Sara Corrêa Dias*
Francinei Bentes Tavares**
Yvens Ely Martins Cordeiro****
Adriana Leite de Melo Cordeiro****
Universidade Federal do Pará, Brasil
yemcordeiro@ufpa.brRESUMO
A pesquisa trata dos aspectos que envolvem a Educação Ambiental (EA) e os Acordos de Pesca, vistos como forma de gestão dos recursos naturais pesqueiros nas áreas de várzea da Amazônia, de forma a dialogar sobre os elementos educativos ligados nessa dinâmica e sua incidência sobre as práticas dos pescadores em suas formas de organização social. O estudo foi realizado na Ilha Pacuí de Baixo, município de Cametá - Pa. Utilizou-se metodologias de base qualitativa, como entrevistas semiestruturadas, caracterizando Estudo de Caso A pesquisa permitiu concluir que a EA Transformadora em ambientes educativos não-formais (ligados aos acordos de pesca) apresentou uma inter-relação com os modos de vida da população, sua cultura e seus conhecimentos experienciais, e como estes vêm se constituindo enquanto um elo mediador da relação entre homem-natureza. As propostas socioeducativas vivenciadas no contexto local compõem um conjunto de fatores que estão em consonância com o que propõe a vertente da EA Transformadora. Esses fatores revelam as diferentes formas de lidar com os recursos naturais e mediar os processos socioeducativos que o envolvem no âmbito do caso em estudo.
Palavras-chave: Educação Ambiental Transformadora, Acordos de Pesca, Relações Sociedade, Natureza, Pescadores Artesanais, Amazônia.
THE FISHERIES AGREEMENTS IN THE PERSPECTIVE OF ENVIRONMENTAL EDUCATION TRANSFORMING: A LOW Pacuí COMMUNITY CASE STUDY (CAMETÁ-PA).
ABSTRACT
The research deals with issues involving the Environmental Education (EE) and the Fisheries Agreement, seen as the management of fishing natural resources in floodplain areas of the Amazon, in order to talk about the educational elements connected in this dynamic and its impact on fishermen practices in their forms of social organization. The study was conducted in Low Pacuí Island, municipality of Cametá - Pa. We used methods of qualitative basis, such as semi-structured interviews, featuring Case Study The research concluded that EA Transformative in non-formal educational environments (linked to agreements fishing) presented an inter-relationship with the population of the ways of life, their culture and their experiential knowledge, and how they come to constitute a link as mediator of the relationship between man and nature. The experienced social and educational proposals in the local context comprise a set of factors that are in line with what is proposed shed EA Transformative. These factors reveal the different ways of dealing with natural resources and mediate social and educational processes that involve in the case study.
Keywords: Environmental Education Transformation. Fisheries Agreements. Society - Nature Relationship. Artisanal Fishermen - Amazon.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Sara Corrêa Dias, Francinei Bentes Tavares, Yvens Ely Martins Cordeiro y Adriana Leite de Melo Cordeiro (2016): “Os acordos de pesca na perspectiva da educação ambiental transformadora: um estudo de caso da comunidade de Pacuí de Baixo (CAMETÁ-PA)”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/03/pacui.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-03-pacui
O presente trabalho trata dos aspectos que envolvem a Educação Ambiental (EA) e os Acordos de Pesca, vistos como forma de gestão dos recursos naturais pesqueiros nas áreas de várzea na Amazônia. Esses acordos são normas criadas pelas comunidades com o apoio de outras instituições (Colônias de Pescadores, Organizações Não-Governamentais – ONG’s, Polícia Militar, etc.) para o controle da pesca na região amazônica, ou mesmo em outras bacias hidrográficas do país.
A preocupação com a manutenção dos recursos naturais vem assumindo uma dimensão social mais global na atualidade, principalmente em virtude da escassez cada vez maior dos recursos, o desrespeito à natureza e práticas que agridem o meio ambiente e seus ecossistemas. Esses fatores propiciaram que os atores sociais envolvidos diretamente nesses espaços viessem ao longo do tempo (a partir do trabalho coletivo), buscando novas formas de manejo que suscitem ações inovadoras na tentativa de reverter os resultados contraproducentes gerados a partir dessas práticas danosas ao ambiente.
Destaca-se que a pesquisa se insere no âmbito da EA não-formal, que é aquela que se aprende no cotidiano, na relação com diferentes sujeitos, pela experiência e em espaços fora da escola. De acordo com Brandão (2007), “a educação existe onde não há escola e por toda parte podem haver redes e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra. Assim, acontece em processos de interação e intencionalidade na ação, na participação, na aprendizagem e troca de saberes.
Já Gohn (2006) demarca as diferenças entre educação formal, informal e não-formal. Para esta autora, a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, bairro, clube, amigos, etc., carregada de valores e culturas próprias e sentimentos herdados, e a educação não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas.
A pesquisa também se justifica por trazer elementos essenciais para enriquecer o debate acerca da temática em questão, além de contribuir para a análise socioambiental dos aspectos que envolvem a EA e os acordos de pesca no Baixo Tocantins, haja vista que o contexto local carece de pesquisas nessa área. Assim, esses fatores são vistos como objetos de pesquisa no âmbito de um contexto maior que compreende o espaço regional e suas formas de intervenção e reprodução socioambiental ampliada, sobretudo pela iniciativa coletiva do desenvolvimento organizacional da região que os pescadores vêm desempenhando.
Propôs-se trabalhar com a EA pela potencialidade que a temática apresenta e sua relação intrínseca aos acordos de pesca, que ao longo dos anos vêm norteando os modos de vida das populações ribeirinhas, exprimindo suas formas de lidar com o meio ambiente e seus recursos naturais afins.
E na abordagem social constitui um debate impulsionador das ações ligadas ao meio ambiente, sobretudo nas suas dimensões socioeducacionais, que estão associadas às particularidades existentes em grupos e/ou comunidades que buscam na organização coletiva lutar por melhores condições de vida, o que acaba também interferindo no contexto regional e global, que estão interligados de várias formas nas sociedades modernas.
Assim, a problemática proposta nessa pesquisa é analisar que concepção de EA permeia o processo de construção das práticas socioeducativas no âmbito dos acordos de pesca, especificamente entre os pescadores artesanais da Ilha Pacuí de Baixo.
Como elementos de resposta a essa pergunta, considera-se que a EA que norteia as ações coletivas dos pescadores e que se associa ao seu cotidiano de vida está embasada em uma perspectiva inovadora, onde o ambiental e social estão interligados e agem concomitantemente. Uma EA voltada para a transformação social, de sujeitos que (através da organização comunitária em torno dos acordos de pesca) podem atuar para a melhoria das suas realidades.
O objetivo geral do trabalho é contribuir com a reflexão acerca das questões socioambientais que envolvem os acordos de pesca na região do Baixo Tocantins, de forma a dialogar sobre os elementos educativos ligados nessa dinâmica, sua incidência sobre as práticas dos pescadores em suas formas de organização e sobre os possíveis caminhos que se colocam para o desenvolvimento local no âmbito das formas de utilização dos recursos naturais.
Os objetivos específicos visam analisar os elementos constitutivos de uma Educação Ambiental, favoráveis à manutenção dos recursos naturais da comunidade dos pescadores de Pacuí; refletir sobre a construção de uma ação pedagógica de EA a partir do cotidiano de vida dos pescadores; e compreender os aspectos que envolvem a EA e os acordos de pesca através de uma perspectiva transformadora de educação.
O estudo foi realizado na Ilha Pacuí de Baixo, localizada por volta de 20 a 30 minutos da sede do município de Cametá-PA, por via de transporte fluvial (barco a motor), como será descrito detalhadamente mais adiante.
A comunidade ribeirinha de Pacuí de Baixo está situada às margens do Rio Tocantins, na porção leste do município de Cametá, no estado do Pará. Este município está localizado na mesorregião do nordeste paraense, com uma área de 3.081,36 km², limitada ao norte pela cidade de Limoeiro do Ajuru, ao sul por Mocajuba, a leste por Igarapé-Miri e a oeste por Oeiras do Pará. O município, atualmente com 376 anos, organizou-se à margem esquerda do Rio Tocantins, a partir de uma infraestrutura econômica pautada no primeiro setor da economia, com o trabalho da pesca artesanal, do extrativismo vegetal, do comércio, da produção agrícola, e ainda do serviço público.
A sua população em 2010 era estimada em 120.904 habitantes, distribuídos entre ilhas e terra firme, sendo que 52.846 desse contingente são habitantes urbanos e 68.058 constituem a população da zona rural do município (IBGE, 2010). Esses dados representam um elevado contingente (56,29% da população total) residindo no meio rural, o que se mostra na contramão da urbanização predominante na maior parte do país.
A ilha de Pacuí é formada por duas comunidades assim denominadas: Pacuí de Cima e Pacuí de Baixo. A opção de pesquisa foi feita pela segunda delas, devido à representatividade que os pescadores desta localidade exercem na região, sobretudo no âmbito da gestão dos acordos de pesca. A localização da comunidade pode ser visualizada na Figura 1.
A referida ilha é recortada por vários furos e igarapés contornados de açaizeiros (Euterpe oleracea), buritizeiros (Mauritia flexuosa), aningais (Phylodendron speciosum), entre outras espécies nativas da região, e apresenta uma rica diversidade de fauna e flora, as quais constituem a riqueza natural em volta da ilha. O rio Tocantins, que banha o município de Cametá, é bastante navegável e permanentemente utilizado pelos moradores locais, uma vez que é a via principal de integração socioeconômica, ao possibilitar o escoamento da produção agrícola e pesqueira das ilhas, e de interação com outras localidades e municípios.
A comunidade de Pacuí de Baixo foi fundada em 1973 e sempre teve sua história marcada por mobilizações coletivas. Assim, foram surgindo lideranças que passaram a criar organizações e a participar dos movimentos sociais da região. A partir de 1978, vieram as mobilizações sociais em torno do movimento sindical (o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Cametá foi “conquistado” em 1980), e a “conquista” da Colônia de Pescadores Z-16 (abrangendo o município de Cametá), que teve início também em meados de 1980 e se consolidou em 1990, com a posse da primeira junta governativa. A Tabela 1 demonstra a população atualmente residente na localidade.
Os pescadores artesanais da comunidade sempre estiveram na luta pela preservação dos recursos naturais da ilha, e através da organização coletiva vêm desenvolvendo ações favoráveis ao meio ambiente e construindo novas formas de gestão dos seus recursos, como demonstrado pela construção coletiva em torno da mobilização pelo acordo de pesca vigente na ilha. Esse aspecto será tratado, a partir do enfoque da EA Transformadora, que é a linha condutora deste trabalho, no tópico que se segue.
Os procedimentos metodológicos utilizados no desenvolvimento da pesquisa envolveram o uso de metodologias de base qualitativa, como entrevistas semiestruturada, visando identificar experiências inovadoras em relação ao uso e gestão dos recursos naturais junto aos pescadores na comunidade escolhida. A pesquisa qualitativa apresenta como um dos seus objetivos analisar sobre os aspectos relativos ao indivíduo em seus múltiplos relacionamentos com outros indivíduos e instituições sociais. A escolha por métodos qualitativos se deu em virtude de sua relevância no âmbito da observação como ponto inicial por ter-se em conta que a metodologia qualitativa é aquela que incorpora a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais. O estudo qualitativo pretende apreender a totalidade coletada visando, em última instância, atingir o conhecimento de um fenômeno histórico que é significativo em sua singularidade(MINAYO, 1994).
Assim, essa metodologia possibilita um aprofundamento das questões que envolvem o objeto em análise, destacando os significados, valores e atitudes que se materializam nas relações sociais e no desenvolvimento dos sujeitos. Isso proporciona um estudo embasado não apenas no contexto local, mas também nos aspectos globais que o envolvem.
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas diretamente na comunidade rural pesquisada, junto aos atores envolvidos na trama social local. Assim foram feitas 06 (seis) entrevistas com pescadores da comunidade de Pacuí de Baixo, na zona rural de Cametá-Pa (Tabela 2). Estes sujeitos são considerados importantes por participarem da construção do processo transformador que envolve o acordo de pesca e o gerenciamento da Associação da comunidade, pois conhecem os avanços e desafios da implementação do acordo, assim como sua relação com as questões ambientais e os conflitos por ele gerados.
As entrevistas aconteceram em diferentes períodos: maio e junho de 2013 e na segunda quinzena de junho de 2015. As entrevistas foram feitas a partir da aplicação de um roteiro com questões-chave sobre EA e acordos de pesca (que consta do APÊNDICE I), além do emprego de um questionário semiestruturado, com questões abertas e fechadas (aplicado na pesquisa realizada em 2013, e aproveitado para complementação do presente estudo). De acordo com Lüdke e André (1986), a entrevista permite a captação imediata e correta da informação desejada praticamente em qualquer tipo de informação e sobre os mais variados tópicos e que a entrevista ganha vida ao se iniciar o diálogo entre o entrevistador e o entrevistado. Assim, ela possibilita a escuta das respostas aos questionamentos propostos sobre o assunto.
A pesquisa foi complementada com a análise de documentos produzidos pela Colônia Z-16, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) e pela organização dos pescadores, tais como Atas de assembleias, relatórios de reuniões e projetos elaborados sobre acordos de pesca. Em nível da comunidade escolhida realizamos conversas informais a partir de estadias na casa dos pescadores, ficando-se atenta ao desenrolar da vida social local. Essas informações foram transcritas diariamente no diário de campo.
O diário de campo foi uma ferramenta imprescindível, pois visou coletar algumas informações que foram observadas em situações locais cotidianas nos diversos momentos de vivência entre os grupos estudados. No decorrer das entrevistas e dos períodos de observação, ele foi um valioso instrumento de auxílio para não deixar passar despercebidas certas informações que foram importantes na ulterior análise dos dados coletados através das técnicas supracitadas.
Na análise dos dados se trabalhou “o material acumulado, buscando destacar os principais achados da pesquisa” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), criando-se categorias analíticas e descritivas que possibilitaram a organização do trabalho de pesquisa. Os dados coletados foram sistematizados em capítulos, e após serem analisados, resultaram no presente trabalho.
Resultados e discussão
A Educação Ambiental, embora nem tão recente nas discussões em nível mundial, com suas conferências, ainda é um tema que merece atenção e muita reflexão, principalmente no que diz respeito às problemáticas ambientais, como já discutidos anteriormente. E mais importante se essa reflexão for embasada na práxis, isto é, articulada com a contextualização social, histórica, política, ideológica e econômica, sendo um ponto de partida para a construção de entendimentos e conceitos.
Para iniciar esse debate, destaca-se que a EA, antes de tudo é Educação, mas não pode ser uma educação generalizada, esvaziada de valores e significados, e sim aquela que se ampara em uma perspectiva libertária, emancipatória e de transformação social. Layrargues enfatiza que:
A Educação Ambiental Emancipatória se conjuga a partir de uma matriz que compreende a educação como elemento de transformação social inspirada no diálogo, no exercício da cidadania, no fortalecimento dos sujeitos, na criação de espaços coletivos de estabelecimento das regras de convívio social, na superação das formas de dominação capitalista, na compreensão do mundo em sua complexidade e da vida em sua totalidade [...] (LAYRARGUES, 2009, p. 15).
O referido autor apresenta elementos cristalizados na práxis social, que contribui para a construção de uma nova sociedade, pautada em conceitos coletivos que visem, a partir do diálogo, o bem comum e o exercício da cidadania. Nesse sentido, a educação é compreendida como um grande potencial de transformação e emancipação humana. Para Freire (2005, p. 16):
O diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é racional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes “admiram” um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem; nele põem-se e opõem-se [...] o diálogo não é um produto histórico, é a própria historicização.
Nesse ponto de partida, ressalta-se que a educação é um fator determinante para a ampla compreensão dos aspectos que envolvem a dinâmica socioambiental, haja vista que está presente não apenas no âmbito formal, mas em todos os espaços onde os cidadãos exprimem suas formas de vida. “Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo, ou entre povos que se encontram” (BRANDÃO, 2007, p. 9-10). Esse autor ainda acrescenta que:
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida [...] A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade (BRANDÃO, 2007, p. 10).
Assim, compreende-se que a educação se concretiza nas práticas sociais, localizada em um determinado ambiente, dentro das relações materiais e culturais que constituem as variadas formas de existência. Logo, isso possibilita uma gama de significados referentes ao que é ambiente, e principalmente, do que é educação, apontando inúmeras propostas e posicionamentos sobre a EA no decorrer de sua trajetória histórica.
Na comunidade estudada, observa-se que o processo educativo na EA no âmbito não formal, se insere no cotidiano de vida dos pescadores, dentro de suas ações coletivas voltadas tanto para a conservação dos estoques pesqueiros quanto do meio ambiente de forma geral. Isso se reflete no método de problematização da realidade, com intuito de modificá-la, perpassando por uma educação voltada para a cidadania, justiça social e igualdade.
Tais pressupostos estão em consonância com a Educação Ambiental Transformadora. Segundo Loureiro (2009, p. 78) esta “procura a realização humana em sociedade, enquanto forma de organização coletiva de nossa espécie, e não pela simples ‘cópia’ de uma natureza descolada do movimento total”. Portanto, esta vertente vê o ambiente de forma integral, onde o todo e parte atuam dialeticamente, em um movimento dinâmico, contraditório e complementar. Para Loureiro:
A Educação Ambiental Transformadora é aquela que possui um conteúdo emancipatório, em que a dialética entre forma e conteúdo se realiza de tal maneira que as alterações da atividade humana, vinculadas ao fazer educativo, impliquem mudanças individuais e coletivas, locais e globais, estruturais e conjunturais, econômicas e culturais [...] (LOUREIRO, 2009, p. 89).
Essa percepção do autor confirma o que falava Paulo Freire (2005, p. 79), que a educação se dá na interação com o outro, mutuamente em um ir e vir de uma posição a outra, pois “[...] ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo [...]”. Assim, essa vertente transformadora está intimamente ligada aos fatores que entrelaçam a vida social dos pescadores, constituindo também seus conhecimentos experienciais sobre os elementos que envolvem o meio ambiente.
Desse modo, falar de educação ambiental transformadora é falar de uma educação popular, na qual se enfatiza a dimensão ambiental das relações sociais, propondo a transformações destas com o meio ambiente, através de um novo olhar baseado em valores democráticos e emancipatórios. A educação popular compartilha a ideia de que “a vocação da educação é a formação de sujeitos políticos, capazes de agir criticamente na sociedade [...]” (CARVALHO, 2001, p. 46).
Um dos pescadores entrevistados se posiciona quanto à EA, dizendo que “a educação ambiental é um fator muito importante, que é o meio ambiente, através dela aprendemos a preservar o meio ambiente, e também porque traz benefícios para ambas as partes, meio ambiente e o social” (Entrevistado n° 06). Percebe-se que o entrevistado aponta que a EA possibilita melhorias não só ambientais, mas sociais, e essa concepção é extremamente importante para a amplificação dessa discussão em espaços não formais.
O que se percebe na atualidade, é um debate ambientalista a respeito da urgência de conscientizar a população sobre os problemas ambientais, induzindo a mudança de hábitos e comportamentos tidos como incompatíveis com a preservação dos recursos naturais. Compreende-se que comportamento é um conceito muito pobre e reificador para dar conta da complexidade da ação humana. Por isso, é extremamente necessário ir além da visão comportamental, pois é preciso que a EA implique uma transformação socioambiental significativa, visando à melhoria da qualidade de vida dos sujeitos. Nesse sentido, Loureiro discorre quanto à finalidade da EA, dizendo que:
[...] a finalidade primordial da Educação Ambiental é revolucionar os indivíduos em suas subjetividades e práticas nas estruturas sociais-naturais existentes. Ou seja, estabelecer processos educativos que favoreçam a realização do movimento de constante construção do nosso ser na dinâmica da vida como um todo e de modo emancipado [...] (LOUREIRO, 2004, p. 73).
A partir dessa análise do autor, salienta-se que a EA enfatiza a educação enquanto processo permanente, vivenciada no cotidiano no qual o ser humano age e transforma a realidade. Ela está alicerçada no ambiente concreto vivido, nas diferentes necessidades e interesses que definem os grupos sociais.
Todavia, Pereira (2006) destaca que a desigualdade no uso dos recursos naturais e tecnológicos pode levar a conflitos que ultrapassam tais princípios, como pode ser citado na comunidade pesquisada os inúmeros conflitos em torno dos recursos pesqueiros. E atualmente, com a escassez do pescado nessa região, isso acaba ultrapassando princípios norteadores de manejo coletivo, que levam a um menor grau de degradação ambiental. Citando Diegues (1995), Pereira (2006, p. 31-32) afirma que:
[...] a relação dessas populações humanas (pescadores) e seu meio ambiente marinho e de águas interiores exige um conhecimento mais sistemático e aprofundado. Esse conhecimento é ainda mais necessário no momento atual em que as comunidades de pescadores artesanais estão sob severa ameaça por causa da especulação imobiliária e da degradação ambiental, provocada por um modelo econômico que exclui amplas camadas da população, sua cultura e suas formas de organização [...].
Essas informações desta autora se aplicam perfeitamente no contexto da região em estudo. Por exemplo, pode-se destacar a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Tucuruí que, segundo os moradores da comunidade de Pacuí, acarretou mudanças negativas na estrutura organizacional da localidade, interferindo também na produtividade pesqueira e nos modos de vida da população local.
Nessa perspectiva, pensar em EA requer que o ser humano, a partir de suas representações sociais, esteja envolvido com o processo societário, a fim de compreender o ambiente em sua complexidade e correlacionado com as questões sociais que o envolvem. Contudo, acrescenta-se que a EA não se concretiza na história, ela é a própria história que se materializa no contexto de luta de um povo, de sua formação política e identidária e de sua constituição enquanto ser social que pensa, decide, critica, questiona e, sobretudo, age sobre o ambiente, metaforizando suas formas de existência.
O que se quer dizer é que a EA, dentro de suas várias nuances, estando em ambiente formal ou não formal, só se efetivará se estiver entrelaçada às condições sociais dos indivíduos, não no sentido de mascarar a realidade, mas de entendê-la da maneira tal qual se apresenta e que interfere positiva e/ou negativamente na vida dos sujeitos.
Esse pensar apoia-se no diálogo entre os atores sociais e na concepção de que a Educação Ambiental Transformadora (através de seu aporte teórico-conceitual) pode vir a contribuir com a melhoria da realidade e apontar novos horizontes em direção à transformação social desejada. Como afirma Loureiro et al. (2002 apud LOUREIRO, 2009, p. 90),
[...] falar em Educação Ambiental Transformadora é afirmar a educação enquanto práxis social que contribui para o processo de construção de uma sociedade pautada por novos patamares civilizatórios e societários distintos dos atuais, na qual a sustentabilidade da vida, a atuação política consciente e a construção de uma ética que se afirme como ecológica sejam seu cerne.
Essa análise do autor possibilita uma reflexão sobre a atual situação do quadro de crise vivenciado na sociedade que não permite soluções compatíveis entre o meio ambiente e o capitalismo. O cenário que se apresenta atualmente, de consumismo desenfreado, individualismo e de coisificação de tudo e de todos, acaba por dicotomizar a relação humana, alienando o indivíduo de si e do próprio ambiente. Por isso, faz-se necessário ressignificar os sentidos fundamentais da EA, atentando-se para os vários posicionamentos que a envolvem e a diversidade de nomenclaturas enunciadas.
Nesse debate, salienta-se a importância de uma educação ambiental transformadora e popular comprometida com a transformação com as quais a sociedade necessita. Contudo, ressalta-se que não se trata de cristalizar um único cenário para uma EA, na defesa de uma única opção, mas, sobretudo, de problematizar seu arcabouço histórico de possibilidades e contribuir para sua discussão teórica, principalmente no contexto de vida dos pescadores artesanais da região em estudo.
Um Recorte das Lutas e Conquistas da Colônia de Pescadores Z-16 de Cametá -Pa
A Colônia de Pescadores Z-16 está sediada no município de Cametá-PA, e é uma entidade representativa marcada por uma história de dedicação e luta dos pescadores da região, que ao longo dos anos vem constituindo um espaço de discussão através de sua participação enquanto movimento social organizado. De acordo com um material informativo sobre o contexto dos acordos de pesca em Cametá (MMA, 2006, p. 24), “[...] a Colônia foi fundada em junho de 1923 pela Capitania dos Portos do Pará e Amapá com o objetivo de servir aos interesses do Estado e ser instrumento de dominação”.
Durante muito tempo a Colônia permaneceu subordinada ao Ministério da Marinha, pois seus integrantes eram obrigados a prestarem serviços gratuitos à mesma, como exemplo, guiar navios no labirinto fluvial local, pelo conhecimento dos mares e rios que os pescadores possuíam, e pescar para alimentar a tropa armada. Assim,
A partir da década de 1940 (Governo de Getúlio Vargas) a subordinação das Colônias de Pescadores passou para o Ministério da Agricultura que entre outras coisas estabeleceu o estatuto único para todas as Colônias do Brasil, como se a diferente realidade da pesca nas variadas regiões brasileiras fosse uniforme. Desse modo ao invés da subordinação aos militares, as colônias passaram a servir aos interesses de políticos e, por conseguinte, às elites locais (FURTADO e BARRA, 2004, p. 69).
Porém, esse atrelamento ao Estado durou até início dos anos 1990, quando por meio de um contexto histórico de luta da população ribeirinha local, a Colônia passou a ser conduzida por pescadores. Em Cametá, a partir de 1982, com o auge dos movimentos sociais no Brasil, a Igreja Católica (por meio da Prelazia local) passou a desenvolver trabalhos de conscientização dos pescadores, através de encontros, reuniões, visitas às comunidades ribeirinhas, etc. objetivando a luta pela tomada da Colônia, para que os pescadores pudessem direcioná-la e construir novos mecanismos que viessem favorecer a classe pescadora. Diegues destaca a importância da Igreja Católica no processo de conquista da Colônia Z-16 quando relata que:
Um fato novo nesse período foi o surgimento da Pastoral dos Pescadores, órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Com a intervenção da Pastoral dos Pescadores, o escopo das lutas foi ampliando, abrangendo temas como a representação democrática, a comercialização, a aposentadoria e a previdência social (DIEGUES, 1995, p. 130).
Assim, com a ajuda da Igreja e o intuito de tomarem para si o direcionamento da entidade, os pescadores disputaram duas eleições sem obterem sucesso, pois foram derrotados em ambas, em pleitos considerados fraudulentos, haja vista que o estatuto imposto pelo Ministério da Aquicultura dava plenos poderes à elite no comando da situação. Com a promulgação da Constituição de 1988, e a luta dos pescadores em todo o Brasil, conseguiu-se a autonomia de organização. Foi uma grande conquista, pois, enfim, puderam elaborar seu próprio estatuto.
Furtado e Barra (2004) ressaltam que quando os pescadores passaram a assumir a direção da Colônia, ainda preponderava o assistencialismo, haja vista que a mesma ainda estava a serviço do Estado. Foi a partir do trabalho realizado nos grupos de base com o apoio da Igreja Católica que começaram a fazer o processo de conscientização nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s, atualmente denominadas de Comunidades Cristãs – CC), e para isso a Igreja criou a nível municipal o Conselho Pastoral dos Pescadores.
Desde o surgimento das primeiras experiências dos acordos de pesca no município de Cametá, a Colônia vem ao longo dos anos trabalhando no sentido de fortalecer essas iniciativas nas comunidades de base, haja vista que um de seus objetivos é a preservação dos recursos pesqueiros para a subsistência da população. Nesse sentido, a instituição busca agir em função dos interesses dos pescadores, de suas demandas e dificuldades, se contrapondo assim, aos interesses do Estado, e garantindo a representatividade sócio-política da população pescadora. A Revista MMA (2006) destaca que:
As Colônias estão distribuídas em Zonas. As zonas representam as áreas de atuação, geralmente os limites dos municípios. Cada município é uma zona. Cada zona tem suas estruturas organizadas de diversas formas: capatazias, secretarias, núcleos. Em Cametá são as coordenações, antes chamadas de capatazias, distribuídas nas ilhas como forma de descentralizar a administração. Os coordenadores são os representantes legítimos da diretoria e fazem as declarações de exercício da profissão, por estarem mais próximos dos que exercem a pesca. As coordenações têm a função de organizar os pescadores para os desafios, lutas e participação (MMA 2006, p. 27).
No que se refere especificamente aos acordos de pesca, segundo um levantamento feito no ano de 2013 pelo Departamento de Pesca da Secretaria Municipal de Agricultura e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Cametá (SEMADRE / PMC), em parceria com a Colônia Z-16, estavam ativos no município cerca de 20 (vinte) acordos de pesca e aproximadamente 30 (trinta) estavam inativos, contabilizando um total aproximado de 50 (cinquenta) acordos no município. Esses acordos estavam sem funcionamento por motivo da pouca representatividade e interesse dos comunitários nos debates e discussões feitas pela Colônia, sendo que muitas comunidades ainda não tinham acordos de pesca legalizados.
Para manter esses acordos em funcionamento, a Colônia realiza nas comunidades reuniões, destacando a importância da continuação destes para a qualidade do pescado, a melhoria ambiental e das condições de vida dos pescadores, além de outros suportes no período do defeso, como relata um entrevistado:
Nosso trabalho para que os acordos continuem é feito nas bases, com a realização de reuniões e debates, sobretudo com a equipe responsável pelo acordo local, por exemplo, na época do defeso a gente ajuda com combustível, alimentação para as pessoas responsáveis cuidarem diretamente, ajudamos também com materiais para fazer o plaqueamento dos acordos (VICE-PRESIDENTE DA COLÔNIA Z-16).
Atualmente, a Colônia reúne em média 14000 (quatorze mil) pescadores associados (dentre os antigos e os novos, cadastrados recentemente) de diferentes comunidades ribeirinhas do município cametaense, além de construir e desenvolver projetos que beneficiam a população pesqueira e a sociedade cametaense de modo geral. Paulatinamente vem resistindo aos desafios do contexto atual, demonstrando ações práticas nas discussões sociais, solidificando os direitos dos trabalhadores no âmbito da efetivação de políticas voltadas para os pescadores artesanais da região. Logo ela vem se constituindo como uma entidade representativa desses sujeitos.
Dentre as ações educativas desenvolvidas pela Colônia no município, destacam-se o Projeto “Escola de Informática”, com formação na área de informática para os pescadores e filhos dos pescadores; na qual a Colônia faz uma parceira com a comunidade, doando a estrutura e o material do curso e os alunos pagam o valor de R$ 10,00 por mês para ajuda do professor. Esse projeto acontece na cidade e também em algumas vilas; e o “Projeto Cursinho pré-vestibular”; realizado em parceria com a UFPA, no qual a universidade doa a estrutura e a Colônia financia o pagamento dos professores.
Na atividade de piscicultura, vista como uma alternativa técnica à diminuição da quantidade de pescado, a entidade tem a Estação de alevinos, localizada na comunidade de Cuxipiari Carmo, que distribui aos produtores os peixes a preço razoável. Além disso, são realizadas ações na área da saúde, consultas com médicos e odontólogos para os pescadores associados. Destaca-se também na área de garantias dos direitos constitucionais, projetos direcionados ao Auxilio maternidade, Auxilio doença, auxílio reclusão, aposentadoria e seguro desemprego (no caso, o seguro defeso).
Nesses aspectos, a Colônia assume um papel fundamental na conservação dos recursos naturais e no desenvolvimento educativo dos sujeitos, pois a partir dessas práticas que realiza junto aos pescadores possibilita o diálogo construtivo, apontando caminhos possíveis para o desenvolvimento efetivo da região, e consequentemente a melhoria da qualidade de vida da população ribeirinha.
Por outro viés, enfatiza-se a importância de articulação entre o cotidiano dos pescadores e esses projetos de inclusão e formação. Os saberes dos pescadores se materializam na medida em que realizam suas atividades, por isso faz-se necessário que as ações sejam construídas a partir de suas vivências e reais necessidades para que gerem resultados positivos aos mesmos.
Furtado e Barra (2004, p. 84) discorrem quanto à questão educacional da Colônia Z-16 de Cametá, dizendo que a Colônia não tem como finalidade só a humanização dessa classe sofrida. “[...] A finalidade da educação almejada pela colônia de pescadores diante dos oprimidos é a recuperação da humanidade roubada [...]”. Isso proporciona uma reflexão sobre a importância do processo educativo que a entidade desenvolve nas localidades, através dos projetos e da parceria junto aos acordos de pesca locais.
No âmbito dessa educação não formal, busca formar sujeitos ativos e construtores do próprio saber. Nas palavras de Arroyo (2002, p. 273), “fora da escola há construção de sujeitos sociais, culturais, humanos. E se a escola não estiver inserida nesses movimentos onde o sujeito se constrói, ela não os constrói”. O autor enfatiza a importância da aprendizagem vivenciada fora da escola, na qual os sujeitos participam ativamente no cotidiano das práticas sociais, dialogando e trocando experiências inovadoras que proporcionam um amplo conhecimento e formas variadas de saber e cultura. Destaca-se que a educação não formal abre possibilidades de diálogo e de conhecimento sobre o mundo que rodeia os indivíduos e suas relações sociais.
Portanto, mais do que uma organização, a Colônia Z-16 é uma estratégia de representação dos pescadores artesanais em defesa de sua cultura, dos seus saberes de pescadores. Além disso, a Colônia promove a solidariedade e a ação coletiva, com uma educação ambiental, realizada em ambientes não formais, direcionada à conservação do habitat natural. Para Costa (2003, p. 220):
A Colônia dos Pescadores Z-16 é hoje a instituição de classe trabalhadora mais organizada e articulada possuindo o maior peso social e político dentro das organizações dos trabalhadores de Cametá e do Baixo Tocantins [...] é a organização sindical que garantiu muitas conquistas para seus associados nos últimos 10 anos [...].
Nesse sentido, pode-se entender que a entidade atua junto aos pescadores, que por meio de suas relações sociais constroem saberes inerentes às suas práticas cotidianas, que lhes dão base e sustentação para a realização de suas atividades. Isso possibilita maior aproximação com as questões organizacionais, cria formas positivas de organização coletiva e fortifica a luta em torno da preservação dos recursos pesqueiros e ambientais da região.
De acordo com Furtado e Barra (2004), atualmente os pescadores podem se considerar uma classe organizada através de suas práticas e sua participação nas decisões de sua categoria. Adquiriram, por meio de um longo processo de lutas e práticas, um novo modelo de gestão de direcionar suas organizações. Assim, destaca-se ainda que a Colônia não sobrevive somente do pagamento dos seus associados, pois organiza-se também a partir de projetos que dão uma maior abrangência em termos de organização nas comunidades, novas possibilidades e alternativas para geração de renda e a melhoria educacional dos pescadores da região.
OS CONFLITOS EM TORNO DOS ACORDOS DE PESCA NA COMUNIDADE
Para se entender as implicações da construção dos acordos de pesca na região tocantina, deve-se reconhecer e situar esses acordos em um cenário de disputas pela apropriação e uso dos recursos pesqueiros. Os conflitos em torno da atividade de pesca começam pela apropriação e usos diferenciados dos territórios aquáticos, os quais colocam em choque, de uma forma geral, o uso para obtenção da subsistência por parte da população ribeirinha, e o uso comercial, por parte da grande indústria pesqueira (FURTADO, 2004). Cerdeira ressalta que:
[...] A intensificação da exploração pesqueira, a partir da evolução tecnológica da pesca tem causado declínio da produtividade pesqueira. Essa situação e a legislação inadequada às peculiaridades regionais contribuíram para o surgimento dos conflitos de pesca [...] (CERDEIRA, 2009, p. 68).
A implantação de acordos de pesca na região do Baixo Tocantins está intimamente ligada à crise histórica pela qual passava a pesca artesanal, impactada por efeitos ambientais resultantes da construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí na década de 1980, que segundo os entrevistados a maior parte dos problemas enfrentados na região são consequências da barragem. Por outro lado, concorreram também pra essa crise os efeitos de sobrepesca devido à adoção de artefatos de pesca e práticas consideradas “predatórias”.
De acordo com as entrevistas realizadas na comunidade de Pacuí de Baixo, a partir da construção da barragem decorrem graves problemas ambientais provenientes da imensa área inundada que submergiu florestas inteiras, sendo que o maior impacto foi causado sobre o estoque natural do pescado, que levou os ribeirinhos a adotarem práticas “predatórias” (como o puçá, rede de grande tamanho utilizada na pesca regional) que garantissem sua sobrevivência. Assim, “a barragem prejudicou muito nós, ela poluiu o rio, hoje não tem muito peixe, fora o prejuízo e o desrespeito ao meio ambiente, quase 60% dos nossos problemas veio da barragem”, afirma um dos entrevistados da comunidade (Entrevistado nº 03). Esses dados são corroborados por Mérona et al. (2010, p. 120) , quando afirmam que “as capturas [...] eram baixas, exceto no período de agosto a outubro de 1985, e representaram, na maioria dos meses, menos que a metade dos valores observados na fase pré-fechamento [da Barragem de Tucuruí]”, representando 510 toneladas nesse ano específico. Além disso, esses autores ainda afirmam que os impactos da construção da UHE sobre a pesca na região de Cametá foram drásticos, havendo uma grande diminuição dos estoques de peixes e o aumento da pressão de pesca sobre os cardumes jovens de mapará (conhecidos regionalmente como “fifite”), o que motivou posteriormente o deslocamento dos pescadores de Cametá e adjacências para outras áreas do próprio Rio Tocantins.
Os pescadores entrevistados ainda relatam que houve uma série de impactos socioambientais negativos com a construção da UHE, tais como: um aumento de doenças causadas pela má qualidade da água para consumo; lançamento de herbicidas como desfolhantes para retirada da madeira submersa; o nível da água baixou nos rios e lagos da região, com o aparecimento de praias e pequenas ilhas, não permitindo a navegação com a maré baixa (momento de vazão do rio Tocantins), aumentando o assoreamento e diminuindo as áreas úteis de pesca; o êxodo rural para as sedes dos municípios da região, e também o aumento populacional decorrente da migração de outras populações do país; além da extinção de várias espécies de peixes, conforme nos explica um dos moradores da ilha:
A sardinha, o jaraqui, a picanga, a icanga, o pacu, o piquirão, a gente já não vê mais, porque oaumento populacional, materiais predatórios, a construção da barragem de Tucuruí contribuiu 60% pra esses problemas... a pesca tá ficando mais difícil, antes era mais fácil a produção era maior, hoje é preciso “inventar artes”, usar novos métodos para pegar o peixe, procurar em muitos lugares pra poder achar porque não tem quase peixe. Antes não precisava usar a malhadeira, materiais predatórios, bastava esperar a hora certa e pescar e tinha peixe, todos respeitavam o rio. (Entrevistado nº 01).
Não obstante, embora se ressentindo dos problemas advindos pela construção UHE de Tucuruí, muitos pescadores em estudo não ficaram inertes diante dessa realidade, mas buscaram na organização política (como exemplo por meio de associações) a possibilidade de enfrentamento contra os problemas existentes, a fim de minimizá-los. Nesse sentido, os pescadores constroem saberes no sentido da busca de uma economia local que lhes oportunize melhores condições de vida, sobressaindo não somente pela pesca, mas também pelo aproveitamento e valorização de outros recursos naturais da comunidade, como o açaí e a extração de mel.
Assim, o acordo de pesca apresenta-se como um fator crucial para a melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos. Na situação estudada, levando em conta o acordo de pesca construído localmente e os resultados das entrevistas e outras técnicas de campo adotadas na comunidade de Pacuí de Baixo, concorda-se com Schmitz et al. (2011), que afirmam que, em situações nas quais os recursos naturais comuns são manejados em área de acesso comum, a “tragédia dos bens comuns” não é inevitável, justamente porque não há nesses casos ausência total de regras e falta de compromisso dos envolvidos na atividade extrativa.
No âmbito da comunidade estudada, a implantação do acordo de pesca enfrentou um período de crise, conflitos e contradições, pois muitas pessoas não queriam concordar com o acordo, nem mudar suas práticas de manejo. Havia um grande receio de ficar sem o peixe, dada a visível escassez, o que estimulava as pessoas a intensificar as estratégias de pesca.
Desse modo, os pescadores não respeitavam as normas construídas localmente, provocando inúmeros confrontos, discussões e até mesmo violência física e verbal, sendo que várias vezes os coordenadores do acordo local foram ameaçados, conforme destaca o entrevistado n° 04:
Quando o acordo foi construído teve muitos conflitos, porque muitos pescadores não respeitavam o acordo... ele surgiu a partir do desrespeito ao meio ambiente, ele deu autoridade para não mexer no rio, na mata. Conscientizar as pessoas foi a maior dificuldade porque isso gerava muitos conflitos, principalmente com os coordenadores que eram ameaçados.
Esses conflitos levaram em um primeiro momento ao fracasso do acordo de pesca na localidade, assim como também pesou a falta de apoio dos órgãos competentes no processo de conscientização e fiscalização dos acordos comunitários.
Todavia, destaca-se, de acordo com os entrevistados, a importância do conflito para o fortalecimento da organização, haja vista que o mesmo gerou união entre os pescadores, transformando relações de caráter conflitivo em relações de cooperação, constituindo-se enquanto uma certa aprendizagem social. O entrevistado n° 04 afirma isso quando diz que “o acordo foi bom porque fortaleceu a comunidade, gerou união, a organização comunitária”. Segundo Simmel (1983), a vitória é uma das vias de resolução do conflito e este supõe aprendizagem social, pois é em si uma forma essencial de “socialização” entre os indivíduos envolvidos na ação, ocasionando fortes interações. Segundo o autor supracitado, além da socialização, o conflito produz uma unidade que é parte positiva do conflito, e esses elementos desagregadores são pensados de uma forma para que haja união entre o grupo de interesse.
Quanto ao papel do acordo na gestão dos conflitos socioambientais, com base nas entrevistas, análise dos questionários e observação in loco, foi possível perceber que o acordo de pesca local contribuiu para minimizar algumas categorias de conflitos (todos os entrevistados afirmaram ter havido diminuição dos conflitos em torno da pesca após a criação do Acordo de Uso), principalmente os relacionados à entrada dos chamados “pescadores de fora”, que vinham de outros locais, e também os próprios pescadores da comunidade onde vigora o acordo (e que era muito frequente na área) conforme é notado no trecho a seguir:
São pessoas também da própria comunidade que infringem a lei, por isso foi feito o acordo inicialmente para evitar que pessoas de fora viessem pescar, e com o firmamento do acordo isso acabou, então isso foi um ponto positivo do acordo de pesca pra nós (Entrevistado nº 02).
A principal razão dos conflitos relacionados ao uso comum dos recursos pesqueiros é a quebra do acordo de uso estabelecido (isso gerava muitas adversidades), principalmente entre os pescadores de dentro e fora da localidade em torno do rio e dos igarapés, visto que, esses pescadores “de fora” e da comunidade entram na área do acordo no período noturno (em função da ausência de fiscalização) e aproveitam para pescar excessivas quantidades de peixes, modificando e desrespeitando as normas locais estabelecidas. Tais entraves impulsionaram a comunidade a fortalecer a vigilância nos poços de preservação, e assim foram formados grupos entre os pescadores (sendo os próprios moradores da beirada) e cada grupo fiscalizava uma parte da ilha.
A fiscalização acontecia da seguinte forma: em cada ponto da localidade tinha um que comandava, parte em parte da ilha tinha uma liderança. Se pega o infrator as lideranças chamam pra conversar, mas era difícil porque não tinha o apoio pra fortalecer o trabalho (Entrevistado n° 04).
De acordo com as normas locais estabelecidas, o pescador que fosse autuado cometendo irregularidades na pesca seria advertido verbalmente pelos fiscais, se voltasse a infringir as normas seria advertido em reunião com todas as lideranças locais, e caso persistisse seria denunciado à Colônia, podendo até perder os benefícios oriundos da pesca (como o seguro desemprego no período do defeso). Os pescadores de outras comunidades só poderiam exercer a atividade na ilha em parceria de moradores locais e obedecendo rigorosamente as normas estabelecidas no acordo, do contrário imperariam o mesmo ciclo de punições.
Tendo em vista a redução de tais conflitos e a busca de melhorias estruturais, os pescadores fundaram em 1997 a Associação dos Pescadores Artesanais, Aquicultores e Trabalhadores Extrativistas de Pacuí (APATEP), com a participação de aproximadamente 48 famílias, o que representou um avanço em termos de organização social na comunidade. Hoje, o acordo local conta com um número aproximado de 175 pescadores associados e que participam do acordo, e por mais que o mesmo não esteja em bom funcionamento, os pescadores continuam os debates em torno da associação.
Esse acordo de pesca na comunidade foi criado em 2002 e legalizado no dia 24 de janeiro de 2005 quando, em Assembleia geral, reuniram-se na comunidade os moradores locais em conjunto com as Igrejas (Católica e Evangélica), o IBAMA e a Colônia de Pescadores Z-16 de Cametá. Nessa Assembleia os participantes fizeram a Ata que aprovou normas definindo procedimentos de conservação, tais como:
- Todos os moradores da área em preservação teriam o dever de colaborar com o bem-estar da população, ajudando na educação ambiental e na conservação do meio ambiente;
- Pescar no rio sem usar instrumentos considerados como danosos aos recursos pesqueiros, como: malhadeira de arrastão, “ceboleira”, “fisgadeira”, “caceio” dentro do rio com qualquer número de malha, levando em consideração a área denominada de “Rego do Pacuí”, “matapi” para camarão em uma quantidade superior a 50 matapis por família, “pari” fino em quantidade maior do que 05 por família, captura de peixes no período de desova, “puçá”, tarrafa, entre outros.
- Ficaram proibidas também substâncias tóxicas e químicas, explosivos, “gapuia” nos igarapés, “pindó”, “espingardinha” com lanterna, caça com arma de fogo e o uso de “balador” e quaisquer práticas que possam prejudicar o meio ambiente (Acordo de pesca da Comunidade de Pacuí de Baixo, 2005).
De maneira geral, a pesca na comunidade é feita com uso de apetrechos artesanais, fabricados e consertados, na maioria dos casos pelos próprios pescadores. Dentre os apetrechos destacam-se a malhadeira, matapi, pari, anzol, linha de mão, que são os mais utilizados, e tem-se ainda a pesca utilizando tapagem nos rios, igarapés e furos aos redores da ilha. De acordo com um dos entrevistados, a quantidade de peixe produzida em média por mês é de 100 kg, sendo uma base de 3 kg por dia para sua família. Quando sobra da alimentação da família, o pescador vende na própria comunidade e comunidades vizinhas e também na feira da cidade de Cametá, o que pode-se dizer que poucas vezes acontece.
Dentre as espécies mais pescadas na comunidade, assim como no Rio Tocantins e seus afluentes, destacam-se a pirapitinga (Piaractus brachypomus), o mapará (Hipophthalmus spp.), o curimatã (Prochilodus nigricans), o aracu (Schizodon spp.), a pescada (Plagioscion spp.), o pacu (Myleus spp. e Mylossoma spp.), o tucunaré (Cichla spp.), a branquinha (Curima amazonica cinorata) e a tainha (Mugil brasiliensis).
Na região da Bacia Hidrográfica do Rio Tocantins e Gurupi, anualmente no intervalo entre 1° de novembro a 28 de fevereiro vigora o Período de Defeso, que é a proibição da pesca durante a época reprodutiva dos peixes, determinada a cada ano pelo IBAMA por meio de Portaria. Essa norma é amparada pela Lei 7.679 de 1988 que trata da proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução.
Todavia na prática, essa lei não é cumprida por todos na comunidade estudada, por isso, nos meses do Defeso é imprescindível a atuação dos fiscais e dos AAV’s, pois, além de apoiarem o monitoramento (estudo) e controle (fiscalização) do acordo e do meio ambiente, orientam os comunitários locais e de outras comunidades sobre os acordos e legislação vigente; advertem as pessoas que descumprirem o estatuto; denunciam aos órgãos competentes aqueles que prejudicarem o acordo de pesca e o meio ambiente, além de outras determinações estabelecidas pela Instrução Normativa n° 19 de 05/11/2001 do IBAMA.
Durante os meses de proibição da pesca (novembro a fevereiro), o pescador que é associado na Colônia Z-16 recebe o Seguro Defeso (uma forma de seguro desemprego), um recurso equivalente a 04 (quatro) salários mínimos. O Seguro Defeso do Pescador Artesanal (SDPA) foi uma estratégia criada para viabilizar recursos que pudessem contribuir com a vida dos ribeirinhos e demais tipos de pescadores artesanais. É um benefício criado pelo Governo Federal, com a gestão do Ministério de Trabalho e Emprego – MTE, por meio da Lei 10.779/2003 e pelo Decreto 8.424, de 31 de março de 2015, que teve como objetivo garantir uma renda mínima ao pescador artesanal, que devido à proibição estabelecida na lei, passa a ser compensado pela paralisação na atividade, garantindo assim, a reprodução das espécies. Além disso, a partir de abril de 2015, a habilitação e concessão do Seguro Defeso passam a ser administradas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Destaca-se que por mais que as estratégias beneficiadoras do Estado, como a concessão do seguro defeso, estejam embasadas em uma perspectiva assistencialista e/ou compensatória, elas de certa forma têm ajudado as populações a vivenciar melhores condições de vida e trabalho, como relata um dos entrevistados: “o seguro defeso é muito bom, nos ajuda muito a gente ter as coisas, melhorar de vida” (Entrevistado n° 05), principalmente por conta do contexto socioeconômico local, apresentando em sua maior parte famílias de baixa renda. Além disso, os pescadores vão se utilizando dessas ações também para se fortalecerem politicamente na região, através de associações e dos projetos educativos realizados por instituições, como a Colônia Z-16.
Pode-se perceber que há uma forte relação do acordo de pesca com o Estado, e assim como este se utiliza dos sujeitos por meio de suas políticas, os pescadores também utilizam o Estado para reconfigurar suas práticas, como é o caso dos acordos de pesca, que foram viabilizados por conta dos recursos produzidos através de sua implementação. De certa maneira, há uma relação recíproca entre comunidades e Estado, no qual uma instância busca apoio na outra para se legitimar socialmente e para construir uma visão sobre suas próprias ações.
Ressalta-se ainda que o Seguro Defeso é um mecanismo social voltado para a sustentabilidade dos recursos naturais, mas é bastante genérico e pode dar margem para fraudes, sendo que algumas pessoas que recebem o seguro não são pescadores, o que pode terminar por tirar o direito de quem realmente necessita desse recurso. Por isso, salienta-se que essa política precisa ser mais acompanhada pelos órgãos responsáveis, no sentido de se ter uma maior fiscalização em torno de sua utilização.
Para além do seguro defeso, a maioria dos pescadores trabalha com extrativismo do açaí (responsável por grande parte da renda familiar), a criação de pequenos animais (galinhas, porcos, patos, etc.), piscicultura e apicultura, além de complementarem a renda familiar com aposentadorias, pensões e recursos de transferências governamentais (como as do Programa Bolsa Família, do Governo Federal).
Desde sua criação, o acordo de pesca na localidade vem passando por modificações e interferências na sua aplicabilidade, tendo em vista a ausência de apoio (principalmente externo) para reforçá-lo. Assim, para mantê-lo, assegurar o recebimento do seguro defeso e continuar resolvendo os conflitos existentes na comunidade, os coordenadores trabalhavam e ainda trabalham na conscientização a partir de reuniões com os pescadores, como destaca um entrevistado: “hoje, mesmo com o acordo fraco na comunidade, fazemos reunião mensalmente com os associados para manter nossas regras sobre a pesca e conscientizar a população de como é importante a preservação das espécies e do meio ambiente” (Entrevistado n° 04).
Então, salienta-se que o processo educativo se dá entre os pescadores, a partir de suas formas de mediação em torno das ações realizadas localmente. Infelizmente, a APATEP não tem contado com o apoio das instituições competentes (principalmente os órgãos fiscalizadores, como o IBAMA e a Polícia Militar), o que acaba fracassando seu funcionamento e o trabalho de fiscalização, como relata um dos entrevistados: “o apoio dessas instituições só consta no papel, mas não temos ajuda nenhuma” (Entrevistado n° 05).
Em abril de 2015 a APATEP, através de um convênio com a EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Pedro Teixeira, localizada na própria comunidade, vinha realizando um projeto de coleta do lixo nas residências locais, mas por falta de transporte essa iniciativa parou. Um pescador relata como era feito os procedimentos de coleta:
Nós preparava o material e a escola cedia o transporte, nós marcava o local para os moradores levarem seus lixos e nós pegava e levava para a cidade e também queimava o que podia, mas por falta de transporte o projeto parou já tem dois meses” (Entrevistado n° 06).
Através dessa ação concreta, os representantes da APATEP trabalhavam a conscientização sobre o meio ambiente com os moradores, revitalizando as práticas de preservação tanto ambientais quanto sociais, econômicas, políticas e educacionais, sendo que “esse projeto nos ajudou bastante porque além da gente cuidar da natureza, conversamos questões da nossa realidade aqui na comunidade, se a gente tivesse um apoio maior iria ter mais resultados”, como afirma o Entrevistado n° 06.
Acrescenta-se que essa iniciativa veio contribuir também com o acordo de pesca local, uma vez que apresenta elementos importantes que estão em consonância com as normas do acordo, como por exemplo, a preservação do rio e dos recursos naturais, além das práticas socioambientais desenvolvidas entre os pescadores por meio de intervenções e do diálogo acerca do meio ambiente.
Pode-se perceber que os pescadores buscam ações educativas voltadas para a EA na comunidade, e a partir de suas experiências vão construindo gradativamente meios de tentar solucionar os problemas locais, intervindo na realidade. Essas ações se fortificam na medida em que ganham apoio para serem implementadas, conforme os relatos do entrevistado, e por isso é necessário maiores articulações das entidades competentes com os conhecimentos e as iniciativas locais, a fim de consolidar a melhoria socioambiental da região.
Atualmente no município de Cametá, o órgão responsável pela fiscalização e monitoramento dos acordos de pesca, contando com o apoio da Colônia Z-16, é a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Cametá (SEMMA), através do Departamento de Educação Ambiental, o que antes era competência do IBAMA. Nesse âmbito, os responsáveis vêm a princípio trabalhando com os pescadores no sentido de dialogar sobre a importância do respeito no período do defeso, tendo em vista as várias denúncias feitas esse ano à Secretaria. As principais acusações estão relacionadas ao uso do “puçá”, um apetrecho de pesca que é proibido por lei, por seu efeito negativo na captura de diferentes espécies de peixe e tamanho, revolvendo o fundo dos rios.
Assim, para realizar o acompanhamento dos acordos de pesca nas comunidades, no processo de fiscalização a SEMMA se respalda em leis ambientais a serem cumpridas independentemente de estar ou não no período do defeso, como a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e o Decreto n° 6.514 de 22 de julho de 2008, que tratam de apreensões de instrumentos, apetrechos, equipamentos, embarcações ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração. E também a Instrução Normativa Interministerial n° 013/2011, que trata da captura de espécies de peixe abaixo do tamanho permitido.
A SEMMA começou a desenvolver as atividades nas comunidades no final do ano de 2014, discutindo sobre as dificuldades, os anseios e os interesses dos pescadores. Então, o primeiro passo no processo de implementação dos acordos de pesca feito pela SEMMA é justamente ouvir as necessidades das comunidades, quais seus desafios, o que realmente querem, e nesse início atuam como intermediários. No segundo momento é feito um cadastramento das famílias, no qual é escolhido um Conselho local formado por 05 integrantes para fazerem a formação em EA aos pescadores. Também é elaborado um projeto na área em que irá vigorar o acordo, sendo que nesse projeto é explicitado porque é necessário ter o acordo de pesca na comunidade. E por fim, é feita uma ata que será assinada, registrada em cartório e encaminhada às autoridades cabíveis para o processo de homologação.
Tendo em vista o início dos debates acerca da relação entre pesca e EA, a SEMMA realizou a Semana Municipal do Meio Ambiente, de 01 a 05 de junho de 2015, quando trouxe como tema: Gestão Compartilhada, Cultura da Pesca, Recursos Hídricos e Sustentabilidade Socioambiental. O evento visava discutir em seu contexto a sustentabilidade, o conhecimento e o respeito aos recursos naturais da região, a valorização da cultura local, necessários ao desenvolvimento sustentável, que só seriam possíveis através de uma gestão compartilhada. A programação aconteceu na cidade de Cametá e também com palestras em duas comunidades ribeirinhas do município (Joroca Grande e Juba de Cima).
Destaca-se ser essencial que a SEMMA trabalhe com a relação entre os acordos de pesca e a EA, e construa formas de gestão mais aproximadas das comunidades, até mesmo para pautar ações de políticas públicas ambientais no âmbito municipal. São plausíveis as suas propostas educativas, e, concorda-se que é necessário se ter uma visão integrada dos recursos para que o desenvolvimento socioambiental de fato aconteça, mas é preciso consolidar as ações no sentido de ir aos poucos fomentando novas concepções e iniciativas junto aos pescadores. As práticas educativas de EA necessitam ser repensadas e dialogadas nas comunidades, e precisam estar associadas às variadas dimensões que constituem o cotidiano de vida das populações. Isso é fundamental para a transformação social da qual se almeja alcançar, caso contrário corre-se o risco de fazer com que a EA não tenha o desenvolvimento pleno de seu caráter libertário e transformador.
Ressalta-se também, além da recente entrada da SEMMA nesse contexto, a intensa parceria que a APATEP tem com a Colônia Z-16, principalmente no processo de conscientização e resolução dos conflitos, através de palestras, reuniões e conversas com os pescadores, sobretudo no fortalecimento do acordo de pesca na comunidade. “A Colônia era uma aliada forte, conversava com o infrator para conscientizá-lo, agora a SEMMA vem nos ajudando também nisso”, destaca o Entrevistado nº 04.
Para além do trabalho desenvolvido por essas instituições, o processo educativo entre os pescadores no âmbito da EA é vivenciado no dia-a-dia a partir de suas práticas e experiências coletivas que são mediadas não apenas por fatores externos, mas pelos próprios pescadores que buscam entre si construir coletivamente formas de participação e normas de gestão em torno dos seus recursos disponíveis. Assim, a aprendizagem se desenvolve no cotidiano do trabalho e no momento em que vão surgindo novas demandas socioambientais aos pescadores.
Essas intervenções possibilitam um aprofundamento das questões que envolvem as peculiaridades do contexto regional, revelando as identidades locais e a cultura inserida nos diferentes espaços nos quais os sujeitos vivenciam suas práticas educativas e solidificam suas metodologias de ensino, embasadas na maioria das vezes em conhecimentos experienciais. Essa educação se dá dialeticamente e pode se perpetuar de geração em geração, embora não sem modificações e transformações, tendo em vista o seu caráter dinâmico.
Como se percebe nas reflexões apresentadas, o uso dos recursos pesqueiros e a prática da pesca entre as populações ribeirinhas são elementos intrínsecos ao seu ambiente empírico, e isso fez com que os saberes locais fossem paulatinamente se constituído e dando resultados positivos à comunidade.
Das entrevistas realizadas, infere-se ainda que os acordos de pesca para os pescadores, no cotidiano de suas experiências de vida, não se constituíam somente como elementos legais de preservação e controle da relação homem e natureza. Eles fazem parte de suas experiências produzidas e vivenciadas coletivamente, como relata um entrevistado: “o acordo contribuiu e contribui muito para a comunidade, porque através dele aprendemos a respeitar o ambiente e não fazer a pesca predatória, com o acordo ainda vemos certas espécies, aves, as pessoas tem respeito pelos animais e peixes” (Entrevistado n° 06).
Destaca-se que as formas de manejo propostas no acordo de pesca, mesmo que também estejam envoltas em conflitos localizados e em situações de descumprimento das regras por parte de alguns dos pescadores, trouxeram impactos positivos para a comunidade, como o aumento da quantidade e qualidade do pescado, pois com as práticas de conservação os peixes têm onde se reproduzir e crescer com segurança. Isso aumenta a produtividade das atividades e a renda familiar, impactando de forma positiva no modo de vida e nas características sociais e econômicas da população ribeirinha.
Por isso, deve-se considerar que os conflitos também fazem parte do processo construtivo de uma organização, e por mais que os acordos de pesca tendem a produzir divergências entre os pescadores, também têm uma de suas metas baseadas no consenso em prol do bem comum, garantindo a sustentabilidade socioambiental coletiva.
Assim, não se pode discutir meio ambiente dissociado do contexto social (ou seja, não haveria uma separação a priori entre natureza e sociedade). Pensar em EA não requer apenas ter consciência da conservação dos ecossistemas e biomas, ou ainda mudanças de atitudes e comportamentos, pois ela vai muito além, já que se embasa em uma perspectiva que abrange múltiplas dimensões concomitantemente: social, política, cultural, ideológica, econômica e educacional. Portanto, a EA está atrelada às questões sociais e só ganha concretude se estiver associada ao cotidiano das pessoas.
Assim, destaca-se a relevância da implantação dos acordos de pesca no caso da comunidade estudada, em Pacuí de Baixo, sobretudo na perspectiva da construção de um plano de uso dos recursos naturais integrados, que os próprios comunitários realizam. A pesca traz elementos importantes para as comunidades, como exemplo, possibilita a permanência da população no local, garante a sustentabilidade dos recursos naturais e a segurança alimentar das famílias, sendo uma fonte de proteínas cultural e historicamente importante. Entretanto, as comunidades ribeirinhas precisam discutir as suas problemáticas, ganhar autonomia no gerenciamento dos seus recursos de uso comum, perceber os problemas e atuar sobre eles para solucioná-los, e isso só se realiza com a participação e o engajamento local nos processos políticos mais amplos, o que pode ser oportunizado por iniciativas como a constituição desses acordos.
Por mais que os acordos de pesca estejam amparados por um conjunto de legislações ambientais atualmente vigentes no país, eles só se efetivam na ação coletiva se todos os interessados estiverem comprometidos com sua concretização. Nesse aspecto, os atores sociais assumem papéis cruciais para que os resultados obtidos a partir dessa ação de fato aconteçam.
Nesse contexto, o acordo de pesca surge como uma prática construtiva que visa à diversificação produtiva dos recursos naturais, pois apesar das dificuldades envoltas em sua implementação e funcionamento, apresentam resultados considerados animadores para grande parte dos pescadores envolvidos na trama social local. Assim, reafirma-se a importância da conservação do potencial ictiológico, pois uma vez realizado, o acordo traz maior dinamismo aos pescadores (através da interação com os processos locais de desenvolvimento) e a possibilidade de transformação da sua realidade de vida.
Destaca-se que os acordos de pesca foram possíveis porque houve uma articulação institucional (através da Instrução Normativa do IBAMA) que, a partir dos conhecimentos e dos saberes ambientais dos pescadores em sua existência local, se coadunou com iniciativas já desenvolvidas anteriormente pelos movimentos sociais de pescadores na Amazônia. Antes da institucionalização destes acordos nas comunidades ribeirinhas, já se tinha uma concepção educativa produzida pelos pescadores que se constituíram ao longo do tempo, a partir das regras de gerenciamento dos bens comuns adotadas localmente (a exemplo dos estoques pesqueiros).
Como pôde ser constatado na análise dos resultados, as ações coletivas dos pescadores em torno do acordo de pesca apontam para a possibilidade de construção de uma perspectiva inovadora de EA, embasada em princípios fundamentais voltados para a transformação social. As propostas socioeducativas vivenciadas no contexto local constituem um conjunto de fatores que estão em consonância com o que propõe a EA Transformadora, conforme afirmava a hipótese de base desta pesquisa. Esses fatores revelam as diferentes formas de lidar com os recursos naturais e mediar os processos socioeducativos que o envolvem na localidade em questão.
Assim, a pesquisa traz contribuições significativas para a discussão da temática na região, a partir do alcance dos seus objetivos, conforme demonstrado ao longo dessa pesquisa, destacando-se as formas organizacionais em torno dos recursos aquáticos dos pescadores de Pacuí de Baixo e, sobretudo apontando suas práticas socioeducativas de conservação e manutenção do meio ambiente e da melhoria da qualidade de vida. Por mais que o acordo de pesca não esteja em funcionamento na localidade (pincipalmente por falta de apoio dos órgãos de fiscalização e uma maior organização por parte dos comunitários) alguns pescadores vêm trabalhando na perspectiva de manter suas normas de uso, constituindo uma forma de democratização e construção social dinamizada que, mesmo em constante transformação, assume um significado próprio no âmbito local.
Por fim, propõe-se a criação e o fortalecimento de políticas públicas voltadas para o contexto socioambiental dos pescadores na região em estudo, e destaca-se ainda a necessidade de articulação entre os órgãos competentes que trabalham com a EA e os acordos de pesca, e principalmente, uma maior aproximação destas entidades com as comunidades, pois a co-gestão precisa acontecer de fato para que ocorra o sucesso do acordo de pesca.
Finalizando, manifesta-se o principal propósito dessa pesquisa, que é não somente contribuir com o debate socioambiental da região tocantina, mas também instigar nos leitores o compromisso que se apresenta na atualidade: o de mudar suas estruturas socioambientais vigentes e construir um mundo melhor e mais humano para as atuais e futuras gerações.
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** Professor, Doutor em Sociologia Rural, Universidade Federal do Pará, Campus Abaetetuba. Email: francinei@ufpa.br
*** Professor, Doutor em Ciências Agrárias, Universidade Federal do Pará, Campus Abaetetuba. Email: yemcordeiro@ufpa.br
**** Graduada em Bacharelado em Enfermagem, Escola Superior da Amazônia. Email: admelocordeiro@gmail.com
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