Luís Fernando Silva Andrade*
Daniela de Souza Gomes**
Mônica Carvalho Alves Cappelle***
Universidade Federal de Lavras, Brasil
andradelfs@gmail.comResumo
O presente trabalho tem o objetivo de responder a seguinte questão: o espaço em que a pós-graduação brasileira está inserida pode ser configurado como ba, um espaço de relações emergentes que favorecem a criação e compartilhamento de conhecimento? Acredita-se que no espaço em que a pós-graduação brasileira está inserida a criticidade e, sobretudo a criatividade, aspectos fundamentais da Universidade, são postas de lado para que se alcance metas cada vez mais elevadas e com menor horizonte temporal, condicionadas por relações de poder e pressões advindas de instâncias diversas. O contexto facilitador é comprometido pelo produtivismo, ocorrendo a repressão do desenvolvimento e expressão das habilidades criativas dos estudantes. O resultado desse caminho do cenário acadêmico demonstra que o núcleo da ideologia do produtivismo tem implicações no âmbito universitário, em que a produção de trabalhos acadêmicos em massa suprime a capacidade criativa e crítica dos pós-graduandos. Nesses moldes, a pós-graduação promove continuamente um acréscimo do trabalho improdutivo.
Palavras-chave: Conceito de Ba, Criatividade, Pós-Graduação, Produtivismo Acadêmico, Conhecimento.
THE CONCEPT OF BA IN POSTGRADUATE PROGRAMS: MITH OR REALITY?
Abstract
This paper aims to answer the following question: the space in which the postgraduate programs are inserted can be configured as ba, a space for emerging relationships that foster the knowledge creation and sharing? We believe that the space in which the postgraduate programs are inserted, the criticality and, especially, creativity, key aspects of the University, are set aside in order to reach ever higher goals and lower horizon, conditioned by power relations and pressures from various instances. The facilitating context is undermined by productivism, occurring repression of creative abilities development and expression of students. The result of this academic scenario demonstrates that the core ideology of productivism has implications in the university, when mass production of academic work suppresses the creative and critical of postgraduate students. In such terms, the postgraduate continuously promotes an increase of unproductive labor.
Keywords: Concept of Ba, Creativity, Postgraduate Programs, Academic Productivism, Knowledge.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Luís Fernando Silva Andrade, Daniela de Souza Gomes y Mônica Carvalho Alves Cappelle (2016): “O Conceito de Ba na Pós-Graduação: Mito ou Realidade?”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/ba.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-04-ba
1 INTRODUÇÃO
A história da pós-graduação stricto sensu, assim como a do ensino superior brasileiro, é bastante recente – em termos de esforços governamentais, a pós-graduação brasileira, data década de 50. Tal iniciativa inscreve-se no quadro das políticas de desenvolvimento adotadas no Brasil pelo governo do então presidente Juscelino Kubitschek. Tratava-se de uma tática que objetivava tornar o Brasil um grande país, uma vez que o trabalho científico era visto como o precursor do progresso. A criação da pós-graduação no Brasil integra um grupo de medidas que visavam à expansão do ensino superior brasileiro, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), então chamada de Campanha, pretendia, por meio da institucionalização da pós-graduação, “reconstruir a universidade brasileira” (Mendonça, 2003: 301).
Cabe relembrar que nas décadas de 60 e 70 nossa sociedade vivia sob uma ditadura militar, o que se expressava, dentre outras maneiras, em um padrão de regulação social emanado de um Estado burocrático-autoritário (O’donell, 1982). Logo a educação brasileira, de forma geral, ampliou-se de uma maneira sem precedentes a partir do fim do regime ditatorial e da retomada do processo democrático. Foi nesse cenário de expansão, que os Programas de pós-graduação passaram a ser submetidos, na sua forma de gestão e funcionamento, a mudanças profundas que afetaram os pesquisadores e a própria qualidade da produção do conhecimento.
Entre essas mudanças, pode-se destacar a redução do tempo para conclusão das dissertações e teses; a transformação dos cursos em programas, na busca de garantir uma maior organicidade entre o mestrado e o doutorado, bem como a melhoria da vinculação entre a graduação e a pós-graduação (CURY, 2004); o condicionamento do financiamento à avaliação, com recompensas ou punições em relação a bolsas de estudo e do valor das taxas de auxílio; a mudança nos objetivos da CAPES: da formação de professores para o ensino superior à formação de pesquisadores. As mudanças foram avaliadas como transformações que interferiram fortemente na dinâmica da pós-graduação, a ponto de poder-se afirmar que o Sistema CAPES de avaliação e fomento, provocou uma verdadeira mudança paradigmática (Bianchetti, 2006) na pós-graduação brasileira.
A universidade teve sua autonomia suprimida à medida que suas metas, objetivos, índices de produção e a própria gestão passaram a ser informados por entidades que estão situadas fora dela. Nesse sentido:
(...) o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade das publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc. virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende, então, que esse operar co-opere para sua contínua desmoralização pública e degradação interna. (Chauí, 1999: 3)
Diante desse contexto, nota-se a importância de se analisar como se dá a criação e o compartilhamento do conhecimento no ambiente da pós-graduação brasileira. Nonaka e Ikujiro (2000) enfatizam que as condições favoráveis à criação de conhecimento passam pelo método SECI (Socialização – Externalização– Combinação – Internalização), além disso é fundamental a emersão de um ba – conceito japonês que significa um espaço físico, virtual ou mental dentro do qual o conhecimento é gerado, partilhado e utilizado.
O presente trabalho tem o objetivo de responder a seguinte questão: o espaço em que a pós-graduação brasileira está inserida pode ser configurado como Ba, um espaço de relações emergentes que favorecem a criação e compartilhamento de conhecimento?
Acredita-se que no espaço em que a pós-graduação brasileira está inserida, a criticidade e, sobretudo a criatividade, aspectos fundamentais da Universidade, são postas de lado para que se alcance metas cada vez mais elevadas e com menor horizonte temporal, condicionadas por relações de poder e pressões advindas de instâncias diversas. O contexto facilitador é comprometido pelo produtivismo, ocorrendo a repressão do desenvolvimento e expressão das habilidades criativas dos estudantes.
Este trabalho está estruturado em sete seções. A primeira refere-se a esta introdução, em seguida é apresentada a sessão sobre o conhecimento e o espaço Ba, a terceira parte trata sobre os espaços para criação do conhecimento, a quarta trata sobre a universidade e a criatividade, em seguida aborda-se a pós-graduação no contexto do produtivismo acadêmico e é feita uma relação entre o espaço Ba e a pós-graduação. Por último, algumas considerações finais sobre o trabalho realizado são feitas.
2 O CONHECIMENTO E O ESPAÇO BA
Construir conhecimento é um processo social, não apenas individual, deve-se entender a aprendizagem como processo social complexo, o qual não é só individual e cognitivo, e que a mudança nos processos de aprendizagem requer novas perspectivas. Segundo Villard e Vergara (2011), tais perspectivas devem ser diferentes daquelas do positivismo, devem admitir também a subjetividade, a natureza social e a necessária interdependência e compartilhamento de conhecimento nos grupos, para que a produção de conhecimento e uma mudança pela aprendizagem aconteçam.
Schultze e Stabell (2004), os quais adotam um discurso normativo, defendem a natureza racional do conhecimento, na qual considera-se a possibilidade de gerenciá-lo e de controlá-lo. Para os autores da corrente normativa (Balachandran et al., 1999; Gregor e Benbasat, 1999; Nissen, 2000; Zhao, Kumar e Stohr, 2001), o conhecimento é visto como objeto que poderá se encontrar fora do indivíduo, tendo a possibilidade de ser estocado, manipulado e transferido por meio das tecnologias de informação e comunicação. Em sentido contrário, os autores da corrente interpretativa (Schultze e Boland, 2000; Scott, 2000; Stenmark, 2001) priorizam o papel do conhecimento sem considerá-lo um dado ou bem objetivo.
Alinhados ao discurso interpretativo, Nonaka e Takeuchi (1997) afirmaram a existência de quatro modos de conversão de conhecimento: a socialização (conversão de conhecimento tácito em conhecimento tácito); a externalização (conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito); a combinação (conversão de conhecimento explícito em conhecimento explícito); e a internalização (conversão de conhecimento explícito em conhecimento tácito).
A socialização é o processo de compartilhamento de experiências que implica na criação do conhecimento tácito, como modelos mentais ou habilidades técnicas compartilhadas. Já a externalização fundamenta-se na elaboração do conhecimento explícito pelo compartilhamento do conhecimento tácito, o qual é traduzido para explícito por meio de palavras, imagens, reflexão coletiva, metáforas, analogias e hipóteses. Segundo Nonaka e Takeuchi (1997), dos quatro modos de conversão do conhecimento esta fase é a mais importante, pois cria conceitos novos e explícitos.
Na combinação o conhecimento é baseado na análise do conhecimento codificado em documentos, memorandos, banco de dados, etc. É um processo de estruturação de conceitos em um sistema de conhecimento. Por fim, a internalização é a incorporação do conhecimento explícito no conhecimento tácito. Tal conhecimento precisa ser compartilhado com outros indivíduos, iniciando assim um novo ciclo. Cabe ressaltar que para que o processo SECI ocorra efetivamente, é necessário um contexto apropriado.
Para Suchman (1987), o conhecimento não existe somente na cognição dos indivíduos. Dessa forma, para que o processo de criação de conhecimento realmente ocorra, é preciso um contexto específico em termos de tempo, espaço e relacionamento entre indivíduos. Nonaka e Koonno (2005) denominam tal contexto de Ba, que serve como uma plataforma de criação de conhecimento. Como não existe criação de conhecimento sem um local, o conceito de Ba busca unificar o espaço físico, o espaço virtual e o espaço mental.
Nonaka, Toyama e Konno (2002) apresentam quatro grupos de Ba: espaços de socialização de conhecimento (originating Ba), espaços de externalização de conhecimento (dialoguing Ba), espaços de sistematização de conhecimento (systematizing ba) e espaços de internalização de conhecimento (exercising Ba). Cada um desses “espaços de Ba” sustenta um modo particular de conversão de conhecimento nas fases do processo SECI. O originating Ba é considerado como sendo o ambiente em que o conhecimento é originado por meio da interação face a face em que os indivíduos compartilham sentimentos, emoções, experiências e modelos mentais. É o primeiro Ba em que se dá início ao processo de criação de conhecimento e é associado ao processo de socialização do conhecimento tácito.
O dialoguing Ba é construído de forma mais consciente do que o originating Ba. Por meio do diálogo os indivíduos compartilham suas experiências e habilidades transformando-as em aspectos e conceitos comuns. O dialoguing ba funciona como uma plataforma para o processo de externalização do conhecimento em que o conhecimento tácito é transformado em explícito.
O systemizing Ba é conceituado como uma interação coletiva ou virtual e oferece um espaço para a combinação de novo conhecimento explícito gerado às bases de conhecimento existentes. A figura abaixo demostra os quatro tipos de Ba:
3 ESPAÇOS PARA CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO
Nonaka, Toyama e Konno (2002) definem Ba como um espaço compartilhado para as relaçõesemergentes, podendo ser o espaço físico, o espaço virtual e o espaço mental, ou uma múltipla combinação destas, considerado um espaço compartilhado que serve de base para a criação de conhecimentos, seja este individual ou coletivo.
O que diferencia um ambiente que utiliza o Ba daqueles que não o utilizam e dispõem apenasde interações normais humanas é o seu conceitode criação de conhecimento, uma vez que aquelenão trata somente de simples interações entreos indivíduos, mas também disponibiliza umaplataforma para o conhecimento individual/coletivoavançado para a criação de conhecimento.
Nonaka e Konno (2005) ainda propõem que o Ba seja construído de “informação necessária” à criação de conhecimentos, tanto individuais quanto coletivos, sendo as interações, desse modo, condicionadas por esse contexto rico em conhecimentos.
As trocas de dados, informação, opinião, colaboração e de uma mobilização sobre um projeto confrontado às necessidades e ao desconhecido convergem ao Ba dentro das organizações (Fayard, 2002). Ainda segundo Fayard (2002), o Ba é fundamentalmente subjetivo e relacional, envolvendo os atores pelo fato de ser orientado pelo interesse e por não existirem fortes conflitos nos relacionamentos humanos.
Desse modo, o papel da pós-graduação é disponibilizar o Ba para a criação de conhecimentos e “gerenciar” a emergência do novo conhecimento. O Ba não vê a realidade por decreto, não é produzido pelo modelo comando e controle. Ao contrário, é ajustado por atores voluntários dentro de um ambiente estimulantecom atenção ao respeito mútuo.
4 A CRIATIVIDADE E A UNIVERSIDADE
Alencar e Fleith (2003) afirmam que a criatividade não é apenas um fenômeno de natureza intrapsíquica. Fatores de ordem sociocultural, como valores e normas da sociedade, também contribuem de forma considerável para a emergência, reconhecimento e cultivo da criatividade ou, pelo contrário, para sua repressão.
Segundo Bahia (2008), o desenvolvimento das capacidades de inovação e de análise crítica constitui um objetivo central da universidade. A inovação refere‑se a um processo que envolve a aplicação do processo criativo a um produto considerado criativo.
Na acepção de Vygotsky (1978), a criatividade é uma qualidade inerente à essência humana na medida em que cada pessoa se torna um inventor flexível do seu futuro pessoal e contribui potencialmente para o futuro da sua cultura através do desenvolvimento da criatividade. Esta constitui precisamente o produto que se pretende que a universidade promova.
Uma acepção interessante dada ao conceito de criatividade e que se encaixa bem em relação à universidade é a da autora Bahia (2008): a criatividade pode ser vista como capacidade de superação do que já existe e criação do novo, ambas consideradas uma constante da essência humana que remete para construção e reconstrução inevitavelmente criativa do passado, para a interpretação do presente e a forçosa reflexão sobre o futuro pessoal, cultural e social. Ela aponta ainda a questão da capacidade de produzir ideias, para relacionar conceitos provenientes de várias áreas do conhecimento, de encontrar soluções pouco comuns ou mesmo novas, bem como de surpreender os outros, as quais contribuem para uma definição de criatividade que possibilita a base de formas de avaliação da criatividade e, em última análise, da sua promoção.
No Brasil, a autora Rosas (1988) destaca o pouco incentivo à criatividade na universidade. Esta pesquisadora considera que "é no terceiro grau onde menos se fala e pensa em criatividade. Excetuando-se as escolas e/ou departamentos de artes, parece que os demais professores têm muito mais o que fazer do que se preocupar com a imaginação, fantasia e criação", lembrando que é necessário que o professor universitário assuma o papel de incentivador à inovação e criação.
Tolliver (1985) e Paulovich (1993) fazem críticas severas à educação universitária por não encorajar e até mesmo reprimir o desenvolvimento e expressão das habilidades criativas dos estudantes. Toren (1993) refere-se à cultura de aprendizagem predominante no sistema universitário como pouco propícia à expressão da capacidade de criar. Na universidade, tanto na graduação e sobretudo na pós-graduação, é necessário expandir os objetivos de ensino a fim a preparar o aluno para fazer uso de seu potencial para criar.
Segundo Freitas (2011), nenhuma forma de conhecimento científico pode prescindir da inteligência para adaptar situações, definir problemas, inventar métodos e instrumentos, formular conceitos, teorias, bem como da imaginação e da criatividade, que nos permitem pensar hipóteses, fazer suposições e vislumbrar novas respostas adequadas ao que se pretende enfrentar.
A pós-graduação está inserida em um contexto altamente competitivo, em que as demandas por publicações de trabalhos crescem cada vez mais. Tal cenário, ao invés de incentivar a capacidade criativa do aluno, vem reprimindo-a, uma vez que a quantidade se tornou mais relevante do que a qualidade dos trabalhos publicados. O contexto em que as universidades estão inseridas não está propiciando um cenário que estimula a criatividade dos alunos, mas está se configurando como um espaço em que o aluno é refém do produtivismo acadêmico.
5 A PÓS-GRADUAÇÃO E O PRODUTIVISMO ACADÊMICO
As instituições universitárias são dependentes de uma contínua legitimação pública, tanto os agentes internos quanto a sociedade em geral possuem expectativas em relação ao desempenho e à contribuição social dessas organizações (MOREIRA et. al. 2010).
No caso dos programas de pós-graduação, a CAPES avalia o desempenho dos cursos desde 1976 e, devido à sua experiência acumulada, com um programa de avaliação indiscutivelmente pioneiro, o Brasil tornou-se o país que mais contribuiu com o desenvolvimento da história organizada da avaliação institucional na América Latina. Essa experiência avaliativa consolidou-se ao longo dos anos, sendo considerada um grande avanço em sistemas de avaliação educacional (Moreira, et. al. 2010).
O sistema de avaliação dos programas de pós-graduação da CAPES envolve avaliações de cunho qualitativo e quantitativo, contudo ambas são convertidas em considerações qualitativas e, ao final da avaliação, com base nas apreciações realizadas, estabelece-se um valor numérico, dimensionando a qualidade dos programas avaliados. Dentre os critérios utilizados nessa avaliação há parâmetros relativos à eficiência dos programas, como o tempo de titulação dos mestrandos e doutorandos e a produção bibliográfica dos programas.
Entre as principais decorrências do predomínio desse modelo, destacamos a predominância do quantitativo sobre o qualitativo, que interfere na produção científica e gera o que é denominado por “produtivismo acadêmico” (Sguissardi e Silva Jr., 2009).
Segundo Freitas (2011), no campo acadêmico tudo se resume a números. Entretanto, números não são neutros como se pretende, eles trazem consequências. A supervalorização da produtividade acadêmica tem gerado um descaso com a qualidade do que se produz ou, pelo menos, negligência de sua importância. A autora afirma ainda que há a proliferação de uma enorme falta de compromisso com o avanço e o aprofundamento do conhecimento, uma vez que empreender algo novo tornou-se um grande risco. E faz ainda uma analogia, assim como uma empresa que busca extrair o máximo de seus recursos no prazo mais curto possível, o modelo atual acadêmico desvaloriza o produto tão logo ele é avaliado no relatório como um número.
No Brasil, esse sistema atinge não apenas as instituições universitárias, mas também repercutem junto aos coordenadores de programas, aos professores e aos pós-graduandos, que são compelidos a preocupar-se com índices, classificações, fatores de impacto, e, principalmente, a preocupação em publicar um grande número de artigos, muitas das vezes deixando de lado a qualidade e priorizando a quantidade. Alguns estudos (Waters, 2006; Nerad e Heggelund, 2008) apontam que esta é uma tendência mundial, no contexto descrito por Slaughter e Rhoades (2004) como “Academic Capitalism”.
Segundo Santos (2009), a alienação desenvolvida entre professores e alunos na busca por maior produtividade na universidade exalta o mecanismo da exploração, própria do modo de produção capitalista. Os efeitos dessa alienação leva professores e alunos a um ritmo de produção em que, quanto mais publicações, mais artigos qualificados, mais eles se diminuem em inteligência e se tornam escravos da produtividade.
Os pesquisadores são obrigados a “trocar o livro pelo paper”, segundo Chauí (2003) ou a empregarem “artimanhas” para dar conta dos índices de produtividade exigidos ou, no limite, a cometerem “imposturas intelectuais” (Sokal e Bricmont, 1999).
Nesse mesmo sentido afirma Santos (2009):
(...) Do que decorrem as práticas universitárias atualmente, tendo em vista as exigências de produtividade, pode-se relacionar que de forma muito próxima, mas não direta, as mudanças no capitalismo institui a universidade como instituição de produção e reprodução do conhecimento e para tanto, a intensificação do trabalho de professores e alunos, utilizando-se do processo de investigação científica, passa a ser a força motriz de legitimação do modelo de ciência pautada no pragmatismo (Santos, 2009: 13).
Portanto a cultura do imediatismo exigido pelo produtivismo acadêmico parece consolidar-se em relação aos fenômenos sociais, os quais passam a ser explicados e reproduzidos por meio de análises fragmentadas e superficiais, legitimando desta forma o pragmatismo. Nota-se a crítica que na perspectiva do pragmatismo vai aos poucos desaparecendo e em seu lugar consolida-se uma ciência de banco de dados, em que é vendida ao pesquisador como pesquisa de impacto, ou seja, uma ciência incorporada à mercadoria. Esta, por sua vez, perde então a conotação de originalidade, de amor à causa pela ciência e o polo da crítica começa então a ser atrofiado e passa a velar os conflitos na sociedade, que se contradizem na prática social (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2009).
6 O ESPAÇO BA E A PÓS-GRADUAÇÃO
No Brasil, a produção acadêmica se transformou em sinônimo de fazer pontos. Balizada pela tabela de pontuação de produção acadêmica da CAPES, o trabalho de pesquisa tem sido medido pela quantidade de pontos que o professor consegue fazer por ano. Assim, a lógica está cada vez mais em produzir o máximo possível de artigos para fazer o máximo de pontos. Rankings com nomes e pontos de professores são produzidos e distribuídos nas secretarias dos programas de pós-graduação em todo o país (ALCADIPANI, 2011).
Escrever trabalhos científicos é um processo extremamente laborioso, e não estar sob pressão de tempo é um ponto crucial. O trabalho acadêmico envolve, de maneira geral, a realização de pesquisas, atividade de significativa complexidade. A escolha de um tema, de um objeto, de um método, da maneira de coletar e analisar dados, de conseguir acesso são atividades extremamente demandantes, quando realizadas de forma rigorosa.
Segundo Freitas (2011), o pesquisador carrega consigo a sua imaginação cultivada, combinando ideias, supondo questões, variando seu pensamento. Seu trabalho envolve um horizonte de longo prazo, uma vez que a busca, o aprofundamento, a combinação, as comparações, o amadurecimento, a ultrapassagem e a escrita de ideias comportam idas e vindas, confrontos e debates, contínuas reflexões e realimentações. Alguns estudos impõem seu próprio tempo e ritmo para serem observados, descritos, analisados e concluídos. Esse tempo não suporta os imperativos burocráticos.
Na lógica da academia produtivista, o tempo para reflexão, para o desenvolvimento da criatividade e criticidade é deixado de lado, a formação de alunos criativos e críticos é suprimida e o desenvolvimento intelectual significa apenas dados quantitativos.
Nesse sentido, o cenário em que a pós-graduação está inserida não pode ser vista como um espaço Ba, um contexto facilitador para a criação e geração do conhecimento. O cenário atual não favorece à criatividade dos alunos, não promove distintos procedimentos para facilitar o desenvolvimento e expressão das habilidades criativas e críticas.
Os alunos inseridos nessa lógica enxergam a produção acadêmica como um fim em si mesmo, fazendo parte de uma geração que não pesquisa a fundo, não inova e não se desenvolve, apenas publica. A publicação que deveria ser um trabalho de exercício à criatividade e criticidade, está se transformando em uma mera numerologia da academia, em que tudo deve ser quantificado dentro da lógica da quantidade como sinônimo de qualidade. Não há dúvida que os pesquisadores, tanto professores quanto alunos, devem publicar o que fazem, a fim de contribuir cientificamente com o desenvolvimento da sociedade. Entretanto, esse trabalho poderá contribuir para a sociedade quando for de fato algo criativo e inovador, produto de reflexão e resultado de um amadurecimento.
A formação vem sendo cada vez mais esquecida, o objetivo é produzir, ainda que sem formação ou conteúdo. Por esta lógica, o que vale é a pontuação e não a produção do conhecimento. A quantidade de artigos vira sinônimo de qualidade. Dessa forma, a formação de um campo de conhecimento (espaço de Ba) é ceifada dos programas de pós-graduação.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado desse caminho do cenário acadêmico demonstra que o núcleo da ideologia do produtivismo tem implicações no âmbito universitário, em que a produção de trabalhos acadêmicos em massa suprime a capacidade criativa e crítica dos pós-graduandos.
Nesses moldes, a pós-graduação promove continuamente um acréscimo do trabalho improdutivo. E é por meio deste trabalho que os programas irão obter boas notas. A Universidade, que deveria ser o lugar privilegiado da desalienação, promove justamente o oposto, suprime o contexto facilitador para a geração e produção do conhecimento (espaço de Ba), extinguindo a criatividade e a criticidade, para dar lugar a um espaço em que não impera a reflexão, mas sim os dados quantitativos.
Portanto, o trabalho intelectual deve produzir e divulgar conhecimentos por meio de reflexão, elaboração de teorias, promoção de debates e confrontos de ideias, aceitação e refutação de hipóteses e contínuos recomeços. Entretanto, nota-se que no atual sistema de produção acadêmica, muitas vezes, o mecanismo da superficialidade em torno da coação por publicações, impossibilita e fragiliza o caráter da reflexão crítica e da criatividade e, portanto, os trabalhos acadêmicos contribuem cada vez menos para a geração de algo que seja, de fato, inovador.
Deste modo, o trabalho contribui, teoricamente, para o reconhecimento da importância de uma reestruturação do cenário em que a pós-graduação está inserida. É preciso que os pesquisadores se questionem se o que estão produzindo, de fato, é produto de uma reflexão e de um amadurecimento acerca de determinado assunto. É necessário que os programas de pós-graduação estimulem a criatividade e a criticidade dos seus alunos e incentivem a produção de artigos, mas não no contexto do produtivismo acadêmico, mas sim buscando criar um espaço para que eles possam refletir e compartilhar o conhecimento (espaço Ba).
Como possibilidades e agendas de pesquisa para o tema, julga-se oportuno pesquisar a fundo as relações entre contexto facilitar e instituições de ensino, tanto no ensino superior (graduação e pós-graduação) quanto nos ensinos fundamental e básico, onde o conhecimento é um aspecto central das práticas e objetivos. Estudos empíricos, bem como análises de modelos de educação diferenciados e inovadores são interessantes para aprofundar e estreitar a relação entre contexto facilitador e processo de ensino-aprendizagem.
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** Graduada em Administração pela Universidade Federal de Lavras.
*** Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras. Doutora em Administração pelo Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em administração da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Associada do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras.
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