de insumos dos agricultores e coletava e armazenava a produção, beneficiando assim os grandes grupos que galgavam ganhos cada vez maiores através do controle externo do processo produtivo. (FRANÇA, 1984) (Apud in PIRES, 2000) De acordo com Duarte (1989), a ação desta cooperativa serve de amostra das funções exercidas pelos agentes secundários e complementares na cadeia agroalimentar.
Outro importante programa foi o POLOCENTRO, criado pelo Decreto 75.320 de 29 de janeiro de 1975, com término em 1982. Realizado em parceria com o Banco Mundial, tinha como objetivo a “ocupação de forma racional e ordenada das áreas centrais do Brasil”. (JICA, 2002). O programa contou com forte intervenção estatal com fins de garantir o desenvolvimento agrícola na região, aproveitando-se das experiências do Programa de Crédito Integrado(PCI), de 1972, e do PADAP. As metas e objetivos do PADAP e do POLOCENTRO são bastante similares, contudo, se diferenciam na maneira como e onde os projetos foram implementados. No primeiro, houve concentração geográfica dos investimentos e interferência direta na organização produtiva. No segundo, os investimentos distribuíram-se em estados, destinados em grande parte às médias e grandes propriedades agrícolas. Pires (2000) afirma que a efetivação do POLOCENTRO certamente está relacionada com a avaliação positiva sobre o PADAP.
Segundo Silva (2001), na tentativa de incorporar aproximadamente 3,7 milhões de hectares de cerrados, foram utilizados diversos recursos políticos e financeiros no POLOCENTRO, sendo destinados: US$1,8 milhão a lavouras, US$ 1,2 milhão à pecuária US$ 1,5 bilhão foram investidos nos projetos. Deste total, US$ 1 bilhão destinou-se à concessão de crédito a taxas favorecidas com carência de seis anos. Os juros cobrados dos empréstimos variaram entre 0 e 14% ao ano, e os investidores receberam de 75% a 100% do custo total do investimento. Quanto ao destino desses recursos, Pessoa (1988) afirma que abrangeram vários setores, tais como: armazenamento; energia; assistência; pesquisa e agropecuária; transporte e crédito rural, além de outras obras de infraestrutura, tais como eletrificação rural, mecanização e a utilização intensiva de corretivos de solo.
O POLOCENTRO foi executado em 12 polos de crescimento, espalhados pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais e as regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Alto e Médio São Francisco e Vão do Paracatu, todas no estado de Minas Gerais. (FERREIRA, 1985). Estima-se que o programa tenha sido responsável pela ocupação de 2,4 milhões de hectares, no período de 1975-1980, ou cerca de 30% da área total adicionada a estabelecimentos agrícolas nas zonas atingidas. Parte dos recursos para a pesquisa destinou-se à criação do Centro de Pesquisas Agropecuárias do Cerrado (CEPAC) (Fundação JP, 1985 apud in PIRES, 2000).
O desenvolvimento de infraestruturas e tecnologias promovidas pelo POLOCENTRO permitiu o aumento da produtividade média das áreas de Cerrado acima da produtividade da média nacional, sendo suas ações consideradas estímulos para a criação do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). (NARCISO SHIKI. 1998)
O PRODECER teve seu início em 1974, quando ainda estavam sendo feitos os entendimentos entre os governos e o primeiro comunicado conjunto do programa. De acordo com OSADA (1999), as negociações se estenderam de 1974 a 1977, e só então em 1979 começou a ser posto em prática, tendo suas atividades encerradas em 2001. Um aspecto merece destaque é a ideia de perda do poder do Estado no gerenciamento e execução do programa. Isto se dá porque, diferentemente do ocorrido nos demais programas, o PRODECER contou com a participação direta do governo japonês em todas as etapas do programa, como a seleção de áreas, a concessão de crédito, o monitoramento das atividades produtivas e a avaliação de desempenho. (MORAES, 2007)
Assim como o PADAP e o POLOCENTRO, o PRODECER também se utiliza do instrumento de crédito supervisionado aos colonos selecionados para a composição dos núcleos agrícolas estabelecidos pelos responsáveis do programa. O principal executor dos projetos foi a empresa de capital binacional Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (CAMPO) (PIRES, 2000). Os recursos japoneses eram de origem governamental e de bancos privados, liderados pelo Long Term Credit Bank (co-financiadores do programa). Os projetos pilotos foram financiados pela JICA e o projeto de expansão pelo OECF - Overseas Economic Cooperation Found (OSADA, 1999).
O projeto inicial do programa previa a implementação de quatro fases, contudo, desistiu-se da última etapa do programa, o PRODECER IV. Uma das possíveis razões para a desistência é apontada por UEHARA (1999) como frustração de expectativas criadas na década de 70 que não foram atendidas na década subseqüente. Dentre os motivos para índices abaixo das metas nos anos 80 destacam-se as altas taxas de inflação da economia brasileira somadas à instabilidade econômica e à mudança nos interesses das empresas japonesas que passaram a preferir países desenvolvidos, pois estes ameaçavam impor medidas protecionistas contra as exportações nipônicas.
As principais diretrizes do programa, de acordo com a JICA (2002), foram a formação de agricultores de médio porte e proprietário de terras, planejamento e acompanhamento das propriedades feitos pela CAMPO e preocupação ambiental. Para auxílio aos produtores no que se refere à divulgação de tecnologias e de novas fontes de crédito rural, entraram em cena as EMATER’s - Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural, no plano estadual e a EMBRATER - Empresa Brasileira de Tecnologia e Extensão Rural (que foi extinta em 1991 e delegou suas funções à EMBRAPA) no plano nacional (JICA,2002). Segundo Silva (2001), as EMATER’s foram inspiradas no modelo estadunidense “Farm Security Administration”, com a primeira implantação no estado de Minas Gerais e com financiamentos além dos nacionais, também da AIA - Associação Internacional Americana, pertencente à família Rockfeller.
Em seus 21 projetos de polos de desenvolvimento, o PRODECER promoveu o assentamento de 717 famílias e a incorporação de 350 mil hectares de terras no cerrado. De acordo com o relatório produzido pela JICA (2002), o programa foi um sucesso, pois promoveu aumento no abastecimento mundial, melhorias socioeconômicas significativas nas regiões dos projetos, desenvolvimento do interior do país e diversificação de países exportadores de grãos.
O programa promoveu um crescimento econômico espantoso na região dos Cerrados, não apenas pelos incentivos dados às cooperativas, mas também pelo efeito multiplicador da soja para os demais setores da economia brasileira, efeito este que pode ser comprovado nos 22 anos de execução do PRODECER. Neste período houve grande movimentação das empresas multinacionais de origem americana e europeia na região de cerrados, principalmente de instalação de empresas multinacionais de grãos, chegando a haver monopólio, no caso de comercialização de soja. No entanto, há também certa movimentação de empresas japonesas.
São bastante convincentes as evidências de que os programas apresentados geraram ciclos de expansão econômica para o cerrado brasileiro. De acordo com Monteiro Neto (2006), o PIB da região Centro-Oeste cresceu à taxa média anual de 11,24% no auge do período desenvolvimentista 4, obtendo o primeiro lugar no ranking das regiões brasileiras e quase 4% acima da média nacional (7,57). Entretanto, faz-se necessária uma reflexão mais ampla, que busque entender as fragilidades no transbordamento desta riqueza gerada no território, de sorte que outras dimensões do desenvolvimento não sejam alijadas da análise crítica da ocupação e expansão agrícola do cerrado brasileiro.
A Verdadeira Riqueza do Cerrado: Repensando o Desenvolvimento
Desenvolvimento e Progresso: A Falácia da Modernidade
Desde a década de 1940, quando Getúlio Vargas lança a “Marcha para o Oeste” observa-se que nas políticas de desenvolvimento econômico a construção de rodovias tem caráter de vital importância, pois desenham o modelo de ocupação e uso da terra. Os programas de desenvolvimento assumem então como elementos chaves a construção de rodovias, a ocupação ordenada, a produção agropecuária e a intervenção estatal. Dessa forma o Estado primou pela elaboração de políticas públicas de desenvolvimento econômico embasadas na expansão da cadeia agropecuária englobando simultaneamente um projeto de modernização agrícola e de ampliação da rede rodoviária. Essa política de expansão da malha rodoviária como estratégia de desenvolvimento é continuada por Juscelino Kubitscheck e intensificada pelos governos militares da década de 1970.
Dentro desse modelo econômico impera uma concepção simplista de desenvolvimento econômico no qual este se confunde com crescimento. Se apoderando do discurso do paradigma capitalista o desenvolvimento teria como um de seus principais indicadores o nível de consumo da população. Esse modelo de desenvolvimento tem como bases o crescimento econômico assumido, agressão aos recursos naturais e repressão social. Dentro dessa lógica de desenvolvimento o crescimento do PIB passa a ser prioridade, enquanto que temas socioambientais são “obstáculos” para alcance de metas econômicas.
Veiga (2005) entende que o atual modelo de desenvolvimento tende a confundir progresso com crescimento econômico, entretanto, o autor entende que o crescimento econômico é um sintoma da modernização somente das elites e que por essa razão não deve ser encarado como desenvolvimento. Dentro desta temática Sachs (2004) afirma que o crescimento econômico é uma variável crucial no processo de desenvolvimento, contudo, não deve ser considerado como elemento único.
De acordo com Bursztyn (1995) a origem desse modelo de desenvolvimento que estabelece essa conexão entre consumo e sociedade está nas Revoluções Industriais. Foi na Revolução Industrial que se estabeleceram as relações diretamente proporcionais entre crescimento e consumo.
Buarque (1990:48) afirma que:
“Paradoxalmente o que expande e consolida o sentimento de progresso no conjunto dos homens é mais o processo de descartar os bens de curta vida que produzem, do que a permanência dos resultados de produção. O progresso, como idéia generalizada, exigia uma acumulação de capital, um acervo tecnológico e um poder de organização social que permitissem eficiência crescente, capaz de acelerar o processo produtivo, a uma velocidade que todos os homens pudessem percebê-lo como experiência diária.”
Nesta lógica de progresso estabeleceu-se um paradigma do crescimento, que é basicamente movido pelos elementos chave de desenvolvimento, geração de riqueza e consumo.
A grande problemática desse modelo de desenvolvimento é que ele fortaleceu uma dinâmica de ocupação territorial que exige reaplicabilidade e expansão do sistema sempre relacionada diretamente a trajetória de grande degradação ambiental. Como consequência esse modelo de desenvolvimento tem sido passível de muitas críticas devido aos seus efeitos negativos como concentração de renda e negligência ao meio ambiente. Assim pode se entender que o projeto de desenvolvimento pela modernização industrial, como modelo de evolução de sociedades, cumpriu parcialmente seus objetivos, sendo necessário um novo projeto de desenvolvimento que busque além do preenchimento das necessidades econômicas, também questões ambientais e sociais, criando dessa maneira um novo paradigma de desenvolvimento.
De acordo com Bursztyn (1995) o atual padrão de desenvolvimento entende os recursos naturais como objetos para satisfação dos desejos do homem, criando dessa maneira uma relação de exploração e degradação entre homem e meio ambiente. Assim a revisão do conceito de desenvolvimento implica em uma releitura da relação homem e natureza. Segundo Sachs (2004) a busca por modelos alternativos deve demandar novas variáveis na dinâmica desenvolvimentista como os contextos históricos, culturais e institucionais.
Todavia o discurso político de harmonização de metas sociais, ambientais e econômicas dentro do desenvolvimento, tem dificuldades de implementação de seus projetos pela interação assimétrica de poderes econômicos e socioambientais. Essa ambivalência de interesses cria relações tensas que dificultam a implementação de políticas para articulação de espaços de desenvolvimento sustentável. Essa dificuldade é dada, sobretudo devido a política econômica buscar a maximização de lucros num curto espaço de tempo, enquanto que por outro lado as estratégias para promoção de políticas de desenvolvimento sustentável exigem que haja um planejamento a longo prazo.
Dimensão Social e Humana
Conforme exposto, os programas de Cooperação Agrícola no Cerrados, pensados no contexto do regime de exceção em vigor no Brasil após 1964, inseriram-se dentro de uma lógica de apropriação econômica do territórios, marcada por uma forte associação entre a participação governamental – aliando aportes dos Estado brasileiro e de organizões internacionais estrangeiros – e o capital privado, em um modelo fortemente marcado pela monocultura de grande extensão. Porém, apesar do estímulo ao crescimento econômico da região, resta o questionamento: em que medida tal expansão pode ser considerada desenvolvimento?
A partir das décadas de 1970 e 1980, o conceito de desenvolvimento passa a ser objeto de um intenso debate entre teóricos de diferentes vertentes, que passam a apontar suas limitações como elemento de promoção de bem-estar social.5 Nas palavras de Francisco G. Heidemann:
“As consequências perversas, não previstas nem desejadas pelos paladinos do ideal desenvolvimentista, levaram os pesquisadores a estudar as premissas que sustentavam seus modelos. Só os efeitos negativos do desenvolvimento passado levaram os estudiosos a pensar que a noção do desenvolvimento sem qualificações já não era satisfatória. Hoje se pergunta: “Que desenvolvimento queremos?” E é longa a lista dos adjetivos empregados para descrever o desenvolvimento desejado e desejável: político, econômico, social, tecnológico, sustentável, justo, inclusivo, humano, harmônico, cultural, material, etc. Alguns dos adjetivos referem-se ao desenvolvimento em seu sentido integral; outros, ao desenvolvimento de certos setores ou aspectos da totalidade. “(HEIDEMANN, 2010: 27).
Retomando o histórico de modificação da perspectiva acerca do que seria desenvolvimento, Ulisses Terto Neto e Ângela Pinto (TERTO NETO e PINTO, 2012: 21) fazem referência às discussões sobre seu reconhecimento como um direito fundamental para o bem-estar das diversas populações, desaguando na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, na qual se reconheceu que:
[...] desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, o qual visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes (preâmbulo, § 2).
Os mesmos autores prosseguem para apontar como a afirmação do direito ao desenvolvimento, cujo conteúdo já se expande além da matriz econômica, está atrelada a contradição presente na observação de que variadas iniciativas de desenvolvimento produzem violações aos direitos humanos (TERTO NETO e PINTO, 2012: 22).
Ainda nesse contexto de reflexão, ganhou força, a partir dos anos 1980, a vertente do desenvolvimento humano, no marco da teoria das capacidades, que tem por principal expoente Amartya Sen, na visão do qual o desenvolvimento é caracterizado como um “processo de expansão das liberdades substantivas das pessoas” (SEN, 2010: 377). Para o autor, “a análise do desenvolvimento requer uma compreensão integrada dos papéis respectivos [de] diferentes instituições e suas interações”, bem como “a formação de valores e a emergência e a evolução da ética social” (SEN, 2010: 377). Examinar o processo de desenvolvimento, portanto, implica em enfocar como a vida das pessoas foi impactada e como suas aspirações podem ser alcançadas.
Entretanto, esse processo de ampliação das liberdades reais das pessoas está condicionado às oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais, e possibilidade de se ter qualidade de saúde e educação básica (SEN, 2010). Respeitando essas condicionalidades cria-se um caminho para exercer uma liberdade de fato. Dessa forma, a liberdade adquire um papel central no processo de desenvolvimento e uma sociedade bem sucedida, de acordo com Sen, deve ser avaliada pelas liberdades concretas que os seus membros podem aproveitar.
Essa nova perspectiva do desenvolvimento, portanto, mudou o eixo da discussão - antes focado no rendimento, mais precisamente no desenvolvimento pautado pelo crescimento econômico para uma nova visão voltada para o desenvolvimento humano, levando em conta fatores além do rendimento, como saúde, educação, desigualdades de raça, gênero e etnia e democracia (PNUD, 2010). Essa mudança pode ser simbolizada pelo lançamento em 1990 do Relatório de Desenvolvimento Humano idealizado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, que elabora o conceito que dará origem ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que se torna a partir de então o parâmetro para análise desse(PNUD, 2010: 11). Portanto, toda quebra paradigmática,de desenvolvimento,a teve entre seus precursores Amartya Sen e Mahbub ul Haq p, que contribuíram para as discussões na comunidade internacional de como os indivíduos poderiam ter um vida melhor.
Do ponto de vista econômico, Sen aponta que a natureza do desenvolvimentoestá na relação entre recursos e realizações, entre bens e potencialidades, e entre a riqueza e a capacidade das pessoas de viverem como gostariam (SEN, 2010). Esses aspectos, por sua vez, desmistificam a visão otimista do desenvolvimento trazido pelos programas explorados neste artigo, uma vez que muitos dos trabalhadores rurais perderam recursos, bens e principalmente a capacidade de terem suas aspirações alcançadas, devido às externalidades negativas que trouxeram impactos sobre a saúde das populações em virtude dos agrotóxicos, a perda de recursos pecuniários destinados aos latifúndios participantes dos programas e a exclusão social, tendo em vista que não foram contemplados pelo programa e agravaam-se suas precárias condições de vida.
Diante de cenário, a teoria de Sen reforça que para se suplantar esse estado de pobreza,e assim propiciar o pleno uso das liberdades e capacidades é mister se ter uma infraestrutura apropriada, no âmbito da educação, saúde e distribuição de terras, adotar uma democracia e garantir os direitos das mulheres (SEN, 2010). Percebe-se que alguns desses aspectos não foram considerados nos programas de cooperação agrícola no cerrado, principalmente em relação à distribuição de terras, pois a questão fundiária trouxe enormes prejuízos para o trabalhador rural, tendo os melhores solos destinados à plantação de soja, e no aspecto da saúde como mencionado anteriormente os impactos foram desastrosos.
Em relação à liberdade política, a população afetada fica refém da elite política que está preocupada com os lucros econômicos advindos da soja concentrado nas mãos dos produtores. Dessa forma, apesar da liberdade política em participar do processo eleitoral democrático, a representatividade de seus interesses fica comprometida, uma vez que não possuem representantes das suas angustias sociais.
Nesse sentido, esses programas foram um notável laboratório das consequências do modelo de desenvolvimento centrado na ótica econômica. A seguir será feita a problematização de diferentes facetas sociais do processo em análise, com o fim de perquirir como, e para quem, deu-se o alegado desenvolvimento da região do Cerrado.
Dentre os padrões de produção agrícolas trazidos no contexto programa estão às práticas da monocultura, motomecanização e o uso indiscriminado de corretores para solos e agrotóxicos. O formato acarretou mudanças significativas nas estruturas fundiárias, pois os novos métodos de produção e a preferência por grãos fizeram com que o contrato temporário com trabalhadores rurais predominasse nas grandes fazendas agraciadas com recursos dos programas (NARCISO SHIKI, 1998). Assim houve uma precarização dos modelos empregatícios e, como tal, uma redução das liberdades dos envolvidos, que se tornaram dependentes dos condicionamentos dos empregadores locais para manter-se inseridos no mercado.
Some-se a isso o fato de o modelo por meio do qual a soja foi implantada no Brasil haver contribuído para exclusão dos produtores familiares, acarretando a concentração da posse de terras e aumento do tamanho das propriedades. De acordo com Narciso Shiki (1998), no caso de Iraí de Minas, os grandes agricultores foram os principais beneficiados com os investimentos governamentais e, munidos desses recursos, adquiriram as terras de pequenos agricultores da região. Como resultado imediato desse investimento, a região contou com desenvolvimento notório alinhado a um processo de “empobrecimento” ao seu entorno, visto que as famílias do êxodo rural migraram para áreas próximas em relevos acidentados, passando a enfrentar situação de grande marginalização. Este modelo de modernização dos processos produtivos da agricultura com a manutenção da estrutura agrária baseada em latifúndios e a produção patronal é caracterizado por alguns autores como Furtado (1973), , quadro caracterizado na bibliografia como modernização conservadora.
A Cooperação Agrícola trouxe também danos diretos aos povos indígenas locais. Após a implantação desses programas de assentamento promovidos nos municípios de Campos Limpos no estado do Maranhão e Pedro Afonso no estado de Tocantins, houve um intenso movimento migratório para a região, que tem suas proximidades a tribo indígena Krahô. Devido ao uso intenso de agrotóxicos nas plantações de soja, índios e pequenos produtores estão se vendo obrigados a migrar para outros lugares para não serem envenenados. Em vídeo denúncia produzido pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), em parceria com a Fundação Nacional do Índio FUNAI, a comunidade local relata que as plantações do cereal chegaram aos seus quintais e escolas de seus filhos, como consequência, veem seu ar, sua água e terra contaminados. De acordo com o CTI (2006), quando escutam o barulho do borrifador, adultos e crianças fecham as janelas e trancam-se dentro de casa. Na safra de 2005, uma criança de um ano de idade e um adulto de quarenta foram envenenados após um avião sobrevoar suas residências na comunidade Vão Grande (Serra do Centro). Ainda de acordo com o CTI (2006), os casos já foram levados ao conhecimento do Ministério Público, mas nenhuma medida foi tomada pelo órgão.
Ao contrário do que afirma a JICA (2002), não houve aumento de emprego, apesar da grande extensão das áreas. Muito pelo contrário, de acordo com a Fundação JP (1985) (apud PIRES), houve decréscimo na relação pessoal ocupada com área cultivada. Diante desta informação, entende-se que projetos como este, de grande porte, não representam desenvolvimento equitativo e social para as regiões nas quais são implantados, e sim a um processo de concentração fundiária.
Tendo isso em mente, autores como: Pires (2000), França (1984), Shiki (1998) e Pessoa (1988) entendem que os Programas de Cooperação Agrícola para o Cerrado foram de fundamental importância para construção na região de estruturas de desigual distribuição de renda e fundiária, não ofertando desta maneira alternativa para atingir o principal objetivo pleiteado pelos programas de solucionar os problemas referentes à ocupação e à migração rural. Em avaliação feita sobre o programa, o IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 1981), afirma que não houve preocupação com aspectos sociais e apenas esforços na produção de commodities exportáveis.
Dimensão ambiental
Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o ecossistema brasileiro mais ameaçado de extinção. A grande intimidação está na ausência de mecanismo de controle do processo de exploração do Cerrado, pois ainda hoje é considerado por muitos – inclusive pela própria legislação brasileira – um bioma hipoteticamente inferior ante os demais. Essa ideia de “inferioridade” se expressa, por exemplo, a partir de determinações para que fazendas de soja tenham uma área de proteção ambiental três vezes menores do que fazendas da mesma cultura na região norte do país.
Mantovani & Pereira (1998) (apud QUEIROZ, 2003) constataram em seus estudos que apenas 20% da área original do cerrado estão conservadas, e destes apenas 3% são unidades de conservação, sendo que a preservação de uma amostra mais ou menos representativa de um bioma fica garantida quando pelo menos 10% dele está legal e efetivamente protegido. Marinho Filho (2006) além de concordar com esses dados afirma que, se a pressão do agronegócio sobre o cerrado continuar na tendência apresentada, o bioma pode vir a desaparecer por completo em apenas trinta anos. O autor ainda afirma que 80% do cerrado foi desmatado apenas nos últimos cinquenta anos. Nenhum outro bioma do país foi devastado com tanta rapidez quanto o cerrado.
A monocultura da soja e da pecuária são ameaças à biodiversidade do cerrado devido suas influências para a conversão de áreas naturais no que Queiroz (2003) chama de “agroecossistema”. De acordo com o autor, a pecuária ocupa 65% das áreas agricultáveis no cerrado, e como seu manejo é em grande parte feito via fogo, ela é apontada como uma das principais causas de queimadas. As queimadas além de serem prejudiciais ao Cerrado são danosas ao planeta como um todo por emitirem CO2, que segundo estudos de Assad (2006), demoram 150 anos para serem limpos da atmosfera.
Marinho Filho (2006) vai além de Queiroz (2003) e afirma que a sojicultura é a maior ameaça ao cerrado e que mantidos os cenários atuais, é provável que em 20 ou 30 anos não se consiga mais plantar nada no Centro-Oeste, e sem cobertura vegetal possivelmente os ciclos das chuvas sejam alterados, e nem água se conseguirá encontrar no cerrado. Estudo realizado pelo MAPA (2000) (apud QUEIROZ, 2003), afirma que desde 1997 há a perda de um bilhão de toneladas de solo fértil nas culturas de grãos devido à aceleração do processo de erosão. A WWF (1995), em estudo análogo, aponta perda média de 10 quilos de solo fértil para cada quilo de grão produzido devido à erosão consequente da mecanização da agricultura. O uso indiscriminado de agrotóxicos é outro fator que em muito corrobora para a perda de solos férteis, e acaba criando um ciclo vicioso no combate a pragas.
Considerações Finais
Do ponto de vista econômico e de desenvolvimento tecnológico e infra-estrutural, os programas para o desenvolvimento do Cerrado foram um sucesso, mas levando em consideração que estes programas clamavam também por desenvolvimento social alinhado à sustentabilidade ambiental, os programas para o desenvolvimento da região apresentaram resultados questionável. Isso por que o desenvolvimento da região foi todo voltado para o agronegócio e, ao que tudo indica, é que não houve planejamento ambiental, tampouco social, ao se promover a Cooperação Internacional agrícola na região de Cerrados.
A grande problemática do cultivo de soja nos Cerrados é por que esta assume uma dinâmica de ocupação territorial que exige reaplicabilidade e expansão do sistema de latifúndios e o manejo para o plantio desta está sempre relacionada diretamente a trajetória de grande degradação ambiental. Como consequência, surgem os conflitos entre produtores com populações indígenas, pequenos proprietários e comunidade local e o potencial impacto em ecossistemas ainda intactos.
A cultura da soja já está fortemente atrelada a economia brasileira, contudo, agregar a sojicultura a economia local representa um lucro inseguro. Apesar de aparentemente parecer um negócio muito vantajoso esse lucro pode se transformar em prejuízo uma vez que o setor depende das oscilações de preços nos mercados internacionais.
É imprescindível que sejam criados mecanismos cada vez mais competitivos para inserir a agricultura familiar para que esta seja parte integrante do sistema não apenas social mas também produtivo. O que se observa é que a competição das famílias com grandes produtores tem sido dura e acaba que a maioria vende suas terras. De acordo com Ême Botelho da Embrapa Norte (apud MAMCASZ) assentamentos destinados à reforma agrária estão sendo vendidos para grandes produtores de soja.
A soja é uma realidade, e a sua importância para a economia brasileira é indubitável, desta maneira, falar em retenção de sua expansão é utópico. Talvez o caminho mais viável seja uma ação mais enérgica do Estado a fim de estabelecer um maior controle sobre seus impactos negativos. E quando se fala em atuação do Estado, deve-se entender Governo Federal e Estadual, como agente planejador e regulador. Caso não se tenha ação do Estado e deixemos que as forças econômicas se enfrentem entre si, a previsão de cenários futuros provavelmente não será das melhores.
Os projetos para desenvolvimento agrícola dos cerrados criaram um quadro no qual a exploração da soja não necessita mais de grandes incentivos para ser expandida devido a sua lucratividade. Deter a soja não é mais possível, mas é necessário que se tomem certos cuidados quanto à ela. Sem um estado de direito que assegure a possibilidade de contrato, não é possível estabelecer mercado na região e muito menos chegar ao tão almejado e tão pouco alcançado desenvolvimento sustentável.
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* Doutora em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional. Universidade Católica de Brasília– e-mail: adrilane.oliveira@ucb.br
** Doutor em Economia – Universidade Católica de Brasília – e-mail: george@ucb.br
*** Doutor em Economia. Universidade Católica Don Bosco – e-mail: michel@ucdb.br
1 A Revolução verde foi uma transformação na agricultura ocorrida a partir dos anos 1950, acarretada pela inserção de tecnologia básica e de um conjunto de práticas e de insumos agrícolas que asseguravam condições para que as novas cultivares alcançasse altos níveis de produtividade (ZAMBERLAN & FRONCHETI, 2001)
2 Regiões de transição de vegetação. No caso deste estudo transição entre Cerrado para floresta amazônica. Ex: Norte do Mato Grosso, Rondônia e Sul do Pará.
3 Teoria que pregava a priorização do mercado doméstico e exportar somente o que não fosse atendido pela demanda interna.
4 Apesar de reconhecer que normalmente o desenvolvimentismo está compreendido entre 1930 e 1980, o autor considera o período entre 1960 e 1979 a “fase de ouro da intervenção estatal na questão regional”.
5 “While development, in the course of the eighties and nineties was becoming hinged on to globalization, prior approaches to development where increasingly being criticized from postmodernist, ecological, feminist and Marxist corners. An impass was announced by various actor on the field, and renewed reflection on some of the basic concepts and methods became inevitable.” (KALB, PANSTERS e SIEBERS, 2004:2).
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