Jaqueline Fátima Previatti Veiga*
Maria Luiza Milani **
Universidade do Contestado, Brasil
paulo_jaque@brturbo.com.brRESUMO
O estudo mostrou cenário das violências praticadas contra as mulheres no território da 25 ADR, os direitos e operacionalização das políticas públicas, com objetivo de destacar os desafios ao Estado, às gestões públicas e à sociedade; um diagnóstico para subsidiar os urgentes processos de prevenção e combate às violências. O estudo bibliográfico indicou legislação disponível aos diversos atores e o estudo de campo de caráter documental em 3.769 BO com fato denunciado: violência contra mulher, entre 2009 e 2012, em quatro Delegacias Civis de Policia e duas Delegacias Especializadas na 25 ADR. A violência era territorializada nos municípios. As vítimas: tinham de 18 a 60 anos, vulneráveis socioeconomicamente; violências predominantes moral e psicológica sofrida no ambiente privado; agressor com laços familiares. Políticas públicas focadas nas violências contra as mulheres evoluíram. No território a rede permanecia desordenada e setorializada, evidenciando variadas questões: desinteresse, desconhecimento e vontade política para efetivá-las.
Palavras Chaves: Gênero, Violência contra Mulheres, Políticas Públicas.
VIOLENCE AGAINST WOMEN IN THE TERRITORY OF THE 25th SECRETARY OF REGIONAL DEVELOPMENT (ADR): PROGRESS AND CHALLENGES FOR THE RIGHTS AND PUBLIC POLICIES
ABSTRACT
The study showed scenery of violence practiced against women within the 25 ADR, the rights and operation of public policies, with the aim to highlight the challenges to the State, to public administrations and society, a diagnosis to support the urgent prevention processes and combating violence. The literature study indicated available legislation o the various performers and the field study of documents, in 3,769 with statements denouncing violence against women between 2009 and 2012 in four Civil Police Stations and two Special Police Stations in the 25 ADR area. Violence was territorialized in the municipalities. The victims: they were 18-60 years old and socioeconomically vulnerable. Prevalent moral and psychological violence was suffered in the private environment. The offenders were family related. The public policies focused on violence against women evolved. In the area, the network remained out of control and divided in sectors highlighting various issues: disinterest, ignorance and political will to accomplish them.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Jaqueline Fátima Previatti Veiga y Maria Luiza Milani (2016): “Violências contra as mulheres no território da 25 Agência de Desenvolvimento Regional (ADR): Os avanços e desafios para os direitos e as políticas públicas”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/genero.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604genero
INTRODUÇÃO
O estudo mostra um cenário das violências praticadas contra as mulheres no território da 25 Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), quando se aborda também os avanços e os desafios ao campo dos direitos e operacionalização das políticas públicas, em especial após o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2006 e 2011) e a Política Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011).
A violência apresenta-se de forma complexa e multifacetada em que as mobilizações e discussões, para dar conta desta problemática no Brasil e no mundo, contribuíram para a detecção e investigação da violência de gênero contra as mulheres, o que subsidiou a composição de extenso conjunto de políticas públicas, tanto em nível nacional como internacionalmente e que deveriam ser operacionalizadas de forma incisiva diante da gravidade da questão.
No Brasil, o enfrentamento das problemáticas relacionadas às violências contra as mulheres, ganha visibilidade no final dos anos 1970, quando foram instituídos os grupos de SOS Mulheres e a criação em 1985, das Delegacias Especiais de Atendimentos às Mulheres (DEAM), que se constituíram nas primeiras respostas institucionais colocadas à disposição das mulheres para o enfretamento da problemática da violência contra elas.
A continuidade das discussões sobre a elaboração e efetivação de políticas públicas para proteção das mulheres vítimas das violências permanecem constantes (Tabela 1), mas encontra barreiras de distintas ordens, se caracterizando num campo complexo e antagônico sobre o que deve permanecer como alerta e eficiente atuação, em especial na atenção e intervenções diretas sobre as vítimas.
Tomando-se por base essas acepções, as questões norteadoras deste estudo indagam: que políticas públicas emergiram, em especial após a Constituição Federal Brasileira (1988), direcionada à violência contra as mulheres? Qual o cenário das violências contra as mulheres apareceram nos Boletins de Ocorrências (BO) das Delegacias Civis e Especializadas dos municípios da 25 ADR (período 2009 a 2012)? Como se constituiu a rede de atenção (instituições e serviços), em atividade nesse território, voltadas ao atendimento às vítimas de violências contras as mulheres?
Para uma efetiva resposta, processou-se o estudo bibliográfico com o qual se formulou um arrazoado teórico no qual se destacou as políticas públicas focadas no enfrentamento das violências contra as mulheres, com o intuito de indicar o rol da legislação disponível aos diversos atores envolvidos, bem como, subsidiar o aporte legal em defesa às vítimas para que estas se sintam amparadas pelos rigores da justiça. Também se processou pesquisa de campo de caráter documental nos boletins de ocorrência nas instituições do território da 25 ADR (quatro Delegacias Civis de Policia - Delegacias não Especializadas de Itaiópolis, Papanduva, Rio Negrinho e Campo Alegre; Mafra e São Bento do Sul; nas duas Delegacias de Proteção a Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) e Delegacias Especializadas de Mafra e São Bento do Sul).
Para a pesquisa de campo, separaram-se todos os BO encontrados nessas delegacias, período entre 2009 a 2012, nos quais haviam registrados – descrição do fato comunicado, violências contra mulheres com idades entre 18 a 60 anos, o que totalizou 3.769 BOs, sobre os quais se sistematizou os dados apresentados, em parte neste texto. Ainda durante a pesquisa de campo, identificou-se todas as instituições, serviços e intervenções existentes nesse território, em operação, conforme as orientações contidas nas políticas públicas e do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à violência contra a Mulher (2011) tendo a mulher vítima de violência, escopo principal.
Pelas pesquisas, perseguiu-se o objetivo de estudar o cenário e as políticas públicas de enfrentamento das violências contra as mulheres no território da 25 ADR bem como, ao final, destacar os desafios ao Estado, às gestões públicas e à sociedade, que diante dos diagnósticos, atuam convergentemente na instalação dos processos de prevenção e combate às violências.
Isto posto, o texto apresenta as principais legislações e politicas públicas relacionadas com a violência contra as mulheres, em seguida dados sobre o cenário da violência registrada no território estudado, com análises sobre esse quadro; a organização das instituições, setores e serviços das principais políticas públicas compromissadas pelo Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, em especial ao eixo III: Garantia da Segurança Cidadã e Acesso à Justiça, bem com a finalização dessas análises nas considerações finais com apontamento de estratégias para acelerar esse processo.
POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS DE ESCOPO NAS VIOLENCIAS CONTRA MULHERES
Tomou-se por base de marco legal para as políticas públicas, a Constituição Federal do Brasil (CFB) de 1988, na qual a violência doméstica é reconhecida no Capitulo VII, artigo 226, em que o Estado assegurará proteção e assistência à família e seus membros, via mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
O marco legal e as políticas públicas (Tabela 01) que focam as mulheres vítimas de violência ou vulneráveis (em situação de risco) se tornaram cada vez mais enfáticas quando às intervenções sobre suas demandas, abrangem questões peculiares, ações e recursos, setores que devem interagir no enfrentamento das problemáticas das violências contra as mulheres.
Para a caracterização do cenário da violência contra as mulheres no território estudado, tomou-se a classificação e categorização da(s) violência(s) constantes na descrição contida no art. 7º da Lei Maria da Penha (violência física, psicológica, moral, patrimonial e sexual.)
Com base nesse rol de legislações, entendeu-se que a mulher vítima de violência tem como porta de entrada as delegacias especializadas ao atendimento a mulher (DEAM), para que possam registrar os boletins de ocorrência, denominação ao registro das violências. Nas delegacias quando se registram tais crimes em boletim de ocorrência, a autoridade policial é a responsável por encaminhar ao exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) para comprovar a ocorrência e o tipo de lesões sofridas de qualquer natureza, confirmando as formas de violências que as mulheres registraram e determinar os encaminhamentos aos atendimentos.
Para que as formas de violências registradas pelas DEAM possam ser julgadas, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) contribuiu para a modificação do cenário dos encaminhamentos das violências contra as mulheres. Nessa perspectiva, dois importantes documentos orientam as intervenções sobre a problemática das violências contra as mulheres: a Política Nacional pelo Enfrentamento, à Violência contra as Mulheres e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, ambos sob as atribuições da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
O Pacto Nacional aborda o entendimento de que a violência constitui-se em um fenômeno de caráter multidimensional, que requer a implementação de políticas públicas amplas e articuladas nas mais diferentes esferas da vida social, como na educação, no mundo do trabalho, na saúde, na segurança pública, na assistência social e na justiça, devem atuar intersetorialmente como política pública de Estado.
Desta forma, o Pacto Nacional pelo Enfretamento à Violência Contra as Mulheres estabelece organização e metas específicas para seu desenvolvimento; agrega ações para proteção e empoderamento da mulher ao meio social ao qual habita. Contempla, em seu conteúdo, que seu objetivo é o enfrentamento de todas as formas de violência contra a mulher, com garantia dos seus direitos incondicionalmente acessados. Segundo esse Pacto Nacional, devido a definição de enfrentamento utilizado pela Política Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a implementação de políticas amplas e articuladas devem dar conta da complexidade da violência de gênero em todas as dimensões.
As políticas públicas com ênfase nas violências encontraram nesse Pacto a materialização da preocupação dos grupos sociais organizados e do Estado, por meio do Governo Federal, que delega ações para o enfretamento de situação das ineficiências das políticas públicas que atendem às mulheres. Nesse escopo, as ações previstas preveem o trato à transversalidade de gênero, a intersetorialidade e a capilaridade. Visa garantir a discussão das questões de violência contra a mulher e de gênero, perpassando as mais diversas políticas públicas sociais setoriais. Pela intersetorialidade, as intervenções envolvem, de forma horizontal, ministérios, secretarias e coordenadorias das câmaras técnicas. Na dimensão vertical as intervenções devem envolver diferentes áreas como: a saúde, justiça, educação, trabalho, segurança pública; questão que se procurou identificar no território estudado, visando reconhecer os avanços e desafios em termos de garantia desses direitos para a cidadania de mulheres vítimas de violência.
Decorrente desta articulação prevista pelas legislações e politicas públicas, emerge a terceira premissa do Pacto: capilaridade. Estas ações resultam em programas e políticas públicas a serem aplicadas pelos atores institucionais nos âmbitos local e regional.
O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (2011) prevê uma rede de atenção às mulheres vítimas de violência, com instituições e setores estruturados, intersetorialmente, para que cooperativamente desenvolvam os cinco eixos estruturantes contemplados nesse documento, com o objetivo de garantir a aplicabilidade das políticas públicas, de forma organizada para promoverem as condições de atenção às mulheres. Os eixos do Pacto de 2011 são: I: Garantia da Aplicabilidade da Lei Maria da Penha; II: Ampliação e Fortalecimento da Rede de Serviços para Mulheres em Situação de Violência;III: Garantia da Segurança Cidadã e Acesso à Justiça; eixo IV: Garantia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, Enfrentamento à Exploração Sexual e ao Tráfico de Mulheres; V: Garantia da Autonomia das Mulheres em Situação de Violência e Ampliação de seus Direitos.
Tomando-se por base essas determinações das políticas públicas com escopo no gênero feminino e em especial sobre as violências contra as mulheres, o estudo de campo focou-se no diagnóstico das denúncias e da organização das redes e serviços no âmbito local-regional no território pesquisado.
CENÁRIO DAS VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES NA 25 ADR
No perfil das mulheres que denunciaram as violências sofridas, identificou-se que a faixa etária predominante era as com idade entre 18 e 60 anos. Essas mulheres se dedicavam exclusivamente ao cuidado do lar, tinham baixo nível de escolaridade – ensino fundamental; e, viviam uma união estável – casadas ou amasiadas.
Percebeu-se oscilação nas denúncias, mas presume-se, com base nas observações anunciadas pelos profissionais das delegacias, que o aumento dos registros nos BOs pode ser relacionado com as políticas públicas que vêm fortalecendo os grupos ditos vulneráveis. Diante do desenvolvimento das políticas públicas empregadas no cenário brasileiro para o combate a violência contra a mulher, um dos aspectos que sobressalta é a retirada da problemática da violência contra a mulher do cenário dito privado e essa questão assumiu o status de “coisa pública”, logo, problema de Estado também.
Na territorialização da violência, se identificou na localização geográfica da procedência das mulheres vítimas dos atos violentos, certa concentração nas quantidades em mesmos locais dos municípios. Mas a maior incidência dos atos violentos foi o espaço urbano e não no meio rural, pelo menos pelo que constava nos registros em BOs. Se evidenciou territorialidades das violências em todos os municípios. Apenas em Mafra os registros identificaram que a violência concentrava-se em um único bairro, o que denota de imediato demanda para intervenção dos atores sobre esse contexto social e suas múltiplas questões.
Essa territorialização fornece subsídios para se apontar os locais nos quais se deve intensificar as intervenções: ações preventivas, protetivas, educativas e informativas para a população. Outro fator relevante: do total de 3.769 BOs pesquisados, 2.182 registraram o espaço privado como o lugar no qual ocorreu o ato violento contra a mulher (nos demais 1.585 BO o registro indicou o espaço público como o lugar do ato violento).
A violência concentrada em territórios é um facilitador para a intervenção mas não exime toda a sociedade local-regional, de ser envolvida no enfrentamento da problemática seja pelas vítimas ou seus familiares, seja pela comunidade em geral. Que se tome consciência da violência como causa pública e se atue para a erradicação da eternização das relações de poder violentas.
Para a classificação e mensuração do fato comunicado nos BO (3.769) se tomou por base a tipificação das violências da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Os dados são apresentados pela categoria principal e pela tipificação das violências (violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), mencionadas nos BOs, que as vítimas pronunciarem nas suas denúncias.
As formas de violências identificadas nos BOs, além de confirmarem a descrição contida no art. 7º da Lei Maria da Penha, não se apresentam de forma isolada, mas em associação. É comum que a mulher sofra, ao mesmo tempo, violência física, psicológica, moral, patrimonial e sexual.
Evidenciou-se neste estudo que a violência moral e psicologia aparecem com certa regularidade em alta incidência e predominam em todos os municípios estudados. Referente à violência moral, a atitude mais expressiva é a injúria, seguida pela difamação e calúnia. Nesta forma de violência o Art. 7º da Lei Maria da Penha, prevê em linhas gerais, que se considera essas atitudes violentas crime proferido contra a honra da mulher (calúnia, injúria ou difamação).
Esta forma de violência pode causar prejuízo para a mulher, podendo resultar em dano de natureza física e para sua estima, que pode gerar doenças orgânicas, negar valores considerados universais, limitar a liberdade e a igualdade. A violência moral pode progredir para outras formas de violência. Para Monteiro et al. (2007), a violência é uma escala perigosa que tende a crescer, geralmente inicia com agressões verbais, passando para as físicas, psicológicas e sexuais, podendo culminar em homicídio.
Assim, a violência que aparece predominante na sequência da classificação das violências indicadas nesse estudo, é a violência psicológica, registrada pelo termo ameaça. A violência psicológica é aquela que faz com que a mulher se perceba em situação de inferioridade. Gradualmente vai colocando a mulher em situação de invisibilidade, desqualificando os seus sentimentos, suas conquistas, deixando-a impotente perante seu agressor. Ademais, o ponto forte desta forma de violência são os danos invisíveis causados à mulher vítima. Esta forma de violência é mais difícil de recuperação pela mulher, requerendo apoio técnico e profissional.
A denúncia à violência psicológica é dificultada pelo entendimento da sua inofensividade e pelo concepção de sua naturalização nas relações sociais. No entendimento de Cunha et al. (2007), “[...] a agressão emocional em determinadas situação torna-se tão mais grave quanto a física, diminuindo e inferiorizando o outro [...]”. para dar conta das manifestações da violência psicológica, a Secretaria de Vigilância em Saúde (2005), pontuou exemplos rotineiros na violência contra a mulher: quando esta é impedida de trabalhar; quando sofre manipulação financeira; quando não recebe apoio para a educação dos filhos; como também quando enfrenta ameaças constantes ou espancamento ou morte.
A violência física pode ser relacionada ao crescimento gradativo da violência verbal. Ao refletir-se sobre a violência física no território estudado, é possível considerar que nas condições sociais e históricas predominantes, a violência é um fenômeno social, relacionado ao processo colonizador e de desenvolvimento socioeconômico regional, reconhecido como Guerra do Contestado, no qual se eternizou o sofrimento físico e as mortes como recursos de luta pelos distintos grupos. Porém, para as mulheres, a violência física desperta sentimentos de raiva e impotência, cuja falta de reação a ela até então, pode ter perpetuado o ciclo das violências. Além das marcas deixadas no corpo, a violência física provoca outras formas de violências que não são percebidas no momento da agressão e sim tendem a apresentarem-se posteriormente, manifestando-se em doenças orgânicas e emocionais; sentimento de culpa, baixa estima, estado de depressão, situações que mantêm a mulher isolada e desestimulada para lutar e livrar-se das manifestações de violência física.
A justificativa para tanto reside do fato de que este crime apresenta nuances diferenciadas inerentes à sua prática, devendo ser estudado e analisado de maneira específica e em separado. Cabe a cada ente institucional intervir no aspecto peculiar de suas atribuições prerrogativas, previstas pelas legislações e políticas públicas.
Na tipificação e definição da violência doméstica e familiar, o Art. 5º da Lei Maria da Penha, diz que essas dimensões da violência configuram-se como sendo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial. Também se refere ao vinculo que o agressor tem com a vítima, em qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independente de coabitação. Tal Lei deixa clara a proteção da mulher diante da violência doméstica e familiar.
Observa-se pelos dados da Quadro 2 que são mais os homens os autores das agressões denunciadas, que vivem ou já viveram relação conjugal, nem sempre legalizada com a vítima. Mas uma situação preocupante é a indicação da agressão sofrida, desferida por filhos. Isto mostra que as relações de consanguinidade não tem impedido as práticas de violência doméstica (familiar e geracional).
Esta forma de violência (doméstica), deixa marcas profundas na vida dessas mulheres, embora os atos violentos não estejam estampados no corpo das mulheres vítimas, podem provocar traumas profundos. A violência doméstica expressa-se na magnitude das relações de poder ainda existentes na sociedade, que sempre naturalizou a violência intra e inter familiar, aquela que incide diretamente sobre a vida da mulher, como revela o histórico da criação da Lei Maria da Penha (2006). Devido à fragilidade do serviço de segurança pública para adentrar ao intimo familiar, recinto culturalmente tido como âmbito privado e julgar a violência doméstica como crime, foi uma tragédia familiar que deu o suporte da criação de um dispositivo jurídico para coibir a violência doméstica.
Quanto às partes do corpo das mulheres denunciantes que foram atingidas pelos atos violentos, evidenciaram-se marcas nas vítimas, o que indica indagações ao discutirem-se estes dados: o porquê de agredir a mulher na face? Uma hipótese que poderia explicar essa situação pode estar relacionada às marcas que evidenciam as relações de poder e relações afetivas. As marcas desta forma de violência são lembradas com maior facilidade, pois as lesões demoram em cicatrizar e toda vez que a mulher olha-se no espelho se lembrará das agressões, produzindo violência psicológica à distância.
Ainda, as marcas deixadas pelo agressor no corpo da mulher vítima refletem a magnitude das ditas relações de poder e os corpos violados pela violência em muitos casos, produzem cicatrizes que permanecerão por toda a vida da mulher, provocando vergonha e trazendo à tona lembranças dos momentos de medo e dor. A condição de mulheres marcadas pela agressão expõe seus relacionamentos familiares tumultuados, frágeis e com alto caráter repressivo. As mulheres encontram dificuldades para expor e receber o acolhimento de suas queixas, até porque quando são submetidas a exames de corpo de delito para comprovar a ocorrência destas agressões, há uma sequência de sofrimento que ela se expõem.
É sabido que a violência contra a mulher é permeada por fatores multicausais, relacionados com as vulnerabilidades sociais, pelas condições econômicas, trabalho, renda e relações sociais e familiares. Os fatores vinculados à comunidade incluem pobreza, posição socioeconômica, desemprego, associação com companheiros delinquentes, que levam ao isolamento da mulher e da família, Neste caso se atribui competência técnica e legal à política pública de assistência social pelas estruturas do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), o resgate dos vínculos familiares e sociais de todos os integrantes das comunidades, em especial dos recortes mais vulnerabilizados.
Entre os fatores pessoais que potencializam os atos violentos contra as mulheres, se identificou um certo perfil dos agressores: são homens que fazem uso de drogas lícitas ou ilícitas e com condição socioeconômica comprometida pela pobreza e exclusão social, conforme consta nos relatos das denunciantes. Portanto, esse cenário dá evidente aporte para a efetivação de ações previstas pelas políticas públicas que devem se voltar para a educação, à organização familiar; a formalização dos trabalhadores; fortalecimento das estruturas familiares, tratamento da dependência química, ou seja, evidencia-se que além do trato do crime contra as mulheres, o agressor também é sujeito de direitos e usuários das intervenções das políticas públicas, de modo que a educação, saúde, assistência social, justiça, segurança pública, entre outros âmbitos das necessidades humanas, devem acionar seus recursos sobre esses sujeitos.
Se há a organização da rede de atenção às vítimas das violências, haverá também a intervenção contra a perpetuação do ciclo da violência contra a mulher e interferência direta sobre a violência doméstica e familiar. Para tanto, há que se indicar aos profissionais envolvidos atenção ao acolhimento desta vítima, encaminhando-a para uma sequência correta de atendimento conforme preconiza o Pacto de Enfrentamento à violência contra a mulher e as demais políticas públicas relativas à temática.
A partir desse cenário das violências contra as mulheres, a identificação da organização dos serviços de atenção às mulheres nos municípios do território pesquisado, tomou por base no disposto na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e no Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e no Pacto (2011).
De modo geral identificaram-se instituições e serviços, mas o que se evidenciou foram as ações fragmentadas e setorizadas, de modo que longo exercício de convergência multidisciplinar e institucional deverá ser um desafio colocado em prática se se quiser eticamente que a questão da violência e da violência contra a mulher sejam enfrentadas.
CONCLUSÕES
Na constituição das redes de atenção e cuidados para o enfrentamento das violências contra as mulheres, os serviços não são somente aqueles especializados. Embora os órgãos da Rede de Atendimento às mulheres em situação de violência, estejam estruturados com poucos componentes especializados, as mulheres procuram estes serviços para efetuarem as denúncias de violência sofridas. Porém, o que foi evidenciado foi a fragilidade no encaminhamento, nos fluxos, na assistência prestada às mulheres vítimas de violência. Este processo ocorre de forma fragmentada, levando as mulheres percorram o mesmo círculo várias vezes.
Com base no aporte teórico das políticas públicas pôde-se avaliar que após 25 anos de estruturação na linha de atenção às mulheres vítimas de violência, as várias legislações e estratégias na prática, são incipientes. Se há recursos financeiros federais disponíveis para o atendimento das violências contra as mulheres, por que estes não são aplicados o território estudado conforme os preceitos da Política e do Pacto Nacional?
Diante do crítico cenário da violência contra as mulheres, é imperioso que a execução das politicas públicas contribuam na diminuição das disparidades locais. Desse modo pontuaram-se questões suscitadas dos dados e reflexões sobre o território estudado, as quais têm, podem e devem contemplar a presença ativa dos entes institucionais mencionados nas legislações e políticas públicas.
-Discussão do tema com os gestores locais e das instituições privadas e públicas que fazem parte da rede de serviços de atenção às mulheres vítimas de violência, em especial de saúde, educação, segurança pública, justiça e assistência social, comprometidos pelo Pacto Nacional reconhecem a dimensão da problemática, pelo cenário das violências evidenciado neste estudo. O comprometimento deverá ser evidenciado na execução das políticas públicas superando a fragmentação e intensificando-se o principal entrave das políticas públicas: ausência ou frágil intersetorialidade.
-Discussão permanente entre os profissionais que obrigatoriamente compõe a rede de atenção e cuidados, para o enfrentamento das violências contra as mulheres.
-Continuidade de pesquisas para a identificação e aprofundamento da identificação das vulnerabilidades sociais existentes nos territórios de concentração dos atos violentos e sobre eles acelerar a implementação e execução das políticas públicas.
-Proposição de estratégias de empoderamento das mulheres, tanto as que vivem em situação de violência como também as profissionais que prestam assistência e atendimento neste setor das problemáticas humanas.
-Elaboração de cartilha educativa que possa ser utilizada pelos distintos atores e entes institucionais, a serem utilizadas em oficinas, eventos, serviços, distribuídos em escolas, setores de saúde e da assistência social, bem como para a formação de capital humano e social.
REFERENCIAS
BRASIL. Presidência da República (PR). Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2011a.
______. Presidência da República (PR). Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Pacto Nacional de Enfrentamento a violência contra as mulheres. Brasília: SPM, 2011a.
______ Código Penal. Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del28482007>. Acesso em: 12 dez. 2011.
______ Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1998.
______ Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Civis e Criminais e dá outras providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-leis/L9099.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011.
______ Supremo Tribunal de Justiça. Lei Maria da Penha, 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.stj.sjs.br/...IA%20LEI%MARIA%20DA%20PENHA%20revisado >. Acesso em: 15 dez. 2011.
______ Declaração dos Direitos Humanos. 1941. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/sobre/cidadania/direitos-do-cidadao/declaracao-universal-dos-direitos-humanos >. Acesso em: 12 dez. 2011.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/ home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/ omentarios2006.pdf>. Acesso em: 14 set. 2012.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra; 2002.
¹ São usadas as referências nos BOs em função de não descaracterizar e manter a fidelidade. Usado o termo violência física conforme os BOs, conforme a classificação da Lei Maria da Penha Lei 11340/2006. Salientando que toda agressão pode gerar ferimento ou lesão.
** Doutora em Serviço Social: Serviço Social, Politicas Sociais e Movimentos Sociais Docente da Universidade do Contestado, Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional Canoinhas-Santa Catarina-Brasil. E-mail: marialuiza@unc.br
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