Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


UMA SÍNTESE DAS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NA ECONOMIA BRASILEIRA: 1930 A 1954

Autores e infomación del artículo

George Henrique de Moura Cunha*

Celso Vila Nova Sousa Junior*

Matheus Silva de Paiva*

Márcio Teixeira Chagas Pinto**

Universidade Católica de Brasília, Brasil

george@ucb.br

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar a formação da economia brasileira entre os anos de 1930 a 1954.  Para tanto, contextualiza-se o cenário econômico e social do período, bem como ilustra-se os principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento brasileiro no período considerado. Posto isto, com base em dados históricos, demonstra-se o processo de desenvolvimento econômico nos diversos setores econômicos brasileiros, bem como a fundamental importância da crise no setor cafeeiro para a implementação de uma nova estratégia de desenvolvimento econômico. Por fim, faz-se uma síntese sobre a complexidade da conjuntura internacional deste período, destacando como o Brasil reagiu a um contexto de baixa liquidez internacional e crise no balanço de pagamentos.
Palavras-Chave: Crise de 1929, Industrialização, substituição de importações, café.

ABSTRACT

This article aims to analyze the formation of the brazilian economy in the years 1930 to 1954. Therefore, contextualizes the economic and social scenario of the period and is illustrated the main factors contributing to Brazil's development in the period considered. Having said that, based on historical data, shows how the process of economic development in several brazilian economic sectors, as well as the fundamental importance of the crisis in the coffee sector to the implementation of a new economic development strategy. Finally, it is an overview of the complexity of the international situation this period, highlighting as Brazil responded to a context of low international liquidity and balance of payments crisis.
Keywords: 1929 crisis, industrialization, model of import substitution, coffee.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

George Henrique de Moura Cunha, Celso Vila Nova Sousa Junior, Matheus Silva de Paiva, Antônio Nascimento Junior y Márcio Teixeira Chagas Pinto (2016): “Uma síntese das transformações ocorridas na economia brasileira: 1930 a 1954”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/04/1930.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-04-1930


Introdução
A economia brasileira foi, nos séculos XIX e XX, uma economia exportadora tradicional, de caráter primário, muito semelhante a outros países da América Latina, que também faziam parte da periferia dos centros que dominavam o mundo nesta época. Neste período, a economia brasileira passou por um processo de desenvolvimento voltado para o exterior, com seu dinamismo vinculado ao crescimento das demandas pelos produtos de exportação, em sua maior parte primários, por parte das economias que se sobressaiam na época. Além disso, uma vez que as atividades de exportação brasileira eram concentradas em um ou dois produtos, o Brasil tornava-se refém das crises econômicas que assolavam os seus parceiros comerciais, como também, era vulnerável às oscilações dos preços internacionais desses produtos 1.
O longo período que se passou até a recuperação mundial, logo após a Segunda Guerra, fez com que a economia brasileira se voltasse ao seu mercado interno, desenvolvendo outras atividades produtivas, geradas pela grande demanda interna que até então era atendida pelas importações. Numa pressão de redução na capacidade para importar, iniciou-se um processo de substituição de importações que se manteve até meados da década de 1970, o que levou o país a diversificar seus produtos e a uma elevação das taxas de crescimento comparadas às outras economias latinas no mesmo período.
O Brasil reunia condições mais favoráveis que esses países, principalmente em relação às variáveis internas do início do processo e às variáveis externas no período de pós-guerra. Na época da Grande Depressão, 1929, o mercado brasileiro já era bastante amplo e com mais estruturas industriais, onde já era relativamente diversificado. Este fato se deve ao setor exportador, que exercia um efeito difusor sobre o espaço econômico da região em que se localizava. Então, dentro do próprio modelo de exportação primária, houve um forte processo de urbanização que gerou melhorias nas infraestruturas de serviços tradicionais como as de alimento, mobiliário, roupas, etc.
Nesse sentido, Tavares (1973), aponta que as medidas do Governo para a defesa do desequilíbrio externo, que resultaram na sustentação do nível de demanda interna, sofreram uma reação favorável na própria capacidade produtiva existente e subutilizada. Persistindo o estrangulamento externo por um longo período e defendido o nível de renda das classes ligadas ao setor exportador que correspondiam à demanda daquela época. Como exemplo, Chile e Argentina, que tinham entrado num mesmo modelo de desenvolvimento parecido com o brasileiro, enfrentaram uma capacidade de importação que não tinha retornado aos níveis da pré-crise, onde o Brasil conseguiu recuperar-se. Foi a partir daí que as exportações se expandiram de forma acentuada, impulsionadas pela elevação dos preços internacionais do café, que se estendeu de 1953 a 1954. Nesta época, as condições externas passaram a ser desfavoráveis, mas o processo já tinha ganhado algum dinamismo suficiente para seguir e, só foi possível continuar o desenvolvimento industrial pela via da substituição de importação, agora com o ritmo bem mais acentuado. Também contribuíram para isso a capacidade empresarial do setor privado e a política econômica do governo, que se orientou para uma maior dinâmica do modelo. Esta política teve duas vertentes de ação. Segundo Tavares (1973), era a política de comércio exterior, principalmente a cambial, e a política de investimento, que em continuação da fase dos investimentos pioneiros, avançou para a eliminação dos princípios sistemáticos dos principais pontos de estrangulamento nos setores de infraestrutura e o financiamento e orientação de outros investimentos de base.
A economia brasileira primário-exportadora: o café
Desde a segunda metade do século XIX, a produção de café passou a desempenhar um papel predominante na economia brasileira, tornando-se o principal produto de exportação. A evolução da cultura do café no Brasil estava condicionada, pelo lado da demanda, pela evolução dos preços, em função do nível de atividade econômica dos países importadores e, pelo lado da oferta, pela disponibilidade de terras e trabalhadores.
A abolição dos escravos em 1888 ajudou a deslocar, para o sul do país, a cultura cafeeira. Dentre os fatores que possibilitaram que isto acontecesse estava a política de subsídio à migração europeia, que em conjunto com as medidas de políticas econômicas adotadas depois da Proclamação da República, estimularam o crescimento da cultura cafeeira, o que acabaria levando às primeiras crises de superprodução. Embora o café tenha sido introduzido no Brasil no início do século XVIII, ele foi cultivado primeiramente como especialidade nas cidades mais importantes da Europa. Com a revolução industrial, o consumo do café se intensificou rapidamente, passando a ser o produto mais exportado pelo Brasil.
Até 1880, o café brasileiro era plantado no norte do estado do Rio de Janeiro e também no nordeste, com técnicas de produção rudimentares baseadas no trabalho escravo. À medida que as terras férteis do Vale do Paraíba (norte do Rio de Janeiro) foram se esgotando, a produção de café se transferiu para São Paulo. Esta expansão da produção do café, em direção ao oeste paulista, ocasionou o desenvolvimento de imensas fazendas de café, engendrando, de forma gradativa, a mudança do centro econômico para esta região. Para Baer (1995), as exportações do café foram o instrumento de crescimento durante quase todo o século XIX.
Ainda segundo Baer (1995), os efeitos secundários da economia cafeeira paulista – emprego de mão-de-obra imigrante livre, investimento estrangeiro na infraestrutura, acúmulo de capital de produtores de café e o desenvolvimento da indústria – aprofundaram o dualismo regional entre o Centro-Sul e o restante do Brasil, principalmente em relação ao Nordeste. As condições que o Brasil oferecia para essa cultura foram importantes para os empresários brasileiros, que tiveram a oportunidade de controlar três quartas partes da oferta mundial de café, influenciando a sua evolução do preço.
Após a chegada da primeira grande crise de superprodução do café no início do século passado, os empresários brasileiros perceberam que tinham uma posição privilegiada em relação aos produtores de artigos primários para se defenderem da baixa do preço deste produto. Tudo o que precisavam eram de recursos financeiros para reduzirem a oferta. Os estoques formados seriam utilizados quando o mercado apresentasse mais resistência, ou quando a renda estivesse a altos níveis nos países importadores ou serviriam para cobrir deficiência em anos de más colheitas.
A partir de 1893, os preços mundiais do café começaram a declinar, podendo ser absorvidos por meio de depreciação externa da moeda, o que não aconteceu em 1897, quando se tornou impraticável nova depreciação. Exatamente nesta época, o setor cafeeiro enfrentava um problema de superprodução, onde se avolumavam ano a ano, reduzindo o preço do café, provocando uma perda de renda para os produtores e para o país. A ideia de retirar do mercado parte desses estoques veio num convênio, chamado de política de “valorização” do produto.
Segundo Furtado (1988), as propostas deste convênio consistiam em: a)           restabelecer o equilíbrio entre oferta e a demanda no mercado cafeeiro, com a intervenção do governo, tomando empréstimos estrangeiros, para comprar os excedentes; b) imposição de um novo tributo, cobrado em ouro sobre cada saca de café exportado, para arcar com os custos desses empréstimos; c) medidas públicas para desencorajar a expansão das plantações de café, a fim de solucionar o problema há mais longo prazo.
De acordo com Furtado (1988), a polêmica que suscitou a política de “valorização” constituiu uma clara indicação das transformações que, na época, se operavam na estrutura político-social do país. O plano de defesa elaborado pelos cafeicultores fora bem recebido. Sem embargo, deixava em aberto um lado do problema. Mantendo-se altos os preços, os lucros se mantinham elevados, atraindo cada vez mais produtores. A solução estaria em evitar que a capacidade produtiva continuasse crescendo, ou que crescesse mais intensamente como efeito da estabilidade do preço a um nível elevado. Em síntese, a situação era: a defesa dos preços proporcionava à cultura do café uma situação privilegiada entre os produtores primários que entravam no comércio internacional. A vantagem relativa que proporcionava tendia a aumentar. O complicado mecanismo de defesa da economia cafeeira funcionou até a crise mundial de 1929, onde se encontrava bastante vulnerável, pois em razão dos estímulos recebidos, a produção cresceu fortemente.
Segundo Suzigan (1973), o objetivo principal do plano de valorização era garantir preços mínimos, em moeda nacional, para o café. Para isso, seriam retirados do mercado os excedentes da produção, com recursos de um grande empréstimo externo. Ao mesmo tempo, seriam reduzidas as exportações de café de baixa qualidade e iniciada uma campanha no exterior para aumento no consumo. Mas os cafeicultores necessitavam de uma instituição de âmbito nacional. Por trás disso estava um dos mais importantes objetivos: evitar que a contínua valorização cambial prejudicasse os resultados dos planos. Para conseguir evitar este infortúnio aos produtores de café, decidiu-se pela criação de um fundo de estabilização cambial: a Caixa de Conversão. Promovendo uma ligeira desvalorização inicial, a estabilização da taxa de câmbio seria um importante fator de proteção à riqueza dos plantadores.
A crise internacional de 1913 e a guerra de 1914 – 1918 interromperam o sucesso do plano de valorização. Mas já estava implantada a ideia de que a política de valorização do café era uma boa política. A institucionalização de um mecanismo artificial de sustentação dos preços e da renda do setor café representou uma série de distorções da economia de mercado, contribuindo para o atraso do crescimento de outros setores.
A crise econômica mundial de 1929 e os mecanismos nacionais de defesa
Para entender a crise de 1929, é necessário que se faça um retorno à história, mais especificamente ao período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Neste período, os Estados Unidos, principais fornecedores dos países europeus, exportaram grandes quantidades de produtos industrializados, alimentos e capitais para esses países. No pós-guerra, eles se tornaram a maior potência econômica, produzindo metade da produção industrial do mundo. Por quase toda a década de 1920, a prosperidade econômica gerou nos norte-americanos um clima de euforia e de consumo desenfreado, associando o modo de vida americano ao progresso.
Mas, em 1929, a produção norte-americana atingiu um ritmo de crescimento muito maior do que a demanda por seus produtos, gerando uma crise de superprodução, entrando em uma profunda crise econômica, com a queda da Bolsa de Valores de Nova York, o que gerou uma grave crise interna, alto índice de desemprego e que acabou afetando vários países no mundo. Contudo, a causa da crise vem bem antes, por volta de 1925, período em que os países europeus estavam passando por dificuldades para se reerguerem. À medida que a reconstrução da Europa foi sendo realizada, Inglaterra, Alemanha e França procuraram atualizar seus parques industriais e tomaram uma série de medidas protecionistas para reduzir as importações norte-americanas. No entanto, no início de 1929, os Estados Unidos produziram uma enorme quantidade de mercadorias para as quais não tinham compradores. Então os preços dessas mercadorias caíram e, mesmo assim, não existia ninguém disposto a consumi-las.  A queda no consumo deveu-se, também, ao baixo salário interno dos trabalhadores, que eram boa parte da população, e não tinham recursos para comprar esses produtos ofertados pelo mercado. O setor industrial percebeu que era necessária a redução do ritmo de produção, o que ocasionou a demissão de milhões de trabalhadores.
A agricultura também enfrentava dificuldades devido à superprodução. Os fazendeiros foram obrigados a pagar altas taxas para armazenar seus produtos agrícolas e para evitar a queda do preço dos alimentos no mercado interno. Todavia, a simples existência desses estoques provocou o barateamento dos gêneros de primeira necessidade. Muitos fazendeiros endividados junto aos bancos foram obrigados a entregar-lhes suas propriedades em pagamentos da dívida.
Esta superprodução gerada pelo subconsumo, a queda geral dos preços e a especulação geraram uma crise sem precedentes: a quebra da Bolsa de Valores foi o início da Grande Depressão. A quebra da Bolsa de Valores de Nova York repercutiu na maioria dos países capitalistas. No período de 1929 a 1933, tanto o comércio internacional quanto a produção industrial foram reduzidos. Na Europa, os americanos retiraram o dinheiro emprestado, provocando a falências de bancos, empresas e aumentando o número de desempregados.
Na América Latina, a repercussão da crise foi muito grande, pois os países forneciam basicamente produtos agrícolas e matérias-primas aos Estados Unidos. Com a crise, os Estados Unidos reduziram ou cortaram as importações que fazia. Com menos dinheiro, os países latino-americanos deixaram de investir, acarretando escassez de capital e aumento da taxa de desemprego.
Cabe lembrar que o café era o principal produto de exportação brasileiro e, os Estados Unidos, o principal parceiro comercial do Brasil. Devido à crise, os Estados Unidos diminuíram suas compras de café, provocando o aumento dos estoques do produto no Brasil. Assim, deflagrada a crise, a situação da economia brasileira se encontrava como descreve Furtado (1988): a produção se encontrava em altos níveis, teria de seguir crescendo, pois, os produtores haviam continuado a expandir suas plantações até aquele momento. Com efeito, a produção máxima seria alcançada em 1933, ou seja, no ponto mais baixo da depressão. Por outro lado, era totalmente impossível obter crédito no exterior para financiar a retenção de novos estoques, pois o mercado internacional de capital se encontrava em profunda depressão e o crédito do governo desapareceu. Os pontos básicos do problema eram os seguintes: i) o que era melhor, colher o café ou deixá-lo apodrecer na plantação; ii) caso o café fosse colhido, qual seria seu destino, forçar o mercado mundial a retê-lo em estoque ou destrui-lo; e, iii) caso decidisse estocar ou destruir, como financiar essa operação.
Para Furtado (1988), a solução que parecia mais racional seria de abandonar os cafezais. Nesse sentido, colhido ou não o café do seu arbusto, a perda existia. Mas o que importa é ter em conta que o valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava. Desse modo, o Brasil foi um dos primeiros a encarar a política de proteção do café como um tipo de propaganda keynesiana, declarando esse programa como financiado pela expansão do crédito.
Segundo Furtado (1995 apud Baer): “A garantia de preços mínimos possibilitou manter o nível de emprego do setor cafeeiro e, indiretamente, de setores internos relacionados”. Note que o valor do produto que foi destruído era muito menor que do que a receita que foi criada. Desde modo, a política de apoio ao café nos anos da Grande Depressão tornou-se o maior estimulo do crescimento da renda nacional.
A severidade do impacto da grande depressão sobre a economia mundial resultou em uma importante diminuição da importância relativa dos fluxos comerciais e financeiros, especialmente em países como o Brasil, que tiveram uma recuperação rápida dos efeitos causados pela depressão nas atividades econômicas. Estes países se recuperaram de maneira, relativamente, rápida porque o crescimento econômico dependia, quase que exclusivamente, da capacidade de acomodar o deslocamento de demanda associado à forte mudança de preços relativos que encareceram a importação.
Entretanto, para Abreu (1990), com o benefício da experiência dos anos passados, pareceu claro que a ênfase na endogeneização das fontes de dinamismo de crescimento econômico foi exagerada, certamente desmedida pelo comportamento da economia brasileira antes de 1930. Assim, mesmo no auge de um período em que o crescimento da economia dependia boa parte de fatores internos, as restrições externas eram as principais determinantes das linhas principais da política econômica, sublinhando a impossibilidade de estudar a economia brasileira no período sem referência à inserção do Brasil na economia mundial. A consequência suave da crise sobre a economia brasileira foi creditada às políticas econômicas do governo provisório, especialmente em relação ao café. A política cafeeira baseou-se na compra de estoque e por taxação de importação. Mas a partir de meados de 1931, iniciou-se a destruição do estoque em vista do descompasso entre o nível e a capacidade de absorção do mercado mundial.
Para Fritsch (in Abreu, 1990), a viabilidade financeira da defesa do café dependia da capacidade de financiamento do estoque, cuja grandeza podia variar dependendo da influência de três fatores: i) o tamanho da safra; ii) o estado de demanda mundial que, ao obrigar uma redução da quantidade de embarque dos armazéns para os portos, provocaria variações de estoque a serem remetidos pela defesa, afetando a demanda de financiamento; e, iii) o estado de liquidez interna que, ao contrário dos dois choques de demanda e oferta, não afetaria os requisitos de financiamento através de seus efeitos sobre a capacidade do sistema bancário privado em desempenhar a parte que lhe era reservada no esforço de financiamento da retenção do excedente.
Segundo Netto (1979), as modificações nos preços relativos do café e a dificuldade de pagamento explicam perfeitamente o desenvolvimento da concorrência depois da Segunda Guerra. Assim, devido ao aumento espetacular dos preços do café a partir de 1949, parece fora de dúvida que o primeiro fator é a principal variável na explicação daquele desenvolvimento. Logo, é importante considerar-se que, em 1948, o preço do café já havia se recuperado dos baixos níveis em que permaneceu entre os anos de 1935 a 1945. Dessa maneira, foi muito grande o estímulo à produção em todas as áreas onde era possível a criação de cafezais. No Brasil, o preço do café cresceu quase cinco vezes entre os anos de1948 e 1956, gerando uma estrutura cafeeira capaz de proporcionar safras da mesma magnitude das que ocorreram no fim da década de 1920.
O deslocamento do centro dinâmico e as características do estrangulamento brasileiro
Nos anos da depressão, ao mesmo tempo em que se contraía a renda real, subiam os preços relativos das mercadorias importadas, conjugando-se os dois fatores para redução da demanda por bens importados. Em 1929, ao ponto mais alto da depressão, a renda monetária no Brasil se reduziu e o índice de preço dos produtos importados aumentou, fazendo com que se reduzisse a quantidade de importação. Assim, a oferta interna atendeu parte da demanda que antes era coberta com importações.
Mantendo-se a demanda interna com maior firmeza que a externa, os setores que produziam para o mercado interno passaram a oferecer melhores oportunidades de investimento do que os setores exportadores, criando uma situação nova na economia brasileira: conectou-se o mercado interno ao processo de formação de capital. A precária situação da economia cafeeira, que vivia em regime de destruição de um terço do que produzia, não era capaz de sustentar os capitais que nela ainda se formavam. A capacidade produtiva dos cafezais se reduziu nos quinze anos que se seguiram à crise. Restringida a reposição, parte do capital que havia sido imobilizado em plantação do café foi retirada e boa parte desse capital foi absorvida por outros setores, principalmente o de algodão. Segundo Furtado (1988), o preço mundial do algodão se manteve durante a crise em benefício dos produtores e exportadores norte-americanos. Os produtores brasileiros não deixaram passar essa oportunidade, pois já em 1934 o valor da produção algodoeira correspondia à metade do valor da produção cafeeira. Contudo, o fator dinâmico central passa a ser o mercado interno.
A produção industrial, que se destinava ao mercado interno, sofreu uma queda pequena. A produção agrícola para o mercado interno supera rapidamente os efeitos da crise. Mantendo-se elevado o nível de demanda e represando-se uma maior parte dela dentro do país, através do corte de importação, as atividades ligadas ao mercado interno puderam manter, e em alguns casos aumentar, sua taxa de rentabilidade. Esse aumento da taxa fazia concomitantemente com a queda dos lucros no setor ligado ao mercado externo. Explica-se, portanto, a preocupação de desviar capital de um para outro setor. As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros, mais ainda recebiam novos impulsos ao atrair capital que se formava ou desviava no setor de exportação.
Para Mello (1984), o significado da passagem do “modelo de crescimento para fora” ao “modelo de crescimento para dentro” fica então determinado: a dinâmica da economia deixa de estar presa à demanda externa, substituída pela variável endógena investimento, ou seja, o centro dinâmico da economia se desloca para dentro da nação.
O aumento da procura de bens de capital e a forte elevação dos preços de importação desses bens, acarretadas pela depreciação cambial, criaram condições à instalação no país de uma indústria de bens de capital, ajudada também, pela aquisição de equipamentos de segunda mão de indústrias estrangeiras que fecharam as portas na crise. A produção de bens de capital no Brasil (levando-se em consideração a produção de ferro, aço e cimento), pouco sofreu com a crise, recomeçando a crescer em 1931. Em 1935, as inversões líquidas (medidas a preços constantes) tinham ultrapassado o nível de 1929. Para Furtado (1988), isto tinha ficado evidente, indicando que a economia não somente havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva.
O processo de desenvolvimento econômico brasileiro se deu basicamente pelo impulso das restrições do setor externo, onde houve duas mais fortes tendências dessas restrições: i) do ponto de vista da evolução da capacidade para importar da economia brasileira e ii) do ponto de vista dos desequilíbrios do balanço de pagamento. Nem sempre há entre estes dois aspectos, estrita correlação. Para Tavares (1973), o estancamento da capacidade para importar conduz, num país em crescimento, a tendência estrutural ao déficit do balanço de pagamento, este pode ocorrer também por razões conjunturais, endógenas ou exógenas, agravadas ou corrigidas pela política econômica adotada, em particular, a cambial.
Para Mello (1984), a expansão subsequente das atividades internas traz nova pressão sobre uma capacidade para importar em baixos níveis, ao acrescentar a demanda por importação, estimulando-se outra “onda de substituição”. Numa palavra, a industrialização por substituição de importação está assentada numa dinâmica contraditória em que sucessivos estrangulamentos externos promovem e, ao mesmo tempo, são promovidos pelo crescimento industrial interno.
Para Baer (1983), o processo de industrialização do Brasil deu origem a uma série de desequilíbrios de natureza setorial e regional. Alguns deles já se encontravam na economia brasileira e foram aguçados pelo ritmo acelerado de industrialização durante a década de 1950. Outros, resultaram da ausência de adequado planejamento global ao serem implementadas as políticas de industrialização. Pode-se citar o desequilíbrio na agricultura, desequilíbrios regionais entre o Centro-Sul e o restante do país e as fontes de energias e educação como desequilíbrios setoriais.  Analisando-se do ponto de vista da capacidade de pagamento para importar, durante os períodos de crises (Grande Depressão e II Guerra Mundial), no Brasil houve sérias restrições, assim em como toda a América Latina. Porém, no pós-guerra, a situação brasileira foi mais favorável que a de alguns países como já citados, o Chile e a Argentina, referentes às limitações do setor externo.
A Tabela 1 apresenta o poder de compra das exportações entre 1928 e 1959. Note que a condição brasileira, a partir de 1945, é mais satisfatória, tanto em termos gerais como per capita, em relação ao período de guerra, comparadas à Argentina e Chile.

Tabela 1: O Poder de Compra Total e Per Capita das Exportações Entre os Anos de 1928 e 1959 (1955=100)


Anos

Brasil*

Argentina*

Chile*

Brasil**

Argentina**

Chile**

1928-29

78

242

123

140

405

195

1932

44

148

23

73

228

35

1940

42

112

64

60

151

85

1945

70

118

75

88

147

92

1950-51

117

139

81

130

102

89

1955

100

100

100

100

100

100

* Total; ** Per Capita
Fonte: Tavares (1973, p. 64)

Conforme Tavares (1973), o Brasil foi um dos poucos países que conseguiu recuperar, em termos absolutos, sua capacidade para importar no período imediato ao pós-guerra. Em consequência, pode aproveitar o período subsequente de melhoria nas suas relações de troca, que durou até 1954. A melhoria do poder de compra das suas exportações foi tão considerável que chegou a permitir, nos anos mais favoráveis, uma sensível recuperação em termos per capita.
As políticas de comércio exterior e cambial, que se iniciaram no Governo Dutra (1946-1951), mantiveram o câmbio que se observou em 1939 – Cr$ 18,5/ US$, instituindo-se o mercado livre. Adotou-se uma política de importação livre de bens manufaturados, aproveitando as reservas acumuladas durante o conflito mundial, que resultaram num período de estagnação para a indústria nacional. O Brasil foi considerado um país basicamente exportador de produtos primários e importadores de produtos industrializados, como ficou caracterizado também, outros países da América do Sul.
No entanto, esta política liberal não teve vida longa porque, em junho de 1947, as reservas em dólares do Brasil se esgotaram, desapareceram 708 milhões de dólares, fato que limitou as importações do país.  A partir disso, teve início um maior controle das importações segundo critérios do Banco do Brasil, que começou a dar prioridade de importação às indústrias para compra de máquinas e equipamentos, tendo como consequência iniciar a oferta de incentivos ao desenvolvimento industrial do país.
Para Viana (in Abreu, 1990), eram vários os objetivos dessa política liberal. Tinha por meta atender a demanda reprimida de matéria-prima e de bens de capital para reequipar a indústria, desgastada durante a guerra. Além disso, esperou-se a liberalização das importações de bens de consumo - que tinham uma forte demanda contida – para que forçasse a baixa dos preços industriais através do aumento de oferta de produtos importados pelo câmbio sobrevalorizado e a política liberal de câmbio. A Segunda Guerra explica o desequilíbrio no câmbio, pois tornou-se extremamente difícil obter mercadoria da Europa e preservou-se a capacidade de fornecimento dos EUA, resultando em uma relação comercial especial, de onde se originaram mais de 60% das importações brasileiras entre 1946 e 1947 e para qual se destinaram apenas 40% das exportações brasileiras.
Entre os anos de 1948 e 1950, o Produto Interno Bruto brasileiro aumentou 8%, com sua maior parte proveniente do crescimento industrial da Região Sudeste, o que acabou acentuando as desigualdades regionais. A economia passou a ser marcada pela revisão da política cambial uma vez que, com a adoção do mercado livre, os preços no Brasil dobraram de valor em relação aos preços dos Estados Unidos entre 1937 e 1945, tornando clara a sobrevalorização da taxa cambial.
Em 1948, o Departamento Nacional do Café anunciou a venda de seus estoques restantes causando impacto sobre os preços, mas foi contrariado pela forte queda dos preços agrícolas nos EUA, em janeiro de 1949, movido pelo início da recessão, que, embora moderada, foi interpretada como o primeiro sintoma de grave crise econômica. Os importadores americanos hesitaram em refazer seus estoques, já que tinham expectativas de grande colheita em 1949. Assim, com a desvalorização da libra esterlina, passaram a contar com a desvalorização do cruzeiro e sustaram suas operações, permitindo a redução de seus estoques. Destarte, quando o governo brasileiro anunciou que não possuía mais estoque de café, passaram a efetuar grandes compras, precipitando a alta dos preços em um mercado que durante trinta anos estivera sujeito à superprodução.
Ainda Viana (in Abreu, 1990), o aumento da capacidade de importar devido à elevação dos preços do café e a forte demanda contida por importação levaram o Governo Dutra a iniciar certa liberalização na concessão de licenças para importar, no segundo semestre de 1950. Como o prazo médio de vida dessas licenças eram maiores que noventa meses, essa liberalização só teve êxito no nível de importação desse semestre – que cresceu 60% em relação ao primeiro – permanecendo as licenças não utilizadas válidas para 1951.
Devido ao modelo de industrialização de Getúlio Vargas (1951 – 1954), surgiram sérias dificuldades ao Brasil, porque ele não precisava apenas de substituição de importações dos produtos de consumo correntes, mas também precisava implantar outro modelo industrial mais articulado, implantado efetivamente no retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, que se caracterizou pela ótima relação com a Missão Mista Brasil – Estados Unidos, que resultou em empréstimos do EXIMBANK e do BIRD.
A partir de 1954, as condições do setor externo brasileiro voltaram a piorar. Com a queda dos preços do café e a reação pouco visível da quantidade exportada, a capacidade para importar se reduziu e a quantidade geral de importação só se manteve devido generosos financiamentos externos. Para Tavares (1973), ao confrontar a situação externa com os dados anuais do balanço de pagamentos, a correlação não é muito evidente. Assim, embora os déficits de transações em conta corrente tenham adquirido uma maior constância e tendência ao agravamento nos últimos anos, a situação do balanço de pagamento foi, em todo o período, de um modo geral deficitário. Paradoxalmente, nos anos de 1951/52, em que ocorreu uma melhoria acentuada do poder de compra das exportações, o desequilíbrio apresentou-se relativamente mais violento. Este último se deveu a um aumento intenso das importações (sobretudo de bens de capital) feitas em caráter cautelatório, em face das antecipações geradas pelo aparecimento da guerra da Coréia, cujo montante ultrapassou a expansão da capacidade para importar decorrente da melhoria das relações internacionais.
Ainda Tavares (1973), essa tendência deficitária vinha se manifestando desde 1947. Na euforia cambial do pós-guerra esgotaram-se as divisas acumuladas durante o período da conflagração mundial e, a partir de 1948, dobram-se as importações. Desta forma, foi necessário recorrer ao controle do câmbio. Na primeira fase, o desequilíbrio poderia ser atribuído, sobretudo, às causas conjunturais e/ou à política cambial adotada, uma vez que a situação do setor externo era relativamente favorável. Já na segunda fase, esse desequilíbrio adquire um caráter essencialmente estrutural. Ainda se analisando os dados médios do primeiro e último quinquênio, vê-se que houve uma mudança acentuada na estrutura do Balanço de Pagamentos que, de algum modo, traduz o agravamento mencionado da situação do setor externo brasileiro. Isto se refere à diminuição da participação relativa das exportações entre os componentes da receita cambial e o aumento considerável do movimento de capital.
A Tabela 2 apresenta as receitas e despesas totais do balanço de pagamentos brasileiro entre os anos de 1948 e 1960. Como pode ser observado, durante o período, o saldo do balanço de pagamentos foi deficitário.

Tabela 2: Receitas e Despesas no Balanço de Pagamentos Brasileiro Entre 1948 e 1960

 

U$ Milhões
(1948-52)

%
(1948-52)

U$ Milhões
(1956-60)

%
(1956-60)

Receitas totais

1.477

100

2.001

100

Exportações

1.366

92,5

1.334

66,7

Serviços

61

4,1

170

8,5

Doações

3

0,2

14

0,7

Capitais

47

3,2

483

24,1

Despesas totais

1.704

100

2.091

100

Importações

1.238

73,6

1.203

57,5

Serviços

380

22,3

546

26,1

Doações

6

0,4

24

1,1

Capitais

80

4,7

318

15,3

Fonte: Tavares (1973, p. 66)
Segundo Tavares (1973), durante o primeiro período, o processo de desenvolvimento se deu em condições de maior dinamismo do setor exportador, enquanto que no período final a perda desse dinamismo teve de ser compensada pela entrada de capital estrangeiro autônomo e compensatório. Assim, a situação do estrangulamento externo brasileiro se agravou de qualquer ponto de vista. Dada a queda das exportações a partir de 1954 e o concomitante ao aumento do endividamento externo, a margem de manobra disponível para as importações se reduziu gradativamente. Levando em conta as importações essenciais de matéria intermediária e os pagamentos financeiros realizados nos últimos anos, verifica-se que o saldo disponível para a importação dos demais bens e serviços já se encontrava reduzido em 1959. Em consequência, só foi possível manter a quantidade geral de importação à custa de entrada liquida de capital.
A substituição de importação como resposta ao estrangulamento externo
Para Baer (1995), é fundamental estabelecer as diferenças entre uma era de crescimento industrial e um período de industrialização. A primeira define os acontecimentos ocorridos até o final da década de 1920, durante a qual o crescimento industrial dependia das exportações agrícolas. Além disso, apesar do rápido crescimento de algumas indústrias, esse período não foi acompanhado por mudanças estruturais na economia. A industrialização, por outro lado, está presente quando a indústria se torna o principal setor de crescimento da economia e gera mudanças estruturais proporcionais. Antes da década de 1930 o desenvolvimento industrial tinha uma natureza exclusiva de ligeira substituição em relação às importações. A produção cresceu para satisfazer novas necessidades, principalmente dos imigrantes e das novas infraestruturas, em vez de crescer para substituir suprimentos anteriormente importados. Essa substituição à importação inicial não conduziu à industrialização, como já foi definido, transformando-se num processo de industrialização somente a partir da década de 1930.
Segundo Mello (1984), o ponto de partida da análise está no exame da capacidade de diversificação do crescimento para fora, que consiste na aptidão do setor exportador para criar um mercado interno relativamente amplo, pensando, exclusivamente, como mercado de bens de consumo corrente. A demanda por bens de consumo para assalariados dependeria da produção do setor exportador, logo, da combinação de fatores de produção adotada. Então, distintas seriam as possibilidades de criação de um mercado interno considerável: de um lado, nas economias mineiras, o elevado grau de mecanização acarretaria uma diminuta absorção de mão-de-obra; de outro, nas economias agrícolas, o emprego do fator trabalho seria pequeno na pecuária. A demanda estaria atrelada à taxa de salário vigente, que seria fixada em razão do excedente da mão-de-obra. Ainda, para se avaliar o poder de irradiação do setor exportador deve-se considerar o tipo de infraestrutura exigido por seu desenvolvimento. Na sequência, verificar de que maneira um mercado interno amplo poderia fazer surgir o setor industrial, onde a ênfase é posta no poder de concorrência da produção industrial interna em relação às importações, e a explicação recai no papel estimulante da crise de setor exportador (teoria dos choques adversos).
Para Mello (Castro,1984 apud Mello) a crise de 1929 não significou o início da industrialização e sim sua aceleração. Como o crescimento industrial implicou desaparecimento ou diminuição de importações, substituídas por produção interna, aqueles que procuram, no paradigma “cepalino”, as inspirações para suas análises concretas se desorientam. Além disso, tratam de estender o conceito de industrialização substitutiva de importação à etapa primário-exportadora, onde Furtado trata de organizar. Para Furtado (1984 aput Mello), o crescimento da produção industrial (na etapa da industrialização induzida pelo crescimento da exportação) assume a forma de adição de novas unidades de produção, similares às preexistentes, mediante a importação de equipamentos. Não se trata de formação de um sistema de produção industrial, e sim da adição de unidades similares em certos setores da atividade industrial. Para que o setor industrial superasse essa dependência, seria necessário que ele se diversificasse suficientemente para autogerar a demanda, isto é, que se instalasse indústrias de equipamento e outras, cujo produto fosse absorvido pelo próprio setor industrial e outras atividades produtivas.
Para Tavares (1973) a perda do dinamismo no setor exportador, a partir da Grande Depressão, deu lugar a um esforço de reorientação da atividade econômica consolidada em parte na substituição de importações por produção nacional, assegurada pela reserva de mercado obtido através de proteção cambial e tarifária. Esse esforço de substituição aconteceu nas atividades industriais e permitiu a ampliação das oportunidades de investimento e a aceleração da taxa de crescimento econômico durante longos períodos.
Em Fishlow (in Versiani, 1978) o aparecimento da substituição de importação começou na década de 1890, como consequência direta das finanças inflacionarias, não tendo sido influenciado por proteção tarifária. As substituições relacionadas com a guerra foram mais significantes pelos impulsos que deram à demanda e, apesar de não serem acompanhadas por grandes aumentos na capacidade de produção, geraram lucros que mais tarde foram utilizados para investimento. O impulso da Grande Depressão foi importante, tanto para a taxa de crescimento econômico quanto para a variedade de bens produzidos internamente. No entanto, representou uma substituição tecnologicamente inferior; e a evolução posterior à Segunda Guerra foi relativamente modesta em termos de redução no coeficiente agregado de importação, pois as maiores reduções já tinham ocorrido anteriormente, mas destacou-se pela maior redução da sofisticação da industrialização, pelo aumento na intensidade de capital e pelo papel orientador da política pública.
Na visão de Tavares (1973), na realidade, a manutenção de altas taxas de investimento, capaz de produzir uma expansão e diversificação consideráveis do parque industrial brasileiro, devem-se à possibilidades de ter mantido participação dos equipamentos importados sem grandes diminuições ao longo do período. Este coeficiente constituiu-se num elemento estratégico para a expansão da capacidade produtiva que de outro modo e estaria amarrada à margem da flexibilidade existente na indústria de bens de capital interno, relativamente incipiente.
A Tabela 3 apresenta o coeficiente de importação, o PIB brasileiro e o valor da importação de bens e serviços. Estes dois últimos estão expressos em bilhões de cruzeiros de 1955. Note que tanto em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), quanto à disponibilidade bruta interna de bens e serviços, a preços constantes de 1955, o coeficiente importado caiu sensivelmente ao longo do período.

Tabela 3: Dados Selecionados Para o Brasil Entre os Anos de 1948 e 1955


Anos

Importação total
(Cr$ Bilhões)

PIB
(Cr$ Bilhões)

Disponibilidade interna de bens e serviços
(Cr$ Bilhões)

1948

47,3

473,1

440,4

1949

48,4

500,1

477

1950

56,8

525

519,5

1951

88

552

573,4

1952

84,7

582,4

612,1

1953

54,4

601,1

594,4

1954

72,2

646

665,7

1955

56,3

691,7

686,9

Fonte: Tavares (1973, p. 68)
No período após a Grande Depressão, a atividade interna brasileira se recuperou de uma forma mais rápida que os outros países. Até a Segunda Guerra Mundial, a expansão da produção interna industrial foi possível pelo aproveitamento mais intenso da capacidade produtiva que permitiu a substituição de um grande número de bens de consumo leves, que anteriormente era importado. Com isso, a indústria alimentícia teve um aumento na participação da produção, assim como alguns materiais para a construção e alguns equipamentos para a agricultura. Durante Segunda Grande Guerra, o governo entrou no setor da siderurgia provocando o começo do investimento cujo início da operação, em 1946, constituiu a primeira grande escala na indústria pesada da América Latina.
O sistema de controle de importação, instituído em 1947, com o objetivo de controlar o desequilíbrio externo, racionalizando e dando melhor uso da moeda estrangeira disponível, contribuiu para o crescimento no pós-guerra e essa contribuição teve grande importância na promoção do desenvolvimento industrial por substituição de importação. O pós-guerra ficou caracterizado como uma fase de mudança e expansão da estrutura da indústria brasileira. Segundo Baer (1983), graças à drástica redução das importações, a guerra representou um poderoso estímulo para o início da industrialização do país. As importações deviam ser substituídas pela produção interna. As indústrias de maior importância tiveram grande impulso, como as de ferro, cimento e siderurgia.
Para Viana (in Abreu, 1990), a adoção do regime de orçamento de câmbio com licença, em 1949, juntamente com o aumento da disponibilidade de divisas oriundas dos preços do café, foi um marco importante nesse processo, pois possibilitou maior coordenação entre a verificação de disponibilidade de câmbio e a emissão de licenças de importação. Paralelamente, na medida em que eram apreendidos os efeitos do contingenciamento sobre a substituição de importação de bens duráveis, surgia um novo pensamento ainda que “o texto legal que instituía o regime de licença prévia não estabelecesse o princípio da proteção industrial reconhecia, no caso de serem semelhantes ou equivalentes os produtos importados e os de fabricação nacional, a base das restrições ao licenciamento de importação” (CEXIM, Relatório, 1951 aput Viana).
Em Baer (1983), a tradição constituía o critério básico para a distribuição das licenças de importação. A cada importador foi assegurada uma certa quota de divisas, proporcional ao volume de suas transações antes da instituição do sistema de licenciamento. Tratava-se de uma política estática que não levava em conta nem o desenvolvimento nem as necessidades das novas indústrias. O pequeno número de exceções à regra dera, muitas vezes, origem à importação desnecessária. A crescente pressão do excesso de demanda de divisas fez com que o sistema de licenciamento se enrolasse com demorados atrasos e vieram à tona inúmeras irregularidades que existiam em seu funcionamento em 1951. Além disso, com uma expectativa de que uma guerra na Coréia tomasse proporções novamente mundiais acarretando redução dos suprimentos externos, A CEXIM afrouxou os controles resultando num aumento das importações.
A primeira fase logo após o pós-guerra correspondeu a um alívio do setor externo, ajudado pela retomada da capacidade de importação aos níveis vistos antes da crise. Assim, o crescimento da economia foi menos orientado pela substituição de importação do que pela exportação de produtos nacionais. Apesar da melhoria da capacidade para importação ter continuado até 1954, ela não foi suficiente para restabelecer os níveis per capita que ocorriam em 1929. Levando em conta que, Tavares (1973), a renda nacional havia aumentado, compreende-se que a política de liberalização das importações seguida no pós-guerra iria dar lugar a constantes pressões sobre o balanço de pagamento e uma vez esgotadas as reservas de divisas acumuladas no exterior durante a guerra, começaram a aparecer nos primeiros déficits e a partir de 1948, o país entrou em regime de controle cambial. Esse controle baseava-se na manutenção da taxa de câmbio vigente e num controle quantitativo das importações que discriminava contra os bens de consumo não-essenciais, ao mesmo tempo em que mantinha baratas as importações de produtos intermediários e de bens de capital.
Para Viana (in Abreu, 1990), mantendo a taxa cambial sobrevalorizada, impunham-se medidas, progressivamente, que discriminavam à importação de bens de consumo não essenciais. Isso resultou num estímulo considerável à implantação interna de indústrias substitutivas desses bens de consumo, sobretudo os duráveis, que ainda não tinham produção doméstica, passando a contar com uma proteção cambial dupla, tanto do lado da reserva de mercado como do lado do custo de produção.
Essa foi basicamente a fase de implantação das indústrias de aparelhos eletrodomésticos e outros produtos de consumo durável, que se estende de 1947 a 1952.
Segundo Fishlow (in Versiani, 1978) os instrumentos de políticas conscientes, tais como as tarifárias, não foram muito eficientes para provocar a substituição doméstica das importações e a industrialização antes dos anos 50. O primeiro surto de industrialização foi em grande parte reforçado, ocasionalmente, por forças exógenas. Outra implicação é que estes estímulos externos, enquanto desviavam a demanda em favor da indústria doméstica, não afetavam a oferta de maneira igualmente construtiva. Finalmente, os resultados sugerem que a necessidade de se reinterpretar a experiência de industrialização dos anos 50, como provocada menos pela existência de um mercado doméstico cativo, ao qual podiam ser dirigidos os substitutos das importações, do que pela capacidade de resposta das novas industriais e dos investimentos estrangeiros às lucrativas oportunidades criadas pela política pública.
O desenvolvimento industrial brasileiro caracterizou-se fundamentalmente por um processo de substituição de importação. Segundo Bresser, (1968) é preciso discutir se um desenvolvimento industrial, nessas bases, foi válido. O fato indiscutível é que houve desenvolvimento econômico no Brasil entre 1930 e 1961. E este desenvolvimento ocorreu através de um processo de substituição de importação. Mais pertinente seria perguntar se teria havido alternativa para o desenvolvimento industrial brasileiro. Se, por exemplo, poderia ter, a partir da Segunda Guerra, começado a participar do mercado mundial de manufaturados. Sem o aprofundamento no problema, parece claro que essa alternativa era inviável, no estágio de desenvolvimento industrial em que se encontrava o Brasil, dada a concorrência dos países industrializados. Além disso, o fato é que, mesmo no setor têxtil, onde o Brasil havia conquistado algum mercado externo durante a guerra, não se conseguiria manter esses mercados depois de terminado o conflito. Por fim, é importante analisar essas distorções para efeito de melhor compreensão dos problemas que o Brasil terá de enfrentar se quiser continuar a se desenvolver.
Considerações finais
Diante de todas as argumentações feitas neste trabalho, tem-se por conclusão a sintetização e simplificação do entendimento dos argumentos econômicos que explicam o processo de substituição de importação e a industrialização. Numa observação inicial, viu-se que ao outros países da América Latina possuíam uma melhor condição para alcançar um maior dinamismo pela via da substituição, mas isso decorreu basicamente do volume e composição das importações que representavam uma reserva de mercado suficiente para justificar a implantação de uma série de indústrias substitutivas e; que o sistema econômico já possua uma diversificação mais abrangente da sua capacidade produtiva capaz de responder de forma adequada e segura ao impulso dado pelo estrangulamento externo.
O estímulo ao setor industrial, que resultou de uma compreensão do coeficiente de importação, decorre bem menos do peso do setor externo do que das dimensões do mercado interno e da sua composição, assim como das possibilidades de reagir frente às crises. Assim, foi o que aconteceu com o Brasil, pois ambas as condições eram vantajosas, o que fez com que as teses desfavoráveis ao Brasil sumissem, tomando os países latinos como parâmetro. Para sistematizar o problema, existiam dois conjuntos de fatores, internos e externos. No primeiro, a dimensão e composição do mercado e o grau de diversificação da estrutura produtiva, que foi alcançado dentro modelo tradicional exportador. Dentre os demais, destaca-se a coincidência espacial dos setores dinâmicos nos modelos de desenvolvimento, a disponibilidade de fatores, com respeito a quantidade de terra e mão-de-obra e a política econômica.
O Brasil, em relação aos maiores países da América Latina, apresentava um índice baixo per capita tanto de renda quanto de consumo de produtos industriais básicos. Assim, as dimensões do seu mercado interno eram mais favoráveis para o processo de industrialização, levando-se em conta sua concentração. A existência de uma estrutura produtiva mais diversificada, principalmente no setor secundário, serviu de suporte para o processo de substituição de importação, fornecendo as primeiras ligações da cadeia de diversificação que facilitaram a integração da produção.
O surgimento da crise cafeeira tornou o investimento no setor exportador pouco atraente. No período de desenvolvimento industrial no pós-guerra, elementos políticos e sociais poderiam ser invocados para explicar a possibilidade de transferir os acréscimos de renda do setor cafeeiro, decorrente do aumento dos preços internacionais, para o setor industrial, através da política cambial que favorecia as indústrias do Centro-Sul. Além disso, a pequena distância entre o maior centro consumidor e a sede do poder central, fez surgir um eixo econômico que transformou a região Centro-Sul numa região fortemente polarizada.
Por fim, as restrições do setor externo representam o estimulo que se realizaram as transformações estruturais num processo de substituição de importação. Todo o problema reside em que os estrangulamentos não devem ser prolongados, para permitir que a economia avence para novas etapas de diversificação. Então, pode-se dizer que a cada período de crise ou restrição do setor externo deve suceder um período de amortecimento ou resfriamento que facilite a transição para a próxima etapa.

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TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaio sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1973.
VERSIANI, Flávio Rabelo; DE BARROS, José Roberto Mendonça. Formação econômica do Brasil: a experiência da industrialização. São Paulo: Editora Saraiva, 1977.
VIANA, Sérgio Besserman. Política econômica externa e industrialização: 1946-1951. In: ABREU, Marcelo Paiva (org.). A Ordem do Progresso: Cem anos de política econômica republicana -1889 a 1989. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990.

1 Vale a pena mencionar que estas crises foram agravadas depois da Grande Depressão dos anos trinta.
* Professor da Universidade Católica de Brasília

** Bacharel em Economia pela Universidade Católica de Brasília


Recibido: 16/10/2016 Aceptado: 21/10/2016 Publicado: Octubre de 2016

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