Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PÚBLICA E A DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS

Autores e infomación del artículo

Luís Eduardo da Silva Vilar Gomes*

Lissandra Espinosa De Mello Aguirre**

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

eduardo.vilar@gmail.com

RESUMO

Considerando o cenário brasileiro em que a violência urbana tem sido destaque e preocupação das autoridades e da sociedade civil, o presente artigo preocupa-se em estudar o direito fundamental à segurança pública à luz da Constituição Federal brasileira, a maneira como se busca a sua efetivação e os limites impostos pela estrutura militarizada das polícias brasileiras. O trabalho é metodologicamente orientado num esforço de rever a bibliografia sobre o assunto, especialmente com respeito aos direitos fundamentais e às competências dos entes federados. Além disso, buscou-se estudar os fundamentos históricos e jurídicos da estrutura militarizada das polícias do Brasil, e de como isso tem servido para conservar uma visão de segurança pública voltada majoritariamente para a manutenção ordem, em detrimento da defesa e garantia dos direitos fundamentais de grande parte da população, razão pela qual a desmilitarização das polícias seria uma alternativa viável para a quebra de velhos paradigmas.
Palavras-chave: Direitos fundamentais, direito à segurança pública, ordem pública, segurança pública, competências dos entes federados, desmilitarização das polícias.

ABSTRACT

Considering the Brazilian scenario, urban violence has been highlighted as the main preoccupation of authorities and civil society. Thus, it is the objective of this article to study the fundamental right to public safety in the light of the Brazilian Federal Constitution, the way in search of its effectiveness and the boundaries imposed by the militarized structure of the Brazilian police. This work was methodologically oriented in an effort to review the literature about fundamental rights and the federated states’ competencies. In addition, it aims at the historical and juridical fundaments of those militarized structures and their consequent continuation of a public safety's vision turned mostly to the maintenance of the order in detriment of the population's fundamental rights defense and security, reason why the demilitarization of the Brazilian police could be a viable alternative to break old paradigms.
Keywords: Fundamental rights; right to public safety; public order; public safety; federated states' competencies; police demilitarization.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Luís Eduardo da Silva Vilar Gomes y Lissandra Espinosa De Mello Aguirre (2016): “O direito fundamental à segurança pública e a desmilitarização das polícias”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/policias.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-04-policias


1 INTRODUÇÃO

            O Brasil convive há algumas décadas com o crescimento das taxas de violência urbana, fato que é constantemente denunciado pelos meios de comunicação e, além disso, experimentado por uma considerável parcela da população. Observa-se que, ao menos nos últimos dez anos, tem aumentado a transparência dos dados divulgados sobre as taxas de criminalidade, o que torna a preocupação com a violência algo ainda mais alarmante.
            É certo que a violência urbana tem origem nas desigualdades sociais, na má distribuição de renda, na carência da saúde e da educação públicas, em resumo, na falência do Estado Social que não consegue prover uma vida digna para muitos milhões de brasileiros, embora isto seja previsto na Constituição Federal de 1988.
            O tema segurança pública tem estado não apenas entre os principais assuntos no cotidiano das pessoas, mas também na agenda política dos governos e em estudos acadêmicos. O assunto importa grande complexidade, pois, ao contrário do que pode concluir o senso comum, para se ter um sistema de Segurança Pública eficaz não bastam investimentos financeiros nas instituições policiais. Não há também como discorrer sobre Segurança Pública, sem abordar, necessariamente, os fundamentos e atribuições constitucionais e legais das Polícias.
            Muito se tem discutido a respeito de políticas de segurança pública que objetivem a redução das taxas de criminalidade, entretanto, muito pouco dessa discussão evoluiu em termos de implementação de políticas públicas eficazes, e, na maioria das vezes, as existentes são elaboradas sob critérios de senso comum, sem bases científicas ou técnicas de monitoramento e avaliação.
            Não se pode deixar de reconhecer também que a violência, ocasionalmente, é perpetrada pelo Estado, quando agentes públicos excedem as suas atribuições legais e tem-se notícia da prática de tortura e execuções sumárias, o que serve como retroalimentação do ciclo da violência. Violência gerando violência. Práticas estas que devem ser amplamente rechaçadas e inadmitidas em um Estado de Direito onde se proclama o respeito aos Direitos Humanos.
            Não menos importante é reconhecer que Segurança Pública é, à luz do art. 144 da Constituição Federal, não apenas "dever do Estado", mas "direito e responsabilidade de todos", razão pela qual é necessária e salutar a participação democrática da sociedade, de maneira a serem traçados rumos que se proponham a respeitar os Direitos Humanos e as realidades regionais e locais.
            O Estado brasileiro viu encerrado há menos de trinta anos um período autoritário que, a depender da corrente ideológica pode ter seu início marcado pela "Revolução de 1964" ou pelo "Golpe de 1964". Não há dúvidas, porém, de que durante o período de autoritarismo militar foram cometidas diversas violações aos Direitos Humanos, o que deixou marcas profundas e certamente motivou a promulgação, em 1988, de uma Constituição analítica que, de acordo com Barroso (2011) "sem embargo de suas múltiplas virtudes reais e simbólicas, é - mais do que analítica - casuística no tratamento de diversos temas, regulando-os em pormenor".
            Tal "casuísmo" e regulação pormenorizada tem como um dos principais exemplos o art. 144 da Constituição Federal, que trata da Segurança Pública, onde o constituinte, além de estabelecer os seus limites como "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos", apresenta um rol taxativo de instituições que nela atuam, tanto da União, dos Estados e Distrito Federal, quanto dos Municípios, estabelecendo um modelo que limita consideravelmente a autonomia dos entes federados com respeito à organização da Segurança Pública em seus territórios.
            Seria a segurança pública um direito fundamental? Como se estruturam as competências dos entes federados em relação à segurança pública? Assumindo-se que a segurança pública é um direito fundamental, o quanto da cultura militarizada das instituições policiais serve de freio à sua efetivação?
            Fazendo-se uma análise superficial é possível supor que a atual cultura militarizada das instituições de Segurança Pública demonstra grande dificuldade em lidar com a participação democrática da sociedade na definição e implementação de Políticas Públicas de segurança pública. Pode-se tomar como exemplo a forte resistência à integração entre as Polícias Civil e Militar, bem como ao insucesso de iniciativas mais amplas na adoção de um modelo de Policiamento Comunitário.
            A Assembleia Nacional Constituinte perdeu a oportunidade de fazer mudanças estruturais na segurança pública, com o intuito de desvencilhar as instituições policiais da influência do período de autoritarismo militar. Percebe-se até hoje uma grande dificuldade dos servidores policiais, em se enxergarem como cidadãos plenos de direitos, o que gera dificuldades em sua capacitação para agir conscientes de seu dever de defender os direitos fundamentais dos cidadãos.
            As Polícias Militares, embora tenham sua origem militar no século XIX, são ainda organizadas por normas instituídas no período autoritário brasileiro, quais sejam: o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969 (Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal, e dá outras providências) e o Decreto 88.777/83 (Regulamento das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares). Tais normas deixam muito clara a ligação e influência das Forças Armadas sobre a estrutura de segurança pública. Contudo, observa-se que a influência militar se estende a instituições policiais, que embora não sejam oficialmente "militares", guardam em si parte dessa cultura.
            A abordagem predominantemente militarizada que se confere às ações com o objetivo de reduzir as taxas de crimes pode ser percebida a partir do uso recorrente dos termos “combate ao crime”, “guerra às drogas” e todos os assemelhados. Não só isso, mas em uma grande parcela das situações o tratamento dispensado aos infratores da lei penal é o de verdadeiros inimigos do Estado, já que despidos de seus direitos fundamentais, consideram-se não cidadãos.
            No ano de 2009, o Ministério da Justiça realizou a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública para discutir as diretrizes da política nacional do setor. Com a participação da sociedade civil, profissionais da área de segurança pública e representantes da União, Estados e municípios foi aprovada uma proposta de desmilitarização das polícias, o que se vê atualmente como uma das providências extremamente necessárias à mudança de paradigma na segurança pública, em especial pela necessidade de se promover a participação democrática e uma aproximação das instituições policiais com a sociedade.
            O presente estudo está embasado no emprego do método dedutivo, o qual pressupõe a busca do conhecimento partindo-se do geral, pelo levantamento de dados, leis, doutrinas, jurisprudência e princípios constitucionais, para se chegar à solução do problema proposto nesta pesquisa.
            Para tanto, utilizou-se a metodologia de revisão bibliográfica, onde primeiramente aplicou-se o instrumental de levantamento bibliográfico com o objetivo de selecionar a base teórica existente, assim como a coleta de informações jurídicas a respeito da segurança pública, o que serviu de fundamento para as análises.
            O trabalho estrutura-se em três capítulos, sendo que no primeiro são abordados aspectos juridicamente relevantes sobre segurança pública, partindo-se de uma retomada histórica e posterior tentativa de conceituar segurança, ordem pública e segurança pública, passando-se pelo reconhecimento da segurança pública como direito fundamental, com a localização do tema no ordenamento jurídico constitucional brasileiro.
            No segundo capítulo serão apresentadas as competências constitucionais dos entes federados com relação à segurança pública.
            Finalmente, no terceiro capítulo, far-se-á uma análise crítica com ênfase na estrutura militarizada de segurança pública brasileira, seus efeitos e a consequente necessidade de desmilitarização como pressuposto necessário para a efetivação do direito fundamental à segurança pública.

 

2 SEGURANÇA PÚBLICA – ASPECTOS RELEVANTES

            O Brasil convive há algumas décadas com o crescimento das taxas de violência urbana, fato que é constantemente denunciado pelos meios de comunicação e, além disso, experimentado por uma considerável parcela da população. Observa-se que, ao menos nos últimos dez anos, tem aumentado a transparência dos dados divulgados sobre as taxas de criminalidade, o que torna a preocupação com a violência algo ainda mais alarmante.
            Em razão desse fato a discussão acerca da Segurança Pública deve ser prioridade não apenas para os setores governamentais, mas deve envolver a sociedade civil de maneira geral, em especial o meio acadêmico, pois este possui um papel relevante tanto na compreensão científica dos fenômenos sociais e jurídicos quanto na proposição de soluções.
            A alta complexidade do tema requer cuidado metodológico, já que não se pode atribuir apenas à ciência jurídica o mister de descrever e analisar o fenômeno da criminalidade, mas esta não deve ser a razão para que o Direito se afaste, mantendo-se distante da realidade social e do processo de busca por soluções para o aperfeiçoamento da sociedade brasileira.

2.1 MARCO HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA

            A busca por segurança sempre impulsionou a humanidade a desenvolver instrumentos e técnicas para a sua proteção pessoal, da família e dos grupos ao qual pertence. A história do direito à segurança pública remonta há muito tempo atrás, desde antes do aparecimento do Estado.
            É natural do ser humano a necessidade de segurança, uma vez que a natureza sempre impôs muitas dificuldades ao atendimento das suas necessidades básicas. Com o passar do tempo os indivíduos passaram a agregar-se, pois reconheceram que a organização coletiva era mais eficiente e eficaz tanto para adquirir recursos quanto para se proteger contra as intempéries e grupos rivais. A respeito do assunto Immanuel Kant esclarece que:
[...] nesse modo de vida os homens não podiam mais se dispersar em famílias, mas tinham de se manter unidos e construir aldeias (imprecisamente chamadas cidades) de modo a proteger sua propriedade contra caçadores selvagens ou hordas de pastores nômades. (Kant, 2009: 109).

            Além de proteção contra as ameaças naturais, a necessidade de segurança contra a tirania dos líderes tornou-se significativa, razão pela qual Fábio Konder Comparato afirma ter havido sequenciadas insurgências que resultaram nas afirmações progressivas dos direitos humanos:
A eclosão da consciência histórica dos direitos humanos só se deu após um longo trabalho preparatório, centrado em torno da limitação do poder político. O reconhecimento de que as instituições de governo devem ser utilizadas para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos governantes foi o primeiro passo decisivo na admissão da existência de direitos que, inerentes à própria condição humana, devem ser reconhecidos a todos e não podem ser havidos como mera concessão dos que exercem o poder. (Comparato, 2001: 26).

            Apenas para ilustrar o relevo da segurança ao longo da história, quando desenvolveram suas teorias contratualistas, Hobbes, Locke e Rousseau argumentaram que o principal motivo para a existência do Estado era a garantia da segurança dos seus cidadãos (proteção contra ameaças externas), ao custo de parcela das suas liberdades individuais. A respeito disso Cláudio Souza Neto declara:
Desde o contratualismo dos séculos XVII e XVIII, preservar a “ordem pública” e a “incolumidade das pessoas e do patrimônio” é a função primordial que justifica a própria instituição do poder estatal. Na Era Moderna, a segurança era o elemento mais básico de legitimação do Estado, o mínimo que se esperava da política. Na retórica novecentista do laissez faire, a segurança chegava a ser concebida como a única função do estado “guarda-noturno”. O estado social não só mantém a preocupação central com a segurança, como amplia o seu escopo, concebendo-a como “segurança social” contra os infortúnios da economia de mercado. (Souza Neto, 2008, s/p).

            Nesse processo histórico de reconhecimento e consolidação dos direitos humanos é digna de destaque a Declaração de Virgínia, de 1776, considerada “o registro de nascimento dos direitos humanos na História” (Comparato, 2001: 26). Essa declaração reconhecia solenemente que todos os homens são igualmente vocacionados, pela própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos.
            Outro momento histórico relevante ocorreu treze anos depois, no ato de abertura da Revolução Francesa, tempo em que foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Comparato, 2001: 26).
            Passados alguns séculos, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo explicação de Fábio Konder Comparato, tal documento internacional surgiu num contexto bastante específico:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo, foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, e cuja revelação só começou a ser feita - e de forma muito parcial, ou seja, com omissão de tudo o que se referia à União Soviética e de vários abusos cometidos pelas potências ocidentais - após o encerramento das hostilidades. (Comparato, 2001: 136).

            A Declaração é um texto com elevado valor simbólico no direito internacional, a qual prescreve a segurança como um direito de todas as pessoas: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" (Organização das Nações Unidas, 1948: s/p).
            Posteriormente, celebrada na cidade de Roma, em 4 de janeiro de 1950, a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, conhecida como Convenção Europeia dos Direitos Humanos, foi concebida pelo Conselho da Europa, organização representativa dos Estados da Europa Ocidental, criada em 5 de maio de 1949 com o objetivo de promover a unidade europeia, proteger os direitos humanos e fomentar o progresso econômico e social (Comparato, 2001: 160). O texto da Convenção traz no seu artigo quinto que: “Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança” (Conselho da Europa, 1950: s/p).
            No âmbito das Américas, aprovada na Conferência de São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana dos Direitos Humanos reproduziu boa parte das declarações de direitos constantes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (Comparato, 2001: 220). Sendo assinada por diversos países, também ressalta o direito à segurança no seu artigo 7º: “Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais” (Comparato, 2001: 225).
            Saindo do âmbito do direito internacional verifica-se que houve no Brasil, ao longo do tempo, um movimento progressivo de afirmação dos direitos humanos, do qual resultou na Constituição Federal de 1988 o reconhecimento de muitos deles com status de direitos fundamentais, situação em que se insere, também, o direito à segurança.
            No Estado Brasileiro a garantia da segurança dos indivíduos tornou-se elemento intrínseco à própria humanidade, sem a qual se reputa ser impossível ter uma existência humana digna. Nessa acepção, por reconhecer o direito à segurança como integrante do rol das garantias ao mínimo existencial, é relevante a transcrição da ementa de julgamento da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
Apelação cível e reexame necessário ­ Ação civil pública ­ Omissão do estado no cumprimento do dever de prestar segurança pública ­ Ausência de delegado de polícia, número insuficiente de escrivães e investigadores de polícia, bem como deficiência de equipamentos nas delegacias de polícia dos municípios de Alto Piquiri e Brasilândia do Sul ­ [...] ­ Direito à segurança que compõe o rol das garantias ao mínimo existencial ­ O descumprimento de políticas públicas definidas em sede constitucional legitima a intervenção do poder judiciário ­ [...] - Sentença mantida em sede de reexame necessário ­ Recurso de apelação conhecido e desprovido. (grifei) (Paraná, 2012: s/p).

            Segundo estudo de Ricardo Lobo Torres, o direito às condições mínimas de existência digna está incluído no rol dos direitos da liberdade, os quais são conhecidos também como direitos humanos, direitos individuais ou direitos naturais (Torres, 1989: s/p). Torres proclama ainda que o direito ao mínimo existencial está claro em alguns itens do art. 5º da Constituição Federal de 1988, fundamento constitucional dos direitos humanos (Torres, 1989: s/p), dentre os quais se encontra o direito à segurança.
            Para que se tenha uma compreensão clara a respeito do mínimo existencial, merecem destaque as características trazidas pela lição de Ricardo Lobo Torres:
O mínimo existencial exibe as características básicas dos direitos da liberdade: é pré-constitucional, posto que inerente à pessoa humana; constitui direito público subjetivo do cidadão, não sendo outorgado pela ordem jurídica, mas condicionando-a; tem validade erga omnes, aproximando-se do conceito e das consequências do estado de necessidade; não se esgota no elenco do art. 5º da Constituição nem em catálogo preexistente, é dotado de historicidade, variando de acordo com o contexto social. Mas é indefinível, aparecendo sob a forma de cláusulas gerais e de tipos indeterminados. (Torres, 1989: s/p).

            Sendo o direito à segurança parte do rol das garantias ao mínimo existencial, tem como características essenciais o ser pré-constitucional, direito público subjetivo do cidadão e ter validade erga omnes.
            Esclarecendo a origem e o conceito da expressão “mínimo existencial”, traz-se a lição de Marcelo Novelino:
A expressão mínimo existencial surgiu na Alemanha, em uma decisão do Tribunal Federal Administrativo de 1953, sendo posteriormente incorporada na jurisprudência do Tribunal Federal Constitucional daquele país. Deduzido a partir dos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade material e do Estado Social, o termo designa um conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis a uma vida humana digna. (Novelino, 2015: 523).

            Observe-se, contudo, que os direitos humanos, considerando sua natureza de direito internacional, necessitaram de instrumentos jurídicos suficientes para a sua concretização, surgindo daí a noção de direito fundamental, o qual passa a ter aplicação nos ordenamentos jurídicos dos Estados nacionais.
            Os direitos fundamentais, embora tenha relação estreita com os direitos humanos, com eles não se confundem, o que é bem informado na lição de Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] é possível definir direitos fundamentais como todas as posições jurídicas concernentes às pessoas (naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou transindividual) que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, expressa ou implicitamente, integradas à constituição e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, bem como todas as posições jurídicas que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição formal. (Sarlet; Marinoni, Mitidiero, 2016: 321)

            Percebe-se, então, que o direito à segurança constante nas Declarações de Direitos Humanos não possui plena identidade com o direito à segurança pública, o que se pode deduzir da explicação de João Francisco da Mota Júnior:
A segurança pública está intimamente ligada ao direito geral de segurança que deve ser proporcionado aos administrados, conforme salienta Sarlet, aduzindo que nesta última estão abrangidos o direito à segurança jurídica, à segurança pessoal e social, bem como proteção contra os atos normativos do Poder Público que possam violar direitos pessoais ou coletivos. (Mota Júnior, 2014: s/p)

            O direito à segurança é, por conseguinte, mais amplo e engloba segurança jurídica, segurança pessoal e segurança social, enquanto que a segurança pública volta-se a aspectos de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, de onde surgem várias tentativas de conceituação, tarefa extremamente difícil por se tratar de conceitos indeterminados por envolverem não apenas fatos e interesses jurídicos.
            Não há como deixar de observar que a doutrina nacional destaca o aspecto prestacional positivo da segurança pública, todavia, com base nas digressões realizadas até agora, deve-se ressaltar que a segurança pública tem natureza de direito humano, direito fundamental e de integrante do rol de garantias ao mínimo existencial dos indivíduos, o que exige também prestações negativas tanto pelo Estado, quanto pela sociedade.

2.2 SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

            No Brasil, o direito à segurança pública está previsto no texto constitucional em pelo menos três artigos, os quais são a seguir transcritos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (Brasil, 1988: 6)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Brasil, 1988: 6)

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] (Brasil, 1988: 50)

            Tomando por base a topografia dos artigos acima citados é possível, sem grande esforço analítico, perceber que o direito à segurança é tanto uma garantia individual quanto um direito social, o que tem uma repercussão jurídica notável, tendo em vista que as garantias individuais (art. 5º) e os direitos sociais (art. 6°) constitucionais são amplamente reconhecidos como direitos fundamentais e por esse motivo também considerados cláusulas pétreas, gozando da proteção contra modificação ou supressão prevista no art. 60 §4° da Constituição Federal. Nesse sentido Matheus Mendes Pinto prestigia o direito à segurança pública quando explicita sua natureza dúplice ao afirmar que:
O conteúdo da norma que assegura o direito à segurança pública [...] apresenta dupla classificação, sendo norma definidora de direitos e também norma programática, de modo que reflete direito subjetivo dos administrados, que podem exigir prestações positivas do Estado, bem como remete à prestações negativas, abstenções do Estado, para que não haja ingerência arbitrária na esfera de direitos individuais e coletivos. Além disso, por ter conteúdo de norma programática, impõe ao Poder Público o planejamento de meios que efetivem o gozo ao direito à segurança pública. (Pinto, 2014: s/p).

            A segurança pública assumiu, na Constituição Federal de 1988, características bastante complexas, pois foi incluída no elenco das garantias mínimas à vida humana digna, passando a gozar das mesmas prerrogativas dos direitos individuais e coletivos, sendo dessa forma inserido naquele rol que já foi anteriormente definido como “mínimo existencial”. Além disso, a segurança pública adentrou na esfera de prestações positivas a que se obrigou o Estado para garantir os direitos individuais e coletivos.
            Como já visto, o direito à segurança é também um direito social por ser um dos expressos no artigo 6º da Constituição, fato que é significativo segundo lição de Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] a despeito de alguma resistência por parte de setores da doutrina e da jurisprudência, os direitos sociais são direitos fundamentais, estando, em princípio, sujeitos ao mesmo regime jurídico dos demais direitos fundamentais [...] (Sarlet; Marinoni, Mitidiero, 2016: 598)

            Feitas tais considerações, não deve haver qualquer objeção de ordem técnica a que se reconheça a existência de um "direito fundamental à segurança pública”, submetido ao mesmo regime de proteção a que estão sujeitos os demais direitos fundamentais.
            Reconhecer o direito à segurança pública no Brasil como um direito fundamental tem implicações relevantes, em especial porque o tal passa a contar com ampla proteção constitucional, inclusive havendo possibilidade de buscar-se tutela jurisdicional para que seja efetivado. É possível classificar a previsão constitucional do direito fundamental à segurança pública dentre as normas constitucionais definidoras de direitos, delimitadas nos ensinamentos de Luís Roberto Barroso como as que:
[...] tipicamente geram direitos subjetivos, investido os jurisdicionados no poder de exigir do Estado – ou de outro eventual destinatário da norma – prestações positivas ou negativas, que proporcionem o desfrute dos bens jurídicos nelas consagrados. Nessa categoria se incluem todas as normas concernentes aos direitos políticos, individuais, coletivos, sociais e difusos previstos na Constituição. (Barroso, 2009: 262)

            Sendo assim, o direito fundamental à segurança pública é um direito subjetivo de todos os indivíduos que estejam no território brasileiro, possuindo a universalidade como característica essencial, sobre o que Cláudio Pereira de Souza Neto escreve:
O art. 5º da Constituição Federal, em seu caput, eleva a segurança à condição de direito fundamental. Como os demais, tal direito deve ser universalizado de maneira igual: não pode deixar de ser prestado à parcela mais pobre da população, ou prestado de modo seletivo. Além de ser decorrência da titularidade veiculada no caput do art. 144 (“a segurança [...] direito de todos”) e de sua jusfundamentalidade, a exigência da universalização igual da segurança pública, da não seletividade, decorre ainda do princípio republicano. (Souza Neto, 2008: s/p).

            A ordem constitucional pátria confere ao direito fundamental à segurança pública destaque em variadas dimensões quando o define como garantia individual, direito social fundamental, norma definidora de direitos e norma programática. Observa-se, desse modo, o alto grau de complexidade envolvido na definição desse direito, o que se reflete na extrema dificuldade em sua materialização.
            Importante observar que tanto o conceito de segurança pública quanto o de ordem pública são polissêmicos, indeterminados e vagos, os quais são empregados de maneira imprecisa na ordem jurídica brasileira (Lima; Silva; Oliveira, 2013: 58-83). Assim, o principal efeito de tal imprecisão conceitual é a existência de um dissenso na interpretação das leis, o que acaba por aumentar a discricionariedade das autoridades policiais (Lima; Silva; Oliveira, 2013: 58-83).
            Para que se tenha um melhor entendimento a respeito do tratamento constitucional conferido ao direito fundamental à segurança pública é necessário que se definam e diferenciem os conceitos jurídicos de ordem pública e de incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que foi feito pelo Ministro Ayres Brito no seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/1988). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social. (Brasil, 2010: s/p).

            Portanto, extrai-se que a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio constitui-se na efetiva proteção da integridade física e do patrimônio das pessoas, bem como assim da saúde pública. Ordem pública, por seu turno, está ligada à noção de acautelamento do meio social, a qual é abalada também quando há uma violação concreta da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Para José Afonso da Silva ordem pública “será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes” (Silva, 2009: 235).
            Acrescente-se o entendimento de Odete Medauar, a qual explica que a ordem pública abrange a segurança das pessoas e dos bens, identifica-se com o interesse público e pressupõe “um mínimo de condições essenciais a uma vida social adequada e pacífica” (Medauar, 1998: 351).
            Avançando na tentativa de delinear o conceito, Uadi Lammêgo Bulos explicita que “[...] segurança pública é a manutenção da ordem pública interna do Estado” (Bulos, 2014: 1.454).
            De Plácido e Silva, de maneira menos sintética, conceitua segurança pública como:
[...] o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. A segurança pública, assim, limita às liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais ofendendo-a. (Silva, 2009: 1.258).

            José Afonso da Silva elucida que segurança pública se constitui numa conjuntura de refazimento ou preservação de uma convivência social que permita a todos que usufruam de seus direitos e exerçam seus afazeres sem transtorno de outros, ressalvados os limites de usufruto e reclamo de seus próprios direitos e defesa de suas legítimas propensões (Silva, 2005: 777).

            Maria Helena Diniz, fundada no texto constitucional, afirma que:
“segurança pública é o dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, que é exercido para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio da polícia federal, polícia ferroviária federal, polícia rodoviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares”. (Diniz, 1998: 278).

            A legislação brasileira, em razão da imprecisão conceitual dos termos segurança pública e ordem pública, por vezes os emprega de maneira indiferente, o que contribui para reforçar a ideia de que são sinônimos:
Essa mesma indiferença entre os termos pode ser encontrada quando se analisam o artigo 185 do CPP, o artigo 86 da Lei de Execução Penal (LEP) e o artigo 174 do ECA. No primeiro, tem-se que um réu solto, em determinadas situações, pode oferecer risco à segurança pública. Já no artigo 174 do ECA depreende-se situação semelhante ao referir-se à manutenção da internação como manutenção da ordem pública. O artigo 86 da LEP fala em interesse da segurança pública ao afastar um detento de seu local de origem, isto é, de distanciá-lo de seus relativos. (Lima; Silva; Oliveira, 2013: 58-83).

            Com fundamento no caput do art. 15 da Lei nº 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança) é possível verificar que os termos ordem pública e segurança pública são apresentados como bens diversos a serem preservados, diante do que afirma-se que existe ao menos um aspecto da segurança pública que não é permutável com a ordem pública (Lima; Silva; Oliveira, 2013: 58-83).
            Sem a pretensão de esgotar o tema, segurança pública pode ser compreendida, em apertada síntese, como a manutenção da ordem pública e a preservação dos direitos fundamentais dos indivíduos, o que se concretiza por meio de ações do Estado e de todos os que com ele cooperam para o fim de preservar ou refazer o estado de convivência social pacífica, onde todos possam usufruir legitimamente de seus direitos.
            Com respeito à finalidade da segurança pública Marcelo Novelino manifesta que:
A segurança pública tem por finalidade a manutenção e restabelecimento da ordem pública e a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo exercida por meio dos órgãos de polícia federal (inclusive a rodoviária e a ferroviária) e estadual (polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiro militares) (CF art. 144). O dispositivo consagra norma de observância obrigatória pelos Estados-membros, impedindo-os de criar órgãos diversos dos elencados. (Novelino, 2015: 865).

            Para Alexandre de Moraes, quando o constituinte definiu a multiplicidade de órgãos para a defesa da segurança pública objetivou uma finalidade dupla, qual seja: “o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna” (Moraes, 2012: 846).
            Portanto, da análise de tudo o que se expôs até este ponto, observa-se que a segurança pública recebeu tratamento especial na Constituição de 1988, uma vez que foi alçada, com natureza de direito fundamental, à posição de prerrogativa indisponível dos cidadãos, devendo ser garantida pelo Estado através de políticas públicas com o fito de criar condições objetivas que facilitem a todos a sua efetivação por meio da atuação em conjunto dos entes federados e da sociedade civil organizada.
            Verifica-se também que os conceitos de segurança pública e ordem pública, embora vagos, não podem ser confundidos sem que haja o prejuízo de esvaziar o conteúdo constitucional do primeiro, reconhecido como direito fundamental, reduzindo-o ao mero estabelecimento da ordem na sociedade. Considerando, por conseguinte, a fluidez do conceito de ordem pública, efeito importante é o aumento da discricionariedade das autoridades pública para definir, segundo as circunstâncias, o que está e o que não está de acordo com a ordem por eles estabelecida.

 

3 COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS EM SEGURANÇA PÚBLICA

            A Constituição de 1988 organizou o Estado brasileiro como uma federação composta pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, entes que são pessoas jurídicas de direito público interno. De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet a questão federativa é o cerne do debate sobre as competências dos entes federados, tendo em vista a estrutura do Estado e os papéis de cada um deles (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2016: 856).
            O modelo federativo brasileiro, fundamentado nas tradições alemã e norte-americana, é, designado como federalismo cooperativo, uma vez que se caracteriza, ao menos parcialmente, por uma deliberada maneira de partição e exercício das competências (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2016: 857).
            Ainda com respeito às características gerais do sistema constitucional de competências, Ingo Wofgang Sarlet leciona que o Brasil adotou o princípio da predominância do interesse, segundo o qual cabem à União as demandas e conteúdos de prevalente interesse geral e nacional, aos Estados, por seu turno, tocam as matérias de preeminente interesse regional, enquanto que aos Municípios pertencem os assuntos de interesse local (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2016: 858).
            Segundo entendimento de Marcelo Novelino:
A competência consiste na capacidade jurídica de agir atribuída aos entes estatais, seja para editar normas primárias capazes de inovar o ordenamento jurídico (competências legislativas), seja para executar atividades de conteúdo individual e concreto, previstas na lei, voltadas à satisfação do interesse público (competências administrativas). (Novelino, 2015: 619).

            Compreende-se, então, que as competências atribuídas pela Constituição a cada ente da federação se prestam tanto para inovar na ordem jurídica, ocasião em que exercitam as competências legislativas, quanto para praticar atos peculiares e materiais que pretendem a satisfação do interesse público, momento em que exercem as competências administrativas.

3.1 COMPETÊNCIAS DA UNIÃO

            Marcelo Novelino ensina que o texto constitucional atribuiu à União “competências legislativas exclusivas, legislativas concorrentes e para estabelecer diretrizes gerais” (Novelino, 2015: 619). Ingo Wolfgang Sarlet, entrementes, esclarece ao mesmo tempo em que diferencia as competências exclusivas das privativas quando proclama que “competências privativas não são competências exclusivas, pois enquanto estas são indelegáveis as primeiras poderão ser objeto de delegação” (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2016: 864).
            Além das competências legislativas, a União possui competências administrativas ou materiais, definidas por Ingo Wolfgang Sarlet como aquelas de índole não jurisdicional ou não legislativa e que dizem respeito à “tomada de decisões de natureza político-administrativa, execução de políticas públicas e a gestão em geral da administração pública” (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2016: 859).
            Dentre as competências da União estão aquelas relacionadas às atuações das instituições policiais da União, que são a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal, cujo fundamento está nos artigos 21 e 144 da Constituição Federal:
Art. 21. Compete à União:
[...]
XXII – executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Brasil, 1988: 14).
[...]
Art. 144.
[...]
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Brasil, 1988: 50).

            Para que se compreendam satisfatoriamente as atribuições de cada uma das polícias da União, bem como dos demais órgãos de segurança pública, é de bom alvitre entender o conceito de poder de polícia, que segundo preceito de Marçal Justen Filho é “a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade” (Justen Filho, 2012: 553).
            Segundo a percepção de Maria Sylvia Di Pietro, o poder de polícia é “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (Di Pietro, 2013: 123). A autora continua esclarecendo que o interesse público está ligado a diversos domínios da sociedade, razão pela qual a polícia administrativa se divide em múltiplos ramos, como polícia de segurança, de trânsito, sanitária, florestal, dentre outras (Di Pietro, 2013: 123).
            No ordenamento jurídico brasileiro o conceito legal de poder de polícia é encontrado no artigo 78 da Lei Federal n° 5.172/66 (Código Tributário Nacional):
Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Brasil, 1966: 721).

            Perscrutando o conceito legal é possível observar que, embora não sejam apenas atribuições dos organismos policiais, o poder de polícia envolve atividades que tem estreita ligação com a segurança pública, especialmente no tocante aos termos “segurança”, “ordem”, “tranquilidade pública” e “respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos”, pois tais elementos também estão explícita ou implicitamente apresentados no caput do art. 144 da Constituição.
            Os conceitos de polícia administrativa e polícia judiciária são destacados na doutrina jurídica brasileira considerando serem duas áreas distintas de atuação do Estado. Maria Sylvia Di Pietro delimita os conceitos a partir das diferenças entre eles, sendo a primeira delas que a polícia administrativa possui índole predominantemente preventiva, enquanto que a polícia judiciária tem caráter majoritariamente repressivo (Di Pietro, 2013: 124).
            Em acordo com Álvaro Lazzarini, o limite que diferencia a polícia administrativa da polícia judiciária é o acontecimento ou não do fato que afronta a norma penal, pois, quando age em sede de ilícito eminentemente administrativo, a polícia é administrativa. De outra parte, quando ocorre o ilícito penal, deve atuar a polícia judiciária (Lazzarini apud Di Pietro, 2013: 124).
            Outra diferenciação para Maria Sylvia Di Pietro é que:
[...] a polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social. (Di Pietro, 2013: 124).

            Marcelo Novelino informa que o exercício da polícia administrativa na esfera federal é atribuído à Polícia Federal, como se vê nos incisos I e II do §1° do art. 144 da Constituição Federal, à Polícia Rodoviária Federal, de acordo com o §2° do mesmo artigo da norma fundamental, e à Polícia Ferroviária Federal, consoante o §3° do dispositivo já referido (Novelino, 2015: 866).
            O mesmo autor afirma ainda que o exercício da polícia judiciária da União se dá com exclusividade pela Polícia Federal, incumbindo-lhe a investigação dos crimes contra a ordem econômica e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas. Além disso, a Polícia Federal tem atribuições para apurar infrações penais cuja prática tenha repercussão interestadual, internacional ou que exija repressão uniformizada, de acordo com o que for definido em lei (Novelino, 2015: 867).
            Tomando por base dados divulgados por meio do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, verifica-se que apenas 3% de todo o efetivo de profissionais de segurança pública são policiais federais ou policiais rodoviários federais, o que corresponde a 19.895 servidores, destes 2% (13.230) são policiais federais e 1% (6.665) são policiais rodoviários federais (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015: s/p).
            Embora a Constituição atribua aos Estados-membros uma parcela consideravelmente maior de responsabilidades na segurança pública, desde a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, no ano de 1997 (Teixeira, 2012: s/p), o Governo Federal assumiu uma posição de protagonismo no assunto, o que ganhou relevo maior a partir da criação do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, no ano 2000 (Teixeira, 2012: s/p), consoante esclarece Márcio Aleandro Correia Teixeira:
De forma contínua, o governo federal procurou através da Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP articular um processo de centralização de orientações e decisões sobre a questão da segurança pública através das Conferências de Segurança Pública, CONSEG’s e do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI no âmbito do programa de cooperação federativa Sistema Único de Segurança Pública - SUSP que é de competência do Ministério da Justiça, estando inserido no núcleo das políticas públicas que informam a agenda governamental. (Teixeira, 2012: s/p).

            Quanto à atuação da União através do Plano Nacional de Segurança Pública, observa-se que ela ocorre com fundamento apenas no art. 1° da Lei Federal n° 10.201/2001, norma que criou o Fundo Nacional de Segurança Pública (Teixeira, 2012: s/p). Por essa razão é possível afirmar que não há previsão constitucional de um Sistema Único de Segurança Pública, ao contrário do que se observa, por exemplo, com o Sistema Único de Saúde, expressamente previsto no art. 198 da Constituição Federal.

 

3.2 COMPETÊNCIAS DOS ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS.

            Alexandre de Moraes, ao lecionar sobre as competências administrativas dos Estados-membros, afirma que a eles são reservadas as que não lhes sejam vedadas pela Constituição. Esta é a denominada competência remanescente dos Estados-membros, técnica adotada primeiramente pela Constituição norte-americana e por todas as Constituições nacionais desde a proclamação da República (Moraes, 2012: 318).
            Com respeito à segurança pública, o artigo 144, em seus parágrafos 4°, 5° e 6°, estabelece a previsão das polícias militar e civil, instituições policiais dos Estados-membros:
- polícias civis: deverão ser dirigidas por delegados de polícia de carreira, são incumbidas, ressalvada a competência da União, das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as infrações militares;
- polícias militares: sua atribuição é de polícia ostensiva, para preservação da ordem pública. (Moraes, 2012: 845).

            Retomando os dados trazidos pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública observa-se que a maior parcela das responsabilidades ligadas à segurança pública está a cargo dos Estados-membros, de onde se extrai que, do total de 666.479 servidores de segurança pública que atuam no território brasileiro, 64% (426.547) são policiais militares e 18% (119.966) são policiais civis (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015: s/p). Portanto, mais de 80% de todos os profissionais de segurança pública do Brasil são servidores dos Estados-membros, incluído o Distrito Federal.
             De acordo com Leon Szklarowsky, embora possua limitações prescritas pela Constituição, o Distrito Federal possui características de Estado e de Município, razão pela qual afirma que é um ente federado de natureza híbrida (Szklarowsky apud Novelino, 2015: 647).
            Outra característica do Distrito Federal, que possui ligação estreita com a sua competência na segurança pública, é a constante no artigo 21 da Constituição Federal, texto que interessa transcrever:
Art. 21. Compete à União:
[...]
XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio. (Brasil, 1988: 14).

            Compreende-se, portanto, que cabe à União a organização e a manutenção das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, apesar de tais instituições permanecerem subordinadas ao governador daquele ente federativo. Interessante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou por diversas ocasiões em relação a esse assunto, o que ensejou, inclusive, na recente edição da Súmula Vinculante n° 39: “Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal” (Brasil, 2015: s/p).
            A decisão do Supremo Tribunal Federal teve como um de seus precedentes mais destacados o que se transcreve a seguir, bastante didático quanto ao tema:
De saída, tenho por manifesta a inconstitucionalidade material da Lei Distrital 935, de 11 de outubro de 1995. É que, ao instituir a chamada 'gratificação por risco de vida' dos policiais e bombeiros militares do Distrito Federal, o Poder Legislativo distrital usurpou a competência material da União para 'organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio' (inciso XIV do art. 21 da CF/88). Daí a Súmula 647 do Supremo Tribunal Federal: [...] (Brasil, 2010: s/p).

            Com relação à competência dos Municípios na segurança pública, inicialmente deve-se esclarecer que as Guardas Municipais não constam no rol constitucional das instituições de segurança pública. Aquelas instituições municipais possuem previsão apenas no §8° do artigo 144 da Constituição Federal, ocasião em que o constituinte estabeleceu que “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (Brasil, 1988: 50).
            Observe-se que, com a entrada em vigor da Lei Federal n° 13.022/2014 (Estatuto das Guardas Municipais), foi disciplinado o §8° do artigo 144 da Constituição Federal, momento em que se estabeleceram normas gerais a serem observadas por todos os Municípios brasileiros (Brasil, 2014: 1.211). O diploma em questão traz expressamente em seu texto:
Art. 5° São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:
[...]
IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;
[...]
Parágrafo único. No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste artigo, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal, deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento. (Brasil, 2014: 1.211).

            Interpretando-se de maneira integrada o texto constitucional e os citados trechos do Estatuto das Guardas Municipais é viável concluir que as guardas municipais efetivamente não são órgãos de segurança pública, mas instituições colaboradoras e apoiadoras dos órgãos descritos no art. 144 da Constituição.
            Apesar disso, de fato, algumas dessas instituições municipais funcionam como se polícias fossem. A respeito disso importa transcrever as assertivas de Ana Cabral e Carlos Leonetti:
No entanto, o que se vê cada vez mais, são Guardas Municipais que, sob o pretexto de “auxiliar” as Polícias, em especial, a Militar, na pratica veem exercendo funções privativas desta, quase sempre sob seus protestos. Neste sentido, muitas das Guardas Municipais armaram seus agentes, e algumas já possuem cães farejadores, presumidamente para combater o trafico de drogas. (Cabral; Leonetti, 2014: s/p).

            Como se pode verificar, a segurança pública brasileira está organizada de maneira complexa, visto que a Constituição atribui competências a vários órgãos integrantes da União e dos Estados-membros, contudo a falta de integração e articulação entre eles tem contribuído historicamente para a manutenção de um panorama desfavorável à efetivação do direito fundamental à segurança pública.
            A par desse fato, o Governo Federal tem assumido proeminência na implementação de políticas públicas que visam minimizar o efeito dos desequilíbrios orçamentário e financeiro existentes entre os entes federados, isso acompanhado do direcionamento de esforços para o enfrentamento do fenômeno criminal.
            Papel relevante nesse cenário deve ser reconhecido à criação dos Planos Nacionais de Segurança Pública e do financiamento de projetos de segurança pública desde a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, o que se deu por meio da Lei Federal nº 10.201/2001. Observe-se o artigo 1º da lei:
Art. 1o Fica instituído, no âmbito do Ministério da Justiça, o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP, com o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e de prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do Governo Federal. (Brasil, 2001: s/p).

            Observa-se, entretanto, que o esforço conjunto esbarra na reduzida autonomia dos entes federados para dispor sobre a estrutura de seus próprios órgãos de segurança pública, já que são definidos pela Constituição Federal, além de fatores negativos da cultura interna das instituições policiais, em especial decorrentes da influência militar sobre os organismos de segurança pública de maneira geral.

4 A (DES) MILITARIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

            Conforme dados da pesquisa elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 64% (sessenta e quatro por cento) dos servidores da segurança pública no Brasil são policiais militares (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015: s/p). Levando-se em conta o critério de proporcionalidade numérica é viável afirmar que parcela equivalente das atribuições de segurança pública está sob administração militar.
            Entretanto, os reflexos da influência militar sobre a segurança pública não estão limitados às Polícias Militares, pois é fácil observar que polícias civis também possuem alguns caracteres militares, quer seja em sua legislação de referência, quer seja na semelhança de uniformes e insígnias, quer seja em aspectos de organização e cultura institucional.
            Exemplo de influência militar sobre uma instituição policial civil pode ser verificado na Polícia Federal, onde a “função policial” deve ser fundada na “hierarquia e disciplina”, e onde a legislação ainda contém previsão de “detenção disciplinar” (Brasil, 1965: s/p) como uma das possíveis penas disciplinares, isso conforme a Lei Federal n° 4878/1965, normativo que instituiu o Regime Jurídico peculiar dos Funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal, em vigor até hoje.

4.1 SEGURANÇA PÚBLICA E CULTURA MILITAR

            Para que se compreenda de maneira adequada o assunto, em pesquisa realizada sobre a Polícia Militar do Rio de Janeiro, Maria Cecília de Souza Minayo define os conceitos de hierarquia e disciplina:
‘Hierarquia’ é o princípio fundamental da divisão do trabalho dessa corporação, expressando-se em papeis, tarefas e status que determinam condutas e estruturam relações de comando-subordinação. É também a base sobre a qual se reatualizam, cotidianamente, sinais de respeito, honras, cerimoniais e rituais de ordem e de disciplina. (Minayo; Souza; Constantino, 2008: 89).
‘Disciplina’ é o segundo componente estruturante da Polícia Militar. [...] O disciplinamento se configura como método de controle minucioso dos corpos, supondo um binômio de docilidade-utilidade em relação ao espaço, ao tempo e aos movimentos, exercitando os indivíduos pela destreza no trabalho: ele se pauta em uma correlação de poderes e interesses. (Minayo; Souza; Constantino, 2008: 91).

            Entende-se, portanto, que o modelo de administração militar baseia-se fortemente na hierarquia e na disciplina, valores que orientam prioritariamente a ação de todos os servidores, do patamar mais baixo ao mais alto no escalonamento das instituições militares.
            O entendimento militar da expressão “ordem pública” é fundamental para que se assimile de maneira adequada a conjuntura da segurança pública brasileira. Felipe Augusto Rodrigues Ambrósio e Maurício Gonçalves Saliba fornecem, a respeito disso, explicações esclarecedoras:
No padrão militar, falar de ordem pública é, curiosamente, falar de desordem pública, de combate, de guerra, contra inimigos abstratos que, no atacado, estariam à espreita em lugares suspeitos e determinados. Ao considerar o crime como uma patologia intolerável, e os conflitos de interesses como algo ameaçador, o modelo militar pretende “vencer” o crime, sob o princípio militar da vitória, erradicando a criminalidade e “acabando” com a “desordem”. (Ambrósio; Saliba, 2015: s/p).

            Apesar de já abordado em capítulo anterior, não é demais enfatizar que as expressões “ordem pública” e “segurança pública” não são delineadas de forma precisa pelo ordenamento jurídico brasileiro, e, por vezes, embora não o sejam, são tratadas como sinônimas. Renato Sérgio de Lima esclarece que a confusão terminológica é empregada para a manutenção de uma estrutura autoritária de segurança pública:
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), diploma legal famoso por sua origem, qual seja, o Estado Novo da Era Vargas, é exemplar [...]. Por sua análise, evidencia-se a utilização dos termos “ordem pública” e “segurança” na acepção de “segurança nacional”, de cunho fortemente autoritário. (Lima; Silva; Oliveira, 2013: 58-83).

            Júlia Valente, com esteio na obra do historiador policial Francis Albert Cotta, descreve que o processo de institucionalização e solidificação das polícias brasileiras se deu sempre com a retenção da ideia de ordem, inicialmente imperial e posteriormente burguesa, e também com o emprego do funcionamento, da lógica e da estrutura dos corpos militares nas funções policiais (Valente, 2016: 32).
            Ainda de acordo com a mesma autora observa-se que houve uma influência determinante de Luís Alves, o Duque de Caxias, sobre a Guarda Municipal Permanente do Rio de Janeiro, instituição que se converteu depois na Polícia Militar do Rio de Janeiro:
A primeira posição de comando exercida pelo então major Luís Alves foi de chefe da Guarda Municipal Permanente do Rio de Janeiro em 1832, posto que assumiu por vários anos, sendo um dos responsáveis pela repressão aos movimentos de rua ocorridos após a abdicação de D. Pedro I (SOUZA, 2003, p. 4). Na futura Polícia Militar, Luís Alves deixou marcas duradouras, influindo na construção do sentido de sua identidade corporativa, defendendo suas prerrogativas, impondo disciplina e garantindo o respeito da corporação aos olhos da elite governante, especialmente por sua eficácia como instrumento de repressão (HOLLOWAY, p. 106).Na avaliação de Holloway, a "Polícia Militar sob Caxias começou a construir uma tradição de corporativismo que a separou da sociedade civil e lhe incutiu a mentalidade do nós versus eles, em relação não apenas a instituições rivais, como a Guarda Nacional, mas também à sociedade em geral" (HOLLOWAY, p. 146). (Valente, 2016: 78).

            É importante, no cotejo do Estado Democrático de Direito, diferenciar claramente as atribuições policiais daquelas que são propriamente militares. Isso é necessário, uma vez que no Brasil, pelo histórico de adoção de modelos militares de instituições policiais, há um senso comum de que a atividade policial está inserida no desempenho da função militar, contudo isso não é a realidade. Luiz Eduardo Soares esclarece tal diferença quando afirma que:
A missão das polícias no Estado democrático de direito é inteiramente diferente daquela que cabe ao Exército. O dever das polícias, vale reiterar, é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da Lei, ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões que os violem. O funcionamento usual das instituições policiais com presença uniformizada e ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dada a variedade, a complexidade e o dinamismo dos problemas a superar, os seguintes atributos: descentralização; valorização do trabalho na ponta; flexibilidade no processo decisório nos limites da legalidade, do respeito aos direitos humanos e dos princípios internacionalmente concertados que regem o uso comedido da força; plasticidade adaptativa às especificidades locais; capacidade de interlocução, liderança, mediação e diagnóstico; liberdade para adoção de iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e intervenções governamentais intersetoriais. Idealmente, o(a) policial na esquina é um(a) gestor(a) da segurança em escala territorial limitada com amplo acesso à comunicação intra e extra-institucional, de corte horizontal e transversal. (Soares, 2013: 3-5).

            Felipe Augusto Rodrigues Ambrósio e Maurício Gonçalves Saliba, no trecho de seu artigo a seguir transcrito, descrevem ao mesmo tempo em que analisam os efeitos do processo que instituiu nas Constituições brasileiras a subordinação das Polícias Militares ao Exército:
A Constituição de 1946 confirmou a subordinação da Polícia Militar ao Exército, assim como o fez a Constituição de 1967, promulgada durante o período autoritário. O famoso ato complementar de 1968, responsável pelo aprofundamento da ditadura, também repetiu que “as polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares do Exército”. Com esse ato complementar permitiu-se que a Polícia Militar continuasse a ser utilizada nos serviços de informação e contrainformação do período autoritário. [...] Temos como hipótese, no entanto, que sua forma de participação nesse momento histórico contribuiu para fortalecer a ideologia que considera a população como o inimigo interno, intensificando o fechamento institucional e o enrijecimento hierárquico. (Ambrósio; Saliba, 2015: s/p).

            Da mesma maneira Maria Cecília de Souza Minayo declara como se manteve o vínculo das Polícias Militares com o Exército na Constituição Federal de 1988:
Dentre muitas questões que deixaram de resolver em função do ambiente tenso do início do processo de democratização e da grande influência militar ainda presente, a Constituição Federal consentiu com a “militarização das polícias” quando equiparou, em seu artigo 142, as polícias e os corpos de bombeiros às instituições militares e, no artigo 144, §6º, definiu tais instituições como forças auxiliares do exército, garantindo as suas características militares. (Minayo; Souza; Constantino, 2008: 54).

            Um dos aspectos em que se constata claramente a ingerência militar na segurança pública foi observado por José Maria Pereira da Nóbrega Júnior para o qual, de acordo com a Lei Federal n° 9.883/1999, a atividade de Inteligência possui natureza civil e militar, motivo por que as P2 (Serviços de Inteligência das Polícias Militares) estão ligadas à ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), o que mistura atribuições, pois a primeira deveria se ocupar da inteligência de segurança pública, enquanto a segunda cuida de inteligência de Estado. Observa ainda José Maria que a manutenção do vínculo entre as Polícias Militares e o Exército, em especial na área de informações-inteligência, fragiliza o poder dos governadores estaduais, arranjo que abre espaço para uma atuação desproporcional dos militares (Nóbrega Júnior, 2010: 119-130).
            Não é objetivo deste estudo retirar o valor que deve ser reconhecido ao modelo de administração militar, que possui virtudes e defeitos como qualquer outro, mas pretende-se destacar algumas das incoerências que são observadas a partir do seu emprego na função policial, como observa Maria Cecília de Souza Minayo:
É inegável que a utilização de métodos importados da disciplina militar tem efeitos positivos no sentido de promover algum controle sobre práticas de corrupção, favoritismo pessoal, ingerência política e estabelecimento de parâmetros para normalização de comportamentos e práticas. Tais efeitos, porém, são de curto alcance quando se referem à qualidade do trabalho que a Polícia ostensiva desenvolve nas ruas. [...] Diferentemente do Exército, que atua em conjunto a partir de ordens centralizadas, a atividade da Polícia envolve uma quantidade enorme de decisões tomadas particular ou contingencialmente, cujo controle efetivo exigiria regras decisórias claras, explícitas e aplicáveis à multiplicidade de situações enfrentadas cotidianamente. (Minayo; Souza; Constantino, 2008: 309).

            Sobre o período de governo militar no Brasil, a partir de 1964, Júlia Valente explica como se deu a aplicação da Doutrina de Segurança Nacional no modo de operação das Polícias Militares:
A militarização neste momento da história do Brasil foi além da presença de oficiais do Exército no comando das Polícias Militares ou como titulares das Secretarias de Segurança, representou a "construção de um novo modelo teórico para as polícias de segurança que se caracteriza pela submissão aos preceitos da guerra e que consiste na implantação de uma ideologia militar para a polícia" (CERQUEIRA, 1996, p. 142). Em um contexto em que as Forças Armadas eram o principal protagonista político e o regime tinha como base teórica a Doutrina de Segurança Nacional, as polícias, controladas pelo governo Federal, foram usadas para todas as atitudes repressivas e antidemocráticas impostas pelo governo, estando o conceito de segurança pública atrelado ao de segurança interna. (Valente, 2016: 100).

            A pesquisa realizada por Jacqueline de Oliveira Muniz a respeito dos paradoxos na formação educacional dos policiais militares constatou que a Doutrina de Segurança Nacional contribuiu de maneira decisiva para que a atuação das Polícias Militares se distanciasse de sua função na segurança pública, tendo em vista que tais instituições foram mobilizadas e direcionadas para combater os inimigos do regime militar (Muniz, 2001: 22-25). Tal emprego, consoante a mesma autora, além de estranho e contrário às atribuições próprias de polícia, comprometeu sensivelmente a profissionalização das tarefas de policiamento estrito senso, o que atrasou em décadas o processo formativo dos policiais militares (Muniz, 2001: 22-25).
            Maria Cecília de Souza Minayo fornece mais argumentos à ideia de contradição ou ambiguidade que ocorre no processo formativo dos profissionais das Polícias Militares:
Guimarães, Torres e Faria (2005) mostram que a própria formação dos policiais passa mensagens ambíguas, ora enaltecendo os direitos humanos, ora enaltecendo estratégias para torná-los ‘homens’ duros e confrontantes, influenciando-os, frequentemente, a aderirem a ações extrajudiciais. [...] Albuquerque e Machado (2001), observando a jornada de instrução de aspirantes a policiais cursando a Academia do Estado da Bahia, também assinalam a ênfase no militarismo muito mais que nos direitos humanos. (Minayo; Souza; Constantino, 2008: 95).

            Verifica-se, contudo, que as contradições existentes entre o que é propriamente militar e o que é função policial não se restringe às questões educacionais, mas gera reflexos tanto na avaliação feita pelos próprios policiais militares a respeito de sua instituição quanto no planejamento e na ação dos gestores, como alega Maria Cecília de Souza Minayo:
Os dois princípios básicos que instituem a corporação – hierarquia e disciplina, frutos do termo ‘militar’ pesadíssimo aposto ao termo ‘polícia’ – atuam, contraditoriamente, como uma identificação e como uma camisa-de-força. Essa contradição se faz presente reiteradamente na fala dos profissionais ao avaliarem a instituição da qual são membros, mas também nas tentativas sempre parciais e incompleta dos gestores da corporação de, como dizem, “quebrar paradigmas”. (Minayo; Souza; Constantino, 2008: 92).

            Jacqueline de Souza Muniz é assertiva ao anunciar que as Polícias Militares, embora bicentenárias como organizações de aplicação militar, possuem uma história bem recente como polícias (Muniz, 2001: 22-25). Aponta ainda que a identidade policial das Polícias Militares ainda está por se institucionalizar, vez que apenas depois da promulgação da Constituição democrática de 1988 os assuntos policiais passaram a receber tratamento adequado, separado das questões mais amplas de Segurança Nacional (Muniz, 2001: 22-25).
            Ainda de acordo com Jacqueline de Souza Muniz:
Diferente de outras instituições modernas tais como a Polícia Metropolitana de Londres e o Departamento de Polícia de Nova York, criadas respectivamente em 1829 e 1845, as nossas Polícias Militares, em quase dois séculos de existência, nem sempre funcionaram como organizações policiais propriamente ditas. Mesmo levando em consideração os distintos percursos históricos das PMs de cada estado brasileiro, pode-se afirmar que, até os dias atuais, foram poucos os períodos em que, de fato, elas puderam atuar como polícias urbanas e ostensivas. Tomando de empréstimo a fala crítica dos segmentos policiais identificados como "progressistas", pode-se dizer que "as PMs foram muito mais uma corporação militar do que uma organização policial", sendo, ao longo de suas histórias particulares, mais empregadas para os fins de segurança interna e de defesa nacional, do que para as funções de segurança pública. (Muniz, 2001: 22-25).

            A militarização da segurança pública, de acordo com observação de Júlia Valente, é algo que não se resume à estruturação militarizada da polícia, devendo ser compreendida como um processo de acolhimento e aplicação de doutrina, conceitos, métodos, padrões, estratégias e efetivos militares em práticas de natureza policial, fornecendo um caráter militar a questões de segurança pública (Valente, 2016: 131). A autora usa como uma de suas referências o livro The Rise of the Warrior Cop: the Militarization of Americas Police Forces (2013), de autoria do estudioso da polícia Radley Balko (Valente, 2016: 131), o que nos dá a indicação de que o fenômeno de militarização da segurança pública não é exclusivo da realidade brasileira.

4.2 A DESMILITARIZAÇÃO NA PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2013

            São significativas as afirmações de Felipe Augusto Rodrigues Ambrósio e Maurício Gonçalves Saliba, que concluem pela necessidade de se aprofundar a discussão a respeito da desmilitarização das Polícias Militares:
Em recente pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, sobre a “Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública”, chegou-se a dados esclarecedores sobre o que pensam os policiais brasileiros, pertencentes a todas as polícias. Foi revelado que 93,6% dos policiais militares acreditam que a corrupção compromete a eficiência do trabalho das corporações. Neste caminho, 73,7% defendem a desvinculação da carreira com o Exército — quando o recorte é feito apenas aos policiais militares, o índice sobe para 76%. [...]. Fatos que, de acordo com o estudo, significam que os servidores policiais, especialmente os praças da PM, são favoráveis à desmilitarização e que o Brasil precisa aprofundar o debate sobre o assunto. (Ambrósio; Saliba, 2015: s/p).

            Não se pode deixar de atribuir significativo valor aos dados noticiados pela pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma vez que está demonstrada de maneira clara a insatisfação dos profissionais da área de segurança pública com o modelo organizativo adotado até agora. Merece atenção o fato de que, considerados apenas os policiais militares pesquisados, 76% são favoráveis à desmilitarização das instituições a que pertencem.
            Jorge Luiz Bengochea, Coronel da Reserva da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, apresenta, então, o desafio que precisa ser enfrentado pelas polícias do Brasil e dos demais países da América Latina:
O grande desafio colocado no processo de democratização dos países da América Latina, hoje, quanto às organizações policiais, é a questão da função da polícia, do conceito de polícia. Esta definição é manifestada pela transposição da polícia tradicional, voltada exclusivamente a uma ordem pública predeterminada e estabelecida pelo poder dominante, para uma polícia cidadã, direcionada para efetivação e garantias dos direitos humanos fundamentais de todos os cidadãos. (Bengochea, 2004: 119-131).

            Afirma-se, por conseguinte, que uma maneira possível de superara referenciada ideia tradicional de ordem só seria alcançada a partir de um modelo não militar de Segurança Pública, o qual só se estabeleceria a partir da desmilitarização das Polícias Militares. Sabe-se, contudo, que o tema é extremamente complexo e polêmico em razão de fatores políticos e da resistência histórica, tanto por parte das Forças Armadas, quanto de uma considerável parcela dos gestores das instituições militares estaduais.
            Atualmente há em trâmite no Congresso Nacional algumas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) que tratam acerca da desmilitarização das polícias, contudo, para o interesse do presente estudo far-se-á um corte metodológico para análise apenas da PEC nº 51/2013, pois, além de ser a mais recente, é a proposta que parece ter uma justificativa melhor fundamentada e isenta de interesses corporativistas.
            A proposta de alteração constitucional pretende acrescentar vários dispositivos à Constituição, dentre eles merece destaque o Art. 143-A, o qual amplia consideravelmente a compreensão jurídica sobre a segurança pública, superando o paradigma da segurança pública da ordem:
Art. 143-A. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública democrática e para a garantia dos direitos dos cidadãos, inclusive a incolumidade das pessoas e do patrimônio, observados os seguintes princípios:
I - atuação isonômica em relação a todos os cidadãos, inclusive quanto à distribuição espacial da provisão de segurança pública;
II - valorização de estratégias de prevenção do crime e da violência;
III - valorização dos profissionais da segurança pública;
IV – garantia de funcionamento de mecanismos controle social e de promoção da transparência; e
V – prevenção e fiscalização efetivas de abusos e ilícitos cometidos por profissionais de segurança pública.
Parágrafo único. A fim de prover segurança pública, o Estado deverá organizar polícias, órgãos de natureza civil, cuja função é garantir os direitos dos cidadãos, e que poderão recorrer ao uso comedido da força, segundo a proporcionalidade e a razoabilidade, devendo atuar ostensiva e preventivamente, investigando e realizando a persecução criminal. (Brasil, 2013: s/p)

            O caput do artigo apresentado acrescenta o qualificativo “democrática” para a ordem pública, diante do que se pode entender como o estabelecimento de um novo paradigma de ordem pública, delineada democraticamente, com ampla participação social e não definida por pequenos grupos que detém poder político e econômico. Observa-se ainda que a proteção do patrimônio e da incolumidade das pessoas são apenas exemplos de bens jurídicos a serem garantidos pelo direito à da segurança pública, algo que já ocorre de fato na ordem constitucional vigente, mas que ganharia bastante relevo com o novo texto.
            A seguir são estabelecidos importantes princípios para a atuação das polícias, devendo-se destacar que no parágrafo único existe a previsão de que todas as polícias deverão ser organizadas com natureza civil, pressuposto que se entende necessário para que ocorra a mudança de cultura nos organismos policiais do Brasil.
            Luiz Eduardo Soares, em um dos seus artigos sobre a PEC nº 51/2013, considera imprescindível e inadiável a desmilitarização e a mudança do modelo policial, especialmente em razão do padrão militar ser o responsável pela “seleção de crimes“ a serem privilegiados pelo “foco repressivo”, com o consequente aumento da população penitenciária com marcado perfil social e de cor (Soares, 2013: 3-5).
            Considerada uma das ideias chave da proposta em análise, Luiz Eduardo Soares explicita que, se aprovado o texto, “as PMs deixam de existir como tais, porque perdem o caráter militar, dado pelo vínculo orgânico com o Exército (enquanto força reserva) e pelo espelhamento organizacional” (Soares, 2013: 3-5).
            Sandy Larranhaga de Noronha, comentando a Justificativa da PEC nº 51/2013, apresenta outras razões para desmilitarizar as polícias:
Sem prejuízo da hierarquia inerente a qualquer organização, a excessiva rigidez das Polícias Militares deve ser substituída por maior autonomia para o policial, acompanhada de maior controle social e transparência. O policial deve se relacionar com a sociedade a fim de se tornar um microgestor confiável da segurança pública naquele território, responsivo e permeável às demandas dos cidadãos. (Noronha, 2014: s/p).

            Com o intuito de efetivar o controle social sobre as instituições policiais e aumentar a sua transparência a propositura em análise apresenta avanços no controle externo e na participação da sociedade, o que é decisivo para alterar o padrão de relacionamento das instituições policiais com as populações mais vulneráveis, atualmente marcado pela hostilidade e que acaba reproduzindo desigualdades (Soares, 2013: 3-5).
            A redação da PEC 51/2013 propõe a criação de um órgão de controle externo além do que já é exercido pelo Ministério Público nos seguintes termos:
Art. 144-B. O controle externo da atividade policial será exercido, paralelamente ao disposto no art. 129, VII, por meio de Ouvidoria Externa, constituída no âmbito de cada órgão policial previsto nos arts. 144 e 144-A, dotada de autonomia orçamentária e funcional, incumbida do controle da atuação do órgão policial e do cumprimento dos deveres funcionais de seus profissionais e das seguintes atribuições, além daquelas previstas em lei [...] (Brasil, 2013: s/p)

            Além das propostas aqui apresentadas, a PEC em questão possui muitas outras que não serão analisadas em razão do corte metodológico. Se aprovado o texto como se encontra atualmente em trâmite no Senado Federal, Luiz Eduardo Soares reconhece que não serão resolvidos todos os problemas da segurança pública, mas implementar tais mudanças são “condição sine qua non para que eles comecem a ser enfrentados” (Soares, 2013: 3-5).
            Espera-se que, considerada a segurança pública como um direito fundamental e o anseio pela concretização dos princípios constitucionais e democráticos, as instituições policiais abandonem o ciclo vicioso de buscar a efetivação de uma limitada segurança pública da ordem e passem a atuar para a construção de uma verdadeira segurança pública dos direitos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A violência e a criminalidade implicam diretamente na qualidade de vida das pessoas, razão pela qual entende-se a importância e a urgência da discussão democrática a respeito de segurança pública.
            Segurança sempre foi uma necessidade humana, e, com a evolução das formas de organização em sociedade que culminaram com a criação do Estado, a tal tornou-se um direito subjetivo dos indivíduos. Estruturado gradativamente na história, reconhecido como um direito humano, portanto, universal, o direito à segurança pública recebeu na Constituição de 1988 o status de integrante do rol das garantias ao mínimo existencial.
            Constatou-se na pesquisa a existência de um direito fundamental à segurança pública, que ao Estado se impõe como norma programática e definidora de direitos, pois exige tanto sua atuação positiva quanto abstenções para que não existam interferências arbitrárias na esfera dos direitos individuais e coletivos. Observou-se também que, conforme caput do art. 144 da Constituição, não há apenas dever do Estado, compreendendo todos os seus entes, mas a responsabilidade de toda a sociedade organizada.
            Relevante é a compreensão de que os termos segurança pública e ordem pública são conceitos abertos, imprecisos, o que propicia o aumento da margem de discricionariedade dos gestores de segurança pública. Esse fato, por conseguinte, cria sérias dificuldades com relação às expectativas da sociedade.
            A Constituição federal delimitou as competências constitucionais em segurança pública de cada ente, atribuindo aos Estados-membros uma parcela consideravelmente maior em relação às da União. Os Municípios, por seu turno, tem diminuta competência no assunto, tendo em vista que a Constituição não inclui as Guardas Municipais no rol taxativo de instituições de segurança pública. A partir da vigência da Lei nº 13.022/2014 (Estatuto das Guardas Municipais), as guardas municipais receberam a condição de colaboradoras dos órgãos de segurança pública.
            Percebeu-se que o arranjo constitucional dos órgãos de segurança pública não é enfático na exigência de cooperação e integração entre os entes federados, contudo a União adotou medidas com o fim de promovê-las, especialmente depois da criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e da criação dos planos nacionais de segurança pública.
            Apesar do esforço do Governo federal, poucos avanços aconteceram no sentido de efetivar o direito fundamental à segurança pública, o que, em considerável parcela, se deve à manutenção de uma cultura militarizada na abordagem das questões sobre a criminalidade.
            A influência militar é relevante na maneira como as questões de segurança pública são tratadas, pois as instituições policiais prezam por manter-se pouco transparentes e implementam práticas decididas, na maioria das vezes, sem a participação democrática da sociedade.
            É determinante o fato de que, na visão militar, segurança pública é sinônima de ordem pública, que se pode constituir a partir dos conceitos bélicos de “vitória” na “guerra” contra os criminosos (inimigos da ordem pública).
            Examinou-se, entretanto, que segurança pública extrapola o que se entende por ordem pública, motivo pelo qual a superação do paradigma militar é extremamente necessária para que a salvaguarda do Estado Democrático e dos direitos e garantias individuais passem a ser, não apenas no discurso, o foco das ações do Estado no intuito de efetivar o direito fundamental à segurança pública.
            Com fundamento na pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública identificou-se a insatisfação dos próprios policiais com a estruturação militar dos seus órgãos, argumento que se acrescenta aos anteriores à necessidade de aprofundamento do debate do assunto.
            Para efeito ilustrativo analisou-se o modelo de desmilitarização das polícias proposto na PEC nº 51/2013, apenas uma dentre as diversas Propostas de Emenda Constitucional sobre o assunto que tramitam no Congresso Nacional.
            Merecem aprofundamento outras demandas relacionadas ao tema, como a constitucionalidade do cerceamento da liberdade de policiais militares por infração disciplinar e também a falta de definição legal de jornada de trabalho, o que ocorrem em muitos estados, questões afetas a direitos fundamentais e que são vivenciadas pelos profissionais de segurança.
            Por fim, ressalte-se que a busca pela efetivação do direito fundamental à segurança pública deve ter tratamento prioritário pelo Estado, assim como necessita ocorrer com os demais direitos fundamentais, contudo, a ação que se espera não deve ficar limitada ao aumento de investimentos para compra de armas, munições, viaturas e contratação de pessoal, mas na estruturação de novas instituições, com uma nova cultura que seja capaz de impulsionar cada policial, reconhecido e respeitado como cidadão de plenos direitos, a ser um gestor que contribua para a construção de uma segurança pública da cidadania e dos direitos.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Mudança do Paradigma Repressivo em Segurança Pública: reflexões criminológicas críticas em torno à proposta da 1º Conferência Nacional Brasileira de Segurança Pública. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, p. 335-356, dez. 2013. ISSN 2177-7055. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/30342>. Acesso em: 30 jul. 2016.
AMBROSIO, Felipe Augusto Rodrigues; SALIBA, Maurício Gonçalves. O paradigma militarista e os obstáculos ao alcançamento do Estado Democrático de Direito No Cenário Brasileiro. Criminologias e política criminal [Recurso eletrônico] organização CONPEDI/UFS; Coordenadores: Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Bartira Macedo Miranda Santos, Marilia Montenegro Pessoa De Mello – Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em:<www.conpedi.org.br/publicacoes/c178h0tg/23r885k0/5tM47uVX6MD40Dk0.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2016.

BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz et al. A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 119-131, mar. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000100015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 17 mar. 2016.

BRASIL. Lei Federal n° 4.878 (1965). Dispõe sobre o regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4878compilado.htm>. Acesso em: 11 jul 2016.

______. Lei Federal nº 5.172 (1966). Código Tributário Nacional. Vade Mecum Saraiva/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Saraiva/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.

______. Lei Federal n° 10.201 (2001). Institui o Fundo Nacional de Segurança Pública - FNSP, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10201.htm>. Acesso em: 11 set 2016.

______. Lei Federal n° 13.022 (2014). Estatuto das Guardas Municipais. VadeMecum Saraiva/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.

______. Senado Federal. Proposta de Emenda Constitucional nº 51 (2013). Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getTexto.asp?t=137096&c=PDF&tp=1>. Acesso em: 11 jul 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no HC n. 101.300. Relator: Min. Ayres Brito. 05 de outubro de 2010. Jurisprudência do STF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=616782>. Acesso em: 11 jul 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 39. 11 de março de 2015. Jurisprudência do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em: 11 jul 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. ADI 3791. Relator: Min. Ayres Brito. 16 de junho de 2010. Jurisprudência do STF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=613685>. Acesso em: 11 jul 2016.

CABRAL, Ana Rita Nascimento; LEONETTI, Carlos Araújo. Considerações sobre a natureza jurídica e competências das Guardas Municipais à luz do art. 144, parágrafo 8° da Constituição Federal de 1988. Direito e Administração Pública III [Recurso eletrônico]/ organização CONPEDI/UFPB; coordenadores: Liane Francisca HuningBirnfeld [et al.]. – Florianópolis: CONPEDI, 2014. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7ebcaec73bf25443>. Acesso em 11 jul 2016.

COMPARATO, Fábio Konder.A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2001.

CONSELHO DA EUROPA. Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Adotada pelo Conselho da Europa, 1950. Disponível em: <http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf>. Acesso em 03 jul 2016.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico v. 4. São Paulo: Saraiva, 1998.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2015. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf>. Acesso em 15 jul 2016.

KANT, Immanuel. Começo conjetural da história humana.Cadernos de Filosofia Alemã, v. 13, p. 109-124, 2009.

LIMA, Renato Sérgio de; SILVA, Guilherme Amorim Campos da; OLIVEIRA, Priscila Soares de. Segurança Pública e Ordem Pública: apropriação jurídica das expressões à luz da legislação, doutrina e jurisprudência pátrios. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 7, p. 58-83, 2013.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

MINAYO, Maria Cecília de Souza, SOUZA, Edinilsa Ramos de, CONSTANTINO, Patrícia. Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MOTA JÚNIOR, João Francisco da. A participação social na segurança pública: fator interativo numa relação simbiótica. Segurança Pública/ Organizadores Soraia Rosa Mendes e Julio Cesar de Aguiar. – Brasília: IDP, 2014, p. 183. Disponível em: <http://idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks>. Acesso em: 28 jun 2016.

MUNIZ, Jacqueline de Oliveira. A crise de identidade das polícias militares brasileiras: dilemas e paradoxos da formação educacional. Security and Defense Studies Review: Center for Hemispheric Studies. Washington, DC, v.1, p.22-25,mai 2001. Disponível em <http://digitalndulibrary.ndu.edu/cdm/ref/collection/chdspubs/id/6599>. Acesso em 30 jul. 2016.

NOBREGA JUNIOR, José Maria Pereira da. A militarização da segurança pública: um entrave para a democracia brasileira. Revista Sociologia e Política, Curitiba, v. 18, n. 35, p. 119-130, fev2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782010000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 30 jul. 2016.

NORONHA, Sandy Larranhaga de. Segurança Pública Brasileira: considerações acerca da atual estrutura policial e a PEC 51/2013. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça, Campo Grande. v. 1, n. 1, 2014. Disponível em: <http://periodicosonline.uems.br/index.php/RJDSJ/article/view/679/645>. Acesso em 26 set 2016.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10 ed. Salvador: Editora Juspodium, 2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos do Homem. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua Resolução 217ª A (III), 1948. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 05 jul 2016.

PARANÁ. Tribunal de Justiça. Acórdão n. 26.512. Relator: Fernando Antônio Prazeres. 08 de fevereiro de 2012. Jurisprudência do TJPR, Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11231890/Acórdao-111401-6>. Acesso em: 05 jul 2016.

PINTO, Matheus Mendes. Políticas públicas e a legitimidade da intervenção judicial na efetivação do direito à segurança pública Segurança Pública/ Organizadores Soraia Rosa Mendes e Julio Cesar de Aguiar. – Brasília: IDP, 2014, p. 173. Disponível em: <http://idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks>. Acesso em: 28 jun 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 856.

SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, p. 06, 2009.

SOARES, Luiz Eduardo. PEC-51: revolução na arquitetura institucional da segurança pública. Boletim, nº 252, p. 3-5, nov2013. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/docs/luizeduardo.pdf>. Acesso em: 26 set 2016.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: 2008.Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/revistas/12172906/seguranca_publica_souza_neto.pdf>. Acesso em: 28 jun 2016.

SZKLAROWSKY, Leon. 2001 apud NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10 ed. Salvador: Editora Juspodium, 2015, p. 647.

TEIXEIRA, Márcio Aleandro Correia. O Sistema Único de Segurança Pública: integração e autonomia no modelo federativo brasileiro. Direitos sociais e políticas públicas I [Recurso eletrônico]; organização CONPEDI/UFF; coordenadores: Joaquim Leonel de Rezende Alvim [et al.]. – Florianópolis: FUNJAB, 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=952575f59148e0a9>.Acesso em: 13 jul 2016.

TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. in: Revista de Direito Administrativo nº 177, 1989, p. 20-49. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/46113/44271>.Acesso em:05 jul 2016.

VALENTE, Júlia. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação. 1 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2016.

* Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Foz do Iguaçu/PR, Brasil. E-mail: eduardo.vilar@gmail.com

** Doutora pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, Brasil. Professora do Curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Foz do Iguaçu/PR, Brasil. E-mail: eu-lissa@hotmail.com.


Recibido: 19/10/2016 Aceptado: 26/10/2016 Publicado: Octubre de 2016

Nota Importante a Leer:

Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.

Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.

Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.

El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.

Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.

Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.

Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor,pulse aqui.