Carlo Alessandro Castellanelli
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
castellanelli@bol.com.brResumo: O presente estudo visa analisar e discutir aspectos relacionados à evolução da genética, a importância da inserção da Bioética nos cursos superiores de Direito, procurando identificar as influências deste novo conhecimento nas relações de trabalho, assim como examinar as inter-relações e interfaces destes campos e as implicações deste processo. Ainda, persegue a ideia de que a existência do perigo que informações genéticas dos indivíduos, obtidas de forma abusiva, possam causar aos trabalhadores, sobretudo quanto a uma possível discriminação no mercado de trabalho.
Palavras-Chave: Bioética, Biodireito, Ensino.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Carlo Alessandro Castellanelli (2016): “A importância da bioética no ensino do direito: reflexões acerca do projeto genoma humano, sua influência no direito do trabalho e seus paradigmas”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/biodireito.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604biodireito
Com a promulgação da Constituição de 1988, instaurou-se no Brasil uma nova ordem jurídica, a qual engloba princípios estruturais, onde os direitos fundamentais do homem traduzem-se em valores essenciais para a sociedade. A dignidade da pessoa humana, como um destes valores e a sua proteção enquanto direito, configura-se como um dos balizadores da Bioética moderna.
A noção de dignidade humana, citada diversas vezes na Declaração da UNESCO (United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization) sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem, abrange um conceito muito amplo, que foge aos limites das discussões éticas, morais e filosóficas, mas que pode ser aplicado de forma ampla à sociedade como o respeito incondicional devido a todos os indivíduos, independente de sua idade, sexo, saúde física ou mental, religião, condição social ou origem étnica.
O Projeto Genoma Humano (PGH) foi formalmente iniciado em Outubro de 1990, e tem como objetivo principal pesquisar os genes humanos, descobrir o seu funcionamento e ainda, determinar a sequência de 3 bilhões de bases do DNA (ácido desoxirribonucléico). Vários países têm estabelecido programas de pesquisas do genoma humano, entre os quais o Brasil.
Somado a estas ideias, alguns conceitos tradicionais do Biodireito e da Bioética como o respeito às pessoas, beneficência, justiça e o da não maleficência, face à sua atuação no Projeto Genoma Humano, tem o dever de instigar paradigmas de ordem moral, dadas as controvérsias que o uso da informação e manipulação genética advinda do Projeto Genoma Humano é capaz de gerar.
Nos próximos anos, é bem provável que o uso de testes genéticos se dissemine no ambiente laboral, na medida em que a capacidade diagnóstica das enfermidades seja aumentada. É necessário que se entenda que toda a coletividade será afetada, desta forma, as discussões sobre o tema devem ser multidisciplinares e a atenção primordial desta nova jornada, deve se voltar para a proteção da pessoa humana.
A possibilidade de acesso às informações genéticas pela sociedade, assim como o seu uso, podem ser utilizadas tanto para o benefício coletivo, quanto para o surgimento de novas formas de eugenia ou discriminação. Neste aspecto, há que se refletir sobre as conseqüências destas descobertas e, os juristas têm pela frente o desafio de lidar com as novas problemáticas do tema e tentar harmonizar conflitos ou situações complexas que podem advir do avanço biotecnológico, de modo a impor limites entre o que a ciência é capaz de fazer e as questões morais da sociedade.
As conseqüências da evolução biotecnológica sobre os mecanismos de discriminação nas relações trabalhistas em geral, através do projeto genoma humano e o reflexo desta sistemática para a sociedade como um todo é latente, sendo que desta maneira, é fundamental um entrelaçamento entre a discussão da Bioética, e o ensino do Biodireito e do Direito do Trabalho. Desta forma, é necessário compreender a atual concepção deste tema no ensino do Direito no Brasil e suas projeções futuras, a fim de melhor discutir, e mesmo preparar os futuros operadores de direito na formulação, discussão e aplicabilidade das leis ao que concerne ao assunto proposto.
2. UM NOVO PARADIGMA
Os grandes movimentos culturais começam quase sempre propondo novas soluções sem se preocupar muito em avaliar a verdadeira natureza da mudança que representam. Isso aconteceu com a Reforma Protestante, com a Revolução Francesa, com outros grandes movimentos históricos e algo similar parece ter acontecido também com a Bioética que, talvez, possa ser tida como uma das grandes mudanças culturais das últimas décadas (MORI, 1994).
Quando se discutem direitos, liberdades e garantias, fica evidente que mecanismos de proteção ao trabalhador devem ser elaborados, similares àqueles adotados contra o poder do Estado. Assim, é necessário que se torne legítima a adoção de medidas legais que visem a proteger e preservar determinados dados ou informações pretendidas pelo empregador.
Este tema deve ser analisado com base no paradigma construtivista. Baseia-se em um sistema de crenças que é oposta à ciência positivista que caracterizou a avaliação realizada no último centenário e esse sistema de crenças é com frequência chamado de paradigma. Não é possível aprovar ou desaprovar um paradigma de forma absoluta, mas os autores acreditam que o paradigma positivista apresenta limitações que podem ser superadas pelo construtivista. Ontologicamente ele nega a existência de uma realidade objetiva, afirmando que a realidades são construções sociais da mente, e que existem tantas construções quanto existem indivíduos (embora muitas construções sejam compartilhadas), sendo a própria ciência uma construção. As realidades, sendo construções, não podem ter (a não ser por imputações mentais) leis naturais imutáveis, tais como leis de causa e efeito. Epistemologicamente, o paradigma construtivista nega a possibilidade do dualismo sujeito-objeto, sugerindo que os achados de um estudo existem precisamente porque existe uma interação entre observador e observado que literalmente cria o que emerge da pesquisa. Metodologicamente, e em consequência dos princípios ontológicos e epistemológicos, o paradigma construtivista rejeita a abordagem científica que caracteriza a ciência hegemônica e a substitui por um processo hermenêutico-dialético, contando com a interação observador/observado para criar uma realidade construída o mais informada e sofisticada possível em um ponto particular no tempo (Guba e Lincoln, 1989).
A partir disso é necessário responder a seguinte pergunta: Qual a importância do debate e como se portará o ensino do Direito nas Faculdades Brasileiras com ênfase na área trabalhista frente a um possível cenário de discriminação genética nas relações laborais sob a ótica dos especialistas no tema? Ainda é necessário fundamentar-se nas seguintes hipóteses:
- A discriminação genética será um importante tema de estudo no âmbito do ensino do direito?
- Haverá a necessidade da interdisciplinaridade entre a Bioética, o Biodireito e o Direito do Trabalho a fim de explorar e melhor interpretar as possibilidades futuras de discriminação genética no âmbito laboral?
- As relações de trabalho serão extremamente conflitantes com o avanço do Projeto Genoma Humano?
- A discussão da Bioética não está suficientemente inserida no Ensino do Direito?
- Os operadores do Direito do Trabalho, atualmente, tem pouco conhecimento sobre as questões da Bioética e seu entrelaçamento com as Disciplinas de Direito?
3. O PROJETO GENOMA HUMANO E SUAS RELAÇÕES COM A BIOÉTICA
O Projeto Genoma Humano é um consórcio internacional formado por mais de 50 países e que objetivava, até 2005, mapear e sequenciar 3 bilhões de pares de bases que formam o genoma humano. Em 14 de abril de 2003, um comunicado da imprensa conjunta anunciou que o projeto fora concluído com sucesso, com o sequenciamento de 99% do genoma humano com uma precisão de 99,99%. No entanto, suas atualizações e descobertas continuam a todo vapor, tanto pelo setor privado, quanto pelo público. Entende-se por Genoma Humano, o conjunto de genes que constituem cada ser vivo, ou seja, a constituição genética total do ser. Casabona (1999) define o genoma ou código genético como se fosse um dicionário, no qual:
(...) as bases seriam as letras, os aminoácidos, as palavras, e as proteínas, as frases. O genoma humano, completo, daria lugar a uma biblioteca de duzentos volumes, de mil páginas cada uma; no entanto, num idioma desconhecido, que terá de ser decifrado (CASABONA, 1999, p.122).
O Projeto Genoma Humano gerou uma imensa base de dados de sequências genômicas. Atualizações permanentes estão disponíveis no endereço eletrônico do National Center for Biotechnology Information (NCBI) dos Estados Unidos.
Nesse contexto, cabe mencionar Gattás, Segre e Wünsch (2002):
As informações e as tecnologias disponibilizadas como desenvolvimento do Projeto Genoma Humano têm potencial para modificar gradativamente a compreensão e os conceitos atuais sobre os mecanismos de prevenção, diagnóstico e tratamento de inúmeras doenças crônicas bastante comuns como câncer, demência, doença de Alzheimer, Mal de Huntington, diabetes mellitus, hipertensão arterial e doença coronariana, asma e outras alergias, bem como outras doenças com expressão epidemiológica em saúde pública. Por meio de técnicas de biologia molecular é possível não apenas identificar precocemente determinadas doenças, mas também detectar indivíduos suscetíveis e, ainda, avaliar no meio interno do organismo o grau de exposição a agentes exógenos (GATTÁS; SEGRE e WÜNSCH, 2002, p.31).
Mesmo diante dessa antevisão de benefícios, algumas questões levantam suspeitas quanto às ameaças que a informação genética e a intervenção de base genética possam vir a representar para a sociedade e para os indivíduos, o que fez proliferar o debate bioético em torno daqueles benefícios potenciais.
Capra (2002) analisa o caso da Celera Genomics, criada por Craig Venter, pesquisador dissidente do Projeto Genoma Humano. O projeto desta empresa privada, em 1999, ultrapassava o do consórcio internacional, pois era dotado de computadores superiores e maior financiamento, tentando patentear seus dados e garantir exclusividade de direitos comerciais sobre a manipulação dos genes humanos.
Conforme Corrêa e Guilam (2007):
Apesar da existência da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos – indicando ser o genoma patrimônio da Humanidade e a não-patenteabilidade de genes humanos – a proteção da informação sobre o genoma tem-se mostrado na prática, não apenas limitada, mas também vulnerável aos interesses do mercado biotecnológico. São inúmeros os casos de patenteamento de seqüências genéticas, em particular nos Estados Unidos, questionáveis do ponto de vista técnico, nos quais, em função de seu tipo e extensão, por exemplo, a patente pode provocar o bloqueio de novas pesquisas sobre o mesmo problema (CORRÊA; GUILAM, 2007, p. 80).
Situações de monopólio podem ser criadas, sendo obstáculo à competição científica, à concorrência produtiva e à difusão universal dos benefícios. A comercialização da informação genética é um fenômeno concomitante da conclusão próxima do Projeto Genoma Humano. Além deste fato, é muito provável pesquisas futuras relacionadas à genética aumentem as desigualdades entre as nações ricas e pobres, como também entre ricos e pobres no interior de cada nação.
Essa razão de princípio foi defendida por Immanuel Kant, com base em um princípio laico, resumido no conceito de que somos o nosso corpo, que o corpo não é uma coisa, uma propriedade. Isso é compartilhado por grande parte do pensamento moderno, que, conforme o princípio da autonomia, nega a uma autoridade divina o direito sobre nossas decisões, mas condena (como em tempos passados condenou o tráfico de escravos, corpos humanos vendidos até com sua descendência) a idéia de que as partes do nosso corpo possam se tornar objeto de mercado.
3.1 Perspectivas da bioética
O termo Bioética veio à tona na década de 70 em um artigo de Van Rensselaer Potter, The science of survival. Andre Hellegers, em 1971 utilizou esse para dar nome ao Institute for Study of Human Reproduction and Bioethics, importante instituição na criação da Bioética. Porém, o início dos estudos acerca da Bioética é difícil de datar precisamente.
Entre os marcos importantes para o estudo da Bioética, pode-se citar o Código de Nuremberg (1947), que pode ser considerado como o capítulo inicial do estudo genético com seres humanos. Este código foi vislumbrado devido às barbáries ocorridas nos campos de concentração nazistas, e relatadas no julgamento de Nüremberg (1946). Além dos devaneios nazistas, a explosão da bomba atômica no Japão, em 1945, também foi um fato histórico importante para a reflexão Bioética. Outros documentos fundamentais para a Bioética foram a Declaração de Genebra (1948) e a Declaração de Helsinque (1964), sendo considerada como uma revisão do Código de Nuremberg. Esta última foi revisada em 1975 (Tóquio), 1983 (Veneza), 1989 (Hong Kong), 1996 (Somerset West, República da África do Sul) e 2000 (Edimburgo, Escócia). Na última revisão da Declaração de Helsinque estabeleceram-se, também, as normas para a pesquisa médica sem fins terapêuticos.
É possível que o fato que mais causou impacto na área da Bioética foi o desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante (manipulação genética). Apesar deste estudo propiciar muitos benefícios na área da saúde, ocasionam dilemas bioéticos como, por exemplos, na utilização do teste de identidade pelo DNA para fins discriminatórios.
3.1.2 Em busca do biodireito
Ao que concerne à aplicabilidade do Direito face ao PGH, Hironaka (2003) relata:
Este gigantesco e contemporâneo projeto da humanidade, o denominado Projeto Genoma, exigiu, prontamente, de todos os segmentos do Pensamento Humano – quer dos cientistas, quer dos antropólogos, quer dos sociólogos, quer dos psicólogos, quer dos religiosos ou quer dos homens do Direito, entre outros segmentos – uma especialíssima atenção que buscou, primordialmente estabelecer a ponte possível, urgente e imprescindível entre as três camadas de composição arquitetônica do mega-assunto, vale dizer, as biotecnologias, a Bioética e o Biodireito. A extrema complexidade desta interface deixou registrada a pergunta que não quer calar e que não se admite sem resposta: como tornar compatível a assunção aos novos paradigmas das tecnologias científicas com a finalidade ética do ordenamento jurídico? (HIRONAKA, 2003, p.44).
O Biodireito, um novo ramo do Direito que vem despontando, refere-se aos fatos e eventos que surgem a partir das pesquisas das ciências da vida; que nascem a partir do aumento do poder do homem sobre o próprio homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou criar novas ameaças a liberdade do indivíduo, ou permitir novos remédios para suas indigências (FABRIZ, 2003).
O papel do Direito não é o de cercear o desenvolvimento científico, mas, justamente o de traçar aquelas exigências mínimas que assegurem a compatibilização entre os avanços biomédicos que importam na ruptura de certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento da humanidade enquanto tal, e, como tal, portadora de um quadro de valores que devem ser assegurados e respeitados (MARTINS-COSTA, 2001).
Sobre as relações entre Bioética, Biodireito e as outras ciências, discute Hironaka (2003):
Na própria concepção do que seja a Bioética – e mesmo se apenas houvesse a preocupação de se apresentar uma concepção eminentemente jurídica, pelo viés avizinhado do Biodireito – repercutem sempre dados e problemas vindos de outros campos, áreas ou ambientes, que não podem deixar de ser considerados, pelo que, por vezes, é o caso de adaptar essas informações externas às necessidades do pensamento jurídico, ou, inversamente, às vezes é o caso de adaptar o próprio pensamento jurídico, e especialmente a prática jurídica, a princípios que não têm origem no próprio Direito. Alguma coisa assim – quer me parecer – deve ser o que ocorre no campo da Bioética, conceito cuja origem não é jurídica, mas que vem especialmente da Biologia e da Filosofia, e nelas permanece (HIRONAKA, 2003, p.4).
Leite (1995) aborda a questão do vazio jurídico, sem, contudo, ver nisso uma crise. Admite a necessidade de leis sobre estas matérias e pondera que a lei é sempre invocada, porque as leis servem como “meios” face às finalidades que são os valores. O direito procura organizar a conduta de cada um no respeito e promoção dos valores que servem de base à civilização. Logo, é possível afirmar que o direito representa um duplo papel importante: organizar as liberdades e educar a certos valores. E na medida em que a lei é educadora ela tende a se aproximar da moral.
Consoante, Conti (2001) relata:
(...) em face a insuficiência das normativas existentes sobre as novas tecnologias, pois até mesmo os princípios da bioética são desprovidos de coerção, foi necessário incorporar às discussões bioéticas o direito, o que resultou no surgimento do denominado biodireito, cujas normas são orientadoras da conduta humana em face do princípio à vida. O biodireito visa dispensar cunho legal às decisões éticas, o que implica a obrigatoriedade de seu cumprimento. Obviamente que o direito não caminha no mesmo passo que os avanços técnico-científicos, especialmente no que tange à engenharia genética, que atualmente ganha ampla repercussão com o projeto do genoma humano. Na maioria das situações envolvendo novas tecnologias, a morosidade na adaptação do direito aos novos fatos é notória, motivo pelo quais algumas relações sociais relevantes ainda possuem lacunas no direito (CONTI, 2001, p.56).
Após a análise destas questões, pode-se inferir que o biodireito surge no contexto dos direitos fundamentais, sendo deles inseparável. A bioética, da mesma forma, também é essencial ao biodireito, a qual mostrará o caminho ao legislador por meio de princípios éticos com vistas a estabelecer normas justas e imparciais como critério para um verdadeiro Estado Democrático de Direito, calcado os seus valores nos direitos da pessoa humana.
4. O PGH E, AS RELAÇÕES TRABALHISTAS E O DIREITO DO TRABALHO
O Projeto Genoma Humano tem em seu pilar principal a possibilidade de mapeamento de todo o código genético humano e, consequentemente, a análise de suas alterações, que são a causa de milhares de moléstias conhecidas.
Por ser uma das mais importantes pesquisas já realizadas em nossa civilização, justifica-se a realização de projetos e pesquisas de forma concreta. Entretanto, existem alguns problemas perceptíveis advindos deste Projeto, tais como: engenharia ou desenho de embriões humanos, intervenções na reprodução humana, eugenia e aperfeiçoamento de características, discriminação com fundamento genético, genética comportamental, patenteamento de genes, injustiça na distribuição de recursos pela exclusão econômica de usuários de possíveis produtos de pesquisa (como as terapias genéticas), ameaça à privacidade individual, pela violação da confidencialidade de informações genéticas, entre tantos outros problemas. Ações discriminatórias podem servir de base para uma política de cunho genético, mesmo que de forma mascarada, como ocorre atualmente.
A informação genética quando usada de forma indevida e indiscriminada pode ocasionar sérios riscos e danos, especialmente em países como o Brasil, onde inexistem diretrizes claras sobre o impacto ético e moral da mesma. O espaço para a discriminação genética, que pode ser criado em ambientes de trabalho, e a fundamentação genética advinda para a discriminação racial e estigmatização de portadores de deficiências são exemplos de problemas advindos do uso desse tipo de informação.
Essa relação pode se tornar extremamente latente com o avanço do PGH, pois apesar das leis e do próprio Projeto conceder respaldo ao respeito à pessoa e à dignidade humana, é notório que no ambiente capitalista em que a sociedade atual se encontra, o vazamento de informações e a manipulação genética podem ser facilmente burlados.
A utilização de informações genéticas para fins trabalhistas e seus pré-processos como recrutamento, seleção e contratação, podem levar à criação de uma sociedade distópica, onde o resultado de uma análise genética poderá ser condição sine qua non para não ficar às margens da sociedade ou de certos grupos dela.
Com a evolução da Engenharia Genética e a conseqüente criação do PGH, o conceito de dignidade humana e sua aplicabilidade estão sendo colocados em xeque.
Segundo a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, os artigos I e II estabelecem que:
Artigo I
O Genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Num sentido simbólico, é o patrimônio da humanidade.
Artigo II
a) A todo indivíduo é devido respeito à sua dignidade e aos seus direitos, independentemente de suas características genéticas.
b) Esta dignidade torna imperativa a não redução dos indivíduos às suas características genéticas e ao respeito à sua singularidade e diversidade.
No entanto, por sua própria natureza, o PGH cerca-se de algumas incertezas éticas, legais e sociais, que podem trazer problemas reais à sociedade como venda de informações sigilosas, formação de grupos elitistas e a discriminação nas relações trabalhistas.
Devido ao conceito de ''mundo novo'' que o mapeamento praticado pelo Projeto Genoma Humano está trazendo, embora para o público em geral pareça que o único limite seria o limite ético, acaba-se por se suprimir o conceito da discriminação genética.
Conforme Geller (2002), discriminação genética é a expressão que surgiu e tem sido utilizada para descrever o fenômeno segundo o qual as pessoas são discriminadas em virtude de características individuais ou familiares presentes no genótipo.
Ademais, concomitante à idéia de discriminação genética surge o conceito de determinismo genético, que, por sua vez, traz o conceito de que características humanas, sob a influência dos genes, são totalmente fixos em sua caracterização fenotípica e quase nada alteradas por mudanças no ambiente físico e social. Em suma, os traços atribuídos aos genes não estariam sujeitos a mudanças externas.
Segundo Müller-Hill (1988), o determinismo genético também estava por trás da ideologia de “higiene racial” posta em prática pelos nazistas nos anos 30 e apoiada por geneticistas famosos da Alemanha e Estados Unidos. Tais políticas levaram à proibição de casamentos inter-raciais, esterilizações forçadas de portadores de deficiência e assassinatos de pacientes com condições genéticas, culminando no genocídio de judeus, ciganos e outras minorias consideradas geneticamente inferiores.
O determinismo genético começou a ser questionado após a Segunda Guerra Mundial e a revelação das atrocidades nazistas feriu de forma significativa sua imagem. Desse ponto em diante, a discussão sobre o assunto favoreceu a importância relativa do ambiente na determinação de aspectos como saúde, doença e comportamento. No entanto, a perseguição contínua das idéias baseadas na genética e os conceitos errôneos continuaram muito fortes.
Nesse ínterim, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos explica que:
(...) estamos experimentando, no final do século, o ressurgimento do fascismo - o fascismo social - que se caracteriza pela exclusão de imensa parcela da espécie humana do contrato social, impedindo o acesso de milhares de jovens à cidadania - um tipo de pré-contratualismo, que exclui o homem por meio da proibição material de ingressar no mundo dos cidadãos, sendo que a engenharia genética exprime do modo mais eloqüente o dilema epistemológico contemporâneo. Em face do avanço do conhecimento científico nestes domínios e da orientação da aplicação que ele está a ter é previsível que a relativamente curto prazo o corpo humano se transforme numa mercadoria e mesmo na mercadoria por excelência, desempenhando no novo regime de acumulação o mesmo papel que o automóvel desempenhou no período do capitalismo organizado, o período da acumulação fordista (SANTOS, 2002, p.453).
O mundo do trabalho e das relações trabalhistas é uma das áreas com que corre sério perigo relativo ao uso de informações baseados na genética. Segundo Gattás, Segre e Wünsch (2002), direitos conflitantes sempre levantam questões éticas delicadas como, por exemplo, direito de proteção ao emprego versus direito de proteção à saúde; direito à informação versus direito à privacidade; direito individual versus direito da coletividade.
No tocante ao tema, Nassif (1999) sobre as relações de trabalho com propriedade assevera:
A exigência de atestados admissionais e demissionais que revelam a capacidade de trabalho de uma pessoa para determinados tipos de atividade terá que passar por um estudo a fim de conter a tendência que certamente se instalará na requisição de informações genéticas e na avaliação de dados sensíveis, reveladores de aspectos da personalidade e da intimidade da pessoa, bens jurídicos que devem ser tutelados não somente de maneira repressiva, mas preventiva, haja vista a ausência de controle de contenção de informações após a sua divulgação, especialmente em se considerando a existência de uma rede mundial de comunicação - a Internet (NASSIF, 1999, p. 109).
Sobre a ótica do estudo do Direito do Trabalho, Delgado (2008), relata que há diversos princípios gerais (ou especiais de outros ramos jurídicos) que têm relevância no Direito do Trabalho. Um deles é o princípio da dignidade humana e diversas diretrizes associadas a este basilar: o principio da não discriminação, o principio da justiça social e, por fim, o princípio da equidade.
Importa questionar se o estudo acerca do Direito do Trabalho conseguirá acompanhar esta ideologia e a sua relação com a rápida evolução dos mecanismos de análise genética, como cita Machado (1999), introduzindo em seu trabalho a seguinte afirmação: (...) enquanto, na área jurídica e filosófica, pesquisadores se agitam na busca de novos conceitos e repostas, na tentativa de resolverem as intrigantes questões, na área médica, com a rapidez do desenvolvimento científico, surgem como ‘’mágica’’ novas técnicas que envelhecem no nascedouro as soluções encontradas (MACHADO, 1999, p.23).
É notório que na legislação trabalhista consta que empregadores podem selecionar seus empregados com base no grau de instrução e na experiência profissional anterior, porém não podem utilizar como critério de seleção algumas condições específicas como idade, sexo, cor de pele e origem étnica. No entanto, atualmente, informações sobre o perfil genético de candidatos a emprego já têm sido incluídas em processos seletivos.
Nos Estados Unidos, conforme informações de Austin et al. (2000), já no início deste século, cerca de 7% das empresas americanas já faziam uso do screening genético (testes genéticos) na seleção de seus trabalhadores. O número de informações genéticas tende a aumentar constantemente e, entre as numerosas razões apontadas para o uso destas informações como critério para seleção de trabalhadores, destaca-se a possibilidade de identificar indivíduos suscetíveis de virem a apresentar determinadas doenças como decorrência da interação entre a especificidade de um genótipo particular e a exposição a substâncias tóxicas presentes no ambiente de trabalho.
É preciso lembrar que a discriminação genética no trabalho não é um fato novo. Na década de 1970, antes mesmo do Projeto Genoma Humano, os negros americanos que possuíam traços genéticos para anemia falciforme eram impedidos de contratação em determinados cargos, mesmo apresentando condições adequadas de saúde e ausência de riscos de virem a desenvolver a doença (ROTHENBERG et al., 1997). A primeira legislação proibindo esse tipo de intervenção segregacionista ocorreu na Carolina do Norte, em 1975, estendendo-se posteriormente para os demais estados americanos.
O mundo do trabalho e das relações trabalhistas é uma das áreas com grande potencial para o uso não ético dos marcadores biológicos moleculares. Os testes genéticos podem acarretar "riscos individuais" na sua interpretação e ter efeito devastador na capacidade de indivíduos em conseguir ou manter seus empregos, bem como num futuro próximo, em obter seguro saúde. Por essa razão, alguns autores têm sugerido a utilização do termo "análise genética" no lugar de "testes genéticos" com intuito de minimizar os efeitos discriminatórios (HAINAUT; VÄHÄKANGAS, 1999).
No momento pré-contratual, os testes genéticos poderão acarretar a exclusão do candidato, mantendo-o na situação de desemprego na qual se encontra. Embora, de fato, inexista uma previsão legal ou constitucional que garanta um direito subjetivo à obtenção de um posto de trabalho, devemos reconhecer que a prática de mecanismos que evidenciem situações de discriminação, subvertendo o princípio de igualdade, previsto no caput do artigo 5º, da CF (Constituição Federal) de 1988, deverá ser exemplarmente reprimida pelos órgãos competentes, em especial, pela Justiça do Trabalho.
Acerca desta questão, ao que concerne, o do abuso do direito do empregador em contratar, Meireles (2005) sustenta que não haveria, na obrigatoriedade de realização de exames médicos na fase de seleção, uma violação ao direito à intimidade do empregado, ocorrendo, sim, um abuso do direito do empregador em contratar:
Exigir, por sua vez, a prévia realização de exames médicos, como condição para a contratação do trabalhador, não viola, outrossim, o direito à intimidade deste. Violação ocorreria se o empregador forçasse (obrigasse) o trabalhador a realizar o exame. No processo de seleção, no entanto, o empregador apenas exige como condição para contratação a realização dos referidos exames, ficando ao critério do candidato ao emprego a satisfação ou não dessa exigência. Não há obrigação do candidato em realizar o exame, mas sim simples faculdade de agir. E a não satisfação da exigência não gera qualquer conseqüência para o trabalhador, salvo a não contratação, não constituindo a contratação em si, um direito (MEIRELES, 2005, p.174).
Ao que diz respeito ao artigo 168, da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), para com a finalidade da realização dos exames médicos, neste caso concernindo os exames genéticos, deverá o empregador comprovar, de forma inequívoca, que o recurso aos testes genéticos será a única via para assegurar o direito à saúde, previsto no artigo 6º, caput, da CF/88, e que a sua realização é determinada por razões de proteção ao trabalhador, demais empregados ou à sociedade (risco coletivo) e em função dos próprios riscos do ambiente laboral.
5. APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO
O tão discutido direito à intimidade genética não está previsto em nenhuma norma legal de forma expressa, no entanto, segundo Hammerschimidt (2007), a dimensão axiológica embasada objetivamente na dignidade da pessoa humana, constitui o ponto de conexão e fundamento maior para erigi-lo à alçada de um dos direitos de personalidade da pessoa humana.
Pode-se inferir que a intimidade genética tem um conteúdo muito peculiar, fundamentado no artigo 1°, inciso III c/c artigo 5°, inciso X e § 2° c/c artigo 225, § 1°, inciso II, da Constituição Federal de 1988.
A existência de uma obrigação do empregado fornecer informações de cunho genético seriam abusivas, ainda mais se não estivessem ligadas diretamente à atividade laboral. Esta obrigação poderia, de forma ilegítima causar a demissão, rescisão contratual de forma antecipada ou a não contratação de um trabalhador.
Da intimidade genética, infere-se dois tipos de elementos, um objetivo e um subjetivo. Segundo Aguiar (2004), o elemento objetivo constituir-se-ia no genoma humano e, obliquamente, qualquer tecido ou parte do corpo humano, a partir do qual essa informação possa ser obtida.
Já em relação ao elemento subjetivo, o mesmo constituir-se-ia na vontade do sujeito de determinar quem e em que condições pode acessar a informação sobre seu genoma. Refere-se à autodeterminação informativa (HAMMERSCHIMIDT, 2007).
Hammerschimidt (2007) nos mostra que o direito à intimidade genética se define como o direito a determinar as condições de acesso à informação genética. Ainda, sob o seu pensamento define uma estreita relação entre o artigo 5º, inciso X, da CF/88, no que tange à intimidade:
(...) e o conjunto de direitos e bens jurídico constitucionalmente protegidos, em particular pelo art. 1º, III, da CF. Em suma, o direito à intimidade, derivado da dignidade da pessoa, protege uma necessidade ou um bem básico para a livre autodeterminação individual (HAMMERSCHIMIDT, 2007, p.94).
Seguindo este pensamento, o direito a intimidade genética estaria vinculado à própria personalidade, e com o respaldo da lei. Analisando o contexto, poderia se inferir que a sua função seria proteger a pessoa contra qualquer tentativa de acessar seus dados genéticos sem o seu consentimento.
Além disso, esta função protetiva, teria de visar a proteção do acesso às informações de cunho de maneira não autorizada (ilícita) ou, quando autorizada, na divulgação não consentida dos dados obtidos.
Devido a tendência de aumentarem estes problemas, vários países vêm procurando modernizar sua legislação, obviamente tentando preservar o desenvolvimento tecnológico e científico, porém sempre com a observância dos direitos daqueles envolvidos em experimentações e manipulações.
Barreto (1994), salienta que:
Em primeiro lugar, porque tratam de realidades ainda não totalmente conhecidas e dominadas pelo homem; em segundo, porque as novas descobertas realizam-se numa sociedade cujos valores e cuja ordem jurídica, deles decorrentes, são contestados em seus fundamentos por um homem e uma sociedade nas dores de parto. Isto não significa, certamente, que os princípios, como o da autonomia serão ignorados, mas simplesmente terão uma leitura mais crítica e prospectiva. Somente inserindo-se no processo de elaboração legislativa a dimensão ética, expressão da autonomia do homem, é que a ordem jurídica poderá atender às novas realidades sociais, produto da ciência e da tecnologia (BARRETO, 1994, p.454).
No Brasil, a Constituição de 1988, elegeu por assim dizer, expressamente à categoria de direito fundamental o direito à intimidade, proibindo sua violação e permitindo a indenização em caso de seu descumprimento, por danos morais e patrimoniais causados ao seu detentor (artigo 5º, inciso X). É que a intimidade faz parte da dignidade humana, como já se disse, e sem ela o ser humano não pode se realizar plenamente; é uma decorrência do direito à liberdade, um dos pilares do princípio do devido processo legal (vida - liberdade - propriedade), reconhecido em todas as legislações dos países democráticos. As informações de seus dados genéticos configura-se como parte do ser humano e qualquer mau uso sem a consciência do seu detentor, constitui a quebra de um direito fundamental, qual seja, a intimidade.
Ainda, devido a dada a universalidade dos direitos fundamentais, o brasileiro e também estrangeiro que resida no país, pode recorrer também ao Código Penal brasileiro que, ainda muito restritamente configura como crime a violação de segredo profissional, aos quais poderiam em um sentido amplo, ser acrescentados os dados genéticos de um paciente sobre os quais um médico tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão.
Estas normas, apesar disto, estão longe de serem suficientes. Embora pareça que a questão de o paciente querer saber ou não sobre seus dados genéticos, ou de divulgá-los e permitir a experimentação dos mesmos e o tratamento de possíveis doenças e anomalias detectadas, esteja bem protegida, já que claro é que a intimidade é um direito fundamental do homem, outra é a conclusão em outros pontos, entre eles a discriminação em virtude de informações genéticas. A exigência de que empregados se submetam a exames genéticos, ou de pacientes, antes da formalização de contratos de seguros, ofende direito fundamental do ser humano, mas não existe nenhuma norma criminal que penalize aqueles que tomem tais medidas. A discriminação é crime inafiançável, como prevê a Constituição Federal, mas não há tipo penal específico para a decorrente de informações genéticas.
Pode-se perceber que o ordenamento jurídico brasileiro não está totalmente preparado para o tratamento do genoma humano. O desenvolvimento científico e tecnológico é rápido, mas os direitos e garantias fundamentais do homem não podem ser submetidos a ele, sendo o contrário verdadeiro. Cabe ao legislador e aos doutrinadores desenvolverem uma teoria adequada ao Brasil do genoma humano, sempre respeitando os direitos do homem, colocando a ética no mesmo nível dos estudos científicos, pois, como adverte o filósofo americano Rawls (2000):
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.
(...)
Todos os valores sociais - liberdades e oportunidades, ingressos e riquezas, assim como as bases sociais e o respeito a si mesmo - forem distribuídos de maneira igual, a menos que uma distribuição desigual de algum ou de todos esses valores redunde em benefício para todos, em especial para os mais necessitados (RAWLS, 2000, p.13).
Barros (1997) ao que concerne o tema, afirma que é tradição no Direito do Trabalho brasileiro o sistema de exames periódicos, independentemente de epidemia.
É notório o fato que a CLT está obsoleta, pois data da década de 40. As condições socioeconômicas dessa época, portanto, é que nortearam o espírito do legislador infraconstitucional. Para demonstrar este fato, pode-se citar que anteriormente à Lei 7855/89 e à Portaria 3720/90, do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, exigia-se a apresentação de abreugrafia na admissão, devido aos preocupantes índices de tuberculose na época.
A problemática da questão é de que exames complementares estamos falando? E ainda, quais critérios a serem observados? A lei é lacunosa neste sentido. E a grande questão a ser enfrentada neste ponto serão os riscos a uma eventual discriminação por parte do empregador em relação aos empregados ou candidatos, pois é difícil definir o que seriam estes outros exames previstos, possibilitando uma margem de discricionariedade. Esta amplitude, prevista pelo legislador acaba por proporcionar que exames genéticos possam ser incluídos nestes exames, causando no mínimo uma grande controvérsia.
Em vista disso, nos dias atuais cresce a importância do Direito do Trabalho, diante das imensas modificações que ocorrem nas relações entre capital e trabalho, sobretudo como resultado da globalização econômica. É, portanto, fundamental conhecer as tendências do Direito do Trabalho no Brasil e no mundo, possibilitando com isto, que possamos na vida profissional, programar estratégias e orientações, para implementar ações dentro dos padrões de qualidade requeridos.
A dinâmica social e econômica reclama por ajustes constantes nas relações e muito se fala na flexibilização das leis trabalhistas. Todavia, é importante ter presente que estas modificações devem respeitar os limites mínimos dos direitos da pessoa, direitos estes reconhecidos em tratados internacionais e pela nossa Constituição
Federal.
A Justiça do Trabalho é competente não só para as relações entre empregado e empregador, mas para todas as relações de trabalho conforme Emenda Constitucional, que ampliou a sua competência. As principais fontes do Direito do Trabalho são: a Constituição Federal, a Consolidação das Leis do Trabalho e as inúmeras leis ordinárias esparsas. Na Constituição Federal no artigo 7° onde estão definidas as linhas gerais dos direitos dos trabalhadores.
6. A EDUCAÇÃO E O ENSINO DO DIREITO
Diante do histórico do ensino jurídico no Brasil e da realidade do Século XXI, infere-se que o Direito, por estar diretamente vinculado com a Justiça, deveria formar profissionais sensíveis às diferenças, emancipatórios e libertários, não excludentes e autoritários.
O papel da educação em qualquer área do conhecimento é promover uma mudança no sujeito, permitindo-o sonhar, criar e agir, pois não haverá ruptura se o processo educacional continuar a formar agentes do sistema, reprodutores da ideologia da classe dominante, como tem acontecido até então no ensino do Direito no Brasil.
Do século XIX ao século XXI, foram realizadas diversas reformas curriculares nos cursos de graduação em Direito, que incluíram o ensino de disciplinas propedêuticas como a Filosofia, a História e a Sociologia. Segundo João Bosco Leopoldino da Fonseca, o estudo de qualquer ramo do Direito deve partir da visualização e análise da forma e do conteúdo que se tem em vista, verificando-se, antes de outras considerações, que o objeto do Direito, tanto no seu aspecto de linguagem quanto no de metalinguagem, é a relação humana, ou seja, é a relação que ocorre entre seres humanos que se comunicam. A relação apresenta um aspecto estático e um aspecto dinâmico, haja vista que não se dá sempre da mesma forma, nem com o mesmo conteúdo, no evolver dos tempos. Através de uma análise retrospectiva dos fatos humanos, pode-se facilmente perceber que as relações humanas aconteceram sempre diferentemente quanto à forma e ao conteúdo. Nem sempre a relação humana é objeto da consideração do Direito, não sendo então juridicamente pertinente, pois não se inclui, naquele dado momento, no campo de consideração e regulamentação do Direito. Confronte-se, por exemplo, a relação de trabalho disciplinada pela Constituição do Império e a regida pela Constituição de 1988. A primeira nada estabeleceu quanto ao trabalho enquanto que a segunda mostra a profusão de normas jurídicas pertinentes à relação de trabalho, apesar de, hodiernamente, já se discutir, a adequação dessa grande quantidade de normas de proteção ao empregado às novas relações de mercado.
Assim, a juridicidade é a categoria que faz com que uma relação humana se manifeste como relação jurídica. É uma relação intersubjetiva, ou seja, é-lhe essencial a existência de dois seres humanos que se relacionam intercomplementarmente; regulada por norma de dever-ser, que estabelece a forma e o conteúdo através dos quais aquela relação é válida e aceita.
A relação jurídica tem conteúdos empíricos diferentes, de acordo com as diversas situações concretas em que os seres humanos se inter-relacionam, de acordo com os lugares e com a época. A organização de todos os contextos de relações jurídicas leva à formação de um ordenamento jurídico. E é justamente este que, no seu conjunto, transmite força imperativa à norma jurídica.
Se as relações humanas se apresentam sempre de forma renovada, as relações de conteúdo econômico evoluem permanentemente para conteúdos novos. O Estado sempre renovado em suas estruturas e funções, tem de se defrontar com fenômenos econômicos multiformes, a exigir uma postura adequadamente nova para sua condução, é óbvio que o instrumental jurídico a ser adotado tem de amoldar-se à realidade a ser normatizada e às suas características históricas.
6.1 A interdisciplinariedade no ensino de direito
A interdisciplinaridade, segundo Valdemarina B. de Azevedo e Souza, só ocorre quando existe interação de pessoas; ela necessita da troca de saberes e opiniões. As condições necessárias para que a interdisciplinaridade ocorra são as seguintes: a existência de uma linguagem comum; objetivos comuns; reconhecimento da necessidade de considerar diferenças existentes; domínio dos conteúdos específicos de cada um dos participantes; e elaboração de uma síntese complementar.
Uma perspectiva mais contemporânea permite reconhecer que os pensamentos analítico e dialético não são excludentes. O pensamento analítico traz consigo maior clareza, mas tem o risco da fragmentação, da compartimentalização de saberes. O pensamento dialético, por outro lado, tem a vantagem de permitir a inclusão da totalidade dos elementos considerados, porém também pode gerar uma postura totalitária.
A incorporação de conceitos da teoria geral de sistemas, como os de sistemas fechados e abertos, é fundamental para a adequada compreensão da interdisciplinaridade necessária à Bioética. Os sistemas fechados têm interação apenas entre os seus próprios elementos. Os sistemas abertos, por sua vez, mantêm interação também com elementos externos, trocando informações dentro e fora de seus limites.
As questões referentes a interdisciplinaridade, já estavam presentes desde o início das discussões mais sistemáticas sobre a Bioética. Van Rensselaer Potter, no seu primeiro artigo, publicado em 1970, afirmava que “esta nova ética (Bioética) pode ser chamada de ética interdisciplinar, definindo interdisciplinaridade de uma maneira especial para incluir tanto a ciência como as humanidades, mas este termo é rejeitado pois não é autoevidente”. Mais recentemente, Onora O’Neall ressaltou ainda mais esta característica quando definiu que a “Bioética não é uma disciplina, nem mesmo uma nova disciplina; eu duvido se ela será mesmo uma disciplina. Ela se tornou um campo de encontro para numerosas disciplinas, discursos e organizações envolvidas com questões levantadas por questões éticas, legais e sociais trazidas pelos avanços da medicina, ciência e biotecnologia”.
Os problemas propostos para reflexão bioética ficam mais claros quando discutidos dentro de uma perspectiva interdisciplinar. Muitas das ferramentas apresentadas - convergência, divergência, realimentação positiva e negativa, homeostase, homeorrese, processos de tomada de decisão – podem facilitar a compreensão e auxiliar na busca de possíveis soluções.
A interdisciplinaridade é um tema atual no contexto universitário, o que desperta o ensino e a pesquisa interdisciplinares no curso de graduação em Direito O ensino do Direito pode ser estruturado de forma a promover a superação de sua visão fragmentada. Para tanto, pode ser desenvolvido de forma interdisciplinar, em substituição ao ensino dogmático, e unidisciplinar, para produzir um conhecimento crítico ao fenômeno jurídico, e habilitar o raciocínio adequado à aplicação do Direito
à realidade social.
Os cursos de Direito devem se utilizar de instrumentos de ensino que ampliem a consciência de seus alunos para que estejam preparados para entender em que contexto vão operar e o sentido de sua ação na sociedade. A Portaria MEC nº 1.886/94 abriu espaço à interdisciplinaridade. Além das disciplinas obrigatórias fundamentais e profissionalizantes, o currículo deve inserir matérias optativas, inclusive temas interdisciplinares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário ainda, avaliar as percepções dos especialistas sobre o futuro do Ensino do Direito, com foco na interdisciplinariedade da Bioética, Biodiereito, direito do Trabalho, e outras disciplinas do Direito, no que tange a possiilidade da discriminação genética no âmbito laboral. Além disso, sugere-se como assuntos de trabalhos futuros as seguintes discussões:
- Traçar um panorama do Ensino da Bioética e do Biodiereito nas Faculdades de Direito Brasileiras;
- Traçar um perfil sobre as leis coo contexto exterior – aplicabilidade de leis no exterior
- Traçar um histórico do ensino jurídico no Brasil e sua atual conjuntura.
- Fomentar a discussão do tema entre os futuros operadores do Direito.
- Discutir a necessidade da interdisciplinaridade da Bioética nas disciplinas do Direito.
- Análisar a real possibilidade de um cenário futuro de discriminação labora segundo a ótica de entrevistados.
- Analisar o atual contexto da discriminação genética no âmbito laboral, no Brasil, e no Mundo.
- Demonstrar a possibilidade de se aplicar a interdisciplinaridade no ensino jurídico, objetivando avanço para a formação do advogado, inclusive na redefinição e engajamento de seu papel na sociedade, no contexto das relações de trabalho.
- A partir da opinião dos especialistas, sugerir mudanças curriculares nos Cursos de Direito a fim de abordar melhor o tema proposto.
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