Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A IMPORTÂNCIA DA VALORAÇÃO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL: UM ESTUDO DE CASO DO NAUFRÁGIO EM RIO AMAZÔNICO

Autores e infomación del artículo

Fernanda Neves Ferreira*

Norma Ely Santos Beltrão**

Universidade do Estado do Pará, Brasil

nanda_fnf@yahoo.com.br

RESUMO

A Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro um importante instrumento para a proteção ao meio ambiente, qual seja: a ação civil pública. Este artigo tem por objetos de estudo a legislação em referência e os métodos de valoração ambiental, abordados sob a perspectiva da problemática de que a Lei da Ação Civil Pública não apresenta como mensurar economicamente o dano ambiental para a condenação em indenização do agente poluidor. Justifica-se a temática pela verificação de que a maioria dos membros do Poder Judiciário brasileiro desconhece as metodologias de valoração ambiental e a própria Lei da Ação Civil Pública não indica como obter o valor econômico de um dano ambiental. O objetivo geral da pesquisa é analisar como os métodos de valoração ambiental podem ser usados na avaliação dos danos ambientais na ação civil pública, e, para tanto, o objetivo específico é estudar a da Lei da Ação Civil Pública com a finalidade de entender o seu funcionamento e identificar os métodos de valoração ambiental existentes que podem ser úteis aos membros do Poder Judiciário. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental, bem como o estudo de caso da Ação Civil Pública sobre o naufrágio do Navio Haidar em Barcarena-Pará-Brasil. Como resultado obtido, a pesquisa apresenta as metodologias de valoração econômica adequadas para cada serviço ambiental afetado pelo naufrágio. Concluiu-se que os métodos de valoração ambiental são importantes ferramentas para subsidiar as ações civis públicas ambientais, tornando-as mais justas nas condenações e mais eficazes como instrumento de proteção ao meio ambiente.

Palavras-chave: Meio ambiente, Ação civil pública, Valoração, Dano ambiental.

ABSTRACT

The Law nº. 7.347, published in July, 24, 1985, introduced in the Brazilian legal system an important tool for environmental protection, namely: the public civil action. This paper aims to study the legislation in reference and the methods of environmental valuation, discussed from the perspective of the issue that the Law of Ppublic Civil Action does not provide how to measure economically the environmental damage to the condemnation in indemnity from the polluting agent. It is justified the subject because of the verification that most of the Brazilian Judiciary members does not know the methods of environmental valuation and the Law of Public Civil Action does not indicate how to obtain the economic value of environmetal damage. The overall object of the research is to analyze how the environmental valuation methods ca be used to evaluate environmental damage in then public civil action, and, therefore, the specific objective is to study the Public Civil Action Law in order to understand its operation and to identify the methods of enviromental valuation that may be useful to members of the Judiciary. The methodology used was the bibliographical and documentary research , as well as the case study of Public Civil Action about the sinking of the ship Haidar in Barcarena-Pará-Brazil. As a result obtained, the research presents the methodologies for economic valuation appropriate for each environmental service affected by the wreck. It was concluded that the methods of environmental valuation are importants tools to support environmental public civil actions, making them more fair in condemnation and mora effective as an instrument of protection for the environment.

Keywords: Environment. Public civil action. Valuation.  Environmental damage.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fernanda Neves Ferreira y Norma Ely Santos Beltrão (2016): “A importância da valoração na ação civil pública ambiental: um estudo de caso do naufrágio em rio amazônico”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/naufragio.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604naufragio


1 INTRODUÇÃO
As atividades humanas vêm causando nos recursos ambientais severos e frequentes danos, expondo ao risco a existência da própria sociedade e da biodiversidade de modo que, caso não haja mudanças nas práticas antrópicas atuais, será inevitável a colisão entre os seres humanos e o mundo natural, conforme o aviso à humanidade realizado pelo grupo de cientistas do Union of Concerned Scientists em 1992. Andrade (2012) descreve que, com a Revolução Industrial, se iniciou a desestabilização dos sistemas naturais de absorção dos impactos ambientais gerados pelas intervenções humanas, acentuando-se cada vez mais os danos e ocasionando a progressiva redução da capacidade de resiliência dos ecossistemas.
Diante das necessidades ilimitadas dos seres humanos e da escassez de recursos naturais para satisfazê-las, Milaré (2011) aponta para a necessidade da existência de regramentos jurídicos que disciplinem as relações entre o ser humano e o meio ambiente com vistas a equilibrar os interesses de apropriação dos bens naturais, realizando a análise e controle prévios da implementação de atividades potencial ou efetivamente danosas ao meio ambiente no intuito de prevê futuros impactos e preveni-los. Nesse mesmo aspecto, De Groot (2002) esclarece que as tomadas de decisão sobre as opções políticas e medidas de gestão devem considerar os valores ecológicos, sócio-culturais e econômicos fornecidos pelos bens e serviços ecossistêmicos oriundos da estrutura e processo ecossistêmicos.
Pelas abordagens acima, no Brasil, tem-se a ação civil pública regulamentada na Lei no. 7.347, de 24 de julho de 1985, como um instrumento processual de proteção judicial aos interesses transindividuais, isto é, de proteção a bem que pertence a uma coletividade indeterminada que, uma vez lesionado, a todos prejudica (MILARÉ, 2011). Por essa perspectiva, o meio ambiente ecologicamente equilibrado enquadra-se perfeitamente como um dos objetos protegidos pela legislação em análise, havendo a própria Política Nacional do Meio Ambiente consagrado a ação civil pública ambiental ao legitimar o Ministério Público para acionar os causadores de danos ambientais (artigo 14, §1º).
É importante acentuar que a Lei da Ação Civil Pública traz a possibilidade da realização de exames e perícias a serem direcionados de modo que os quesitos levantados permitam dimensionar o dano ambiental (STEIGLEDER, 2011). De posse do dimensionamento do dano, facilita-se a identificação da melhor metodologia para a valoração econômica dos recursos ambientais afetados com o objetivo de mensurar a penalidade indenizatória, como forma indireta de reparação, nas hipóteses em que não for possível a reabilitação do bem maculado nem a sua substituição por outro equivalente, conforme Freitas (2011).
No entanto, apesar dos métodos de valoração ambiental se mostrarem necessários nos procedimentos judiciais, percebe-se que a maioria dos membros do Poder Judiciário não os conhecem ou, se conhecem, não os aplicam (ARAUJO, 2011). Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo analisar como as técnicas de valoração ambiental podem ser usadas na estimativa do valor econômico de danos ambientais na ação civil pública.

2 O DANO AMBIENTAL E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Steigleder (2011) aponta que, com a colaboração de profissionais qualificados em áreas de conhecimento interdisciplinares, deve-se buscar responder aos seguintes itens do Quadro 1, durante o desenrolar do inquérito civil ou mesmo na fase processual da ação civil pública ambiental, no intuito de subsidiar a estimativa econômica das medidas indispensáveis à restauração do dano.
Quadro 1. Itens e Detalhamentos a serem realizados no Procedimento da Ação Civil Pública


ITENS

DETALHAMENTO

Identificação da substância causadora do dano.

Características das substâncias tais como volume, quantidade, etc.

Tempo de duração do dano.

Horas ou dias do derramamento ou deposição das substâncias.

Data e localização do dano.

Descrever ainda as condições de tempo e da extensão geográfica do dano.

Identificação da gravidade do dano.

Descrever as consequências lesivas em todos os componentes do meio ambiente (água, solo, etc.), bem como sobre os usos e serviços ambientais que cada um desses componentes proporcionava ou poderia proporcionar tanto ao ser humano como ao próprio ecossistema (valores de uso e de não uso).

Reversibilidade do dano.

Indicar se há possibilidade de reversibilidade ou não do dano, sugerindo as providências necessárias a sua eventual reparação.

Identificação das providências preventivas.

Indicar quais providências poderiam ter sido adotadas para evitar o dano.

Abrangência do dano.

Realizar o levantamento do quantitativo de pessoas afetadas pelo dano.

Identificação do estado anterior ao dano.

Examinar as áreas contíguas, analisar inventários, entre outros, a fim de identificar o estado anterior do ambiente afetado.

Indicação dos custos públicos do dano.

Quantificar os custos públicos que o órgão ambiental teve para minimizar os danos.

Impactos sociais do dano.

Identificar os impactos do dano na sociedade, como nas atividades agrícolas, comércio, recreação, pesca, turismo, etc.

Fonte: Steigleder (2011), com adaptações.

Percebe-se, pelo Quadro 1 acima que, ao tempo da realização do inquérito civil ou mesmo na fase judicial, o levantamento detalhado dos dados permite a obtenção de informações dos aspectos físicos, biológicos, econômicos e humanos do dano ambiental que são fundamentais para a adequada avaliação (ARAUJO, 2011). É com o objetivo de melhor acompanhar o impacto ambiental que o procedimento da ação civil pública foi previsto para ocorrer no local do dano (artigo 2º, da Lei da Ação Civil Pública).
Como se trata de um bem de interesse difuso, Araujo (2011) informa que não é autorizado aos particulares o ajuizamento da ação, cabendo apenas aos legitimados constantes no artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública, como a Defensoria Pública e o Ministério Público. Porém, o cidadão que tiver conhecimento acerca de danos ao meio ambiente poderá informar o Ministério Público, relatando os fatos e indicando as provas que houver, a fim de que as providências sejam tomadas (artigo 6º).
Pode, ainda, o Ministério Público, antes de iniciar a fase judicial, instaurar o inquérito civil no intuito de averiguar se há fundamento para o ajuizamento a ação. Nesse procedimento, é permitida a solicitação de informações e documentos de particulares ou órgãos públicos, bem como a realização de perícias e exames, dentro do prazo de dez dias (artigo 8º, §1º). Se nada for indicativo de dano, o inquérito será arquivado (artigo 9º); caso contrário, o inquérito seguirá anexo à ação ajuizada.
É autorizada também a formalização de termo de ajustamento de conduta entre os causadores do dano e o Ministério Público ou as demais entidades do artigo 5º, que, uma vez descumprido, poderá ser executado judicialmente (artigo 5º, §6º). Na fase judicial, o juiz poderá impor a realização de obrigação de fazer ou não fazer, conforme o artigo 11, prevendo a aplicação de multa em caso de descumprimento. Tonetti (2014) esclarece que, na hipótese de condenação em indenização, será criado um fundo de direitos difusos e os recursos financeiros lá aplicados serão revertidos na reconstituição dos bens afetados, sendo a sua gerência realizada “por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade” (artigo 13).

3 A IMPORTÂNCIA DE VALORAR O DANO AMBIENTAL PARA FINS JURÍDICOS
A valoração econômica do dano ambiental se justifica pela necessidade de se explicitar a forma como as atividades humanas afetam a natureza em termos monetários para que seja possível incorporar os serviços ecossistêmicos nas tomadas de decisões, principalmente, porque os ecossistemas oferecem serviços essenciais não somente para o desenvolvimento das atividades econômicas (como a regulação climática e o ciclo de nutrientes), como também para a manutenção da qualidade da vida humana na Terra (TEEB, 2010). Nessa perspectiva, no âmbito da ação civil pública, valoração se revela como um instrumento essencial para auxiliar na estimativa econômica de um bem ou serviço ambiental maculado quando da condenação do poluidor em indenização a ser depositada no fundo de direito difusos para futuro investimento em programas de recuperação da qualidade ambiental (BADINI, 2011).
A valoração ambiental é relevante também para subsidiar a formalização dos termos de ajustamento de conduta previstos na Lei da Ação Civil Pública. Porém, Freitas (2011) verifica que, nesse momento, não é usual o emprego das técnicas valorativas para avaliar o dano a ser compensado, o que não é correto, porque há situações em que a complexidade do caso é tão alta que a valoração vem como uma medida prévia indispensável para a formalização de ajustamento de condutas que envolvam compensação ou indenização.
A fim de se obter uma avaliação econômica mais justa e reparadora, é essencial a aplicação das metodologias de valoração, considerando os danos ambientais individualmente com vistas a obter as suas respectivas estimativas econômicas de forma mais representativa do restabelecimento dos danos. Contudo, o que acontece com mais frequência é que o Poder Judiciário brasileiro nem sempre aplica as técnicas de valoração, seja por desconhecimento, seja pela falta da prática com as metodologias, o que prejudica a avaliação adequada do dano ambiental (ARAUJO, 2011). Além disso, apesar da importância da valoração, não se pode deixar de reforçar que os métodos oferecem uma estimativa econômica e não o seu verdadeiro valor (FREITAS, 2011).

4 MÉTODOS DE VALORAÇÃO DO DANO AMBIENTAL
Após essas considerações, passa-se a apresentar os métodos de valoração econômica dos bens e serviços da natureza, salientando que o resultado alcançado reflete uma aproximação dos custos dos danos ambientais, visto que a complexidade dos ecossistemas torna a mensuração econômica de um recurso natural, processo ou serviço ecossistêmico uma tarefa difícil, prejudicada ainda mais pela ausência de valores de mercado devido ao caráter público da natureza que a faz ser desconsiderada nas transações econômicas (ANDRADE, 2012). Na busca por inserir um valor econômico à natureza, o Diagrama 1 abaixo identifica os componentes do Valor Econômico do Recurso Ambiental, conceituando-os:

Verifica-se, pelo Diagrama 1 acima, que a fórmula para se obter o VERA é constituída pela somatória dos Valores de Uso, Valor de Opção e Valor de Existência (VERA = VUD + VUI + VO + VE). A fim de esclarecer no que consistem os valores abordados, exemplifica-se, como hipótese de VUD dos recursos da biodiversidade, o aproveitamento direto do fornecimento de alimentação, recreação e recursos genéticos. Da Motta (1997) explica que o VDI pode ser exemplificado pelo suporte que a biodiversidade oferta às atividades econômicas como o controle da erosão e a regulação climática. O VO é representado na biodiversidade pela conservação dos valores de uso para não comprometer o seu uso futuro. Por fim, o VE dos recursos da biodiversidade é identificado, por exemplo, pelo valor da preservação de uma floresta com o propósito de permitir o seu usufruto para as futuras gerações ou de não extinguir espécies ameaçadas.
Na valoração econômica do meio ambiente, De Groot (2002) afirma que há quatro tipos de métodos: a valoração direta de mercado, aplicado quando há o valor de troca dos serviços ecossistêmicos no mercado, comumente usando para as funções de produção, informação e regulação; a valoração indireta de mercado, utilizada na ausência de mercado explícito para os serviços e representada pelas técnicas de Custos Evitados,            Custo de Reposição, Fator de Renda, Custo de Viagem e Preços Hedônicos; a valoração de contingente, caracterizada pela aplicação de questionário de levantamento que descreva situações hipotéticas; e a valoração de grupo, obtida pelo debate em público. Eis o Quadro 2 a seguir, que relaciona os métodos de valoração mais adequados para cada tipo de valor já abordado:

Quadro 2. Relação entre métodos de valoração e tipos de valor.


Relação entre Métodos de Valoração e Tipos de Valor

Valor de Uso Direto

Valor de Uso Indireto

Valor de Opção

Valor de Existência

Análise de mercado;
Métodos de custo;
Função da produção.

Análise de mercado;
Métodos de custo;
Preço hedônico;
Valoração de contingente.

Método do custo de substituição;
Métodos do custo de mitigação;
Método do custo evitado.

Valoração contingente;
Eleição contingente.

Fonte: TEEB (2010), com adaptações.

Esclarecendo o Quadro 2, Andrade (2010) discorre sobre algumas técnicas de valoração ambiental, dentre elas, o Método Valor de Contingente (MVC), sobre o qual relata que se caracteriza por ser um método direto, porque se investiga a disposição a pagar do consumidor (DAP) e a disposição a receber compensação (DAR) para manter inalterado um bem ou serviço ambiental. Por outro lado, o Método Custo de Viagem (MCV) tem por referência a totalidade dos gastos realizados por visitantes para chegar e permanecer em determinada área de recreação a fim de desfrutar dos recursos ambientais ali ofertados (DE GROOT, 2002).
Há, ainda, o Método Preços Hedônicos (MPH) referente à análise da variação de preços dos imóveis conforme as características ambientais de onde estão localizados (DE GROOT, 2002). Não se pode deixar de discorrer também sobre o Método Custo de Reposição (MCR), o qual se funda no valor obtido com os gastos para restaurar ou repor um bem ou serviço ambiental danificado (ARAUJO, 2011). E, por último, existe o Método de Custos Evitados (MCE), caracterizado pelo levantamento dos gastos individuais com produtos substitutos ou complementares que ofertam melhoria ao bem-estar humano, sendo denominados de gastos defensivos ou preventivos, gastos estes ocasionados pela ausência de um serviço ambiental (DE GROOT, 2002).

5 METODOLOGIA
Para alcançar os objetivos específicos da pesquisa, a técnica de pesquisa adotada foi a bibliográfica, realizada nos meses de setembro e outubro de 2016, e caracterizada pelo uso de livros e artigos científicos publicados em revistas (GIL, 2002). Assim, utilizou-se das referidas documentações a fim de elaborar as conceituações, obter os posicionamentos de doutrinadores acerca da valoração ambiental nas ações civis públicas e identificar os métodos de valoração que podem ser úteis ao Poder Judiciário.
Trata-se, ainda, de uma pesquisa documental, pois se embasa em documentos que ainda não foram tratados analiticamente (GIL, 2002). Destaca-se que foram utilizados documentos jurídicos, uma vez que as ações civis públicas ambientais serviram de fonte primária para verificar de que forma foi realizada a valoração ambiental para a condenação indenizatória.
Salienta-se que foi realizado ainda um estudo de caso referente à ação civil pública sobre o naufrágio do Navio Haidar em Barcarena-Pará-Brasil. Para Gil (2002), a metodologia de estudo de caso é caracterizada pela análise aprofundada de um objeto com o intuito de investigar um fenômeno inserido no real contexto em que ele ocorre. Nessa pesquisa, teve-se por objeto a Ação Civil Pública nº. 35481-71.2015.4.01.3900.

6 ESTUDO DE CASO: O NAUFRÁGIO DA EMBARCAÇÃO COM CARGA VIVA EM BARCARENA/PA.
A ação civil pública em estudo foi elaborada em 17 de dezembro de 2015, por representantes do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Estado do Pará e pela Defensoria Pública do Estado do Pará contra seis envolvidos no procedimento de transporte de bois vivos no Porto de Vila do Conde, em Barcarena-PA. Os autos da ação civil pública informam que o acidente ocorreu em 06 de outubro de 2015, no Píer 300 do Porto de Vila do Conde, no Município de Barcarena-PA, iniciado por um processo de adernamento após o embarque de aproximadamente 4.900 (quatro mil e novecentos bois), que levou ao naufrágio do Navio Haidar Beirut.
É primordial relatar que os danos ambientais destacados na ação incluíram, além do afogamento dos bois, o vazamento de aproximadamente 700 mil litros de óleo marítimo MF380 e também foram encontrados resíduos das 90 toneladas de fardos de feno e 50 toneladas de fardos de arroz que estavam embarcados. Por esses dados, a ação civil pública identificou, como danos ambientais oriundos do naufrágio, a poluição da água e do solo, a crueldade e os maus tratos aos animais, os riscos à saúde humana e os danos morais ambientais coletivos.
No objetivo de reparar os danos constatados, os Promotores de Justiça requereram como tutela antecipada o cumprimento de diversas obrigações que promovessem o controle da expansão de alguns danos e a sua reparação, como a elaboração e execução de um plano para a limpeza das praias com a retirada da embarcação e das carcaças, bem como dos resíduos de óleo e feno, e o fornecimento de água potável e cestas básicas à população afetada. Como pedido principal, foi requerida ainda a indenização pelos danos ambientais irreparáveis em relação à qualidade dos ecossistemas afetada pelo vazamento de óleo e a decomposição dos cadáveres bovinos.
A mensuração econômica dos danos para quantificar a indenização em favor do Município de Barcarena teve como parâmetro a sua Lei Municipal de Diretrizes Orçamentárias que prevê investimentos em políticas públicas em prol do meio ambiente, sendo pleiteada a condenação no valor de 10% da LDO, que corresponde a R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais). Em benefício do Município de Abaetetuba, os danos foram mensurados levando em consideração o gasto anual com o funcionamento da Secretaria Municipal de Abaetetuba, que foi estimado em R$ 1.412.644,00 (um milhão, quatrocentos e doze mil e seiscentos e quarenta e quatro reais).
No que consiste aos danos morais coletivos, foi sugerido a quantia de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) que será revertida em programas desportivos e de desenvolvimento do turismo e lazer para a população atingida. Por fim, para quantificar a indenização pelos maus tratos e crueldade contra os animais foi sugerido o valor de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões reais), que corresponde à quantia necessária para a construção de um hospital público veterinário a ser instalado em Barcarena-PA. O valor total da causa foi estimado em R$ 71.412.644,00 (setenta e um milhões e quatrocentos e doze mil e seiscentos e quarenta e quatro reais).
Nota-se que a proposta dos Promotores de Justiça para mensurar os danos ambientais carece de uma base científica que expresse o valor da indenização de forma mais aproximada possível do valor econômico dos recursos ambientais afetados. Outros países, como os Estados Unidos e a Europa, já incorporam a abordagem do VERA em suas avaliações de dano ambientais. Andrade (2010) afirma que o Método Valoração de Contingente tem sido a técnica mais utilizada nesses países, por causa de sua capacidade de obter inclusive o valor de não uso dos recursos ambientais, além de poder quantificar o valor de diversificados serviços ecossistêmicos.

7 VALORAÇÃO DO DANO AMBIENTAL: UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA
Como alternativa para valorar os danos ambientais identificados na Ação Civil Pública em comento, De Groot (2002) frisa que, para cada função ecossistêmica, podem ser utilizados diversos métodos de valoração. Porém, o autor constata, ainda, que há preferência por determinados métodos de acordo com a função ecossistêmica a ser valorada. O Quadro 3, a seguir, identifica os serviços ecossistêmicos e as técnicas mais recorrentes para valoração dos impactos gerados pelo naufrágio do Navio Haidar em Barcarena/PA, que deu motivação ao ajuizamento da Ação Civil Pública em estudo.

Quadro 3. Relação entre funções ecossistêmicas e técnicas de valoração econômica mais recorrentes para os impactos em Barcarena/PA:


Serviços Ecossistêmicos

Descrição dos Impactos em Barcarena/PA

Técnica mais recorrente

1 Funções de Regulação

 

Regulação de gás

Qualidade do ar afetada pelos gases emitidos na decomposição das carcaças

Método Custos Evitados

Regulação da água

Drenagem, irrigação natural e rios como meio de transporte afetados pelo derramamento de óleo

Método Fator de Renda e Método Custos Evitados

Suprimento de água

Filtragem, retenção, armazenamento e fornecimento de água para consumo como serviços prejudicados pelo derramamento de óleo e carcaças

Precificação Direta de Mercado e Método Custo de Reposição

2 Funções de Habitat

 

Refúgio

Prejuízo no fornecimento de espaços e abrigos ecossistêmicos para as espécies animais e vegetais devido ao derramamento de óleo

Precificação Direta de Mercado e Valoração de Contingente

Berçário

Prejuízo à reprodução de espécies, como à agricultura e à aquicultura de subsistência devido ao derramamento de óleo

Precificação Direta de Mercado

3 Função de Provisão

 

Alimento

Impedimento do fornecimento de alimentos à população ribeirinha pelo derramamento de óleo

Precificação Direta de Mercado e Método Fator de Renda

4 Função de Informação

 

Informação estética

Paisagens atrativas (praias) afetadas pelas carcaças, derramamento de óleo e feno

Método Preços Hedônicos

Recreação e Turismos

Ecossistemas naturais para uso recreativo afetados (praias) pelas carcaças, derramamento de óleo e feno

Precificação Direta de Mercado e Método Valoração de Contingente

Inspiração artística e cultural

Recursos naturais com valor cultural e artístico prejudicados pelas carcaças, óleo derramado e feno

Método Valoração de Contingente

Informação espiritual/histórica

Prejuízos a recursos naturais com valor histórico, patrimonial ou religioso

Método Valoração de Contingente

Ciência e educação

Uso da natureza para investigação científica

Precificação Direta de Mercado

Fonte: De Groot et al. (2002), com adaptações.

Pela descrição dos danos contidos na ação civil pública sobre o naufrágio do Navio Haidar em Barcarena-PA, foram identificados os impactos ambientais acima descritos e especificados de acordo com as funções ecossistêmicas elencada por De Groot (2002), bem como foram indicados os métodos de valoração mais adequados para aplicação. Ressalta-se que os objetivos da pesquisa se limitam a esses aspectos, podendo ser mais bem desenvolvida futuramente, trabalhando as metodologias sugeridas para a obtenção do valor econômico dos recursos afetados e comparando-o com o valor proposto na ação civil pública.
De Groot (2002) conseguiu identificar 23 funções ecossistêmicas (entendidas como a capacidade de processos e componentes naturais fornecerem bens e serviços que satisfaçam as necessidades humanas direta ou indiretamente), e ainda distribuí-las em quatro categorias primárias, quais seja: função de regulação, função de habitat, função de provisão e função de informação (Quadro 3). Em seu trabalho, o autor ainda conceitua cada um dos processos e componentes ecossistêmicos e os exemplifica, o que facilita àquele que pretende aplicar os métodos de valoração a identificar os recursos ambientais afetados e também viabiliza a escolha da técnica de valoração mais adequada para representar aspectos ecológicos e socioeconômicos.
Andrade (2010) frisa que a vantagem dos métodos de valoração dos serviços ecossistêmicos é permitir considerar os contextos socioeconômicos e culturais em que está inserido o recurso ambiental, além das circunstâncias ecológicas da localidade, na mensuração do valor econômico. Por essa característica, o TEEB (2010) destaca que o resultado da valoração não é o mesmo para todos os lugares, uma vez que varia conforme as particularidades ambientais, culturais e socioeconômicas de cada espaço.
9 CONCLUSÕES
A pesquisa permitiu identificar a contribuição dos métodos de valoração ambiental para a avaliação dos danos ambientais na ação civil pública no Brasil, partindo-se de uma breve análise do funcionamento da Lei nº. 7.347/85, em que foi constatada a omissão quanto à indicação de método de valoração para a aplicação de penas indenizatórias. Além disso, a exposição dos métodos de valoração ambiental existentes confirmou a sua utilidade para o Poder Judiciário no que se refere à possibilidade de estimação adequada dos danos ambientais, tendo como estudo de caso a ação civil pública sobre o naufrágio do Navio Haidar em Barcarena-PA, sendo sugeridas metodologias alternativas para a mensuração dos danos.
Assim, para que seja possível consagrar a Ação Civil Pública, no Brasil, como instrumento garantidor da proteção ambiental é importante a aproximação do Direito com a Economia Ecológica com o fito de, além de se obter a valoração no aspecto mercadológico, ser possível incluir as estimações dos valores de existência e de opção. Mediante essa inter-relação, serão aprimorados os caminhos da efetivação da proteção ambiental.

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* Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Advogada.

** Doutora em Economia Agrícola. Professora da Universidade do Estado do Pará (UEPA).


Recibido: 19/11/2016 Aceptado: 28/11/2016 Publicado: Noviembre de 2016

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