Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


CONEXÕES ENTRE A VIDA E A TEORIA – CRÍTICO REPRODUTIVISTA – DE BOURDIEU

Autores e infomación del artículo

Nadjanara Ana Basso Morás*

Laura Sánchez Pereira Battistella**

Universidade Estadual do Oeste Paraná, Brasil

nadjanara_moras@hotmail.com

RESUMO

Este artigo pretende realizar uma leitura e análise de duas obras do sociólogo Pierre Félix Bourdieu (1930–2002), intituladas: "Esboço para uma auto-análise" (2005) e "A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino" (2014), buscando compreender até que ponto há conexões entre as vivências sociais e políticas do autor que influenciaram no surgimento de sua teoria. O autor destas obras – Bourdieu –, cresceu em um ambiente de diferenças sociais e sofreu com as mesmas, até chegar ao campo intelectual da elite francesa, tornando-se um dos mais importantes sociólogos do século XX. Nesta pesquisa, foi adotada como metodologia, a pesquisa bibliográfica, onde os textos selecionados e lidos, nos forneceram importantes informações em relação ao nosso objeto de estudo – as obras –. Da análise, percebe-se que, Bourdieu, constatou em sua teoria que à medida que o indivíduo contribui para a formação das estruturas sociais, tais estruturas interferem na vida do indivíduo. O autor tentou decifrar como a sociedade consegue reproduzir nos indivíduos as suas estruturas políticas, morais, éticas, dentre outras e defende que, muitas vezes, a reprodução acontece sem se perceber, a partir de uma incorporação inconsciente das estruturas, o que é possível perceber nas diferentes maneiras de agir de acordo com o meio ao qual se permanece inserido. Assim, pensando dessa maneira, poderíamos chegar a conclusão que de certa forma as suas vivências sociais e políticas podem ter influenciado na construção de sua teoria.

PALAVRAS CHAVE: Autoanálise, Pierre Bourdieu, Teoria Crítico Reprodutivista.

ABSTRACT

This article intends to make a reading and analysis of two works by sociologist Pierre Félix Bourdieu (1930-2002), entitled: "Outline for a self-analysis" (2005) and "The Reproduction: Elements for a theory of the education system" (2014), trying to understand the extension of the connection between the social and political experiences that influenced the author´s theory. The author of these works - Bourdieu - grew up in an environment of social differences and suffered with them until reaches the intellectual field of the French elite, becoming one of the most important sociologists of the twentieth century. In this investigation, the bibliographic research was adopted as methodology, and the texts selected and read, provided important information about our object of study – Bourdieu´s works. From the analysis, it is perceived that, Bourdieu, in his theory, found that as the individual contributes to the social structures formation, such structures interfere in the individual´s life. The author tried to figure out how society can reproduce their political, moral, ethical structures, and others, in individuals; and argues that, often, reproduction happens without being noticed, from an unconscious incorporation of structures, what is possible to perceive In the different ways of acting according to the environment to which one remains inserted. Therefore, thinking this way, we could come to the conclusion that in a way his social and political experiences may have influenced the construction of his theory.

KEY WORDS: Self-analysis, Pierre Bourdieu, Reproducive Critical Theory.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Nadjanara Ana Basso Morás y Laura Sánchez Pereira Battistella (2017): “Conexões entre a vida e a teoria – crítico reprodutivista – de Bourdieu”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/01/bourdieu.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1701bourdieu


INTRODUÇÃO

O artigo surgiu durante o estudo da "Teoria Crítico Reprodutivista" do sociólogo Pierre Felix Bourdieu (1930–2002), teoria, que faz parte do referencial teórico de uma pesquisa que se propõe compreender como os alunos surdos vivenciam a inclusão no ensino regular. Portanto, neste trabalho foram incorporadas algumas das vivências pessoais de Bourdieu, derivadas de uma autoanálise escrita por ele mesmo num período de dois meses durante o ano de 2001. Este livro que foi publicado com o título "Esboço para uma Auto-análise" no 2005, o autor, começa a sua escrita assim: "Isto não é uma autobiografia", porém durante sua leitura se descobre trechos da sua vida que mostram como há conexões, elementos, sócios analíticos que puderam influenciar a sua teoria.
Dessa forma, o objetivo desse artigo, consiste em realizar a leitura e a análise de duas obras de Pierre Bourdieu, intituladas: "Esboço para uma auto-análise" (2005) e "A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino" (2014), buscando compreender até que ponto há conexões entre as vivências sociais e políticas do autor que influenciaram no surgimento de sua teoria.
Para isso, o procedimento metodológico empregado neste trabalho foi um levantamento bibliográfico, já que neste tipo de pesquisa as leituras são para o investigador uma ferramenta indispensável e será através delas que localizará os dados necessários para comprovar as conexões entre o objeto de estudo – leitura e análise das obras "Esboço para uma auto-análise" e "A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino" ambas de Bourdieu – e suas interpretações.
Segundo Luna (1999), o método bibliográfico é um apanhado sobre os principais trabalhos científicos já realizados sobre o tema escolhido, e que são revestidos de importância por serem capazes de fornecer informações atuais e relevantes.
De modo a contribuir com o leitor à compreensão da temática no presente estudo, este artigo foi estruturado em três partes ligadas com os aspectos que pretende-se enfocar. A primeira delas contará com um texto breve sobre o "Contexto histórico da França do século XX", com finalidade de entender melhor o que estava acontecendo historicamente, socialmente e politicamente no país onde o sociólogo Bourdieu estava inserido. Além disso, a segunda parte nomeada "Bourdieu: tendências e aproximações intelectuais" abordará sobre alguns fatos vividos pelo sociólogo, suas tendências e aproximações, trazendo situações importantes vividos pelo autor. E por fim, a terceira parte que tem como título "Conexões entre a história de vida do Bourdieu e a sua teoria", explana uma analogia entre a história de vida e a teoria de Pierre Bourdieu.

CONTEXTO HISTÓRICO DA FRANÇA DO SÉCULO XX

            Para compreender melhor a personalidade do sociólogo francês, será apresentada uma contextualização historiográfica da época – França século XX –. Nas primeiras décadas deste século, a França atravessou por períodos de crescimento e estabilidade, revezado com outros de crise. Após a sua participação na Primeira Guerra Mundial, na qual a França saiu esgotada, se restabelece gradativamente, quando em 1932 é fortemente atingida pela crise econômica mundial iniciada em 1929, quando a Alemanha começa a invadir territórios de outras nações, e em 1939 declara-lhe guerra.
            Em 1940, França é derrotada pela Alemanha, que a ocupa e destitui seu presidente. A França então é dividida em duas partes: uma ocupada e outra livre, a parte ocupada fica sob o governo estabelecido na cidade de Vichy, comandado pelo Marechal Philippe Pétain (1856–1951), que adota uma política de colaboração com a Alemanha. Em Londres, é estabelecida a sede da Residência Francesa, coordenada pelo general Charles de Gaulle.
            Segundo Gonçalves, Gonçalves (2010), Bourdieu não presenciou todo esse movimento de guerra e crise, porque nos anos de 1941 a 1947, vivia no internato, no Liceu de Pau. De forma, que o sociólogo não menciona a Segunda Guerra Mundial em seus estudos, como se não tivesse havido impacto dela na sua vida ou na instituição de ensino em que estudava.
            Em 1944, é iniciada a libertação da França, com o desembarque de tropas aliadas na Normandia e é estabelecido um governo provisório em Paris, comandado por De Gaulle, que permanece até 1946. Em 1947, entra em vigor a nova Constituição.
            Na década de 1950, a França é marcada por um grande desenvolvimento econômico e por movimentos de independência nas colônias francesas, como a que ocorreu na Argélia. Diferente do que aconteceu com a passagem de Bourdieu pela Segunda Guerra Mundial, essa foi muito significativa para o sociólogo, como o mesmo descreve,

Não é fácil pensar nem dizer o que foi para mim está experiência e, em particular, o desafio intelectual e também pessoal que representou está situação trágica, que não se deixa encerrar nas alternativas usuais da moral e a política. (BOURDIEU, 2005, p. 46).

            Nesse contexto, da guerra da libertação da Argélia, Bourdieu passou por experiências difíceis e desafiadoras. Segundo relatos do próprio autor, em seu livro "Esboço para uma auto-análise" (2005), essas experiências o proporcionaram desenvolver uma ruptura decisiva com estudos acadêmicos, os quais o possibilitaram a construir uma visão bastante crítica da sociologia e dos sociólogos. No período que esteve na Argélia, Bourdieu, estudou sobre a cultura e as práticas culturais locais.
            Na França, no final da década de 1950, instaura-se uma crise governamental, onde Charles de Gaulle ganha novamente força no campo da política, fortalecido como herói da Segunda Guerra mundial e se torna presidente da República. Bourdieu, volta a França nesse período e passa a ser assistente de Raymond Aron na faculdade de Letras em Paris (BOURDIEU, 2005).
            No começo dos anos 1960, o sociólogo da início a seus estudos acerca do celibato na região de Béarn e integrou-se ao Centro de Sociologia Europeia, do qual se tornou secretário geral em 1962.
            Conforme Gonçalves e Gonçalves (2010), Bourdieu nesse contexto, reforça a necessidade de ter um cuidado na relação entre a teoria e a pesquisa,

Bourdieu lembra que o sociólogo deve estar vigilante quanto aos valores e percepções que traz, uma vez que também socialmente situado, e deve estar ciente de que ocupa um lugar no seu próprio objeto de estudo, a sociedade. (GONÇALVES; GONÇALVES, 2010, p. 25).

            Assim, pode-se concluir que o sociólogo Pierre Bourdieu, viveu num período de turbulências e calmarias na França, mas que só alguns acontecimentos marcaram a sua trajetória de vida e consequentemente o seu modo de pensar. No próximo texto, será abordado sobre Bourdieu e suas tendências e aproximações intelectuais.

BOURDIEU: TENDÊNCIAS E APROXIMAÇÕES INTELECTUAIS

            Pierre Bourdieu, devido a sua vasta produção intelectual 1 com uma abordagem voltada à sociologia da educação e a cultura, foi considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX (NOGUEIRA; CATANI, 2015). Dessa forma, uma das questões mais importantes apresentadas nas produções intelectuais de Bourdieu, é a análise de como os agentes incorporam a estrutura social, legitimando-a e reproduzindo-a.
            Em vista disso, para introduzirmos no universo de Bourdieu é importante compreender até que ponto o sociólogo cresceu em um ambiente de diferenças sociais e sofreu com as mesmas, até chegar ao campo intelectual da elite francesa. Além disso, busca-se compreender de que maneira essas experiências ao longo da sua vida nortearam as suas tomadas de posição científica e política.
            Assim, inserimos uma breve biografia do nosso autor, Pierre Félix Bourdieu (1930–2002), que nasceu no dia 1º de agosto de 1930, em Denguin um pequeno vilarejo da província do Béarn, região rural do sudoeste da França. Oriundo de uma família de camponeses, seu pai, Albert Bourdieu, foi um modesto funcionário público dos correios e sua mãe, Noémie Bourdieu, também proveniente do meio rural, pertencia a uma família de agricultores com nível social um pouco mais elevado (BOURDIEU, 2005).
            Mesmo sendo de origem simples, foi através de sua excelência escolar que Bourdieu teve oportunidade de ter uma ampla formação educacional e ser conduzido ao mundo dos "herdeiros", ou melhor, da aristocracia escolar francesa.
            Como se pode constatar no seu próprio livro "Esboço para uma auto-análise", Bourdieu (2005), frequentou o Liceu de Pau e recebeu uma bolsa de estudos no Liceu Louis-le-Grand, em Paris. Diplomou-se em Filosofia, aos 25 anos, na célebre Escola Normal Superior (ENS) da Rue D’Ulm, o mais importante centro de recrutamento e formação da elite intelectual francesa.
            Como o próprio autor relata em seu livro, anteriormente citado, as experiências que vivenciou no internato no período em que estudou no Liceu, deram origem aos seus posicionamentos a respeito das relações sociais. Foi no Liceu que Bourdieu conheceu o realismo social, como poderemos reconhecer na citação a seguir,

De facto, eu, que aqui escrevo, já não sei, ou já não sei dizer, tudo o que seria necessário para fazer justiça a quem viveu estas experiências, aos seus desesperos, às suas fúrias, aos seus desejos de vinganças. [...] Mas serei talvez mais convincente se disser apenas que me recordo muito bem de ter revelado a um colega da khâgne, numa destas confidências algo literárias que se podem dar entre aspirantes a intelectuais, que nunca teria filhos, porque não queria ser responsável por condená-los a desditas semelhantes às que já vivi. (BOURDIEU, 2005, p. 99-100).

            Aqui o autor relaciona suas vivências no internato como as vividas em "instituições totais" 2 como prisões e hospitais psiquiátricos, descrevia como um lugar triste, frio e sem ninguém a quem se queixar ou apenas conversar.
            Bourdieu foi a Argélia no ano de 1955, em princípio como soldado para lutar contra a guerra de libertação nacional argelina. No entanto, foram suas experiências nesse país, pelo qual possuía um grande interesse político e científico, que alavancaram, de certa forma, a mudança de Bourdieu da filosofia para a etnologia e, logo depois, para a sociologia. Toma-se um fragmento do livro de Bourdieu (2005), para ilustrar essa parte importante da vida do escritor através das suas próprias palavras,

A transformação da visão do mundo que foi concomitante à minha passagem da filosofia para a sociologia, e de que minha experiência argeliana representa, sem dúvida, o momento crítico, não é, como já disse, fácil de descrever, porque é feita da acumulação imperceptível de mudanças que as experiências da vida pouco a pouco me impuseram e das que efetuei à custa de um grande trabalho sobre mim mesmo, inseparável do trabalho que realizava no mundo social. (BOURDIEU, 2005, p. 65-66).

            Bourdieu, utilizou esse período que viveu na Argélia para realizar registros minuciosos em relação à cultura e às práticas culturais locais, correndo perigo de vida devido as suas entradas por regiões adversárias, assim, passou a conduzir as investigações na área da sociologia, com uma proposta quase ininterrupta de conhecer o mundo social cientificamente.
            No final da década de 1960, o sociólogo dedicou-se à questão educacional, e ao mesmo tempo desenvolve estudos a respeito da cultura e das práticas culturais, buscando entender suas maneiras de transmissão pela família e a escola.
            Quanto ao seu envolvimento político, Bourdieu, apoiava os movimentos sociais contrários à globalização e ao neoliberalismo, posicionando-se contra a ideia que defendia a não participação do Estado na economia. O sociólogo, visivelmente participante dos processos cívicos e dedicado a pesquisas no campo das ciências sociais, apoiava os movimentos para uma reforma política em diversos ofícios, pois, para ele, os intelectuais, os pesquisadores e os professores deveriam participar das tomadas de decisão e defender os direitos do povo.
            No ano 1970, publicou em coautoria com Jean-Claude Passeron, aquele que se tornaria seu livro mais conhecido no terreno da Educação: A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino descreve sobre a transmissão de um herança cultural não perceptível.
            A década de 1990, na França, é marcada por graves crises sociais, desemprego e exclusão social. Nesse período, Bourdieu, coordenou uma equipe de sociólogos que estudou esse contexto e ouviu excluídos, resultando na obra La misèria du monde (1993), que o autor definiu como uma contribuição para uma nova política e para denuncia dos efeitos perversos da destruição do Estado. Podemos destacar nesse livro, os temas educação escolar e herança familiar, com os problemas que os envolvem.
            O texto "Esboço para uma auto-análise", o sociólogo redigiu entre outubro e dezembro de 2001, o próprio autor nas páginas finais do livre explica porque escreveu esse texto, justificando que reuniu informações que gostaria de ter encontrado quando tentava compreender os escritores e os artistas do passado, podemos encontrar informações sobre suas afinidades e discordâncias no ambiente intelectual e um pouco de sua história de vida. Em 23 de janeiro de 2002, aos 71 anos, Bourdieu morreu na França.
            Deste modo, conforme poderá ser constatado nas discussões seguintes, sua história de vida não deixou de ilustrar sua própria teoria em reconhecer sua experiência em dois universos culturais distintos, o familiar e o da elite escolar.

  1. CONEXÕES ENTRE A HISTÓRIA DE VIDA DO BOURDIEU E A SUA TEORIA CRÍTICO REPRODUTIVISTA

            Na sua trajetória de investigação, Bourdieu, realizou uma análise aprofundada no âmbito escolar e suas relações sociais, através da percepção de sua função ideológica, política e legitimadora, desta forma o autor posicionou-se contra todas as formas de dominação e de encobrimento da realidade social.
            No livro e "A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino" os autores Bourdieu e Passeron (2014), deram especial atenção ao funcionamento do sistema escolar francês que, ao invés de transformar a sociedade e permitir a ascensão social, o mesmo contribui para reproduz as desigualdades sociais, culturais e econômicas.
            Bourdieu, constatou em sua Teoria crítico Reprodutivista, apresentada no livro anteriormente reportado, que o sistema escolar contribui para reproduzir e reforçar as desigualdades sociais. Quando um agente – a criança – começa sua aprendizagem formal, segundo o autor, é recebida num ambiente marcado pelo caráter de classe, desde a organização pedagógica até o modo como prepara o futuro dos alunos.
            Em vista disso, a escola contribui para manutenção das desigualdades sociais através do campo simbólico, constituído por maneiras de ver e de pensar, dá-se a produção social da "violência simbólica". Conforme o sociólogo Bourdieu a define,

Enquanto poder simbólico que não se reduz jamais por definição á imposição da força, a AP (ação pedagógica) não pode produzir seu efeito próprio, isto é, propriamente simbólico, a não ser na medida em que se exerce numa relação de comunicação. (BOURDIEU; PASSERON, 2014, p. 28).

            Em vista disso, a violência simbólica é exercida dentro dos estabelecimentos de ensino através da valorização de um único capital cultural e linguístico, isto é, inculcando nos agentes que o único capital cultural e linguístico que tem valor é o da classe economicamente mais favorecida.
            Assim, através da leitura precedente pode-se deduzir que, Bourdieu, já na infância passou pela dificuldade do distanciamento de suas origens – família rural da região de Béarn – e a involuntária familiarização com os espaços sociais escolhidos – nos Liceus frequentados pela alta sociedade francesa –. Essa mudança o levou, conhecer a escola da época, inserida em um mundo onde as classes sociais privilegiavam os valores da elite social, o que Bourdieu acabou denominando na sua teoria como uma escola reprodutora.
            Nessa involuntária familiarização, Bourdieu, perdeu o seu sotaque, o seu modo de ser e os seus trejeitos adquiridos no seu habitus primário, ou seja, o capital linguístico, cultural, social e econômico inculcado durante a sua infância, na socialização especificamente no domínio das experiências familiares, religiosas e escolares. Como também, fez com que o sociólogo, já no final de sua infância, não tivesse ninguém que pudesse compreendê-lo, conforme o próprio Bourdieu (2005) descreveu,

As férias grandes não me davam nenhuma alegria, uma vez que o isolamento social em que a frequência do liceu me tinha lançado estava na origem do aborrecimento e da solidão de uma existência sem trabalhos nem lazeres susceptíveis de ser partilhados com os meus antigos colegas da escola local (à parte alguns jogos de futebol, ao domingo, numa aldeia vizinha). [...] Tinha onze ou doze anos e ninguém em quem confiar e que pudesse simplesmente compreender-me. Passava frequentemente uma parte da noite a preparar a minha defesa para o dia seguinte. (BOURDIEU, 2005, p. 101-102).

Dessa forma, o autor passou a se dedicar quase exclusivamente aos seus estudos e pesquisas de forma exaustiva.
            Fazendo uma analogia entre a origem e a formação escolar de Bourdieu, detecta-se que da sua origem simples para o meio acadêmico e o reconhecimento de sua contribuição intelectual, há uma grande distância no espaço social. Entretanto, é admissível concluir que Bourdieu concebeu essa dinâmica denominada violência simbólica entre o sistema de ensino e as estruturas sociais exatamente por ser a expressão de sua vivência. Isto é, em virtude da violência simbólica que o mesmo sofreu pelo capital linguístico ao entrar no Liceu, onde havia uma única língua que era valorizada, ou seja, a língua falada pela a elite francesa. Como podemos constatar neste trecho do livro de Bourdieu (2005),

Fulano, que se tornou o meu principal rival nos últimos anos, filho de uma empregada dos arredores de Pau, mas muito ligado, através do escutismo, a filhos de professores e médicos da cidade, cujas maneiras e sotaque aprimorado imitava, ofendia-me frequentemente, pronunciado o meu nome à maneira dos camponeses da região e gracejando com o nome de minha aldeia, símbolo de todo atraso rural. (BOURDIEU, 2005, 105).

            Ainda de forma analógica entre a origem e a formação escolar de Bourdieu, se reconhece segundo a sua teoria, que o mesmo foi um desvio dos padrões convencionais à trajetória provável que lhe estava determinada, segundo seus próprios estudos sobre a transmissão do capital cultural e social.
            A teoria de Bourdieu aborda que o destino do agente – a criança – está relacionado com a educação familiar, seja o habitus como o capital do campo, em que está inserido. Assim, para conseguir mudar essa realidade, ou seja, ao passar de um campo para outro, o agente terá que esforçar-se mais para possuir o capital cultural valorizado na escola e obter êxito escolar e ascensão social.
            Segundo a Teoria Crítico Reprodutivista de Bourdieu (2014), a origem social dos alunos é uma variável determinante no seu desenvolvimento, ou melhor, quanto mais baixa a classe social do aluno maiores serão as suas dificuldades no meio escolar. A teoria de Bourdieu, descreve que uma família de uma determinada classe social tem uma expectativa em relação à escola e as chances e oportunidades que a mesma pode oferece para melhorar. O autor não fala só da parte econômica da família, mas da concepção que ela tem e passa para seus filhos, a qual é realimentada em todos os momentos.
            De acordo com Bourdieu (2014), não se trata somente em discutir a ideia de que com o esforço e empenho individual é possível romper as barreiras culturais e sociais existentes, o problema é remeter-se ao aluno como único responsável pelo seu fracasso ou sucesso, não se referindo às questões que envolvam esse percurso, desde as mais básicas como as condições de existência – alimentação, moradia –, como as mais específicas dos estabelecimentos de ensino – infraestrutura física, recursos humanos, gestão – e aos professores – formação continuada, salários –.
            Dessa forma, o sistema favorece os que já são favorecidos, em detrimento dos despossuídos e as estratégias desenvolvidas para a sua reprodução. Bourdieu pode vivenciar essa dinâmica nos dois lados e constatá-la em sua teoria, que a possibilidade de ser retratada em dois conceitos básicos: os efeitos da dominação e a luta pela igualdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sociólogo Bourdieu, autor da Teoria Crítico Reprodutivista foi oriundo de uma família de camponeses, que já na infância se distanciou de sua vida simples em Béarn, região rural do sudoeste da França, para conviver nos grandes Liceus, que eram frequentados pela elite parisiense. Lugar esse, que conviveu cotidianamente com um capital cultural e linguístico marcado pelas diferenças socioculturais, pode ter sido o ponto de partida para surgimento de conceitos como – violência simbólica, habitus, entre outros – presentes em sua obra. Diante disso, as leituras realizadas no livro – Esboço para uma Auto-análise –, de Bourdieu, induzem a perceber que o distanciamento de sua origem familiar e social já na infância, o fizeram conhecer muito cedo o que ele mesmo denominou desigualdades sociais e vivencio na própria pele ser um desfavorecido. Assim, com essas experiências de certa forma, o sociólogo se incentiva a buscar compreender as desigualdades e o realismo social dando assim, início a sua teoria.
Podemos identificar essa influência relatada anteriormente quando o sociólogo expõe: "Penso que minha experiência infantil de trânsfuga filho de trânsfuga, pesou muito, sem dúvida, na formação das minhas disposições em relação ao mundo social" (BOURDIEU, 2005, p. 91). Portanto, deduz-se que, a teoria do sociólogo está relacionada com as suas vivências nas particularidades da sua região de origem e voltada a minorias culturais e/ou linguísticas.

REFERÊNCIAS

Bourdieu, Pierre. (2013): "La miseria del mundo". Editora Fundo de Cultura Economica, México.

Bourdieu, Pierre. (2011): "A economia das trocas simbólicas". Editora Perspectiva, São Paulo.
Bourdieu, Pierre e Passeron, Jean-Claude. (2014): "A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino". Editora Vozes, Petrópolis.

Bourdieu, Pierre. (2001): "O Poder Simbólico". Editora Bertrant, Rio de Janeiro.

Bourdieu, Pierre. (2005): "Esboço para uma auto-análise". Editora Edições 70, LDA, Lisboa/Portugal.

Goffman, Erving. (1962):  "Asylums". Aldine Publishing Company, Chicago.

Luna, Sérgio Vasconcelos de. (1999): "Planejamento de pesquisa: uma introdução". Editora EDUC, São Paulo.

Nogueira, Maria Alice e Nogueira, Claudio Martins. (2016): "Bourdieu & a Educação". Editora Autentica, Belo Horizonte.

Nogueira, Maria Alice e Catani, Afrânio. (2015): (Orgs) "Escritos de educação".  Editora Vozes, Rio de Janeiro.

* Mestranda do programa de Pós graduação Stricto-Sensu em Ensino, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias oferecido pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Licenciada em Matemática pela mesma instituição (2005).

** Doutoranda do programa de Pós graduação Stricto-Sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras na linha de pesquisa Território, História e Memória pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Licenciada em Letras Português/Espanhol e respetivas Literaturas pela mesma instituição.

1 Segundo Nogueira e Nogueira (2016, p. 113-115), a produção intelectual de Pierre Bourdieu, publicada na França, que compreende apenas livros e coletâneas, somam um total de 38 abras.

2 Segundo Goffman (1962), "Instituição Total" diz respeito a “um lugar de residência e de trabalho, onde um grande número de pessoas, excluídos da sociedade mais ampla por um longo período de tempo, levam juntos um a vida enclausurada e formalmente administrada”. (Goffman, 1962, XIII).


Recibido: 14/03/2016 Aceptado: 30/03/2017 Publicado: Marzo de 2017

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