Candida Joelma Leopoldino*
Carla Liliane Waldow Esquivel**
Instituto Federal do Paraná, Brasil
canjl@hotmail.comRESUMO: O presente trabalho busca investigar o neoliberalismo, especificamente com relação ao contexto da crise (principal elemento contido nas ideias dos autores Naomi Klein e David Harvey) e na restauração do poder de classe. Para tanto, além de uma contextualização histórica sobre o tema, foram analisadas as características da ideologia neoliberal sob a ótica da dignidade humana e da liberdade individual, bem como demonstrados os meios de divulgação dessa ideologia: seja pelo consenso e pela formação dos bancos de ideias (think tanks), de forma voluntária ou de forma involuntária, pelo choque econômico, momento em que foi traçado um paralelo com a ocorrência dos demais choques: a guerra e a tortura. Estabeleceu-se, ainda que de forma sucinta, as premissas fundamentais do neoliberalismo como a desregulação, acumulação de capital e o chamado “Estado neoliberal”, discorrendo sobre algumas das principais consequências advindas desse modo econômico.
Palavras-chave: neoliberalismo, crise e poder de classe.
ABSTRACT: This study aims to describe the neoliberalism, specifically about its relation between the crisis context (the main element contained in Naomi Klein´s and David Harvey´s ideas) and the restoration of the power of the class. Therefore, in addition to a historical overview, it was analyzed the characteristics of the neoliberal ideology from the perspective of the human dignity and individual freedom, and demonstrated the means of dissemination of this ideology: either by consensus and by the formation of the banks of ideas (think tanks), voluntarily or involuntarily, by economic shock, when it was drawn a parallel with the occurrence of other shocks: war and torture. It was established, briefly, the basic premises of neoliberalism as deregulation, capital accumulation and the "neoliberal state", discussing some of the major economic consequences resulting thereby.
Keywords: Neoliberalism, crisis and power of power.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Candida Joelma Leopoldino y Carla Liliane Waldow Esquivel (2016): “O neoliberalismo no contexto da crise e da restauração do poder de classe: diálogo entre Naomi Klein e David Harvey”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/neoliberalismo.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604neoliberalismo
1 O neoliberalismo: notas introdutórias
O presente trabalho tem a pretensão de analisar o neoliberalismo programa neoliberal, suas premissas fundamentais, seus meios de implementação e suas consequências , sobretudo no tocante à formação ou restauração do poder de classe. Para essa tarefa, foram particularmente utilizadas as obras Neoliberalismo: história e implicações, de David Harvey, e a A doutrina do choque, de Naomi Klein.
Importa, antes de prosseguir à análise das questões suscitadas, esclarecer que os termos neoliberalismo e globalização são distintos, embora se encontrem perfeitamente articulados. A respeito dessa imbricação, há mesmo autores que identificam os termos como sendo um único fenômeno, referindo-se à globalização neoliberal (LIMA, 2002, p. 156-157). Nesse sentido, importa esclarecer que a globalização pode ser definida como a interrelação ou o intercâmbio transnacional em que uma determinada localidade amplia seu âmbito (de relações) a todo o globo sendo influenciada e adaptando-se nessa interconexão. Referido fenômeno possui dimensões sociais, políticas, culturais, religiosas, ambientais, jurídicas e, especialmente econômicas, seu fio condutor. E é nesse contexto que se surge e se funda o neoliberalismo (SANTOS, p. 37-39, 56; LIMA, 2002, p. 127-139, 157).
Tanto Harvey quanto Klein, assim como a maioria dos teóricos que se debruçaram sobre a temática, constroem a definição de neoliberalismo apresentando alguns elementos fundamentais. Nesse sentido, o neoliberalismo pode apresentar-se como uma teoria ou conjunto de ideias políticoeconômicas que serão colocadas em prática em algum momento de crise, seja ela provocada ou não. O cerne principal cinge-se na participação mínima do Estado que se apresenta como gestor de suas práticas, garantindo o bem-estar da comunidade através das liberdades e capacidades empreendedoras, isto é, das liberdades relativas ao mercado nacional ou internacional, e assim garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social do país.
Trata-se, na verdade, de uma nova vertente de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro, um movimento ainda não acabado (ANDERSON, 2007, p. 10, 22), uma forma de capitalismo sem luvas e, portanto, com mais força do ponto de vista corporativo e financeiro (CHOMSKY, 2002, p. 09), de um capitalismo fundamentalista, com uma forma camaleônica sempre mudando de nome e de identidade (v.g. liberalismo, conservadorismo, economia de livre mercado, economia reaganiana etc.) (KLEIN, 2008, p. 24).
Naomi Klein ainda reporta-se ao neoliberalismo como um capitalismo de desastre, criticando-o por ver nas crises (naturais ou não ou até mesmo orquestradas) estimulantes oportunidades de mercado, sendo introduzido na sociedade através da terapia do choque e produzindo consequências desastrosas (KLEIN, 2008, p. 22). Quanto a isso, David Harvey analisa a doutrina neoliberal descrevendo sua implementação nos momentos de crise e a consolidação dos antagonismos sociais como um dos seus principais efeitos.
Assim buscar-se-á, consoante mencionado acima, através da análise dialógica dos aludidos autores, descortinar algumas das principais nuances do neoliberalismo.
2 Ideologia neoliberal: dignidade humana e liberdade individual
O neoliberalismo é, mais do que um receituário econômico, um complexo fenômeno que envolve a produção de uma ideologia que possibilitou a sua construção e a sua consolidação. 1 No tocante à sua implementação por meio de valores muito caros, disserta David Harvey que,
Nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo social que habitamos. Se bem-sucedido, esse aparato conceitual se incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido por certo e livre de questionamento. As figuras fundadoras do pensamento neoliberal consideravam fundamental os ideais políticos da dignidade humana e da liberdade individual, tornando-os como “os valores centrais da civilização. (HARVEY, 2011, p. 15)
Explica o autor, nesse sentido, que para executar a doutrina neoliberal não seria possível anunciar os seus verdadeiros propósitos muito menos as suas consequências, sob pena de não ser aceito pela sociedade. Dessa forma, para alcançar seus objetivos, seus idealizadores fizeram dos conceitos dignidade e liberdade humanas um ideal a ser perseguido. Sustentavam que esses valores supremos estavam ameaçados de diversas formas, quer pelos regimes autoritários, quer pela intervenção do Estado (v.g. fascismo, ditaduras e comunismo). Desse modo, os valores neoliberais eram muito sedutores diante das ameaças da intervenção estatal sobre a liberdade dos indivíduos, encontrando campo fértil entre os dissidentes do Leste Europeu e da União Soviética antes do final da Guerra Fria, assim como dos estudantes da Praça Tianamem, na China e movimentos estudantis em 1968 que se estenderam de Paris e Chicago a Bancoc e Cidade do México, buscando maior liberdade de expressão e de escolha pessoal (HARVEY, 2011, p. 15).
E nos Estados Unidos a ideia de liberdade foi largamente utilizada. Foi esse ideal de liberdade que justificou a Guerra do Iraque 2, sob o pretexto da existência de armas de destruição em massa. Desde a ocupação até a implementação das medidas neoliberais que permitiu a abertura do país ao capital corporativo e a consequente espoliação do Iraque, a liberdade foi o valor empunhado pelos americanos.
Segundo Naomi Klein, aplicou-se ao Iraque a terapia de choque, tal como se abateu sobre o Chile 30 antes, cuja violência apresentou-se ainda maior. Primeiro veio a Guerra do Iraque, destinada ao choque e ao pavor, a controlar a vontade, as percepções e a compreensão do adversário, tornando-o literalmente impotente para agir ou reagir. Em seguida, e enquanto o país ainda estava em chamas, veio a terapia do choque econômico radical (v.g. privatização maciça, livre comércio integral, um imposto único de 15%, um governo dramaticamente reduzido). Quando os iraquianos resistiam, eram reunidos e levados para prisões onde corpos e mentes eram submetidos a novos choques nada metafóricos (KLEIN, 2008, p. 17).
Esses fatos demonstram a contestação à suposição de que o triunfo do capitalismo desregulado nasceu da liberdade3 , de que mercados não regulados caminham com a democracia (KLEIN, 2008, p. 28; CHOMSKY, 2002, p. 12). A anunciada plenitude de liberdade era para aqueles que não precisavam de melhoria em sua renda, seu tempo livre ou sua segurança e um verniz de liberdade para o povo que poderia em vão tentar usar os seus direitos democráticos para proteger-se do poder dos que detém a propriedade (HARVEY, 2011, p. 46).4
Em verdade, esta forma de capitalismo fundamentalista nasceu das formas mais brutais de coerção inflingidas no campo político coletivo e sobre os corpos individuais. Verifica-se, de fato, que a história do neoliberalismo teve a crise5 como mola propulsora e foi escrita por meio de choques (KLEIN, 2008; HARVEY, 2011).
3 O neoliberalismo no contexto histórico
Segundo Denise Barbosa Gros, as ideias neoliberais foram lançadas nos anos de 1930 a 1940, mas permaneceram “encubadas” até a crise de 1970, quando, as reformas radicais de livre mercado foram introduzidas (GROS, 2008).
Coincide, esse início, com a Grande Depressão ou a Crise de 1929 que se estendeu durante toda a década de 30, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial. Esse período foi marcado por altas taxas de desemprego, quedas bruscas na produção industrial e do produto interno bruto, além do advento da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, atingindo os Estados Unidos, o Reino Unido, Alemanha, Holanda, Austrália, França e Itália. Em seu ápice, em 1933, foram aplicadas uma série de medidas denominadas New Deal que perdurou de 1930 a 1950 nos Estados Unidos e na Alemanha. Estas medidas tinham como propósito minimizar os efeitos da Grande Depressão especialmente através da intervenção estatal.
Em 1936, John Maynard Keynes publicou uma obra6 dando suporte à intervenção governamental na economia, com o objetivo de conduzir ao pleno emprego, crescimento econômico e bem-estar social. Assim surgiu aquilo que Harvey denominou de liberalismo embutido justamente caracterizado pela maior participação do Estado na economia. Além da intervenção anunciada, liderou e às vezes teve posse de setores-chave como, entre outros, o carvão e o aço. Já os processos de mercado e as atividades empreendedoras e corporativas vieram a ser circundadas por restrições sociais e políticas e um ambiente regulatório que, por vezes, restringiu a estratégia econômica industrial. Instituição da classe trabalhadora como os sindicatos e partidos políticos de esquerda tiveram influência concreta sobre o Estado. Com essas medidas, este modelo de liberalismo produziu altas taxas de crescimento econômico entre os anos de 1950 a 1960 (HARVEY, 2011, p. 20-21).
Segundo Klein, a revolução keynesiana do laissez-faire estava custando bastante caro para o setor corporativo. Era evidente que se tornara necessária uma contra revolução para enfrentá-la e recuperar o território perdido (KLEIN, 2008, p. 72). Críticos neoliberais diziam que suas políticas eram inflacionárias e tendenciosas pois, envolviam força dos grupos de interesse envolvidos como sindicatos, ambientalistas e grupos de pressão corporativos, além de destruírem a “liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos” (ANDERSON, 2007, p. 10).
Além da crise, havia a preocupação das elites econômicas e das classes dirigentes de toda a parte, tanto de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, com o avanço dos partidos comunistas e socialistas. Essas classes altas tinham que reagir com mais rigor para se proteger da aniquilação política e econômica. O golpe do Chile (1973) e a tomada de poder pelos militares na Argentina, promovidos pelas elites domésticas com o apoio dos EUA ofereceu um tipo de solução. De acordo com David Harvey, desde o princípio vislumbrava-se a preocupação da classe na manutenção do seu status (recuperação do poder de classe) e não apenas com uma possível saída para o capitalismo (HARVEY, 2011, p. 26).
A partir dos anos de 1960, o liberalismo embutido começou a entrar em crise, ampliando-se as taxas de desemprego e inflação, desencadeando uma fase global de estagflação7 , além de crises fiscais de vários Estados, com a diminuição de receitas e aumentos com gastos sociais, sendo até mesmo necessária a intervenção do Fundo Monetário Internacional em alguns casos, como na Grã-Bretanha entre os anos de 1975 e 1976). Ou seja, as políticas keynesianas não estavam funcionando mais (HARVEY, 2011, p. 22).
Oportuno destacar, neste momento, alguns elementos e personagens que de fato contribuíram para a construção e a execução da ideologia neoliberal.
Segundo Denise Gros, já nos anos 30 e 40 Friedrich Von Hayek e Robbins na Inglaterra transformaram a London School of Economics no mais importante centro acadêmico dedicado à pesquisa e divulgação do liberalismo econômico na Europa, mas somente com a publicação da obra “O caminho da servidão” de Hayek, publicada simultaneamente na Inglaterra e nos EUA, pela Universidade de Chicago, essa ideologia se consolidou teoricamente. A ideia política de longo prazo era uma associação internacional de acadêmicos dedicados à renovação das premissas do liberalismo clássico para defender os valores da liberdade individual contra as ameaças socialistas garantindo, assim, a hegemonia. Eles deveriam ser capacitados para mudar a estrutural legal do Estado que garantisse a livre competição e para formular políticas que dificultassem aos capitalistas a formação de monopólios e que restringissem através da lei o poder dos sindicatos. (GROS, 2008)
Partindo desse ideário, em 1947 foi criada a Mont Pèlerin Society, cujo principal objetivo era preparar as bases para um novo tipo de capitalismo (LIMA, 2002, p. 87. KLEIN, 2008, p.70). Tal sociedade era liderada por Hayek e tinha, além de diversos outros economistas, Milton Friedman8 , como seu maior seguidor.
As ideias e os ideais de Friedman são sempre citados quando o assunto é o neoliberalismo. De Lima a Harvey, de Klein a Chomsky, todos o tem como um dos principais mentores do neoliberalismo. Ele aproveitava a crise para fomentar uma versão fundamentalista do capitalismo. Segundo referido economista, era essencial agir rapidamente de modo que, logo que quando uma crise se instalava, deveriam ser impostas mudanças súbitas e irreversíveis, antes mesmo que a sociedade abalada pudesse retomar sua consciência e atenção ao panorama anterior. Ele previu que a rapidez, a brusquidão e o objetivo da mudança econômica iriam provocar, no público, reações psicológicas que facilitariam o ajuste. Esta estratégia nuclear do capitalismo contemporâneo foi chamada por Klein de “doutrina do choque”. (KLEIN, 2008, p. 15)
De acordo com Naomi Klein,
Por mais de três décadas, Friedman e seus poderosos seguidores se dedicaram a aprimorar essa mesma estratégia: esperar uma grave crise, vender partes do Estado para investidores privados enquanto os cidadãos inda se recuperam do choque e depois transformar as reformas em mudanças permanentes. [...] Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. Esta é a nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável (KLEIN, 2008, p. 16).
A autora canadense o compara a Ewen Cameron. Cameron sonhava em recuar a mente humana até aquele estágio primitivo, enquanto Friedman sonhava em desmontar os moldes das sociedades, fazendo-as retornar ao estado de capitalismo puro, livre de todas as interrupções. Ele acreditava que uma economia altamente desvirtuada só conseguiria alcançar o estágio anterior dos deslizes por meio de choques dolorosos deliberadamente infligidos: somente os “remédios amargos” poderiam eliminar as deturpações e os maus princípios (KLEIN, 2008, p.66-67).
Cameron utilizou a eletricidade para aplicar seus choques e Friedmam escolheu a política. Ele estimulou políticos audaciosos a usarem o tratamento de choque em países que passassem por dificuldades, mesmo que para isso tivesse que esperar mais de três décadas, já que a exploração das crises e dos choques se tornou muito real para Friedman na década de 70 quando ele se tornou conselheiro de Augusto Pinochet e pela primeira vez, pode testar sua teoria no Chile, conhecido como o primeiro laboratório do neoliberalismo da Escola de Chicago.
Dentre todos esses elementos, importante destacar o papel da Escola de Economia da Universidade de Chicago, conhecida como “Escola de Chicago.”, uma vez que Friedman era o seu principal pensador. Muitos economistas ao redor do mundo foram doutrinados neste local e partiram para seus locais de origem com a ideia fixa de implementar o neoliberalismo.
O capitalismo idealizado pelos pensadores da Escola de Chicago é: o desejo declarado por uma pureza intangível, por um espaço vazio onde construir uma sociedade – modelo constantemente reelaborada. Suas idéias representavam um escudo revolucionário, guiados por Milton Friedman, contra o pensamento estatista dominante da época. A Escola de Economia da Universidade de Chicago era de fato, uma escola de pensamento. (KLEIN, 2008, 64)
Era o tratamento de choque econômico e, desde então, sempre que os governos decidem impor programas radicais de livre mercado, o tratamento de choque ou a terapia do choque que tem sido o método preferido.
Partindo do elemento “crise” presente nas teorias de Hayek e Friedman, implementou-se, entre os anos de 1978-1980, a resposta neoliberal. 9 E a grande maioria dos países promoveu o ponto de ruptura revolucionário na história social e econômica do mundo (HARVEY, 2011, p. 11).
Assim, em 1979 Thatcher na Grã-Bretanha e, em 1980 Reagan nos Estados Unidos, implementaram algumas medidas de cunho neoliberal, sendo seguidos, posteriormente, por outros países. Entre outras medidas, houve o enfrentamento do poder sindical, ataque a todas as formas de solidariedade social que prejudicassem a flexibilidade competitiva, desmantelamento dos compromissos do Estado de bem-estar social, privatização de empresas públicas, redução de impostos para as classes altas, promoção da iniciativa dos empreendedores e criação de um clima de negócios favorável para induzir um forte fluxo de investimento externo. Ao depois, por meio de idas e vindas e experimentos caóticos, a partir de 1990 instalou-se o Consenso de Washington que definiu a solução para os problemas globais exercendo pressão em outros países para adotarem a cartilha neoliberal. 10
4 Meios de divulgação da ideologia neoliberal
A nova ideologia neoliberal foi introduzida e divulgada de diversas formas entre os economistas. David Harvey explica que houve o acolhimento de suas premissas (desregulação, privatização e a retirada do Estado de muitas áreas de bem-estar social), às vezes voluntariamente, e às vezes sob pressão, no pensamento econômico a partir de 1970 em quase todos os Estados, fazendo alusão ao período de 1978-1980 como um ponto de ruptura revolucionário na história social e econômica do mundo. (2008, p. 10)
Naomi Klein igualmente explica que o mesmo programa ideológico estava sendo imposto por meio dos mecanismos coercitivos mais descarados: ocupação militar estrangeira depois da invasão ou imediatamente após a ocorrência de um cataclismo natural devastador. De acordo com a autora “Somente uma crise - real ou presumida- produz mudança verdadeira, sendo essencial agir rapidamente com as idéias já estocadas e à disposição, impondo mudanças súbitas e irreversíveis.” (KLEIN , 2008, p. 10)
Assim, tratar-se-á a partir desse momento das formas de implementação do neoliberalismo, seja pelo consenso ou sem ele.
4.1 Implantação voluntária da ideologia neoliberal: consenso e banco de ideias
Explica Harvey que o projeto declarado de restauração do poder econômico a uma pequena elite provavelmente não teria muito apoio popular. Mas um esforço programático de defesa da causa das liberdades individuais poderia constituir um apelo a uma base popular, disfarçando assim o trabalho de restauração do poder de classe. Além disso, uma vez que fez a virada neoliberal, o aparato do Estado pode usar seus poderes de persuasão, cooptação, chantagem e ameaça para manter o clima de consentimento necessário à “perpetuação de seu poder”. Desse modo, fortes influências ideológicas circularam nas corporações, nos meios de comunicação e nas numerosas instituições que constituem a sociedade civil – universidades, escolas, igrejas e associações profissionais. (HARVEY, 2008, p.49)
No capítulo 2 de seu livro “O Lucro ou as pessoas?’, Noam Chomsky trabalha a ideia do consentimento sem consentimento, outra possível forma de ascensão do neoliberalismo. Isso se daria no campo político, no qual a população seria espectadora e eventualmente participante, quando da eleição de seus representantes. Já no campo econômico, onde se determina a maior parte do que acontece na sociedade, a população deve ser totalmente excluída. (CHOMSKY, 2002, p.51)
Os EUA são o mais importante caso a se estudar para compreender o panorama do mundo contemporâneo. Uma das razões é seu poder incomparável e outra, a estabilidade de suas instituições democráticas. Este país se utilizou do slogan liberdade individual e justiça social encontrando campo fértil em movimentos estudantis que (1968) exigiram a liberdade de restrições parentais, educacionais, burocrática, do Estado – intrusivo e inimigo das liberdades – e corporativas – capitalistas e sistema de mercado – e nesse último aspecto representava uma ameaça para o poder da classe capitalista.
O apelo ao universalismo pode ser usado com objetivos progressistas (os direitos são proclamados com propósitos imperialistas, justificando o “humanismo” militar para proteção da liberdade). De outra parte, o humanismo baseado nos direitos humanos reside no crescente consenso de apoio ao envolvimento ocidental nos assuntos internos do mundo em desenvolvimento desde a década de 70 (ademais, serve para sustentar a crença em si mesma da classe dirigente). Adverte o autor que diante disso há uma grande tentação de abandonar o apelo a universalização a direitos, pautada numa ética de mercado como máscara para a restauração do poder de classe. Na verdade, não se pode abandoná-los. (GROS, 2008, p.66 e ss.)
Com relação ao consenso, importante destacar o movimento e as mudanças ocorridas nos EUA no pós 11 de setembro, uma vez que a terapia do choque voltou para sua casa, pois desde a década de 70, quando o movimento da Escola de Chicago conquistou o mundo, não pode ser aplicado no seu local de nascimento: EUA.
Desde 1995 os neoconservadores aclamavam por uma revolução nos EUA, no estilo da terapia do choque, mas somente em 2011 foi que tudo mudou. “Quanto os ataques de 11 de setembro ocorreram e a Casa Branca já estava tomada pelos discípulos de Friedman”, a equipe de Bush se aproveitou da vertigem e do medo coletivo e com rapidez assustadora, não apenas deslanchou a Guerra ao Terror, mas garantiu uma empreitada voltada ao lucro, uma respeitosa nova indústria que soprasse ventos frescos para a vacilante economia do EUA. Era a necessidade de eliminação de todo o mal exterior ao país. (KLEIN, 2008, p. 21)
A exemplo do que seria o capitalismo de desastre, a indústria da segurança nacional era até 2001 insignificante e agora é um setor que movimenta certa de 200 bilhões de dólares. “Só em 2006 o governo dos EUA gastou U$ 545 dólares por família.” (KLEIN, 2008, p. 22) Além desse lado “doméstico”, tem-se ainda que vultuosa quantidade de dinheiro foi gasta na guerra e o pós 11 de setembro articulou uma economia completamente articulada, muitos dos direitos humanos foram mitigados e agora tudo isso existe de forma absolutamente consciente e aceita por todos os americanos.
Nesse contexto, na década de 70 com Nixon nos Estados Unidos, formaram-se, com apoio corporativo (investimento financeiro) bancos de ideias (think tanks), os quais eram responsáveis por elaborar bem fundados argumentos técnicos e empíricos de apoio às políticas neoliberais. (KLEIN, 2008, p. 75)
Gros destaca que os bancos ideias, além de outras redes de articulação entre intelectuais, acadêmicos e suas publicações, empresas jornalísticas, organizações empresariais, eram institutos privados de pesquisa sobre políticas públicas, mantidos por grandes corporações. Alega a autora que eles, na verdade, produzem conhecimento sobre os temas sujeitos à regulamentação pública e, principalmente, formulando projetos de políticas públicas orientados pela doutrina do liberalismo. (GROS, 2008)
Com papel muito importante nos últimos trinta anos, os think tanks mantêm equipes técnicas de alto nível que produzem publicações e participam de debates nos meios universitários, na mídia e nos órgãos de assessoria técnica dos partidos políticos. Suas ideias garantiram a vitória de Ronald Reagan no final dos anos 70 nos EUA e Thatcher na Inglaterra. (GROS, 2008)
4.2 Implantação involuntária da ideologia neoliberal: o choque
A explicação de Polanyi apud Harvey ajuda a explicar porque o neoliberalismo se tornou autoritário, violento e antidemocrático; fazendo-nos ter como foco a maneira como tantas corporações têm obtido lucros com a privação da esfera pública dos benefícios de suas tecnologias (como drogas contra Aids), bem como com as calamidades da guerra, com a inanição e com o desastre ambiental. Evoca a preocupação de saber se muitas dessas calamidades/quase calamidades não têm sido secretamente criadas em benefício das corporações. (HARVEY, 2008, p. 197)
Segundo Klein, a ideia central de Friedman era que “somente uma crise - real ou presumida- produz mudança verdadeira” sendo essencial agir rapidamente com as ideias já estocadas e à disposição11 , impondo mudanças súbitas e irreversíveis. (KLEIN, 2008, p. 15)
Na década de 70, enquanto os chilenos estavam chocados com o violento golpe de Estado, e severa hiperinflação, Pinochet, aconselhado por Friedman, realizou uma reforma muita rápida- consubstanciada no corte de impostos, livre comércio, serviços privatizados, cortes nos gastos sociais e desregulamentação. Era o tratamento de choque econômico, o qual andou ao lado de outro tipo de choque: as mais diversas formas de tortura com choque elétrico, na tentativa de frear todos aqueles que, em tese, eram obstáculos à transformação capitalista.
Trinta anos depois, exatamente como ocorreu no Chile, a fórmula ressurgiu no Iraque, com violência ainda maior. Primeiro veio a guerra (doutrina militar do choque e pavor), depois a terapia do choque econômico radical (privatização maciça, livre-comércio integral, imposto único de 15%, um governo dramaticamente reduzido). Todos os iraquianos que resistiam, eram levados à prisão onde seu corpo e mente eram submetidos a novos choques.
Foi nesse momento, quando verificou a dependência do livre mercado em relação ao poder do choque, durante os primeiros dias da ocupação do Iraque que Klein começou as pesquisas para sua obra.
Os desastres naturais também eram considerados oportunidades. E foi o que aconteceu com o tsunami e o furacão Katrina. Aproveitam-se os momentos de trauma coletivo para implementar uma engenharia social e econômica radical. Deve-se eliminar tudo o que restou da esfera pública e das comunidades ali enraizadas.
Klein verificou que o medo e a desordem, para os interessados, oferecem uma promessa real, nos exatos termos do ocorreu com o 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, quando Washington não mais passou perguntar aos países se eles desejavam a versão norte-americana de livre comércio e democracia, mas de começar a impor ao mundo aquela versão por intermédio da força militar do choque e do medo.
5 Ideologia neoliberal e suas premissas fundamentais
A doutrina estabelece algumas características fundamentais do neoliberalismo. Nesse sentido, destacam-se no programa neoliberal basicamente a (a) desregulação, a (b) privatização e a (c) redução da intervenção do Estado em muitas áreas de bem-estar social.12 Cumpre esclarecer que não houve, no tratamento a seguir, a coincidência com os termos utilizados acima, mas considerou-se a lógica de acumulação capitalista a partir da análise de David Harvey.
5.1 Desregulação
Milton Friedman, em sua obra Capitalismo e liberdade, teria previsto, na análise de Naomi Klein, que as corporações deveriam ser livres para vender seus produtos em qualquer lugar do mundo e os governos deveriam ser impedidos de proteger as propriedades e as indústrias locais. Seria, para a autora, o prenúncio daquilo que se convencionou chamar de desregulamentação (KLEIN, 2008, p. 73; LIMA, 2002, p. 158).
Portanto, a ideia de desregulação contrapõe-se à regulação, ou seja, às barreiras ou dificuldades ao livre mercado. Invoca-se, a partir dessa premissa, controles públicos menos rígidos, remoção ou simplificação das regras e regulamentações governamentais que restringem a implementação de medidas neoliberais Nessa mesma lógica de desregulação, consideram-se fundamentais os acordos internacionais firmados entre os países para garantir o regime de direito e as liberdades de comércio, como os que ocorrem no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
Objetiva-se, desse modo, a livre mobilidade do capital entre setores, regiões e países e, ademais, o crescimento econômico uma vez que eliminariam as restrições à transferência de poupança/capital ao mesmo tempo em que criariam estruturas financeiras mais eficientes.
Com a desregulação estimula-se a competição internacional, além de permitir-se o aumento da eficiência, da produtividade e da entrada de capital externo no país e a redução dos custos com as operações de mercado (HARVEY).
5.2 Acumulação do capital
Para Harvey, caracteriza-se um fenômeno neoliberal essencial a acumulação do capital que justamente resulta da livre mobilidade do capital entre setores, regiões e países, facilitada pela desregulação. Haveria aí segundo o autor, um imperialismo stricto sensu13 na busca de territórios para a imposição do neoliberalismo, objetivando-se inevitáveis consequências econômicas.
Explica Naomi Klein que o primeiro estágio de expansão capitalista foi propiciado pelo colonialismo (v.g. com a descoberta de novos territórios, a apropriação da terra sem precisar pagar por ela, e depois a extração de suas riquezas sem oferecer recompensas às populações nativas) e agora, com o neoliberalismo o desejo de uma nova riqueza, mas através da transformação do próprio Estado em uma nova fronteira, leiloando seus serviços públicos e ativos por um preço muito abaixo do seu valor real (KLEIN, 2008, p. 74).
Mais do que uma simples acumulação esse imperialismo apresenta-se como essencialmente espoliador, dando origem ao que Harvey denomina como acumulação por espoliação.14 Essa acumulação por espoliação consiste em uma persistente e recorrente prática predatória de acumulação primitiva com vistas à acumulação de capital e em que o Estado alia-se aos mecanismos predatórios do capital financeiro para realizar a referida espoliação. A acumulação por espoliação caracteriza-se pela privatização e mercadificação, financialização e manipulação das crises.
Em relação à privatização, a primeira ideia é de diminuição dos gastos do Estado com obras públicas e políticas sociais, viabilizando o investimento em atividades produtivas, gerando mais empregos e mais renda e mais benefícios sociais. Para além desse objetivo preliminar, a privatização de ativos até então públicos tem por objetivo abrir a acumulação de capital a novos campos até então considerados fora do alcance do cálculo de lucratividade, incluindo-se todo o tipo de utilidade pública (v.g. água), serviço público (v.g. transporte, telecomunicações), de benefícios sociais (v.g. habitação social, educação, assistência à saúde, pensões), de instituições públicas (v.g. universidades, laboratórios de pesquisa, presídios) e, inclusive, operações de guerra.15
Dessa maneira, segundo Harvey, o Estado, uma vez adequado às diretrizes neoliberais, passa a ser o principal agente de políticas redistributivas, revertendo o fluxo que vai das classes baixas (com os cortes em gastos públicos) para as altas (através da privatização e outros privilégios). Reitere-se que mesmo quando a privatização parece favorável às classes baixas, como o que aconteceu com a privatização de habitações pública pelo governo Thatcher na Grã-Bretanha16 , seus efeitos, a longo prazo, podem ser negativos, especialmente no tocante a já destacada restauração do poder de classe (2011, p. 176).
No que se refere à mercadificação, segue-se que tudo, a princípio, pode ser considerado mercadoria ou de que tudo se torna valor de troca (SANTOS, 2001, p. 44). Num primeiro momento, há a privatização de ativos até então públicos (v.g. utilidade pública) e depois tudo o mais, sejam processos, relações sociais, sexualidade, cultura, originalidade, autenticidade e criatividade intelectual17 , história, formas culturais, materiais genéticos e até mesmo bens comuns ambientais globais, como terra, água, e ar, ou seja, tudo aquilo a que se possa atribuir um preço envolve espoliações absolutas. (HARVEY, 2011, p. 179)
Naomi Klein traz o exemplo da devastação do produzida pelo tsunami no Sri Lanka em 2004, em que poucos meses depois do desastre, investidores estrangeiros e banqueiros internacionais se juntaram para aproveitar a atmosfera de pânico e entregar a linda área litorânea a empresários, que rapidamente construíram grandes resorts, impedindo que milhares de pescadores e suas famílias reerguessem suas pequenas aldeias à beira-mar (2008, p. 17, 467).
Assim, embora na prática seja a sociedade que estabeleça os limites de onde começa e termina a mercadificação (inclusive sobre a licitude ou ilicitude dos objetos mercantilizáveis), o neoliberalismo reverteu os seus limites e muito ampliou o alcance dos contratos legais. Segundo David Harvey, no cerne da teoria neoliberal, há a necessidade de construir mercados para a terra, para o trabalho e para o dinheiro (2011, p. 178).
No entanto, à privatização e à mercadificação, como formas de acumulação por espoliação, especialmente proporcionada pela desregulação, acrescentou-se a financialização (ou financeirização do processo de acumulação). Segundo Harvey, haveria uma nova forma de acumulação de capital a nível global, mais fluída e volátil, o que por sua vez representa uma forma de dominação econômica e social do capital portador de juros, que aprofundou o domínio das finanças sobre todas as outras áreas da economia, inclusive do próprio Estado. Mais uma vez se constata, a partir das reflexões de Harvey, uma nova e ainda mais potente forma de obtenção e concentração de riquezas e recursos privilegiados de restauração do poder de classe (HARVEY, 2011, p. 41, 100).
Este processo de financialização foi iniciado em 1970 e acelerado nos anos 1990 quando os Estados Unidos passaram a ter hegemonia nesse campo, o que exigiu que os mercados se abrissem internacionalmente (ALMEIDA FILHO, 2011, p. 253).
O mundo contemporâneo apresenta uma configuração específica no qual o capital portador de juros (capital financeiro ou finança) está situado no centro das relações econômicas e sociais. Assim, de um lado há, no movimento de acumulação, a acumulação produtiva (tradicional) e de outro, orientado pela dimensão crescente maior das finanças (dominante), a propriedade patrimonial capitalista situada no exterior da produção. Essa propriedade patrimonial (do proprietário acionista – possuidor de títulos de empresas e proprietários de títulos da dívida pública) cria direitos a rendimentos sob a forma de aluguéis, de rendas de solo, de juros e fluxos relacionados às aplicações da bolsa, provenham eles de dividendos, de mais-valia bursáteis ou especulação (antecipação de ganhos que nascem da variação de preços). As instituições especializadas e que realizam a centralização das finanças, são investidores institucionais como, por exemplo, os fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros e bancos que administram sociedades de investimentos.18 (ALMEIDA; PAULANI, 2011, p. 247-249)
Portanto, esta nova forma de acumulação por espoliação, que igualmente se caracteriza por um estilo especulativo e predatório, sujeita toda a economia ao capital financeiro para fins especulativos de acumulação do capital e não para outros fins, produtivos, criando o chamado capital fictício o que aprofundou o domínio das finanças sobre todas as outras áreas da economia, assim como sobre o aparato do Estado e a vida cotidiana.19
Outrossim, essa forma de acumulação essencialmente especulativa e predatória pode caracterizar-se como manipuladora de mercados e fraudulenta, através de destruição planejada de ativos por meio da inflação, a dilapidação de ativos por meio de fusões e aquisições agressivas, fraudes corporativas, etc. E nesse caso há evidente prejuízo a certas pessoas (com privação dos próprio meios de subsistência e direitos de pensão) e segmentes em detrimento do lucro (ilícito) às instituições financeiras e às corporações (HARVEY, 2011, p. 174). 20
Por fim, caracteriza-se a acumulação por espoliação pela administração e manipulação das crises. Explica Harvey que nos anos 1980 e 1990 foi comum crises da dívida, com altas taxas de inflação, estagnação tecnológica e produtiva em países isolados e na América Latina, por vezes assumindo caráter endêmico. 21 Para receber empréstimos através dos planos de recuperação, através de recursos do complexo Tesouro dos Estados Unidos-Wall Street-FMI, esses países tiveram que submeter-se às políticas neoliberais impostas e aderir às orientações da Organização Mundial do Comércio (v.g. eliminação da liberdade nas tarifas protecionistas, acordos bilaterais, taxas de câmbio, etc.). Klein se refere à crise da dívida dos 1980 que assolou a América Latina e a África e que forçou os países a “privatizar ou morrer” e esclarece que:
Tornando-se quase inviáveis por causa da hiperinflação, e muito endividados para recusar as exigências que vinham atreladas aos empréstimos exteriores, os governos aceitaram o tratamento de choque oferecido junto com a promessa de que aquilo iria salvá-los de um desastre ainda maior. Na Ásia, foi a crise financeira de 1997-1998 – quase tão devastadora quanto a Grande Depressão – que tornou os assim chamados Tigres Asiáticos bastante humildes, abrindo os seus mercados para aquilo que o New York Times descreveu como “a maior liquidação de negócios falidos do mundo”. (KLEIN, 2008, p. 20)
Essas crises na verdade, segundo Harvey, foram orquestradas, administradas ou controladas tanto para racionalizar o sistema como para redistribuir ativos, evoluindo para uma sofisticada arte de redistribuição deliberada de riqueza de países pobres para países ricos (2011, p. 175). 22 Constata-se que, através da crise da dívida e do inevitável ajuste neoliberal dos países favorecidos, tem-se, como consequência, “[...] a redução do poder aquisitivo da população e o direcionamento da produção para o mercado externo, gerando o empobrecimento de milhões de pessoas, causando ainda a desestabilização monetária, deteriorando a economia e recrudescendo o apartheid social” (LIMA, 2002, p. 131).
Verifica-se, dessa forma, que se aproveita a crise para a implementação das políticas neoliberais e, em consequência, para promover a acumulação por espoliação. O resultado da espoliação é, mais uma vez, a criação, restauração e manutenção dos antagonismos sociais.
5.3 O Estado neoliberal
Concebe-se, com o advento do neoliberalismo, o Estado Mínimo, ou seja, menor intervenção estatal, sobretudo nas áreas de bem-estar social (solidariedade social) que acabam impondo restrições à acumulação de capital. Prevalece, nesse âmbito, a responsabilidade e obrigações pessoais do indivíduo (v.g. pela saúde e previdência social).
Por outro lado, embora no Estado neoliberal a intervenção deva ser mínima, o Estado é absolutamente necessário para estabelecer as regras adequadas à competição do mercado e, considerando ser detentor do monopólio da violência, fazer com que essas regras sejam observadas, ainda que na forma de repressão ativa. De acordo com David Harvey, a atividade capitalista funciona melhor com o Estado.
Fazendo uma interpretação do papel do Estado necessário de Harvey, que é especialmente iniciada em 1970, Niemeyer Almeida Filho e Leda Maria Paulani sintetizam que:
[...] o Estado vai paulatinamente se organizando de modo a viabilizar a operação de diferentes expedientes de espoliação, seja por meio da abertura de novos territórios de acumulação (como nos processos de privatização), seja através da criação exacerbada de capital fictício (principalmente dívida pública), seja, finalmente, como “facilitador” dos processos de financeirização da riqueza (por conta de deter o monopólio da violência e a prerrogativa de formular leis). Em outras palavras, a atribuição “virtualmente indispensável” que Harvey confere ao Estado, muito mais do que relacionar-se a um efeito regulamentador do ambiente econômico, na ausência do qual o sistema inteiro das instituições de mercado ficaria desprovido de garantias legais, vincula-se com muito mais força, quando o processo de acumulação é tangido pela finança e pela violência da acumulação por espoliação, ao papel de um elemento ativo, um lócus por onde passa o processo integral de regulação social e de reprodução do capital (2011, p. 257-258).
Acrescente-se que, segundo Naomi Klein, esse Estado tem um caráter corporativo, uma vez que adota medidas protetivas às corporações, inclusive no plano legislativo (2008, p. 25). Desse modo, além de regular as operações de mercado e impor a observância das regras neoliberais, de estabelecer programas de bem estar corporativo e inúmeros privilégios às corporações (v.g. subsídios, redução de taxas de juros, isenções fiscais, etc.), apresenta-se como, consoante visto supra, o principal agente de redistribuição de renda e riqueza em favor das classes mais favorecidas. Para a autora, o Estado corporativo caracteriza-se como um Estado de classe 23, por transferir riquezas públicas para mãos privadas e para os demais (população) resta uma vigilância agressiva, prisões e tortura.
6 O projeto neoliberal e A REDISTRIBUIÇÃO DO PODER DE CLASSE COMO UMA DE SUAS PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS
Harvey questiona até que ponto a neoliberalização conseguiu estimular a acumulação do capital. O mesmo autor esclarece que é difícil elaborar um mapa da neoliberalização – volátil e instável - a partir de 1970 pela aplicação parcial do programa neoliberal pela maioria dos Estados (desenvolvimento distinto, embora idêntica a crise de acumulação do capital, combinando desemprego e inflação acelerada).24
Não obstante a dificuldade para delinear esse perfil, afirma o autor que os dados concretos demonstram que a neoliberalização em larga medida não conseguiu estimular o crescimento mundial, inclusive nos países que se submeteram à terapia do choque. O resultado mais visível do processo neoliberal, entretanto, foram as perdas catastróficas, e em especial o enorme sucesso do ponto de vista das classes altas.
Em sentido idêntico, para Perry Anderson não é possível fazer um balanço final dos últimos anos de implementação do neoliberalismo, por ser um movimento ainda inacabado. É possível, entretanto, constatar que, do ponto de vista econômico, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. No entanto, segundo o mesmo autor, do ponto de vista político e ideológico, constata-se um sucesso extraordinário, que nem mesmo seus idealizadores puderam imaginar. Igualmente, do ponto de vista social, foi um sucesso criando sociedades marcadamente mais desiguais. (2007, p. 23)
Noam Chomsky, por seu turno, defende que as consequências econômicas dessas políticas têm sido as mesmas em todos os lugares e são exatamente as que já se previa: enorme crescimento da desigualdade econômica e social, aumento da pobreza entre as nações e povos mais atrasados, um meio ambiente global catastrófico, uma economia global instável e muitos privilégios aos ricos (2002, p. 08). Este é igualmente o diagnóstico de Abili Lázaro Castro de Lima referindo-se à globalização e sua dimensão social, que teve como resultado evidente o empobrecimento e exclusão social alarmantes (2002, p. 133).
Naomi Klein, na Doutrina do Choque, faz a mesma constatação: as regras do livre mercado não estavam gerando uma economia perfeitamente harmoniosa, mas convertendo os endinheirados em super-ricos e a classe trabalhadora organizada em pobres descartáveis. Segundo a autora, esses padrões de estratificação se repetiram em todos os lugares em que triunfou a ideologia neoliberal (2008, p. 529).
No que refere ao êxito social destacado, Harvey esclarece que o neoliberalismo ou promoveu a restauração do poder de classe das elites dirigentes (v.g. EUA) ou criou condições para a formação de uma classe capitalista (v.g. China). Além da recuperação, manutenção e criação de uma classe privilegiada, esclarece o autor que esta restauração do poder não significa o poder às mesmas classes, como aconteceu no governo de Thatcher em que opondo-se à tradição aristocrática apoiou os empreendedores agressivos e os novos ricos como executivos e operadores dos conselhos de administração, além de outros que exploraram novos setores da economia, fazendo fortuna rápida (v.g. biotecnologia, tecnologias da informação, telecomunicações) (HARVEY, 2011, p. 39-42).
Verifica-se, desse modo, que a principal realização do neoliberalismo foi redistribuir, em vez de criar, riqueza e renda através das práticas de acumulação por espoliação. Desse modo, os persistentes efeitos redistributivos e a desigualdade social crescente têm demonstrado que são, na realidade, estruturais em relação ao projeto neoliberal. 25
Quanto a isso, explica Milton Santos que a pobreza é estrutural é uma pobreza planejada e produzida pelos atores globais, com a colaboração dos governos locais e a conivência dos intelectuais contratados e, ademais não é mais local
[...] nem mesmo nacional; torna-se globalizada, presente em toda a parte do mundo. Há uma disseminação planetária e uma produção globalizada da pobreza, ainda que esteja mais presente nos países já pobres. Mas é também uma produção científica, portanto, voluntária da dívida social, para a qual na maior parte do planeta, não se buscam remédios. [...]. (SANTOS, 2001, p. 49; 72)
Há, na verdade, uma modificação do equilíbrio interno de forças de classe no âmbito do Estado. Ao que parece, segundo Harvey, a formação ou a restauração do poder de classe ocorre às custas dos trabalhadores, dando a impressão que o controle e a exploração da atividade laboral constitui um elemento essencial do neoliberalismo.
Tem-se, desse modo, de um lado o enfraquecimento, superação ou destruição das forças de trabalho organizado: o empregado é visto, unicamente, como fator de produção, destituído de seus direitos fundamentais básicos, sendo tratado, em razão da flexibilização do trabalho e das mudanças tecnológicas, como um trabalhador descartável.26 De outro, o poder de uma classe representada pelos negócios ou corporações favorecidas através de medidas como, afora àquelas relativas à condição da classe trabalhadora cuja mão-de-obra é barata, por exemplo, a diminuição dos impostos sobre a propriedade, renda de investimentos, ganho de capital e manutenção da taxação dos salários e remunerações, aumentando a desigualdade social. Ademais, possuem a capacidade como classe de pressionar o poder do Estado, que é exercida diretamente através das instituições financeiras, comportamentos de mercado, fugas de capitais ou interrupção de investimentos, e indiretamente influenciando o resultado das eleições, subornando e corrompendo ou tendo o poder sobre as ideias neoliberais (HARVEY, 2011, p. 180-184).
De observar-se que no âmbito do processo de neoliberalização há a persistente tendência a aumentar a desigualdade social e expor os membros menos afortunados de toda e qualquer sociedade à austeridade e crescente marginalidade, enquanto nas elites se constata concentração de riqueza e de poder.27 Assim, o neoliberalismo representaria um instrumento da classe alta na manutenção de seus privilégios, às custas do empobrecimento do resto do mundo, trazendo outras consequências inevitáveis, entre outras, o individualismo exagerado e a criminalidade.
Para Abili Lázaro Castro de Lima a globalização e o neoliberalismo, na medida em que viabilizaram a redução do Estado e o incremento da internacionalização da economia com aumento do poder empresarial, viabilizaram a exclusão social e a regressão dos direitos inerentes à cidadania, além da decomposição dos valores humanísticos e sociais. Esta exclusão social, por sua vez, é multidimensional, afetando os aspectos culturais, econômicos, sociais, políticos e até mesmo psicológicos (LIMA, 2002, p. 269-301).
À vista dessa constatação Harvey pergunta como então estes trabalhadores descartáveis - esses indivíduos excluídos - sobrevivem social e afetivamente nesse mundo em que regridem os seus direitos mais fundamentais. Demonstra que, de um lado, existem as “recompensas” do mundo capitalista, para aqueles que vivem da aparência, das posses materiais, das pseudosatisfações. 28 De outro lado, a força de trabalho descartável busca outros subterfúgios que vão de seitas religiosas ao cometimento de crimes, preenchendo o espaço vazio deixado pelos poderes do Estado no contexto da neoliberalização. Segundo Goran Therborn, é a tendência autodestrutiva (de destruição social), oriunda da pobreza generalizada, dos altos graus de desesperança e de violência, criadas pelo poder do mercado (2007, p. 47). Desse modo, as enunciadas “liberdades” desse mercado gerariam como seu subproduto as más liberdades (HARVEY, 2011, p. 45).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS À GUISA DE CONCLUSÃO
Não obstante todos os elementos caracterizadores do neoliberalismo acima demonstrados, muito mais do que a apresentação de conclusões do estudo, por fim, oportuno contextualizar o Brasil neste panorama, principalmente no que concerne à restauração do poder de classe, nível de pobreza e de criminalidade, individualismo e valores voltados ao consumo.
Pois bem, nos anos 1950, as histórias de sucesso da América Latina chamavam a atenção, principalmente os do Cone Sul: Chile, Argentina, Uruguai e Brasil. Durante esse período espetacular de expansão, tal região começou a se parecer mais com a Europa e EUA do que com o resto da América Latina. (KLEIN, 2008. p.71)
Visitando o Brasil em 1960, o presidente Eisenhower afirmou que a "influência dos EUA 29 havia quebrado a velha ordem na América do Sul, trazendo-lhe idéias revolucionárias" Mas os brasileiros reagiram e Kennedy, ao se deparar com esse problema, mudou a missão dos militares latino-americanos de "defesa do hemisfério" para a "segurança interna", decisão que teve como uma das conseqüências, no Brasil, do golpe de 64.(Chomsky, 2008, p. 89) 30
Assim, quando a junta militar brasileira liderada pelo general Humberto Castelo Branco (apoiada pelos EUA), tomou o poder, os militares tinham um plano para não só eliminar os programas para os pobres do governo antecessor, mas também abrir o país para investimentos estrangeiros. Seria o inicio do neoliberalismo no país (KLEIN, 2008, p. 81; CHOMSKY, 2008, 86). “Os brasileiros fizeram pouco do poder do choque, esperando não mostrar apetite para a brutalidade, o que quase foi um erro, pois permitiu aos seus oponentes a chance de se reagrupar.” (KLEIN, 2008, p.86)
Por outro lado, no mesmo período, através de financiamento integral dos EUA, cem chilenos foram enviados para estudar economia (a nova ideologia do neoliberalismo!) na Escola da Chicago, e todas as políticas do seu país eras colocadas no microscópio e dissecadas. No seu retorno, os entusiastas do neoliberalismo tiveram sua primeira derrota quando Salvador Allende venceu as eleições em 1970. (KLEIN, 2008, p.78-83)
Concomitantemente na Indonésia, com Suharto, a repressão e agressividade foram maciças. Em um mês, em torno de quinhentas mil pessoas tinham sido assassinadas, mas o que impressionou não foi tanto a violências do ditador, mas o papel desempenhado por um grupo de estudiosos conhecidos como a Máfia de Berkeley, os quais transformaram a Indonésia num dos países mais receptivos para as multinacionais estrangeiras.
Dado o sucesso da Indonésia, os opositores de Allende, liderados pela CIA, começaram a imitar os procedimentos e o clima de golpe foi instaurado. Para eles as idéias do governo eram incompatíveis com a liberdade do Chile e com a iniciativa privada.
Foi Nixon que deu aos Garotos de Chicago 31 a chance de provar que sua utopia capitalista era mais do que a teoria. “Faça a economia gritar!” disse o presidente americano. O golpe se deu em de 11 de setembro de 197. Em 1974 a inflação atingiu 375% e o laboratório dos Garotos era um fracasso. A crise do desemprego durou anos e não meses. (KLEIN, 2008, p. 100)
Nesse mesmo período, no auge da brutalidade do regime, Milton Friedman viajou ao Brasil e declarou o milagre por qual a economia do Chile estava passando. Outros golpes militares foram realizados a exemplo do que ocorreu no Uruguai em 1973 e na Argentina em 1976. Ou seja, “os países que eram exemplos de desenvolvimento para a época, passaram a ser dominados por governos militares respaldados pelos EUA e se tornaram laboratórios vivos da Escola de Economia de Chicago”. (KLEIN, 2008, p. 108)
Mas sob o predomínio do neoliberalismo e seu culto supersticioso do mercado, o esgotamento do “trabalho de massas” se traduz em desemprego maciço, em extrema pobreza, em anomia e em desintegração social, em extensão do consumo de drogas, em auge da criminalidade, etc. (HARVEY, 2008, p.105).
Além da desigualdade, tudo isso gerou uma sociedade menos integrada, em que as pessoas não mantém vínculos entre si. São produzidas sociedades distantes, irreconciliáveis, havendo, assim, a dissolução da integração social. (HARVEY, 2008, p. 106-108).
Há a dissolução da integração social e esse panorama é visível. Destaca-se, assim que em razão das premissas neoliberais e das lições encampadas por Milton Friedman, a diferença entre o Leste Asiático (que não cedeu) e a América Latina é impressionante. Esta é campeã em desigualdade social e o Leste Asiático está entre as regiões com os melhores índices. O mesmo se dá com educação, saúde e seguridade social, importações, fuga de capitais. Para o economista brasileiro Bresser Pereira apud Chomsky o problema da América Latina é "a subordinação do Estado aos ricos" e a mais uma vez, os objetivos de construir mercados livres e a necessidade de tamanha brutalidade são tratados como se fossem inteiramente desconectados (CHOMSKY, 2002, p. 37)
Na mesma linha de raciocínio, Bariochi apud Chomsky (2002, p. 38) observa que "não resta dúvida de que o neoliberalismo compulsório no Terceiro Mundo no século XIX é um importante fator explicativo do atraso de sua industrialização". Enquanto isso, as sociedades ocidentais se protegiam da disciplina do mercado e prosperavam.
O fato é que, além do fator “crise” estar presente nas duas obras mestras deste estudo, segundo Klein (2008, p. 245) todos esses atos de terror foram vistos como abusos de direitos humanos e não como ferramentas que serviram a fins políticos e econômicos, mas principalmente o que o capitalismo fez e faz com as pessoas não foi considerado crime. Mas será que existia alguma outra razão que tornava a violência justificável ou necessária?
A globalização não foi algo pensado cientificamente para ocorrer, tendo surgido juntamente com o projeto neoliberal de desregulação, minimização dos poderes estatais, dos benefícios sociais e consequentemente, com a exclusão social. O que se verifica no aspecto econômico, é que além da criação de um mundo de consumidores, a solidariedade é deixada de lado. Basta “TER” e as ações passam a ser individuais. As classes passam a ser cada vez mais distantes e em tempos de livre informação, parece muito, ao menos, contraditória a noção de que o ideal neoliberal estaria pautado na produção de pobreza e exclusão social e se assim agisse, este seria sinal de rumo certo.
Essa é a essência do problema. As más ideias podem não servir aos objetivos expressos, mas geralmente revelam-se muito proveitosas aos seus grandes mentores. E esse padrão mantém-se até hoje: coloca-se o lucro acima das pessoas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, Niemeyer; PAULANI, Leda Maria. Regulação social e acumulação por espoliação: reflexão sobre a essencialidade das teses da financeirização e da natureza do Estado na caraterização do capitalismo contemporâneo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 20., n. 2, p. 243-272, ago. 2011.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 119.
BORÓN, Atílio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 63-118.
CHOMSKY, Naom. O lucro ou as pessoas? Trad. Pedro Jorgensen Júnior. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
GROS, Denise Barbosa. Considerações sobre o neoliberalismo como movimento ideológico internacional. Ensaios FEE, v. 29, n. 2, 2008. Disponível em: < http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewArticle/2188>. Acesso em: 05 fev. 2013.
HARVEY, David. Neoliberalismo: história e implicações. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2011.
KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: análise das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. La globalización del derecho: los nuevos caminhos de la regulación y la emancipación. Trad. César Rodrigues. Bogotá: ILSA, 1998.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
THERBORN, Goran. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 39-51.
* Advogada e professora do Curso de Direito do Instituto Federal do Paraná - Campus de Palmas. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania. (NDCC/UFPR)
** Advogada e professora do Curso de Direito da Unioeste - Campus de Marechal Candido Rondon. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Estudos Criminais (NEC/UFPR)
1 Harvey, assim como outros teóricos (v.g. Abili Lázaro Castro de Lima (2002, p. 162), Perry Anderson (2007, p. 14), Göran Therborn (2007, p. 39). Atílio Boron (2007, p. 95). Para Naomi Klein contar a história da cruzada ideológica, refere-se ao programa ideológico (à ideologia) como uma forma camaleônica sempre mudando de nome e de identidade (2008, p. 19, 24).
2 Segundo David Harvey, Paul Bremer, Autoridade Provisória de Coalização, “[...] convidou os iraquianos a cavalgar com seu cavalo da liberdade diretamente para dentro do curral neoliberal” (2011, p. 17).
3 Tanto Harvey quanto Klein lembram do “11 de setembro” em que a liberdade igualmente teria justificado a guerra contra o terror (HARVEY, 2011, p. 15; KLEIN, 2008, p. 23).
4 Para Naomi Klein, “a cruzada econômica conseguiu se atrelar a um verniz de respeitabilidade e legalidade” (2008, p. 531).
5 Göran Therborn enuncia que as crises (cíclicas) constituem o ritmo de vida do capitalismo (2007, p.47).
6 Obra de Keynes de 1936 se chama “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”.
7 O termo estagflação indica a estagnação da atividade econômica e produção da alta inflação que duraria boa parte dos anos 1970.
8 Ele morreu em 2006, com 94 anos de idade, deixando um imenso legado para a Escola de Chicago. Foi considerado o economista mais influente do ultimo meio século, tendo como discípulos vários presidentes dos EUA e políticos influentes ao redor do mundo.
9 Perry Anderson explica que entre o início da grande crise (1973) deflagrada até a hegemonia deste programa levou mais ou menos uma década quando a maioria dos governos da Organização Européia para ao Comércio e desenvolvimento “tratava de aplicar remédios keynesianos às crises econômicas. Mas, ao final da década, em 1979, surgiu a oportunidade.” ( 2007, p. 11)
10 O Consenso de Washington previa, basicamente: “[...] 1) acabar com a inflação, 2) privatizar e 3) deixar o mercado regular a sociedade, através da redução do papel do Estado, sendo os seus principais protagonistas as grandes corporações internacionais, sobretudo as norte americanas. (LIMA, 2002, p. 159).
11 Daí a importância dos banco de ideias. Quando a crise ocorria, as ideias para aquela localidade já estavam pensadas e as atitudes prontas para serem concretizadas.
12 Nesse sentido, David Harvey (2011, p. 09); Naomi Klein (2008, p. 18, 73); Noam Chomsky (2002, p. 22); Abili Lázaro Castro de Lima (2002, p. 254); Perry Anderson (2007, p. 19).
13 Segundo Harvey, haveria, no século XX, um colonialismo sem colônias desenvolvido pelos Estados Unidos (2011, p. 36).
14 A acumulação por espoliação nada mais é do que a continuação daquilo que Marx considerava como acumulação primitiva durante a ascensão do capitalismo. Essa forma de acumulação não se relaciona, simplesmente, a pura e simples racionalização da divisão do trabalho, mas à violenta expropriação da produção, ainda que através de saques, especulação comercial, tráfico de escravos, etc. dando origem à divisão de classes (burguesia e proletariado).
15 No tocante à privatização, Naomi Klein relembra os lucros oriundos da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos por sua vez auferidos com a venda de armas para a guerra, além da reconstrução do país realizada através de contratos sem licitação. Para a autora, o papel da guerra era abrir mercados que estavam fechados e gerar novos surtos de crescimento. (KLEIN, 2008, p. 22-23).
16 Nesse ponto David Harvey cita o exemplo da privatização das habitações sociais realizada por Thatcher. Num primeiro momento, teve-se a impressão de que os indivíduos poderiam passar para a casa própria, obter o controle de um valioso ativo e aumentar a riqueza. Incentivou os residentes de imóveis públicos comprarem seus apartamentos com taxas reduzidas. Os que puderam, se tornaram proprietários imobiliários; os que não conseguiram, tiveram de enfrentar aluguéis quase duas vezes mais altos do que antes. Era uma estratégia que funcionou. Assistiu-se ao crescimento visível dos desabrigados transformados em sem-teto, mas os novos proprietários haviam mudado sua filiação partidária (para conservadores). No entanto, feita a transferência, a especulação com moradias assumiu o controle, particularmente em áreas nobres, acabando por expulsar a população de baixa renda, via propina ou força, para periferia de cidades como Londres, transformando propriedades antes destinadas a moradia da classe trabalhadora em centros de intensa gentrificação. A perda de residências produziu sem-tetos e longas horas de deslocamento para pessoas cujos empregos pagavam baixos salários. Esse modelo também pôde ser observado no México (privatização dos ejidos – terras indígenas – obrigando muitos habitantes das zonas rurais a sair da terra em busca de emprego nos centros urbanos). O autor faz menção, ademais, aos fatos semelhantes que envolveram NovaYork e Pequin. (HARVEY, 2011, p. 56-58; 70-71; 176)
17 Quanto à proteção da originalidade, autenticidade e criatividade, a Lei de Direitos do Autor e de Marcas e Patentes é um exemplo gritante de proteção dos interesses das corporações.
18 De acordo com Niemeyer Almeida Filho e Leda Maria Paulani, para que ocorresse a referida centralização do capital financeiro [...] foi necessário que os Estados desenvolvidos decidissem liberar seus sistemas financeiros nacionais, além de adotar políticas de favorecimento da centralização dos fundos líquidos não reinvestidos das empresas e das poupanças das famílias para que essa hegemonia se estabelecesse. [...] as unidades de capital que se especializaram na acumulação pela via da finança tornaram-se, através dos mercados bursáteis, proprietárias dos grupos empresariais mais importantes em nível global. Desta maneira, impuseram à própria acumulação de capital produtivo uma dinâmica orientada pela maximização do valor acionário. (ALMEIDA; PAULANI, 2011, p. 247-248)
19 A respeito do domínio do capital financeiro, Harvey exemplifica que o volume diário total de transações financeiras nos mercados internacionais, que alcançava 2,3 bilhões em 1983, elevou-se a 130 bilhões por volta de 2001. (HARVEY, 2011, p. 173).
20 Explicita-se, nesse sentido, o exemplo da empresa de energia ENRON que foi denunciada por fraude contábil e fiscal porque manipulava os números inserindo nos balanços receitas inexistentes, alimentando a lucratividade, fazendo, com isso, as ações dispararem nos mercados financeiros. (HARVEY, 2011, p. 41)
21 O México é citado por Harvey como um dos casos mais emblemáticos de uma crise da dívida: dívida extrema, submissão ao programa neoliberal e espoliação. Conferir, nesse sentido, HARVEY, 2011, p. 107 e ss.
22 David Harvey ainda faz alusão à essa modalidade de administração das crises como produzindo uma deflação confiscatória. (2011, p. 175)
23 “[...] Em cada país, o livre mercado funcionou como uma prensa na qual as classes médias foram espremidas. Ele enriqueceu uma pequena minoria e fez aumentar a dimensão das underclass excluídas. Ele infligiu sérios prejuízos aos canais políticos através dos quais foi implementado. Utilizou os poderes do Estado sem escrúpulos, corrompeu e, em certo sentido, tirou a legitimidade das instituições do Estado. Desarticulou ou destruiu a coalizão inicial de sustentação política. Quebrou as entidades sociais. E, na sequencia, estabeleceu as condições nas quais os partidos oposicionistas foram forçados a operar”. (GRAY apud LIMA, 2002, p. 176)
24 Segundo Harvey, Thatcher não conseguiu alcançar os serviços públicos essenciais como saúde e educação; na Alemanha os sindicatos mantiveram-se fortes, preservando as proteções sociais e os níveis relativamente altos dos salários. (HARVEY, 2011, p. 98-99)
25 Maria Helena Chaui fala do desemprego estrutural e cita como suas causas, nesse processo de neoliberalização, da introdução da automação e pela velocidade da rotatividade de mão-de-obra que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em razão das mudanças tecnológicas (CHAUI apud LIMA, 2002, p. 278). A respeito da desigualdade ou pobreza estrutural conferir LIMA, 2002, p. 276-293.
26 Harvey, analisando a migração de trabalhadores rurais aos centros urbanos da China, faz referência à formação de um exército de reserva, uma força de trabalho vulnerável à superexploração. Aduz, ademais que: “Da China rural empobrecida aos abastados EUA, a perda de proteções em termos de assistência à saúde e a crescente imposição de todo tipo de taxa de uso de bens públicos impõe um considerável ônus aos encargos financeiros dos pobres. A neoliberalização transformou a posição do trabalho, das mulheres e dos povos indígenas na ordem social ao enfatizar a ideia do trabalho como uma mercadoria qualquer. Privada da capa protetora de instituições democráticas vivas e ameaçada por todo tipo de desarticulação social, uma força de trabalho descartável se volta inevitavelmente para outras formas institucionais por meio das quais construir solidariedades sociais e exprimir a vontade coletiva. Tudo prolifera – de gangues e cartéis criminosos a redes de narcotráfico, minimáfias, chefes de favelas, cultos seculares e seitas religiosas, passando por organizações comunitárias, organizações de defesa das tradições e organizações não-governamentais. Essas são as formas sociais alternativas que preenchem o vazio deixado pelos poderes do Estado [...]” (HARVEY, 2011, p. 184). Perry Anderson igualmente faz referência ao exército de reserva de trabalhadores que tinha como propósito, dentro do projeto neoliberal, quebrar os sindicatos (2007, p. 11).
27 Milton Santos aduz que há, de um lado, um retrocesso quanto a noção de bem público e de solidariedade enquanto do outro, se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social (SANTOS, 2001, p. 38). Boaventura de Sousa Santos igualmente refere-se às consequências da globalização, exemplificando com a crescente desigualdade a nível mundial, além de outros efeitos catastróficos (SANTOS, 1998, p. 39).
28 A respeito do individualismo absoluto e busca da própria satisfação em uma “roda viva”, conferir LIMA, 2002, p. 240.
29 Gerald Haines denuncia que os EUA vem usando o Brasil desde 1945 como "área de teste para os modernos métodos científicos de desenvolvimento industrial baseado no capitalismo intensivo". Ele classifica a política norte-americana para o Brasil como uma verdadeira história do sucesso americano. Outro exemplo é o México, apontado como modelo para os demais países pelo Consenso de Washington. (CHOMSKY, 2002, p. 30)
30 A influência americana no golpe de 1964 no Brasil foi tão direta que dois anos mais tarde o Secretário de Defesa afirmou que as políticas dos EUA em relação aos militares latino-americanos haviam atingido seus objetivos, haviam "aumentado a segurança interna" e "estabelecido o predomínio da influência militar norte-americana, resultado que, segundo ele, protegerá o "investimento privado (e o comércio) norte-americano, "fundamento econômico" que é a essência do interesse político dos Estados Unidos na América Latina". (CHOMSKY, 2008)
31 Aqueles cem chilenos que foram estudar economia nos EUA ficaram conhecidos como os Garotos de Chicago.
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