Pedro Pereira Borges*
Heitor Romero Marques**
Maria Augusta Castilho***
Universidade Católica de São Paulo, Brasil
pobojari@ucdb.brRESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar uma visão das relações do Brasil com a Ásia-Pacífico e pontualmente com o Sudeste Asiático sob o ponto de vista das Ciências Sociais e Políticas, colocando em segundo plano as prerrogativas econômicas. Para tal, dividiu-se o artigo em quatro seções: primeiro, o reposicionamento brasileiro em relação à Ásia, a partir da década de 1990. Segundo, a apresentação das contradições que os economistas e empresários brasileiros veem na participação do Estado nas economias da América Latina, da Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura. Terceiro, uma seção dedicada exclusivamente à China, em que se apresentam as razões políticas do por que esse país não deve ser considerando como exemplo de modelo econômico. Por último, as conclusões são reflexões sobre como o Brasil deve enfrentar as questões levantadas no artigo.
PALAVRAS-CHAVES: Brasil, Ásia-Pacífico, Relações Internacionais, Política Econômica.
ASIAN ECONOMY: DO MODEL TO BRAZIL?
ABSTRACT
The objective of this article is to present a vision of the relationships of Brazil with to Asia-Pacific and on time with the Asian Southeast under the point of view of the Social sciences and Politics, putting in second plan the economical prerogatives. For such, it became separated the article in four sections: first, the Brazilian re-establishment in relation to Asia, starting from the decade of 1990. Second, the presentation of the contradictions that the economists and Brazilian entrepreneurs see in the participation of the State in the savings of Latin America, of South Korea, Taiwan and Singapore. Third, a section dedicated exclusively to China, in that you/they come the political reasons of the because that country should not be considering as example of economical model. Last, the conclusions are reflections on like Brazil it should face the lifted up subjects in the article.
WORDS-KEYS: Brazil. Asia-Pacific. International relationships. Economical politics.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Pedro Pereira Borges, Heitor Romero Marques y Maria Augusta Castilho (2016): “Economia Asiática: modelo para o Brasil”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/asia.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss201604asia
1 Introdução
A elaboração deste artigo acadêmico, notou-se, no decorrer das pesquisas bibliográficas, que o conteúdo acadêmico contido no artigo estava reproduzindo os estudos de Oliveira (2001, 2002, 2002a, 2004, 2005, 2006), os relatórios da Divisão da Ásia e Oceania (DAOC I e II), do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, e os Cadernos Adenauer da Fundação Konrad Adenauer, que descrevem, historicamente, de forma minuciosa e precisa, as relações econômicas do Brasil com a Ásia-Pacífico e Sudeste Asiático 1, e vice-versa. Na realidade, o que se estava fazendo era apenas um ‘Relatório de Pesquisa’ que, em termos práticos, não acrescentaria absolutamente nada ao conteúdo acadêmico, face à riqueza e detalhamento dos estudos já realizados. Considerando essa percepção, procurou-se uma alternativa, um viés que tivesse autenticidade que, por sua vez, pudesse proporcionar alguma discussão acadêmica, propósito principal de um artigo científico.
A partir de 2008 essa realidade mudou. Os Estados Unidos passaram por uma crise que levou à desestruturação econômica em âmbito mundial. Esse momento inicialmente não afetou tanto o Brasil, porque acontecia o boom econômico da China e esse império dominado pelo Partido Comunista era o destino da maior parte das exportações brasileiras, principalmente de matérias primas. No ano de 2015 a economia brasileira já estava em recessão e a China dava sinais de incapacidade de sustentar um crescimento acima dos 7% ao ano.
Ainda em 2007 economistas e empresários escreveram em artigos de jornais ou publicaram em livros e na internet sobre as relações do Brasil com a Ásia-Pacífico e o Sudeste Asiático. Verificou-se que as opiniões dos pesquisados eram unânimes, dizendo, numa voz uníssona, que os padrões econômicos empregados no desenvolvimento da Coréia do Sul, Cingapura, Japão e da China seriam modelos de desenvolvimento econômico, e que o Brasil deveria copiá-los e utilizá-los. Economistas do porte de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de Economia da Unicamp, e Eduardo Gianetti da Fonseca, PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, que não podem ser chamados de ortodoxos, declararam que a “China é um exemplo para o Brasil”. Antecipando o que será descrito mais detalhadamente a seguir, é possível dizer que o modelo chinês, por exemplo, só pode ser seguido pelo Brasil em apenas uma coisa: enquanto a China focou a sua economia na produção de bens para a exportação para os países industrializados, o Brasil voltou a sua atenção para a América Latina, a África e a Ásia, em detrimento das economias da Europa e da América do Norte.
Apesar dos rigores metodológicos adotados pelas Universidades na produção de artigos científicos, cabe aqui uma heresia2 : o dramaturgo e colunista Nelson Rodrigues, quando da unanimidade de opiniões da imprensa carioca sobre escalação da Seleção Brasileira para a Copa de 70, disse: “Toda unanimidade é burra!” (Rodrigues, 1993). Concorda-se com Nelson Rodrigues.
Constatou-se que esses economistas e empresários usaram elementos fundamentalmente econômicos para as suas análises e as suas conclusões. Ou seja, os índices, Produto Interno Bruto (PIB) e renda per capita, quase que exclusivamente, são tomados como parâmetros para a avaliação do nível de desenvolvimento alcançado. As variáveis sociológicas, históricas, culturais e políticas, que envolvem as análises comparativas dos países pesquisados em questão, foram colocadas em segundo plano ou até mesmo não consideradas, ocasionando uma visão distorcida da realidade. Note-se que, desde o início dos anos 1990, o ‘Regime Internacional de Desenvolvimento’, que mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), se desprendeu desta visão puramente economicista e econométrica, abrindo-se para novas abordagens que qualificavam o desenvolvimento como humano e preferivelmente sustentável (Morais, 2001).
Segundo Sen (2000, p. 17), a Teoria do Desenvolvimento Humano ganhou reconhecimento internacional e deve ser entendida como um “processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”, sendoa pobreza abordada como privação de liberdade e não apenas como insuficiência de renda. Para que se expanda, algumas liberdades devem ser serem garantidas. Sen (2000, p. 55) introduz cinco categorias de liberdades instrumentais: (1) liberdades políticas; (2) facilidades econômicas; (3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparência, e (5) segurança protetora.
Não se quer dizer que o Brasil seja um exemplo de desenvolvimento humano, mas daí a sugerir que países com atmosferas sociológicas tão diferentes sejam considerados modelos de desenvolvimento, remetem a um erro de avaliação sociológica que os economistas não conseguem entender ou aceitar. Segundo Flores Júnior (2003, p.142):
Espera-se, em geral, que os economistas opinem sobre o porvir. Esses, para proteger seu prestígio profissional, não raro adotam a seguinte atitude. Caso acertem, lembram sempre, a todos, a sua infalibilidade. Caso errem, encontram fantásticas explicações sobre a drástica mudança de condições que justificou, inteiramente, a falha de previsão, jamais a de diagnóstico.
Portanto, o objetivo deste artigo é apresentar uma visão das relações do Brasil com a Ásia-Pacífico e pontualmente com o Sudeste Asiático sob o ponto de vista das ciências sociais e políticas, colocando em segundo plano as prerrogativas econômicas.
Como fator delimitador, é importante posicionar ideologicamente que este artigo não tem por objetivo criticar negativamente a globalização ou os conceitos neoliberais nela inserido. Entende-se a globalização como um ‘imperativo tecnológico’ semelhante ao que comandou o processo de industrialização que moldou a sociedade moderna a partir da Revolução Industrial. Assim, o crescimento econômico, gerado pela globalização, apresenta uma nova forma de organização social que redefine a divisão do trabalho e a distribuição de renda (Furtado, 2001). Ou seja, a globalização é uma realidade que não pode mais ser vista como algo que vai acontecer. As previsões catastróficas, inseridas na literatura da década de 1990, de que a globalização acarretaria uma ameaça à autonomia dos Estados Nacionais acabou não acontecendo. O enfoque foi sendo progressivamente substituído pela idéia da integração da produção local, do capital nacional, da pequena empresa, a uma cadeia produtiva mais ampla, no limite até global. De fenômeno destruidor da antiga economia nacional, a globalização passou a ser encarada como uma janela de oportunidade. O problema não é mais a globalização, mas a adequação das economias nacionais e do mundo do trabalho ao novo ambiente.
Já a ideologia neoliberal esgotou-se em si mesma. A partir do Fórum de Davos de 2002 e 2003, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional passaram a recomendar e a postular uma profunda revisão dos princípios relacionados ao ‘livre mercado’, enquanto regulador das ações econômicas e financeiras, alertando as transnacionais e os países centrais que a filosofia do ‘Estado mínimo’ não foi de todo satisfatória e que o Estado é mais eficiente, e tem o dever constitucional de agir, nas áreas da saúde, educação, transporte, saneamento e segurança, e ainda regular algumas atividades econômicas (UNITED NATIONS, 2005; BANCO MUNDIAL, 2005).
2. Década de 1990: o reposicionamento brasileiro em relação à Ásia
As mudanças políticas e econômicas fizeram o Brasil rever sua estratégia de inserção internacional e, com isso, priorizar um relacionamento mais intenso com o Leste Asiático. A partir do governo Itamar Franco, em 1993, a Ásia foi definida como uma das prioridades da diplomacia brasileira em função de seu potencial cooperativo nos campos científico e tecnológico, bem como mercado para exportação e importação. Fernando Henrique Cardoso manteve a estratégia e definiu a Ásia como uma das prioridades de sua política externa, tendo visitado a China, a Malásia e Japão, no primeiro mandato. E, no segundo mandato, realizou visitas diplomáticas a Seul, Dili e Jacarta. Da mesma forma, Luis Inácio Lula da Silva viu a necessidade de estreitamento de laços com o Japão, China e Índia (OLIVEIRA, 2005).
Oliveira (2005, p. 09) levanta as seguintes questões:
O quão importante é a Ásia para o Brasil?. A Ásia é muito importante na busca de diversificação de mercados e de parcerias políticas, mas de importância secundária devido aos tradicionais laços com a Europa e as Américas. Segundo, o quão importante é o Brasil para a Ásia?. Aparentemente, a resposta seria negativa e consequentemente poder-se-ia estar gastando muita energia para estreitamento de relações com uma região que considera, tanto o Brasil quanto a América Latina, de forma secundária.
Jae-Seung apud Oliveira (2005) aponta que, a partir da crise asiática,
“a Ásia do Leste deu-se conta de que não pode confiar totalmente nos EUA ou no Ocidente da próxima vez que enfrentar problemas. A Ásia do Leste sente com clareza que as instituições multilaterais nas quais se dispunha antigamente a confiar já não são infalíveis. Ademais, os EUA e as lideranças européias não têm logrado promover novas ondas de liberalização multilateral. Na verdade, tem havido uma série de conflitos entre as duas superpotências com relação a diversas questões comerciais”.
Para formalizar essa aproximação, em 1999, foi institucionalizado o Fórum de Cooperação Ásia do Leste - América Latina (FOCALAL), englobando os países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) mais o Japão, China e Coréia do Sul. Como proposta básica, além de uma aproximação política de alto nível, o Focalal visa implementar programas e planos que ampliem os laços econômicos, políticos e culturais entre as duas regiões.
Segundo Oliveira (2005):
O Focalal apresenta um forte conteúdo simbólico ao procurar ampliar e aprofundar relações com a região da América Latina, sem a presença dos Estados Unidos. Demonstra não só um crescente interesse asiático pelo espaço Latino-americano, mas também a disposição de diferentes Estados, como o Japão, China e Coréia do Sul em participar deste processo. Considera-se que um dos incentivos para essa iniciativa era a percepção asiática de que a ALCA era um projeto que tendia a se efetivar no prazo estabelecido e que, consequentemente, poderia afetar ou diminuir suas possibilidades de inserção no espaço latino-americano.
Esse interesse mútuo demonstra a vontade política de estreitamento de relações em função da necessidade de estabelecimento de parcerias, de um lado, no processo de distribuição de poder internacional e, de outro, na disputa pela garantia de acesso a mercados. Acrescenta-se o estabelecimento de três Grupos de Trabalho (Economia e Sociedade, Política e Cultura, e Educação, Ciência e Tecnologia), provando que comércio e investimentos não são os únicos objetivos do Focalal. No entanto, até o presente momento, o Focalal apresenta uma realidade política e econômica muito limitada quando comparado com outros processos inter-regionais (OLIVEIRA, 2005).
Tabela 1 – Dados comparativos
|
BRASIL |
CHINA |
JAPÃO |
CORÉIA DO SUL |
CINGAPURA |
TERRITÓRIO |
8.514.204 Km² |
9.536.499 Km² |
372.819 Km² |
99.237 Km² |
641 Km² |
POPULAÇÃO |
184 MILHÕES |
1,3 BILHÃO |
127 MILHÕES |
47 MILHÕES |
3,6 MILHÕES |
PIB (2003) US$ |
500 BILHÕES |
1,1 TRILHÃO |
3,8 TRILHÕES |
500 BILHÕES |
95 BILHÕES |
RENDA US$ |
4.320 |
1.500 |
32.350 |
10.600 |
30.270 |
CRESCIMENTO |
Média 2% a.a. |
Média 10% a.a. |
Média 1,5% a.a. |
Média 6,8% a.a. |
Média 8,5 a.a. |
IDH (2004) |
0,775 |
0,745 |
0,938 |
0,888 |
0,902 |
POSIÇÃO IDH |
65ª |
95ª |
9ª |
28ª |
25ª |
3. As contradições sobre a participação do Estado nas economias da América Latina, da Coréia do Sul, Taiwan, Vietnam e Cingapura
A maioria dos economistas ortodoxos considera como “perdida” a década de 1980 para a América Latina. Esses economistas justificam a adoção de tal adjetivo: a) pela falta de controle da inflação; b) pela excessiva intervenção do Estado como regulador da economia; c) pela pequena abertura dos mercados, com controle do câmbio e das importações. De certo, não levaram em consideração que a década de 1980, na América Latina, foi uma época de transição, uma época de revisão das instituições políticas e sociais, no qual os países voltaram a conviver com o estado democrático de direito (FURTADO, 2002).
Nunnenkamp (2003) insiste na tese de que a América Latina corre o risco de ficar para trás no processo de globalização, enquanto que os países da Ásia-Pacífico aceleraram essa aproximação. A análise é baseada em dados sobre a diminuição da distância de renda per capita dos países asiáticos em relação aos EUA. Segundo o autor, os fatores que explicam as diferenças entre o desempenho de crescimento e a competitividade da América Latina e da Ásia estão no uso mais efetivo das forças motoras da globalização econômica: a penetração nos mercados mundiais e a atração de investimento externo direto (IED). O Chile e a República Dominicana são considerados exceções.
Para Nunnenkamp (2003), a implementação das medidas preconizadas pelo ‘Consenso de Washington’, na América Latina (AL), possibilitou a estabilização macroeconômica, com a redução na taxa de inflação, e a redução do papel do Estado na participação do governo no PIB, na região. O desenvolvimento desses indicadores revelou, ao longo do tempo, que a AL avançou claramente na direção sugerida pelo ‘Consenso de Washington’. Contudo, a penetração das importações assim como a orientação para as exportações permanece consideravelmente mais fraca que na Ásia.
Porém uma revisão da literatura sobre o papel do Estado nos países da Ásia-Pacífico e Sudeste Asiático (notadamente a Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura) contradiz as idéias do ‘Consenso de Washington’ sugeridas para a AL. O cerne do debate constitui-se na avaliação do grau em que a intervenção direta do Estado teria contribuído para o extraordinário desempenho econômico desses países, entre as décadas de 1970 a 1990. Destoando das interpretações neoclássicas, os estudos mostram que os Estados Asiáticos não foram omissos, assumindo, em parceria com os grupos industriais emergentes, responsabilidades de direção e coordenação das estratégias de desenvolvimento então desencadeadas (HAGGARD e MOON apud DINIZ, 2004).
Estudos recentes sobre o desempenho dos programas de estabilização da economia e da política nos países asiáticos chamaram a atenção para a influência de arranjos institucionais específicos, como o regime político em vigor, o formato de organização e atuação dos grupos de interesse, as formas de articulação Estado-sociedade, o grau de institucionalização do sistema partidário, e ainda as características do aparato decisório, notadamente na área da política econômica. Uma importante conclusão dessas análises foi o avanço dos determinantes institucionais de políticas públicas voltadas ao investimento em educação formal e profissionalizante (DINIZ, 2004).
Na Coréia do Sul, Cingapura, Vietnam e Taiwan, destaca-se o papel decisivo do Estado no desencadeamento e sustentação de estratégias bem-sucedidas de desenvolvimento econômico. Através de intervenções seletivas, da combinação de incentivos ao setor privado, associados à exigência de desempenho, foi possível praticar projetos compartilhados de transformação da estrutura produtiva e de inserção inovadora no mercado internacional. Nesta modalidade de industrialização tardia, o estreitamento dos vínculos entre os setores público e privado levou a resultados positivos sob o ponto de vista da melhoria do bem estar social. À ideia de livre mercado, contrapõe a noção de “mercado governado”, destacando o papel ativo dos governos, orientando os processos de alocação de recursos, definindo padrões de investimento, incentivando setores-chave, influenciando o comportamento dos agentes econômicos (DINIZ, 2004).
Evans apud Diniz (2004), para explicar o sucesso dos Estados desenvolvimentistas do Leste Asiático, utilizou como paradigma a noção de “autonomia inserida”. Essa noção abarca um complexo de fatores, combinando a independência do Estado, em face de interesses de caráter particular, com capacidade de inserção na sociedade, configurando um Estado ativo, com forte poder regulatório e alta capacidade de fazer valer suas decisões, garantindo, ao mesmo tempo, o necessário respaldo político para implementar a agenda pública. A análise aponta para a importância de se levar em conta o exame da estrutura interna do Estado, aliado ao estudo do caráter da articulação Estado-sociedade. Desse ponto de vista, se é necessário implantar uma burocracia autônoma e meritocrática para assegurar um crescimento acelerado, não menos relevante é a construção de sólidas conexões com os atores privados estratégicos, responsáveis pela sustentação política de projetos de transformação produtiva.
Cheng, Haggard e Kang apud Diniz (2004), em seus estudos sobre a relação entre desenho institucional, política econômica e crescimento, na Coréia do Sul, Cingapura e em Taiwan, fornecem alguns elementos adicionais para a compreensão do impacto do arcabouço institucional na consecução das metas governamentais. Reconhecendo a relevância da cooperação entre o Estado e o setor empresarial, os autores ressaltam a necessidade de relativizar o impacto de diferentes padrões de articulação público-privado sobre os resultados de políticas públicas. Assim, no caso de Taiwan e Cingapura, o peso da tradição política autoritária, as características das associações empresariais, tais como sua fraqueza organizacional, sua fragilidade política e relativa inoperância como locus de ação coletiva, favoreceram o predomínio de formas de relacionamento de natureza tópica e personalizada. Em contraste, no caso coreano, as organizações empresariais, dotadas de maior força e independência, revelaram-se mais eficientes, desempenhando um papel expressivo na formulação e implementação de políticas, com base numa trama institucional mais sólida. Entretanto, neste último caso, o estreitamento dos vínculos com os grandes conglomerados, os chaebol, cujo fortalecimento foi estimulado pelo governo, levou a uma assimetria no que se refere à influência do setor empresarial, responsável por um desequilíbrio em benefício dos grandes grupos econômicos, mostrando que os riscos de práticas predatórias ou de rent-seeking não podem ser subestimados.
Uma avaliação do conjunto dessas experiências revela que o êxito da política industrial e da estratégia exportadora resultou da convergência entre a iniciativa estatal e a participação ativa do empresariado, sob distintos arranjos institucionais. Não será possível, portanto, definir um único padrão, pois diferentes combinações podem gerar resultados semelhantes, de tal forma que resulta inócuo procurar uma receita única para o sucesso. Ademais, as estruturas institucionais constituem um todo, de tal forma que se torna inócuo transplantar uma parte, separando-a do conjunto do sistema no qual está integrada. No entanto, um aspecto comum aos vários casos foi o esforço no sentido de construir capacidade estatal, através de reformas voltadas para a criação de burocracias baseadas no mérito e na competência, integradas por um quadro de funcionários de alto nível técnico e profissional, recrutados nas melhores instituições educacionais, capazes de desenvolver forte identificação com as metas organizacionais. Entretanto, não se observou uma evolução no sentido da construção de burocracias isoladas, sem comunicação com os agentes produtivos. Na Coréia, por exemplo, os mecanismos consultivos desempenharam um papel importante na expansão das exportações, enquanto em Taiwan e Cingapura, à medida que se verificaram mudanças na direção de uma estrutura industrial mais moderna e complexa e de um sistema político mais aberto, o adensamento dos vínculos institucionais, articulando o Estado ao setor empresarial, tornou-se um aspecto central da estratégia industrial do governo. Outra questão remete à existência de um estreito intercâmbio governo-empresariado no nível micro, tanto setorial, quanto da própria firma. Esse conjunto de mecanismos aumentou os fluxos de informação entre agentes econômicos e atores estatais, reforçando as condições de implementação das políticas e de aquiescência em relação às decisões governamentais (DINIZ, 2004).
Dessa forma, esses estudos convergem para uma visão que admite a possibilidade de formas não predatórias de articulação do Estado-empresário, destacando, ao contrário, seus efeitos criativos. Revelam ainda que a chave de uma estratégia bem sucedida de ação cooperativa é o insulamento da burocracia no sentido da autonomia de seus instrumentos de formulação e de coordenação, sem, contudo, produzir o isolamento ou acentuar a falta de comunicação e de transparência das agências governamentais. Por outro lado, o fechamento do processo decisório, longe de representar uma garantia de coerência e eficácia das políticas, pode ter efeitos perversos a curto e longo prazo (DINIZ, 2004).
Por outro lado, enquanto na Ásia foram adotadas medidas pouco liberais, no Brasil ainda se discute a reestruturação produtiva provocada pelo neoliberalismo e se o excesso de proteção social é um obstáculo para o crescimento econômico e para a criação de empregos. Para Belluzzo (2004), o que acontece é um conflito entre essa concepção da economia, que estava muito ligada à predominância das políticas nacionais e a globalização financeira, e o movimento das empresas transnacionais, que querem buscar sempre, no seu processo de internacionalização, os custos menores e as condições de produção que lhe são mais favoráveis. Isso fez com que os países em desenvolvimento entrassem numa competição perversa para atrair esses capitais e oferecer as condições de proteção social menos efetivas. Houve até a tentativa de ligar a abertura comercial à adoção de critérios de proteção social mais rigorosos pelos países em desenvolvimento - programas de bem estar mais rigorosos, sobretudo de proteção aos trabalhadores, tipo seguro-desemprego etc. Essa tese não prosperou, até porque não era de interesse das empresas e dos países que estavam competindo para atraí-las. O problema é que a aceitação da flexibilização do mercado de trabalho e da precarização dependia muito de um crescimento razoável da economia. O que se tem, de fato, é um fenômeno de decomposição desse capitalismo destrambelhado, uma recuperação crítica dos pontos centrais que construíram o Estado de Bem Estar e a sua relação com o crescimento econômico. É isso o que se esta observando neste momento. Os estudos recentes, tanto feitos pelos economistas de formação neoclássica, liberal e conservadora, quanto pelos mais progressistas, estão mostrando que esse capitalismo não tem como melhorar e incrementar a qualidade das políticas sociais. Ele não é compatível com a melhoria das políticas sociais. A ideia de um fim das políticas universais de proteção não é possível numa sociedade moderna e complexa como a nossa (BELLUZZO, 2004).
Quer dizer, o que se vê na prática é que os economistas brasileiros aprovam e recomendam o que se faz na Ásia, mas, quando medidas semelhantes são empregadas como políticas econômicas no Brasil, elas misteriosamente são vistas como impraticáveis e, por isso, severamente criticadas. No entanto, a contradição se restabelece, ao recomendarem o modelo asiático para o Brasil; não o modelo praticado na Ásia, como se viu, mas aqueles que os economistas julgam o ideal para quem representam, ou seja, as grandes instituições financeiras e as transnacionais.
4. China: um exemplo a não ser seguido
Para Fan He (2003), a ascensão da China é um episódio notável na história econômica mundial. A partir de 1978, o país desencadeou uma reforma orientada para o mercado e uma política de abertura que resultou em taxas de crescimento superiores a 10% ao ano, em média, rivalizando com os recordes alcançados pelo Japão e pelos “quatro tigres” (Coréia, Cingapura, Hong Kong e Taiwan) em seus períodos de crescimento rápido. Mesmo com as crises da década de 1990, a China continuou mantendo um crescimento robusto.
Mas qual o custo político, social e humano desse crescimento para a população chinesa? Face à censura, é preciso ler nas entrelinhas o que os autores chineses dizem. Aliás, o Brasil já passou por essa farsa ‘ufanista’, o “milagre econômico”, patrocinada pela ditadura militar pós–1964, simbolizadas pelas frases: “Esse é um país que vai pra frente”; “O bolo precisa crescer para depois dividir”; “Ame-o ou Deixe-o”. As consequências das irresponsabilidades cometidas pelos governos militares até hoje são sentidas. Quantas vezes o Brasil precisou ir de pires na mão ao FMI para pagar suas dívidas? Vale lembrar que só agora, no governo Lula, é que se começou a pagar essas dívidas. Porém os sacrifícios de milhões de brasileiros jamais serão reparados. E os chineses, quais sacrifícios estarão passando para financiar o déficit americano?
Num curto período de tempo, a China experimentou simultaneamente três transformações históricas. Primeiro, o país passou pela transição de uma economia planificada para uma economia de mercado. Depois, de economia agrícola tradicional para uma economia industrializada. Em terceiro, o país mudou de uma autarquia para um ator importante na arena da economia e da política mundial. Porém o crescimento explosivo da China contesta muitas modalidades de análise política amplamente aceitas. Propriedade privada, democracia política e o domínio da lei, que são propostas como necessidades do desenvolvimento econômico, estão ausentes neste estágio das reformas chinesas (FAN HE, 2003).
Nessa transição para economia de mercado, o Partido Comunista Chinês (PCC) manipulou a população inúmeras vezes. A mais radical ocorreu na década de 1970, na campanha ‘Grande Salto Adiante’, quando 26 milhões de pessoas que haviam sido levadas da área rural para as cidades foram forçadas a voltar. Desde então, as portas das cidades ficaram fechadas para os agricultores desesperados (TANG e ZHAO apud FAN HE, 2003).
Segundo Fan He (2003), as empresas estatais se pareciam mais com comunidades do que com unidades de maximização do lucro. O pesado fardo social prejudicava a competitividade e solapava a lucratividade, o que, por sua vez, resultou no esvaziamento do aparato de assistência social. Enquanto os privilégios dos grupos de interesse e do PCC eram mantidos, as empresas estatais, que sustentavam jardins de infância, escolas e hospitais, foram desmanteladas.
A China levou 15 anos para entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC). Por que demorou tanto a entrada da China na OMC? Porque ela foi determinada não somente por fatores econômicos, mas também por fatores políticos, tanto internacionais como nacionais. Do ponto de vista internacional, os países ocidentais queriam ligar as negociações comerciais com a questão da melhoria dos direitos humanos. Wang Yong apud Flores Júnior (2003) diz que as exportadoras de capital intensivo, como a Boeing, AT&T e as três maiores empresas automotivas, apoiaram a China, enquanto que os sindicatos, as indústrias têxteis e de vestuário, ao lado de ativistas dos direitos humanos, compuseram o grupo contrário. Sabe-se que, nos últimos dez anos, as grandes corporações, em busca de mão de obra barata, deslocaram para China algo em torno de 500 bilhões de dólares em investimento externo direto, visando o tamanho do mercado chinês.
Em janeiro de 1980, o governo chinês lançou o ‘Documento nº 1’ que limitou os nascimentos a um único filho por casal. O documento, com suas promessas e ameaças, fez baixar a natalidade nas cidades e na zona rural. Promovendo a política do filho único, o governo ressuscitou os conceitos feudais sobre a inferioridade da mulher. Se um casal pode ter somente um filho, consequentemente vai querer um filho homem, sendo esta uma exigência cultural ainda profundamente arraigada no povo chinês. Se, por acaso, o bebê é menina, surge para o casal um gravíssimo problema ético e cultural: se ficar com ela, não pode mais ter o filho homem. A triste realidade é normalmente a morte ou o abandono da menina recém-nascida. O infanticídio de recém-nascidas ou sua exposição nas ruas cresceu vertiginosamente. Hoje, quem visitar os orfanatos do governo ou da Igreja patriótica perceberá que existem somente meninas e raríssimos meninos, geralmente deficientes mentais. O menino excepcional, não podendo cumprir seus deveres filiais, conforme os preceitos confucianos, é equiparado à menina, considerado inútil e um peso para os pais e abandonado a própria sorte (morte ou orfanatos oficiais). Uma denúncia da Comissão dos Direitos Humanos da Ásia, composta por católicos, budistas e islâmicos, registrou que, nos anos 1990, em regiões rurais e do interior, já faltavam 800 mil mulheres para casamento. Essa situação tornou-se mais grave, tanto que o PCC, em 7 de maio de 2000, publicou nota oficial tentando esclarecer certos pontos do ‘Documento nº 1’, sem negar, porém, a política do filho único. Diante da previsão de que, em 2010, a população da China vai ultrapassar um bilhão e 400 milhões de habitantes, um estudo do Vaticano revela que a política do filho único será revitalizada com força, com o objetivo de manter aquém o número dos habitantes.
Segundo o Relatório Global da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006) e o jornal China Daily, um dos poucos que se atrevem a criticar o governo central, denunciaram que a falta de segurança no setor de mineração, aliada à falta de supervisão do próprio governo, fizeram com que 4.153 trabalhadores nas minas de carvão da China morressem por acidentes de trabalho nos primeiros quatro meses deste ano. O último, após uma longa série de acidentes, ocorreu em abril de 2006, em Guizhou, quando uma explosão matou 266 mineradores, a pior desde a explosão da mina de Muchonggou, em setembro de 2005, que matou 162 trabalhadores. Os acidentes em minas estão batendo todos os recordes este ano, por conta do trabalho incessante e em turnos ininterruptos, sem maiores preocupações com segurança, com o objetivo de dar vazão ao aumento na procura de combustível, consequência do acelerado crescimento chinês. Segundo dados da Administração Nacional de Segurança no Trabalho da China, o país responde hoje por 80% das mortes em minas de carvão no mundo, apesar de ser responsável por apenas 35% da produção mundial. Segundo a Universidade Chinesa de Geologia, em 1991, as mortes motivadas por acidentes de trabalho na China foram de 80 mil. Em 2005, passaram de 170 mil.
A força de trabalho da China é estimada em 743 milhões de trabalhadores. Segundo a OIT (2006), 1/3 da força de trabalho, ou seja, aproximadamente 250 milhões de trabalhadores podem ser considerados como mão de obra semiescrava. Trabalham, em média, 12 horas por dia, durante sete dias por semana, com dois dias de descanso mensal, porém não remunerado, sem direito a férias, em condições insalubres. O descanso diário e quinzenal é controlado, não podendo o trabalhador se afastar da unidade industrial. E o salário não ultrapassa a US$ 200 por mês. Daí a razão dos produtos chineses serem tão baratos.
Poder-se-ia ainda citar o problema da poluição em Pequim, comparável à cidade de Cubatão dos anos 70 e 80, ou o desaparecimento sistemático de pessoas contrárias ao regime, ou a condenação arbitrária à pena de morte de réus que, nos julgamentos sumários, não têm direito de defesa.
Nesse contexto de denúncias contra o governo e instituições chinesas, a única voz oficial que se destaca, enquanto Estado Nacional, é o Estado do Vaticano. O papa Bento XVI, em suas homilias e declarações oficiais, vem sistematicamente denunciando atrocidades e a perseguição de padres e fiéis católicos, que estão sendo reprimidos, presos e até mortos arbitrariamente.
Para Fan He (2003), a economia chinesa está entrando agora em um estágio crucial. Nos próximos cinco anos, a cada ano haverá vinte milhões de pessoas esperando emprego, mas o mercado de trabalho só pode oferecer dezesseis milhões. Em cinco anos, a taxa de desemprego subirá para níveis sem precedentes de 12 a 14%. Desde de 1998, o país injetou uma grande quantidade de investimento, aumentando significativamente a dívida pública. Os trabalhadores demitidos das empresas estatais e camponeses pobres passaram a se manifestar mais, podendo acontecer uma instabilidade social. Para muitos observadores externos, o sistema financeiro chinês é um dos piores do mundo. Muitos preveem que a economia chinesa entrará em colapso devido a uma crise bancária. Nas duas últimas décadas, o déficit fiscal aumentou drasticamente. Todos esses problemas indicam que o governo chinês pode ser arrastado para uma crise fiscal (FAN HE, 2003).
Flores Júnior (2003) subscreve os problemas vistos por Fan He: a questão do desemprego, o aumento da concentração de renda, e suas conhecidas consequências, e a fragilidade financeira. O autor acrescenta mais dois: a possibilidade de desagregação interna, sobretudo quando o experimento das ‘zonas de capitalistas’ for estendido a todo o país, algo que poderá encorajar ânimos separatistas. Além disso, uma inevitável perda de competitividade dos produtos chineses.
No mundo, está se vivendo, atualmente, o período mais dramático da concorrência chinesa, que colocam nos mercados, de forma legal e principalmente ilegal, produtos a preços impossíveis de combater. No Brasil, os setores que mais sofrem são os fabricantes de calçados, têxteis e vestuário. Entretanto, os produtores atingidos, quando não desaparecidos, estão otimizando, cortando custos, aprimorando os processos e diferenciando o seu produto, especialmente em termos de qualidade. Por outro lado, os problemas chineses, junto com a incontornável necessidade de melhorias tecnológicas, irão também, aos poucos, fazer subir os atuais custos irrisórios da manufatura chinesa. Sabe-se que a produtividade chinesa ainda é baixa, e haverá um limite para o aumento absoluto dos fatores. Em que pesem os elevados números da demografia chinesa e a atratividade para o capital estrangeiro, a economia necessitará cada vez mais de tecnologia para manter a sua competitividade. Cabe lembrar também que a China, apesar de sua escala, não está sozinha como fonte de mão de obra barata; ela é cercada por outros produtores, por exemplo: Índia, Indonésia, Turquia, países com escala internacional de exportações.
Em editorial, O The New York Times afirmou, na edição de 17 de setembro de 2004, que o governo chinês, indiretamente, estimula às pequenas e médias empresas a copiarem produtos importados, sem pagar os direitos de licenciamento ou patente, e incentiva a exportação desses produtos, transformando a China no paraíso da pirataria de produtos eletrônicos. No Brasil, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABIEE) declarou que, a partir de 2007, não mais fabricará produtos elétricos e eletrônicos de pequeno porte, como rádios, DVDs, gravadores, etc, por não poder competir com a pirataria chinesa.
Segundo o jornal Valor Econômico, apesar dos esforços dos países da América Latina de construir relações comerciais com a China, analistas e executivos de grandes corporações alertam que a China representa uma crescente ameaça à economia latino-americana. Depois das visitas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim e do presidente chinês, Hu Jintao, à AL, em 2004, o relacionamento esfriou com a promessa da China, que não foi cumprida, de investir cerca US$ 100 bilhões na região em dez anos. Renato Amorim, secretário-executivo do conselho de negócios China-Brasil, declarou aos jornais: “Havia essa visão romântica, que surgiu em 2004, baseada em ideologias, de que iríamos criar uma nova geografia de comércio com a China, mas vamos encarar a realidade: a ideologia é cada vez menos importante para Pequim”.
Mas o problema mais grave é que o mundo ocidental não quer ver o que está acontecendo na China. Em nome do crescimento econômico, a China inverte inteiramente as regras do jogo, ao desprezar as leis e a democracia; ao reprimir as mínimas liberdades individuais; ao manter 1/3 da força de trabalho, nas ‘Zonas de Experimentação Capitalista’, em regime semiescravo, com o objetivo de colocar no mercado internacional produtos a preços subfaturados, atitude vista por esse mesmo mercado como algo positivo, traduzidos pela terminologia econômica como preços competitivos; ao permitir a pirataria; ao estimular o contrabando.
Conclusões: para refletir
Então, é esse o país que os empresários e economistas brasileiros julgam ser um exemplo de modelo econômico para o Brasil e para o Mundo? Ou seja, para diminuir custos, e competir com os chineses, o trabalhador brasileiro terá também que se transformar em escravo? Terá de abrir mão de suas liberdades individuais, conquistadas após 20 anos de ditadura? Com a China, é premente repensar as relações comerciais e diplomáticas, criando salvaguardas aos produtos brasileiros. A China, para crescer, precisa mais das matérias-primas e insumos brasileiros, do que o Brasil das quinquilharias de baixa qualidade que de lá vêm, ironicamente chamadas de produtos manufaturados, sendo que nesse ponto discorda-se de Oliveira (2005). O Brasil, com larga tradição diplomática na busca da paz e igualdade de direitos, precisa liderar e impor uma política efetiva de Direitos Humanos e Direitos Trabalhistas à China para continuar mantendo relações comerciais, pois, ao que parece, apesar da voz isolada do Vaticano, nem os EUA, nem a Europa estão interessados em fazer frente. Mas alguém, algum dia terá de fazê-lo. Por que não o Brasil?
Com relação à Coréia do Sul e os países do Sudeste Asiático, representados no Focalal, diferentemente do que foi dito por economistas e setores significativos do empresariado brasileiro, leia-se FIESP e CNI, de que, na Ásia, há pequena influência do Estado na economia, verificou-se, na literatura pesquisada, que o Estado teve forte participação política na solução dos problemas econômicos, principalmente aqueles gerados pela crise financeira que atingiu esses países nos anos 1997 e 1998; essa participação continua efetiva nos dias de hoje. Uma das soluções encontradas foi a desvinculação da dependência econômica secular com os EUA e a Europa, através da efetivação de acordos bilaterais com diversos países da África e da América Latina. No Caso específico das relações bilaterais entre a Coréia do Sul e o Brasil, resultouna ‘Parceria Especial para o Século XXI’. Outra solução foram as políticas governamentais voltadas à tecnologia da informação e materiais mais avançados em biotecnologia e eletroeletrônico. Hoje, a Coréia do Sul, segundo Hong (2003), está em segundo ou terceiro lugar no estabelecimento de uma rede integrada de comunicações, informações e alta tecnologia eletrônica.
Porém o crescimento tem seu preço. Na Coréia do Sul e em vários países integrantes do Focalal, as disputas trabalhistas e movimentos de resistência à globalização econômica ocorrem com frequência. Esses países se defrontam com vários problemas de poluição ambiental, escassos recursos minerais e florestas naturais à beira da extinção. Por exemplo, os coreanos vieram para a Amazônia e se transformaram nos maiores comerciantes e exportadores de madeira não beneficiada, explorando, muitas vezes, este recurso natural brasileiro de forma ilegal. Sobre isso, é importante frisar o alerta de Furtado (2002) que diz que a apropriação dos recursos naturais dos países em desenvolvimento retira o controle e a autonomia do Estado de seu próprio território. O Brasil não pode cometer o mesmo erro, já que os asiáticos permitiram que os europeus explorassem, até a extinção, seus recursos naturais.
A revolução tecnológica vem acelerando o processo de globalização, levando a conscientização de que, embora a distância permaneça como um dado absoluto em termos geográficos, ela passa crescentemente a ser um dado relativo em termos econômicos, tecnológicos, culturais e humanos (FUJITA, 2003). Com isso, as distâncias estão cada vez menores, contribuindo decisivamente para o aumento do fluxo de bens, capitais, pessoas e ideias entre as culturas brasileiras e asiáticas. Segundo Eliezer Batista apud Fujita (2003), profundo estudioso dos megafluxos comerciais globais, o grande mercado futuro para o Brasil está na China, na Coréia, na Índia e nos países do Sudeste Asiático. São esses países que necessitariam cada vez mais dos produtos com os quais o Brasil é altamente competitivo, como o minério de ferro, agronegócios, etanol, aeronaves da EMBRAER, ciência e tecnologia etc. Para isso, segundo o autor, é necessário que o Brasil invista numa indústria de alta tecnologia, como fez a Coréia após 1998, para ganhar novos mercados com produtos de alto valor agregado.
Finalizando, o aspecto logístico crucial para a concretização da estratégia brasileira para a Ásia passaria necessariamente por uma articulação com os acordos de ‘Cooperação Sul-Sul’, seguindo, assim, a mesma estratégia da Focalal, ou seja desvincular a dependência brasileira dos países considerados centrais: EUA e Europa. Conceitualmente, esta iniciaria no Brasil, passaria pela África do Sul e pela Índia, e chegaria, na outra ponta, em Cingapura ou Coréia do Sul, de onde se redirecionaria para outros países asiáticos. Tal rota poderia ser utilizada tanto por via marítima quanto pela via aérea.
Referências
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* Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil(2012)
** Doutorado em Desarrollo Local Y Planteamiento Territorial pelo Universidad Complutense de Madrid, Espanha(2005).
*** Pós-doutora em Linguística (2000) e Doutora em Ciências Sociais - História do Brasil (1997).
1 Em decorrência da imprecisão do termo Ásia, a região que estará sendo abordada corresponde a Ásia-Pacífico que compreende: Japão, China, Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul, e o Sudeste Asiático que corresponde: à Indonésia, Malásia, Tailândia, Filipinas, Cingapura e Brunei (OLIVEIRA, 2002).
2 [...] as heterodoxias, assim como as heresias, desempenham importante papel na história dos homens. Quando o consenso se impõe a uma sociedade, é porque ela atravessa uma era pouco criativa. Ao se afastar do consenso, o pesquisador perceberá que os caminhos já trilhados por outros são de pouca valia. Logo notará que a imaginação é um instrumento de trabalho poderoso, e que deve ser cultivada. Perderá em pouco tempo a reverência diante do que está estabelecido e compendiado. E, à medida que pensar por conta própria, com independência, conquistará a autoconfiança e perderá a perplexidade (FURTADO, 2002).
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