Rovena Nacif Martins*
Alexandra Nascimento Passos **
Centro Universitário de Belo Horizonte, Brasil
rovena2@gmail.comResumo
Este artigo visa analisar as etapas da IV Conferência Municipal de Políticas Urbanas de Belo Horizonte com o objetivo de compreender como ocorreu a participação dos distintos atores durante o processo de deliberação. Instituída pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em 2014, a Conferência contou com a participação de representantes dos setores popular, técnico e empresarial. Para a análise foram realizadas entrevistas com os representantes dos distintos grupos e leitura das atas referentes aos encontros, além da observação das reuniões para capacitação e discussão.
Palavras-chave: Participação Popular, Planejamento Urbano, Conferência Municipal de Políticas Urbanas de Belo Horizonte, Política Pública, Desenvolvimento Local.
ABSTRACT
This article aims to analyze the stages of the IV Municipal Conference of Urban Policies of Belo Horizonte in order to understand how the participation of the different actors occurred during the deliberation process. Established by the Municipal Government of Belo Horizonte in 2014, the Conference with the participation and attendance of representatives from popular, technical and business sectors. For the analysis, interviews were conducted with the representatives of the different groups and reading the minutes related to the meetings, as well as the observation of the meetings for training and discussion.
Key Words: Popular Participation. Urban Planning. Belo Horizonte Municipal Conference on Urban Policy. Public policy. Local development.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Rovena Nacif Martins y Alexandra Nascimento Passos (2016): “Planejamento urbano e participação popular – o caso da IV conferência municipal de políticas urbanas de Belo Horizonte”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/urbanismo.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604urbanismo
INTRODUÇÃO
A Conferência Municipal de Políticas Urbanas é um fórum de discussão democrática deliberativa, organizado pela prefeitura, onde estão reunidos: governo, empresários, técnicos e sociedade civil, cujo objetivo é discutir as propostas de mudanças na legislação urbanística 1 da cidade.
A Prefeitura de Belo Horizonte realizou, no período de fevereiro a agosto de 2014, sua IV Conferência Municipal de Políticas Urbanas. Durante esse período reuniram-se representantes eleitos dos setores técnico, popular e empresarial sob a coordenação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte para discutir e apresentar propostas de mudanças da legislação urbanística. Para a realização da Conferência o COMPUR 2 (Conselho Municipal de Políticas Urbanas) apresentou previamente uma proposta de cronograma das atividades e o regimento interno com orientações para o processo.
Tomando como referência as categorias definidas por Souza (2011) e Almeida e Cunha (2011), a análise da Conferência buscou responder as seguintes questões: “Quem instituiu?”, “Quem Participa?”, “Como se participa?” e “Quais as consequências da participação?”.
Para essa análise utilizou-se a pesquisa bibliográfica narrativa e foram realizadas entrevistas com os representantes dos distintos grupos e leitura das atas referentes aos encontros, além da observação das reuniões para capacitação e discussão.
O presente artigo é dividido em 3 etapas: breve histórico da cidade de Belo Horizonte, referencial teórico e as etapas da IV Conferência Municipal de Políticas Urbanas de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE: SEUS CAMINHOS URBANOS E DEMOCRÁTICOS
Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, foi uma cidade planejada, inaugurada em 12 de dezembro de 1897. De acordo com o projeto elaborado, com extremo rigor geométrico e científico, de inspiração positivista, a cidade deveria se expandir a partir do centro em direção à periferia, do espaço central ordenado, moderno e dominante, para os espaços periféricos, dominados, do urbano para o suburbano. No entanto, foi a população excluída do espaço central que de fato determinou a produção da cidade (PASSOS, 2012). Belo Horizonte cresceu, contrariando as medidas disciplinadoras do espaço, no sentido oposto, da periferia para o centro, fenômeno que se repetiu em inúmeras cidades planejadas no Brasil (MONTE-MÓR, 1994). Nesse sentido, a intenção dos idealizadores de exercer estrito controle sobre o espaço foi subvertida pela força do mercado imobiliário e pelos demais agentes que moldam a cidade. Nesse sentido,
(...) o crescimento da cidade contraria a lógica imaginada pelo planejador (partindo do centro da cidade para as periferias), pautando-se por uma dinâmica própria, muito mais afeita à lógica do mercado: em função do saltos preços de lotes da zona urbana, o que se verificou foi a ocupação da zona suburbana e rural por loteamentos desprovidos de infraestrutura básica, enquanto vários lotes permaneceram desocupados por muito tempo na zona urbana (TORRES, 2003. p. 39).
Maricato (2011) destaca que este processo pode ser percebido também na maioria das cidades brasileiras, que cresceram desordenadamente e com planejamento inadequado, cuja influência do capital imobiliário foi decisiva na definição de diretrizes que, na maioria das vezes, desconsiderou a realidade e a dinâmica da cidade.
Segundo Costa (2001) os administradores municipais, já na década de 1930 começaram a discutir a regularização da cidade com o objetivo de articular o que foi planejado. Em 1934 foi elaborado o Código de Edificações3 – que criava instrumentos de fiscalização, momento quando surgem os primeiros loteamentos clandestinos em Belo Horizonte (COSTA, 2006).
Durante a década de 1940 e 1950, foram elaboradas algumas normatizações com o objetivo de disciplinar o ordenamento urbano, tais como fixação da taxa de ocupação e altura das edificações. Em 1959 foi realizado um grande diagnóstico visando a criação de um Plano Diretor para controlar a expansão imobiliária. O Plano não foi elaborado, mas os dados levantados foram utilizados como base para reiniciar as discussões na década de 1970.
Em 1976 foi elaborada a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que estabeleceu as normas e as condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano no Município.
Em 1996, foi aprovada a Lei 7165/96 – Plano Diretor do Município, que estabeleceu as formas de participação popular no planejamento urbano. No corpo desse plano há um capítulo dedicado à participação popular, que determina a criação do Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) - dentre suas atribuições está a realização quadrienal da Conferência Municipal de Política Urbana. Este conselho é composto por 16 (dezesseis) membros efetivos, sendo 8 (oito) representantes do Executivo, 2 (dois) representantes da Câmara Municipal e 6 (seis) da sociedade civil divididos igualmente entre os setores técnico, popular e empresarial.
A Lei 7165/96 estabelece, ainda, que os objetivos da Conferência Municipal de Política Urbana são: avaliar a condução e os impactos das normas contidas nesta Lei e na de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo; sugerir alteração, a ser aprovada por lei, das diretrizes estabelecidas nesta Lei e na de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo; e propor alteração no cronograma de investimentos prioritários em obras. Sua realização deve acontecer no primeiro ano de gestão do executivo e deverá ser amplamente divulgada.
A primeira Conferência Municipal de Políticas Urbanas foi realizada em 1999. Estiveram presentes 125 delegados dos setores popular, técnico e empresarial. O resultado dos trabalhos foi a elaboração da Lei 8137/00, que alterou alguns pontos de ordenamento urbano na Lei do Plano Diretor e na Lei de Uso de Parcelamento do Uso. Segundo Costa (2001), não foi oferecido um curso preparatório aos delegados durante a conferência e, de acordo com a autora, a falta dessa preparação prejudicou a discussão, pois não houve um nivelamento das informações. Maricato (2011) reforça esta argumentação, quando afirma que as etapas de preparação prévia legitimam os debates com a democratização das informações.
A segunda Conferência teve início em outubro de 2001 e terminou em agosto de 2002. Diferentemente da primeira conferência, houve preparação dos participantes com inclusão de palestras, curso de capacitação e pré-conferências. Outro diferencial foi a retirada, por decisão do governo, dos técnicos e dos membros da Câmara Municipal das deliberações finais, acreditando que tal atitude reforçaria a legitimidade ao processo. Verifica-se que nesta Conferência houve uma tentativa de democratização das informações com os cursos de capacitação, o que foi um avanço importante em relação à Conferência anterior. Costa (2011) relata que o setor empresarial se retirou da conferência na etapa final por não concordar com as propostas que alteravam a legislação urbana, pois entendiam que estas prejudicavam o setor imobiliário. No entanto, mesmo com a saída deste setor os trabalhos continuaram.
O trabalho da II Conferência resultou na elaboração do Projeto de Lei 655 que incluía alterações no Plano Diretor e na Lei de Uso de Ocupação do Solo. O Projeto foi encaminhado à Câmara Municipal de Belo Horizonte somente em agosto de 2005, três anos após o final da Conferência. No estudo de Costa (2011) há transcrição de questionamentos do setor empresarial acerca das reduções dos coeficientes de aproveitamento, o aumento das quotas de terrenos, a recriação do gabarito como forma de controle da altura das edificações, a eliminação da caixa de captação como alternativa para substituição de áreas de permeabilização. Tal setor se queixava sobre uma provável manipulação do setor popular pelos técnicos na condução da Conferência, além de questionar a inexistência de discussões. O projeto de Lei foi arquivado em dezembro de 2006. Segundo Costa (2011) a inviabilidade da proposta deveu-se ao fato da dificuldade na “costura de pactos” com a saída do setor empresarial e morosidade do executivo em encaminhar o Projeto de Lei na Câmara Municipal.
A terceira Conferência Municipal de Políticas Urbanas foi realizada entre abril e setembro de 2009, no primeiro ano de gestão do Prefeito Márcio Lacerda, quase três anos após o arquivamento do Projeto de Lei 655 e sete anos após o início da II Conferência4 . Foram eleitos 243 delegados, sendo 81 eleitos em cada setor: popular, técnico e empresarial. Aconteceram pré-conferências regionais, foram realizados grupos temáticos para o debate das legislações e entregue aos delegados um estudo de diagnóstico da cidade feito em 2008. De acordo com Costa (2001) os cursos oferecidos foram realizados separadamente por setor e tinham como objetivo informar acerca da legislação e sanar dúvidas sobre os temas urbanos. A etapa seguinte contemplou as discussões desenvolvidas em Grupos de Trabalho definidos por temas, sendo o resultado transformado em documentos encaminhados para a plenária final, na qual foi realizada a votação dos documentos.
Esses trabalhos foram incorporados ao Projeto de Lei 820/09, transformado na Lei 9.959/10, que apresenta alterações no Plano Diretor e na Lei de Uso e Ocupação do Solo. De acordo com Costa (2001), nessa Conferência houve um amadurecimento dos atores sociais. No entanto, a autora questiona a efetividade da participação, uma vez que as propostas dos técnicos tiveram grande influência nas discussões. A autora argumenta que alguns pontos deliberados não foram contemplados no projeto de lei organizado pelo governo, uma vez havia uma urgência na aprovação da lei.
A quarta Conferência, objeto dessa pesquisa, ocorreu entre os meses de fevereiro e agosto de 2014 e conforme o Regimento elaborado pelo COMPUR, foi dividida em quatro etapas: abertura da conferência; eleição dos delegados; capacitação e deliberações. Foram eleitos 243 delegados titulares e 243 suplentes, sendo 81 delegados de cada setor: popular, técnico e empresarial. No caso do setor popular os delegados foram eleitos 9 (nove) por regional5 .
PLANEJAMENTO URBANO PARTICIPATIVO: PREMISSAS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL
A cidade é “a projeção da sociedade sobre o local” (LEFEBVRE, 2001, p.62). Carlos (2007), tomando como referência LEFEBVRE (2001), define a cidade como um espaço da reprodução do capital, da dominação através do poder político e das práticas socioespaciais. Nesse sentido, para se planejar o futuro é necessário compreender as relações de poder e as mensagens que o espaço urbano transmite (LEFEBVRE, 2001).
Segundo Lefebvre (1969), o espaço não se reduz apenas ao local onde se processam as relações e meio de produção. Ele é parte do conjunto das forças de produção: é por meio dele que a sociedade se reproduz. O espaço não é subordinado ao econômico, é parte dele; não é mero receptáculo das ações humanas, constituindo uma força produtiva da qual o capital também se apodera para criar condições para sua reprodução (PASSOS, 2012).
O espaço torna-se, enquanto condição, meio e força de produção, fonte de contradição à medida que as relações sociais nele desenvolvidas precisam se adequar à forma como este é utilizado para adquirir riqueza. O espaço converte-se também em mercadoria a partir de sua forma de utilização, constituindo-se assim produto das forças e meios de produção. A conversão do espaço social – valor de uso – em espaço abstrato – valor de troca – pressupõe não apenas sua transformação em mercadoria, como também a perda de suas condições de proporcionar a todos os indivíduos a sua fruição plena. O Estado se utiliza do espaço para promover seus interesses administrativos, definindo o uso e a ocupação dos espaços: ele aproxima ou separa (PASSOS, 2012).
Para pensar a cidade, planejar seu futuro é necessário, portanto, reconhecer as relações de poder e as desigualdades, buscando compreender as mensagens da sociedade. Nesse sentido, cabe inferir se cidade ideal – padronizada e idealizada nos planejamentos urbanos – contempla a cidade real e suas necessidades?
Maricato (2011) afirma que a cidade ideal nem sempre reflete a cidade real, ou seja, a cidade com todos os seus problemas e necessidades. Para que exista uma melhor compreensão das questões que envolvem a cidade é necessário um planejamento mais flexível, uma construção contra hegemônica e intersetorial. Corroborando esse pensamento Souza (2013) destaca que o planejamento urbano deve ser interdisciplinar, flexível e participativo.
Para pensar acerca da participação nas questões que envolvem as cidades, a teoria da democracia deliberativa de Habermas se apresenta como alternativa, uma vez que esta propõe a constituição de uma esfera pública na qual os indivíduos possam interagir e realizar um debate com argumentações racionais que convençam seus pares e o poder público de suas necessidades (AVRITZER, 2000). A partir desse discurso com vistas ao consenso, os indivíduos devem estar livres da imposição para que haja um caráter emancipatório. Segundo Habermas (1995, p. 45),
O terceiro modelo de democracia que eu gostaria de defender apoia-se precisamente nas condições de comunicação sob as quais o processo político pode ter a seu favor a presunção de gerar resultados racionais, porque nele o modelo e o estilo da política deliberativa realizam-se em toda a sua amplitude.
De acordo com a teoria deliberativa de Habermas, as comunicações políticas dependem das fontes do mundo da vida (vida em sociedade), onde elas se formam e se regeneram. Para que elas sejam percebidas é necessária uma esfera pública que contemple a formação das vontades institucionalizadas, ou seja, devem ser implementados procedimentos formais e democráticos que garantam a todos o direito e a liberdade de expressão (HABERMAS, 2003).
Tenório (2005; 2007) reforça o entendimento que no espaço democrático deve haver discussão e problematização das questões e que o Estado deve ser o responsável pela sua institucionalização. O autor afirma que o primeiro passo deve ser o enfrentamento das desigualdades para que haja possibilidade de emancipação. E destaca que no procedimento de tomada de decisão não deve haver imposição, que o consenso deve ser alcançado através da comunicação racional, orientados pelos princípios da inclusão, pluralismo, igualdade e autonomia.
Para que isso ocorra, Habermas (2003) entende que é necessário desenvolver as comunicações em esferas públicas autônomas e de processos de formação de opinião democrática, instituídas pelo Estado. Nessa esfera pública os conteúdos devem ser filtrados e sistematizados de forma a expressarem as opiniões públicas, com base em uma prática de comunicação compreensível e cotidiana (HABERMAS, 2003, v. II).
Para Avrziter (2000), a proposta da esfera pública habermasiana é a concepção de um espaço onde os indivíduos interajam entre si e debatam as decisões tomadas pelo Estado e adotem estratégias para tornar a autoridade política sensível a suas necessidades. Nesse processo comunicativo, o discurso racional é a base do pensamento de Habermas, no qual não existe apenas a aferição das vontades, mas um consenso, ou seja, acordo após o debate racional das ideias, que inclui várias formas de argumentações – discursos técnicos, éticos e morais (AVRITZER, 2000).
Avrziter (2000) destaca que o limite do pensamento de Habermas está na capacidade de produzir os arranjos institucionais, uma vez que “a forma não supõe nada mais que a influência em relação aos sistemas políticos” (AVRITZER, 2000, p. 49), ou seja, o modelo não discute como será a implantação do processo pelo Estado apenas como será o resultado final.
Ao reconhecer a importância do processo participativo para a construção do Planejamento Urbano e conhecendo a institucionalização do debate através da Conferência Municipal de Políticas Urbanas, cabe inferir como se dá essa participação? O processo democrático pode alterar efetivamente as políticas urbanas?
De acordo com Souza (2011) a análise dos processos participativos é complexa e, no intuito de organizar o debate, propõe quatro categorias de perguntas: “Quem instituiu? Quem participa? Como se participa? Quais as consequências da participação?”. Nesse sentido, Almeida e Cunha (2011) reforçam o pensamento afirmando que é fundamental o entendimento de “Quem instituiu e quem participa” - perguntas que respondem a natureza da troca pública que ocorrerá, uma vez que a análise da participação não depende apenas de variáveis que envolvem procedimentos internos e formais.
Na questão “Como se participa?” deve-se verificar como se deu o processo de capacitação, grau de participação, qualidade das informações e métodos de diálogo (SOUZA, 2011). Almeida e Cunha (2011), destacam que a análise do processo de capacitação deve-se avaliar as desigualdades e avançar em soluções possíveis, caso contrário pode comprometer todo o processo democrático,
As diferenças nas habilidades comunicativas ou no conhecimento técnico necessário para deliberação de algumas questões podem ter esse efeito perverso de desigualdade na expressão de preferências e opiniões e no desrespeito em relação a uma fala mais localizada e pautada na vivência do problema. Contudo, não se deve voltar à tese de irracionalidade das massas e impossibilidade da participação, mas avaliar que tipos de soluções são viáveis (ALMEIDA E CUNHA, 2011, p. 114)
Finalmente, para verificar as “consequências” do processo, deve-se analisar a implantação das propostas e o fortalecimento da cultura participativa.
ETAPAS DA IV CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS URBANAS DE BELO HORIZONTE: A PARTICIPAÇÃO
A IV Conferência Municipal de Políticas urbanas de Belo Horizonte6 foi dividida em 4 (quatro) etapas: Abertura, plenárias de eleições, capacitação e deliberações. Ao analisar a preparação e as etapas buscou-se entender como se seu a participação popular com base nas perguntas: “Quem Instituiu?”; “Quem participa?”, “Como se participa?” e as “Quais as consequências da participação?” SOUZA (2011); ALMEIDA E CUNHA (2011).
A metodologia de estudo utilizada foi qualitativa com base em estudo exploratório, que envolveu levantamento bibliográfico, entrevistas e análise documental. Foram realizadas entrevistas com 6 (seis) delegados do setor popular, 2 (dois) do setor empresarial e 01 (um) representante da PBH7 . As entrevistas foram identificadas por numeração, para preservar o sigilo, sendo: Delegados do setor popular = P1, P2, P3, P4, P5 e P6; Delegados do setor empresarial = E1 e E2; Representante da PBH = R1
A fase preliminar: “Quem instituiu?”
Segundo prevê a legislação em vigor, a Conferência Municipal de Políticas Urbanas deve ocorrer de quatro em quatro anos, no primeiro ano do mandato do prefeito e sob a coordenação do COMPUR. Em Belo Horizonte a conferência não se iniciou após a eleição de 2012, de acordo com as atas do COMPUR, a Prefeitura alegou não ter conseguido realizar o evento no período correto em função do atraso na fase de planejamento – que compreendia a elaboração dos Planos Diretores Regionais, diagnóstico que foi realizado por duas empresas contratadas através de processo de licitação. Tal situação foi questionada, durante reunião do COMPUR, na qual os participantes expressaram preocupação em relação ao planejamento que teria ocorrido sem a participação popular, o que foi justificado pela gerente da PBH conforme transcrição abaixo,
a Gerente responsável pela elaboração dos Planos Diretores Regionais, Gisella Lobato esclareceu que o contrato com a empresa responsável pela elaboração dos Planos Diretores Regionais fora encerrado em julho do corrente ano. Acrescentou ainda que não existia por parte de nenhum dos técnicos da PBH a intenção de burlar a participação popular na Conferência Municipal de Políticas Urbanas (Ata reunião do COMPUR do dia 28/11/2013).
De acordo com o representante do executivo as empresas contratadas realizaram entrevistas com lideranças comunitárias indicadas pelo executivo, seminários técnicos, oficinas de discussão e audiências públicas - todas as informações coletadas se transformaram num diagnóstico que serviu como base para as propostas da conferência formatadas pelos técnicos da PBH. Os resultados dos trabalhos sobre a situação das regionais foram disponibilizados no site da PBH após o início do fórum.
Esse processo foi esclarecido, pelo representante da PBH, da seguinte forma,
Todas as propostas da conferência vieram de um trabalho que começou em 2011, que são os planos diretores regionais. Foi um trabalho técnico construído dentro da secretaria que contava com consultoria externa. Nessa etapa houve participação popular através de audiências públicas, mas ao final desse trabalho, que começa com diagnóstico, avaliação, aí vem com resultado dele propostas para mudança da política urbana da cidade. Esse resultado do trabalho de três anos dos planos diretores regionais foi o conteúdo levado para a conferência pela PBH para ser discutido. (Entrevistado R1).
Apesar do que foi informado pelo representante da Prefeitura de Belo Horizonte sobre a realização de entrevistas e audiências públicas no período de elaboração dos planos diretores regionais, os entrevistados nessa pesquisa do setor popular e empresarial afirmaram, em sua totalidade, desconhecer as diretrizes e os resultados dos planos diretores regionais e como se deu a elaboração das propostas oriundas desse trabalho realizados por empresa contratada. Afirmaram, ainda, que só tiveram acesso ao teor das propostas após o início da etapa de capacitação. Contudo, os delegados do setor popular informaram reconhecer algumas demandas da comunidade nas propostas – principalmente com relação às questões relativas a moradia popular.
Após finalizar os estudos dos Planos Diretores Regionais, a PBH se voltou para a realização da IV Conferência. De acordo com as atas do COMPUR, verifica-se que houve pressão das associações de bairro e de vereadores para apresentação de um cronograma, bem como questionamentos acerca da conclusão dos estudos das propostas regionais sem discussão e de temas importante para a cidade, como por exemplo as Operações Urbanas Consorciadas, terem sido discutidos em âmbito externo à Conferência, esse ponto é citado em algumas falas registradas na ata do dia 28/11/2013:
Em seguida, a Sra Maíra, moradora do Bairro Boa Vista, questionou a conclusão dos Planos Diretores Regionais pela PBH. A Sra Maíra complementou sua fala, dizendo que seu questionamento não era referente ao trabalho dos técnicos da PBH, responsáveis pela elaboração dos Planos Diretores Regionais, e sim pela realização de uma Operação Urbana Consorciada pela PBH sem a finalização dos Planos Diretores Regionais. (Ata COMPUR do dia 28/11/2013, DOM do dia 13/02/2014).
Na oportunidade, a conselheira Fátima Gottschalg solicitou a retirada de pauta do subitem referente à apreciação da Operação Urbana Consorciada Nova BH, tendo em vista os seguintes critérios: 1) a importância de encaminhamento da OUC Nova BH para apreciação na Conferência (ATA DA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DO COMPUR DO DIA 30/01/2014).
Essas questões foram abordadas em outras etapas da Conferência, o que demonstra que a fase preliminar não foi precedida de ampla discussão. Após várias reivindicações, foi incluída uma palestra sobre o tema da Operação Urbana Consorciada - fato que atendeu parcialmente as reivindicações do setor popular já no transcorrer da Conferência.
Após a discussão do cronograma, os representantes do COMPUR elaboraram o Regimento Interno da Conferência, publicado no DOM do dia 29/01/2014. Conclui-se que nessa fase preliminar, a participação popular por meio do COMPUR, ocorreu somente na elaboração do regimento e na definição do cronograma.
Fase de eleição: “Quem participa?”
A segunda pergunta a ser respondida é: “Quem participa?”, cujo objetivo é analisar a diversidade e representatividade dos envolvidos com base no processo de eleição (SOUZA, 2011).
Os delegados entrevistados do setor popular informaram que já participam de algum tipo de movimento social e possuem experiências em outros tipos de participação popular, como Orçamento Participativo, Conselhos da Juventude e da Saúde, mas com relação à Conferência Municipal de Políticas Urbanas, a maioria declarou participar pela primeira vez. A maioria dos participantes está ligada aos movimentos relacionados às questões que envolvem a habitação, tema recorrente nas respostas das entrevistas.
Metade dos entrevistados do setor popular possui vínculo com a administração pública, sendo 2 (dois) funcionários de cargo de comissão recrutamento amplo da PBH8 e 1 (um) da Câmara Municipal de Belo Horizonte. O fato de haver pessoas ligadas ao executivo e legislativo não é proibido pelo regimento, entretanto pode comprometer a autonomia dos participantes e diminuir os focos de críticas e conflitos, ponto discutido por Souza (2013) que considera um obstáculo à participação. Nesse sentido, cabe pensar em que medida a avaliação de um delegado representante do setor popular, que possui vínculo com o executivo, está comprometida devido a posição que ocupa.
A abertura da Conferência aconteceu no dia 03 de fevereiro de 2014 e teve como objetivo apresentar e explicar as futuras etapas. O evento foi aberto à comunidade, entretanto, conforme relatos dos entrevistados e material analisado, a divulgação foi limitada ao site da PBH 9. Segundo os entrevistados, em função da data e localização (local central distante dos bairros de periferia) houve prejuízo em relação a uma ampla participação. Alguns entrevistados relataram que a divulgação foi feita também por meio de material colado em postos de saúde e escolas, mas não foi localizado registro desse material.
Após a abertura oficial, foram realizadas 11 (onze) plenárias de eleição, durante todo o mês de fevereiro/2014, sendo 9 (nove) plenárias direcionadas ao setor popular que ocorreram em cada regional, 1 (uma) plenária ao setor técnico e 1 (uma) ao setor empresarial, cujo objetivo era realizar as eleições dos delegados. Todas as eleições ocorreram em dias de semana e à noite, o que é destacado pelos entrevistados do setor popular como limitador para que muitas pessoas comparecessem.
De acordo com o Regimento Interno qualquer cidadão eleitor de Belo Horizonte poderia se candidatar a delegado titular ou suplente e votar, porém era necessário, no caso do setor popular, apresentar vinculação a uma das zonas eleitorais inseridas na região. As inscrições foram feitas duas horas antes do início das plenárias. Caso o cidadão não conseguisse realizar sua inscrição poderia participar do processo enquanto observante, sem direito a voto.
No Regimento foi estabelecido que ao realizar sua inscrição como candidato, o delegado titular deveria indicar também o delegado suplente para efetivar a inscrição, mas o documento não esclarece como devem ser os procedimentos para as eleições. Pela leitura das atas foi possível entender que no momento da votação houve diferentes procedimentos nas regionais, sendo que na maioria delas adotou-se o modelo de recolhimento do crachá para contagem dos votos.
Por meio das entrevistas foi possível perceber que há diferentes visões sobre essa fase, houve falas indicando preocupação com a pouca divulgação do processo eleitoral e do fato de haver participantes ligados ao executivo e legislativo. Houve, ainda, relatos de clima de disputa e rivalidade. Foram citados fatos que não constam das atas10 , como por exemplo: um representante da Regional Pampulha relatou que durante a eleição pessoas rasgaram os crachás e desistiram de participar por não concordarem com a maneira como a eleição foi realizada “Conturbado, pessoas rasgaram crachá, desistiram, havia interesse político no processo, em outras conferências achei tranquilo, foi diferente das outras que já havia participado. Achei mais hostil. (Entrevistado P6)
A situação descrita acima não consta em ata, onde há apenas informação que houve eleição por aclamação, sem necessidade de votação, o que deixa transparecer a ideia de consenso - que de fato não ocorreu. Em outra entrevista, apesar de considerar o processo legítimo, um delegado demonstrou insatisfação com o fato de haver pessoas ligadas ao executivo e legislativo participando das eleições pelo setor popular, o que considerou ser um limitador,
A participação foi limitada quando permitiu que as entidades ligadas ao executivo também participassem. Legitimo. Mas poderia ter ido pelo viés dela (PBH), deveria ter ido pelo executivo e não pelo popular. Quando você vê a Câmara Municipal organizando gente para ir para a conferência com ônibus e tudo mais, o cara que está no bairro que pega ônibus para ir ele fica em desvantagem, os caras (vereadores) colocaram ônibus, lanche. (Entrevistado P4)
Para Araújo, Gaspar e Lélis (2015), a mobilização inicial eleitoral foi um fator que gerou insatisfação e questionamentos acerca da legitimidade do processo, inclusive junto ao Ministério Público. E que ao abrirem espaço para cidadãos comprometidos com o Estado afetou a representatividade – no setor popular havia pessoas com cargo de comissão dentro da administração pública. Além disso, os autores Araújo, Gaspar e Lelis (2015), destacam, que é na delegação é onde se verifica o nível da representatividade efetiva, e afirmam que a falta de publicidade ampla comprometeu a legitimidade do processo.
Souza (2013) defende que deve haver um compromisso do Estado com a ampla participação, pois caso contrário pode haver uma séria “deformação do esquema participativo” (SOUZA, 2013 p.388). A etapa eleitoral é a fase de decisão de “quem participa”, uma das mais importantes do processo participativo, pois é o momento quando a representatividade é decidida; entendemos que quanto maior a divulgação do processo mais ampla será a participação e mais legítima ela se torna, e no caso estudado ficou comprometida nesse quesito tanto pela divulgação limitada como pela presença de pessoas ligados ao Estado.
A fase de capacitação e discussão: “Como se participa?”
Para responder a terceira questão: “Como se participa?” buscou-se compreender como ocorreu o processo de capacitação, grau de participação, qualidade das informações e métodos de diálogo (SOUZA, 2011).
O período de capacitação foi realizado em uma escola na área central, os temas foram divididos em salas diferentes e aconteciam ao mesmo tempo, foram divididas em seis eixos de discussão: estruturação, desenvolvimento, habitação, ambiental, cultural e mobilidade urbana, o que inviabilizou o acompanhamento de todos os assuntos.
Os cursos de capacitação foram realizados em 3 sábados, dias 15, 22 e 29 de março de 2014, com 2 (dois) cursos por dia. Ficou estabelecido que os delegados deveriam participar de no mínimo 4 (quatro) dos 6 (seis) cursos para se habilitar a prosseguir na Conferência como delegado. Foi disponibilizado aos participantes plantões técnicos que ficaram à disposição na Secretaria de Planejamento Urbano da PBH para que os delegados pudessem tirar suas dúvidas e trabalhar suas propostas de alteração.
Nessa fase de capacitação as propostas pré-elaboradas pelos técnicos da PBH foram apresentadas logo após breve apresentação do diagnóstico do problema – este ponto foi relatado por alguns entrevistados como cansativo e de difícil entendimento e para parte do setor empresarial como “manipulação” para aceitação das propostas da PBH.
As propostas foram repassadas item a item, mas ao chegar no item que propunha alteração no limite do Coeficiente de Aproveitamento do terreno11 e a regulamentação da Outorga Onerosa ao Direito de Construir12 , observamos que o fórum ficou tenso e enquanto alguns já concordavam que seria o melhor para a cidade, o representante do Sinduscon/MG – Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais - se mostrou terminantemente contrário. A respeito do conflito houve relato de um entrevistado,
Éramos quarenta, decidimos nos afastar ao final da etapa de capacitação, quando percebemos que o ambiente da conferência não era propício a discussão, estávamos ali apenas para avalizar a uma proposta previamente estabelecida pelo executivo, na sequência tenho notícias que saiu também parte do setor técnico, ligado ao IAB. Antes de afastarmos tentamos de tudo, fizemos duas plenárias dentro da conferência tentando mudar os rumos que a PBH tinha dado, o executivo não ouviu, não legitimou as plenárias, chegamos a um momento que as quadras onde estava sendo a conferência foram trancadas pelo executivo para que as plenárias não acontecessem. A gente tentou tudo, a gente queria que ela acontecesse, nos preparamos para este momento. Como vimos que não teria resultado preferimos nos afastar. (Entrevistado E2)
E, além do afastamento de algumas entidades, o Ministério Público foi acionado por diversas entidades com destaque para o Movimento das Associações dos Moradores (MAM-BH), que alegava falta de publicidade nas eleições e de transparência nas propostas que levou a suspensão temporária da Conferência por decisão judicial. No pedido encaminhado à Justiça pelo Ministério Público de Minas Gerais, um dos embasamentos para a decisão judicial foi que a Prefeitura não respeitou o princípio da publicidade para as eleições dos delegados.
A PBH, através da sua Procuradoria, interpôs recurso contra a liminar e obtendo vitória em seu pleito, a conferência retornou13 . Mas as discussões retornaram sem contar com a presença de parte do setor empresarial – ligado a construção civil – e parte do setor técnico – ligado ao Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).
Na leitura da ata do dia 15/05/2014, publicada no DOM do dia 28/06/2014, a carta do IAB demonstra o pensamento da instituição a respeito do assunto e o motivo de seu afastamento,
Até o momento não existem estudos de impacto econômico no valor da produção imobiliária; que a projeção do volume de recursos previstos após a ampliação do instrumento da outorga onerosa não foi apresentada; que não existe clareza em relação aos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e urbano e a fruição dos bens pelos diversos segmentos sociais (trecho de carta do IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil, ATA do COMPUR dia 15/05/2014)
Entretanto, de acordo com um entrevistado do setor empresarial que não se retirou da Conferência, o mesmo entendeu que a saída dos delegados – ligados a construção civil - prejudicou a discussão. Há um entendimento que a melhor estratégia é manter-se no debate, mesmo sem concordar, para poder verbalizar seu ponto de vista e tentar conseguir um consenso entre os participantes. Nessa mesma linha de pensamento verificou-se a postura de alguns representantes do setor popular,
Fui (na Conferência) porque o Márcio (o Prefeito) tem interesse de vender o espaço aéreo de BH. Se você comprou seu lote e seguiu as normas da ZEIS, o lote é seu. A partir do momento que você constrói dois andares e acordar e quer fazer mais um andar, não pode ter que pagar o lote de novo, isso não existe. Fui até o final. A gente não sai, precisa negociar. (Entrevistado P1) 14
É possível perceber a complexidade da discussão, enquanto alguns se manifestam por retirassem do processo, outros consideram que o melhor caminhar é participar, discutir.
Essa complexidade e a necessidade de ampliar o diálogo, pode ser observada também com relação a intervenção judicial e a suspensão temporária da Conferência - que foi relatada como positivo por um dos delegados do setor popular, afirmando que com a suspensão foi possível incluir algumas alterações na Conferência, como audiência sobre a Operação Urbana Consorciada: “Eu acho que a conferência começou conturbada, a intervenção do Ministério Público foi boa porque conseguimos acordo com o executivo, alinhamos como queríamos, prazo, participação” (Entrevistado P4).
Após a capacitação, os delegados titulares e os suplentes foram divididos em eixos de discussão (ambiental, mobilidade, habitação, desenvolvimento, cultura e estrutura urbana), foi feita uma divisão aproximada de 1/3 de cada setor e foram realizados debates sobre os temas e levantamento de propostas para a plenária de encerramento. Os delegados poderiam, nessa fase, apresentar alterações e inclusões para as propostas feitas pela PBH, mas cada nova proposta para ser encaminhada para a plenária final deveria ter no mínimo 30 (trinta) signatários e um autor. Cada grupo teve um relator, e cada delegado só podia votar no grupo para qual foi designado, portanto não tinha acesso às discussões dos outros eixos e das alterações propostas.
Durante as primeiras reuniões de discussão foi possível observar que ainda havia muita tensão. Houve conversas dos delegados fora das salas, muitas reclamações por já ter encerrado as capacitações – com esse processo de mobilização e após reunião no COMPUR foi deliberado uma alteração no cronograma, passando de 3 (três) sábados de discussão para 5 (cinco).
Em análise documental verificou-se que 75 delegados do setor popular não avançaram para a etapa de discussão, o que representou aproximadamente 46% do grupo. Nas entrevistas, os envolvidos relataram que algumas faltas e posteriores desistências de outros delegados do setor popular ocorreram por motivos de cansaço, doença, desmotivação entre outros fatores. Os participantes faltosos não puderam permanecer na Conferência para as votações, pois havia um limite de faltas previsto no regimento. Fica a questão para um futuro estudo: a desmobilização ou desmotivação ocorreu pela não compreensão da importância do processo ou pela dificuldade em acompanhar a discussão técnica?
A dificuldade com a compreensão dos termos técnicos usados durante a capacitação foi um dos pontos que a maioria dos envolvidos destacou como obstáculo pessoal. Além disso, alegaram ser cansativo e longo o fórum, mas afirmaram também que o período de capacitação foi pequeno para assimilar e compreender todo o conteúdo15 . São questões importantes apresentadas como limites para a efetivação do processo de participação. Cabe questionar como tornar esse processo produtivo e esclarecedor sem ser longo e cansativo. As ponderações, abaixo, dos entrevistados demonstram o problema,
Complexa, linguagem técnica, para a gente que desconhece as leis, plano de uso e ocupação do solo, para gente é tudo muito novo, eu penso que deveria ser uma linguagem simplificada, nem sei se é possível, mas achei complicado. (Entrevistado P6)
Para mim achei mais complicado porque foi primeira vez, eles usavam alguns termos que já ocorreu em outros processos e aqueles que já estavam mais familiarizados, para mim muita coisa nova, fala alguma coisa, você tinha que perguntar para o colega, para o vizinho, como é que isso? (Entrevistado P5).
Portanto, nota-se pelos relatos que uma das maiores dificuldades no processo de capacitação foi devido ao uso de termos técnicos da equipe organizadora e pelo desconhecimento das matérias pelos participantes, o que prejudicou a igualdade nos momentos de debates e nas votações das propostas, como se pode confirmar no relato do entrevistado: “Algumas coisas, você votava pelo consenso, muito corrido, você não tinha tempo para entender...” (Entrevistado P5).
A partir das dificuldades relatadas no processo de capacitação e debate, é possível inferir acerca do limite da participação se tomarmos como referência a teoria da Ação Comunicativa de Habermas, para quem “tudo gira em torno das condições de comunicação e de procedimentos que outorgam à formação institucionalizada da opinião e da vontade política sua força legitimadora” (HABERMAS, 1995, p.45). Se não há compreensão sobre o tema como pensar de forma racional e argumentar para alcançar uma proposta conjunta?
Verifica-se o quanto é complexa a discussão dessa etapa do processo participativo – problemas com os termos técnicos, divulgação dos estudos, diversidade dos atores com seus diferentes interesses – o que demonstra que ainda é necessário melhorar a qualidade da participação pensando em novas formas de capacitação. Porém é preciso compreender quais as consequências desse processo se houve ou não empoderamento mesmo com dificuldades.
Deliberações: as “consequências da participação”
Souza (2011) destaca que para compreender se as consequências da participação foram positivas deve-se construir um processo qualificado que possibilite que a “participação influencie processos decisórios, além de fomentar uma cultura participativa” (SOUZA, 2011, p. 2003), ou seja, devem ser verificados os resultados e sua implantação, além do fortalecimento das relações sociais e da cultura participativa. A partir dessa definição foi analisada a última etapa da conferência e seus resultados serão aqui abordados.
A etapa de deliberações foi realizada durante três dias e dividida em três momentos: abertura, grupos de trabalho e a plenária de encerramento. Não é possível avaliar as consequências diretas das deliberações construídas nesse processo uma vez que as propostas votadas foram transformadas em um projeto de lei 16 encaminhado à Câmara Municipal de Belo Horizonte em outubro/2015 e até a presente data sem aprovação. A maioria dos delegados considerou o resultado final satisfatório e destacaram, principalmente, o fato do recurso da outorga onerosa do direito de construir ser direcionado para o fundo de habitação, bem como a criação de um conselho gestor para esse fundo e o reconhecimento de algumas ocupações urbanas. É possível perceber por meio dos relatos que o objetivo principal gira em torno da preocupação com a garantia da moradia.
Das 113 (cento e treze propostas) discutidas e aprovadas, a mais citada pelos entrevistados foi a alteração do coeficiente de aproveitamento - um dos motivos da retirada dos empresários do setor da construção civil e dos técnicos ligados a IAB da Conferência, por entender que essa alteração não seria satisfatória para a cidade. No entanto, a maioria do setor popular afirmou que esta resolução ira favorecer as necessidades de garantia de moradia. 17
A partir da análise do resultado das propostas aprovadas, observa-se que dos 113 itens apresentadas pela PBH, houve 16 intervenções do setor popular com 34 propostas em subitens para inclusão ou alteração do texto, entretanto sem alteração substancial das propostas iniciais. Foram sugeridas 25 novas propostas, sendo 16 aprovadas, todas relacionadas aos temas indicados pelo executivo, ou seja, não houve inovação significativa do que foi apresentado inicialmente pela PBH.
Enfim, a maioria das propostas apresentadas durante o processo de capacitação não sofreram profundas alterações, o que demonstra que a despeito das discussões, prevaleceu o entendimento do corpo técnico do executivo.
Apesar da maioria do setor popular considerar que o resultado final dos trabalhos foi positivo, os entrevistados afirmaram ter dúvidas em relação à aprovação final da lei pelo legislativo: durante as entrevistas todos se ressentiam do projeto ainda não ter sido encaminhado para a Câmara Municipal de Belo Horizonte para votação18 , e se demonstraram preocupados com as possíveis mudanças que poderão ocorrer durante esse processo.
Os delegados entrevistados do setor popular relataram, em sua maioria, que o motivo de participar da Conferência é ajudar a comunidade, garantir direitos, em especial em relação à moradia. Entende-se que os participantes, apesar dos seus questionamentos e inseguranças, se apropriaram do espaço de discussão e reconheceram a relevância e necessidade da participação. O estudo dos autores Araújo, Gaspar e Lelis (2015), corrobora com este pensamento,
Uma análise mais cuidadosa do processo da IV Conferência demonstra que, apesar da tentativa de esvaziamento dos fóruns e de sua representatividade, esses espaços têm sido sistematicamente reivindicados e ocupados por movimentos sociais como forma de pressão contra o Estado e empoderamento dos movimentos (ARAUJO, GASPAR, LELIS, 2015, p. 11 e 12).
Outro ponto que demonstra a apropriação do espaço pelos diversos atores é quando, mesmo sem concordar com alguns pontos não desistem de participar, desejam estar no debate para poderem verbalizar suas ideias e questionamentos.
Apesar da insegurança com relação à aprovação das propostas pela Câmara Municipal, há elementos que podem identificar que a questão mais recorrente e urgente para a maioria do setor popular é a questão da moradia – fato que deve ser considerado pelo Estado como importante indicador para a política pública.
Enfim, a cultura de participação é uma “consequência” que se verifica durante as falas seja para reivindicar, compartilhar e concordar – aumentar a diversidade deve ser um desafio para que essa cultura se expanda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho teve como objetivo responder como seu deu a participação popular na IV Conferência Municipal de Politicas Públicas em Belo Horizonte, para isso usou-se como base as questões: “Quem instituiu?”, “Quem Participa?”, “Como se participa?” e “Quais as consequências da participação?” de acordo com Souza (2011) e Almeida e Cunha (2011).
Inicialmente para a questão “Quem instituiu” verificou-se que o COMPUR - órgão colegiado responsável pela instituição do fórum – apenas elaborou o Regimento Interno e o cronograma. As propostas e os temas que nortearam as discussões na Conferência foram feitas pelos técnicos da prefeitura com apoio de empresa contratada. Entendeu-se que a participação popular ficou limitada nessa questão.
Num segundo momento ao analisar “Quem participa?”, constatou-se que, parte dos delegados do setor popular são pessoas já envolvidas em movimentos sociais e havia alguns ligados ao Estado. Por meio dos relatos dos entrevistados foi possível constatar que o fato de haver pessoas ligados ao executivo e ao legislativo dentre o grupo dos delegados do setor popular, gerou desconforto e desconfiança aos demais envolvidos. Ainda o fato da divulgação das eleições não ter sido ampla comprometeu a representatividade dos participantes.
Para analisar “Como se participa”, foi necessária a análise das etapas da conferência, onde houve muitos questionamentos sobre a forma de apresentação, uso de termos técnicos, volume de material a ser estudado, quantidade de alterações importantes na legislação e o pouco tempo para conhecimento e preparação. Entendeu-se que a dificuldade de compreensão das matérias comprometeu a igualdade no momento do debate e na votação das propostas.
Em relação às “consequências da participação”, que permite perceber os avanços na política e se houve empoderamento da cultura participativa, a partir dos relatos a maioria dos entrevistados revelou insegurança em relação à aprovação do projeto de lei pelo legislativo – fato gerador de descrédito no processo. Reforça-se, ainda, que o foco principal das discussões é a questão da moradia para as famílias de baixa renda, sinalização importante para as políticas públicas. Nesse sentido, a “consequência” da participação popular na IV Conferência de Políticas Urbanas é hoje uma “carta de intenções”, cujo clamor é explícito: a questão da habitação.
Avritzer (2000) destaca que os espaços de discussão cedidos pelo Estado devem possuir condições para a realização de um debate argumentativo flexível e de forma a acomodar a complexidade da sociedade. O primeiro desafio é combater os obstáculos relatados no transcorrer desse artigo, cuja origem está no processo de institucionalização, ou seja, na forma como é conduzido. Problemas como publicidade, capacitação, diversidade devem ser repensados e analisados. E, principalmente, reconhecer as diferenças e desigualdades dos atores envolvidos. Enfim, o grande desafio que se coloca numa sociedade capitalista e complexa, está em, além de reconhecer a enorme desigualdade é criar formas de reduzi-la.
REFERÊNCIAS
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ARAÚJO, Daila Coutinho; GASPAR, Floriana de Fátima; e LELIS, Natália. Politização nos Espaços de Participação: o caso da IV Conferência Municipal de Política Urbana de Belo Horizonte. Anais da XVI ENANPUR. Belo Horizonte, 2015.
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TENÓRIO, F.G. Revisitando o conceito de Gestão Social. Editora Unijuí, ano 3, n. 5, jan/jun, 2005
* Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais), com especialização em Gestão Pública pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte, Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local no Centro Universitário UNA. E-mail: rovena2@gmail.com
** Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), com bacharelado e licenciatura em História pela PUC Minas, mestre em Ciências Sociais pela PUC-Minas. Doutora em Ciências Sociais pela PUC-Minas. Atualmente leciona no Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local no Centro Universitário UNA e no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). E-mail: alexandranascimento@uol.com.br
1 A legislação urbana é um conjunto de leis e normas que regem a apropriação e a produção da cidade, criando critérios para o funcionamento das atividades, zoneamento, adensamento, como por exemplo: regras para construir um imóvel, taxa de permeabilidade, aproveitamento do lote, onde se pode exercer uma atividade comercial e em quais condições, áreas de proteção ambiental etc.
2 Conselho composto por membros do Executivo, legislação e sociedade civil, criado pelo Plano Diretor em 1996, tem como função coordenar o processo de elaboração da legislação urbanística.
3 Essa legislação só foi alterada em 2009 pela Lei 9725/09.
4 Não há informações nas pesquisas realizadas acerca do motivo deste intervalo. Como a legislação prevê que a Conferência deve ocorrer no primeiro ano da gestão e com o fracasso do projeto de lei em 2006, o primeiro ano da nova gestão seria em 2009.
5 A cidade de Belo Horizonte é dividida em nove regionais: Centro-Sul, Leste, Norte, Nordeste, Noroeste, Venda Nova, Barreiro, Oeste e Pampulha.
6 Antes do início do fórum houve uma fase preparatória de diagnóstico o que resultou nos Planos Diretores Regionais.
7 A coleta de dados ocorreu após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa e todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
8 Cargos em comissão são cargos de livre nomeação e exoneração do prefeito.
9 A publicação oficial do Regimento Interno e do calendário ocorreu no Diário Oficial do Município do dia 29/01/2014 – apenas 5 (cinco) dias da abertura.
10 As atas das eleições foram padronizadas e nenhuma delas apresenta descrição dos acontecimentos, há somente nomes dos candidatos, número de votos, vencedores e algumas perguntas de participantes.
11 Coeficiente de Aproveitamento Mínimo é o índice que define o aproveitamento edilício mínimo a ser exercido por empreendimento privado em qualquer terreno. Coeficiente de Aproveitamento Máximo é o índice que pode ser atingido por composição entre unidade de transferência de direito de construir e outorga onerosa do direito de construir. Belo horizonte. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/ - acesso em 11/09/2015
12 Outorga Onerosa ao Direito de Construir é um mecanismo de cobrança (como um imposto) que possibita contrapartidas dos beneficiários que se querem utilizar acima do coeficiente básico até o limite máximo. Belo Horizonte. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/ - acesso em 11/09/2015
13 A suspensão aconteceu no final de julho e o retorno no início de agosto/2014.
14 Neste trecho da entrevista o delegado se mostra descontente com o Prefeito Márcio Lacerda e alega que ele (o prefeito) quer vender o espaço aéreo da cidade ao normatizar a outorga onerosa ao direito de construir.
15 Neste ponto pode-se supor acerca da desistência de alguns delegados, ao imaginar que não se sentiram capacitados para continuar, preferiram desistir.
16 O Projeto de Lei foi elaborado pela equipe técnica com acompanhamento de comitê composto por delegados de todos os setores.
17 Para a maioria do setor popular, principalmente ligado a habitação, há um entendimento que o valor arrecadado pela outorga onerosa beneficiará a população carente. Mas para o setor empresarial e parte do técnico a prefeitura não apresentou um estudo que comprove a viabilidade desses recursos.
18 Na ocasião das entrevistas o projeto de lei não havia sido encaminhado para a Câmara Municipal de Belo Horizonte pela prefeitura.
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