Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A FACULDADE DE ENFERMAGEM DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS E SEU DESEJO DE MEMÓRIA ATRAVÉS DA COMEMORAÇÃO

Autores e infomación del artículo

Marina Duarte Gutierre*

Diego Lemos Ribeiro**

Juliane Conceição Primo Serres***

Universidade Federal de Pelotas, Brasil

marinagutierre@yahoo.com.br

Resumo:
Este artigo busca compreender a relação entre as comemorações e a sua potencialidade para a construção da memória e da identidade de determinado grupo. Para estudar a maneira como ocorre, pesquisamos a Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas – Rio Grande do Sul. Essa unidade, fundada em 1976, demonstra em sua história, manifesto o desejo de memória, razão fundante para a realização do estudo de caso com esse grupo. Pretendemos, então, contribuir para a discussão dos conceitos da memória e da identidade e suas formas de construção e fixação em ambientes coletivos.
Palavras-chave: Memória, Identidade, UFPel, Faculdade de Enfermagem .
Abstract:
This article try to understand the relation between commemoration and it is potential for the construct of memory and identity of some kind of group. To learn how this develop, we investigated the nursery school of University Federal of Pelotas – Rio Grande do Sul. This school was founded in 1976, and shows in it is history the memory desire, the reason to develop this study, with this group. Therefore, our ambitious is contribute with the discussion of memory and identity concepts and way of this construct and fixation in collective environment. 
Key-words: Memory, Identity, UFPel, Faculdade de Enfermagem



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Marina Duarte Gutierre, Diego Lemos Ribeiro y Juliane Conceição Primo Serres (2016): “A Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas e seu desejo de memória através da comemoração”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/03/memoria.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-03-memoria


INTRODUÇÃO.

     As relações entre a construção de memória e da identidade, através das comemorações são os princípios norteadores para a realização deste artigo. Assim, para compreender como elas ocorrem partimos do caso da Faculdade de Enfermagem (FEn) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no estado do Rio Grande do Sul – Brasil. Há que se referenciar que esta pesquisa é um recorte temático da dissertação desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da referida universidade.
     Ao refletir, portanto, sobre a construção da memória e da identidade em determinado grupo surgem algumas questões basilares, tais quais: como ocorre, através de quais dispositivos e de que modo qualificar esses processos de celebração de memórias partilhadas? Neste artigo pretendemos lançar luz sobre essas perguntas, abrindo possiblidades de respostas ainda que preliminares.
     A escolha por estudar a FEn deve-se ao fato de que em seus 40 anos de existência vem demonstrando, através das comemorações, desejo pela construção de sua memória e de uma pretensa identidade coletiva.
     A FEn faz parte da UFPel, localizada na cidade de Pelotas, distante 270 km de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul. Cabe ressaltar que o desenvolvimento dessa universidade remonta ao surgimento da antiga Universidade Rural do Sul (URS) em 1960, que era vinculada ao Ministério da Agricultura e composta pelas Escola de Agronomia Eliseu Maciel, Escola superior de Ciências Domésticas, Escola de Veterinária, Escola de Pós-Graduação e pelo Centro de Treinamento e Informação (Cetreisul), considerado uma unidade acadêmica. Em 1967 a URS é federalizada e transferida ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), passando a chamar-se Universidade Federal Rural do Rio Grande do Sul (UFRRS), e suas unidades tornam-se Faculdades1 .
     Em 1969 a UFRRS é transformada em Universidade Federal de Pelotas “dentro da política de expansão e interiorização do ensino superior preconizada pelos governos militares” (LONER, 1999). Além das faculdades já existentes, ainda foram anexadas as seguintes unidades: Conservatório de Música de Pelotas, Escola de Belas Artes Dona Cármen Trápaga Simões e o Curso de Medicina do Instituto Pró-Ensino Superior no Sul do Estado (Ipesse), além do Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça (CAVG).
     Percebe-se, portanto, que a Faculdade de Enfermagem foi criada somente depois de estruturada a Universidade, fato que, talvez ajude a compreender a vontade de memória manifestada por essa unidade.
     Com relação ao surgimento da Faculdade de Enfermagem, a partir das décadas de 1960 e 1970, políticas públicas de saúde passaram a ser desenvolvidas no Brasil, objetivando a formação de recursos humanos, de tal modo que:

a partir dos encontros de Ministros da Saúde dos países latino-americanos foi elaborado um documento que propôs mudanças teóricas, conceituais e práticas na gestão de recursos humanos e nas políticas de saúde de todo o continente latino-americano” Este movimento procurou introduzir soluções para a situação da saúde no continente americano, como um marco para as discussões e propostas no campo da saúde na América Latina. Dentre as recomendações gerais para os países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) destaca-se sobremaneira a implantação do Plano Decenal de Saúde, incluindo na pauta das discussões, a formação profissional no campo da saúde. (FIGUEIREDO E BAPTISTA, 2009: 514).

     Assim, em 1972 o Departamento de Assuntos Universitários (DAU) do Ministério da Educação e Cultura, realizou estudo para conhecer a realidade da situação profissional na área da enfermagem, concluindo que havia mais cursos de enfermagem em escolas particulares, de caráter religioso, do que nas universidades federais. Até esse período existiam 39 cursos de enfermagem em nível superior, dos quais 19 localizavam-se na região sudeste, 9 na região nordeste, 6 na região sul, 3 na região centro-oeste e 2 região norte do Brasil. (FIGUEIREDO E BAPTISTA. 2009).
     Através desse estudo, o MEC inaugurou uma demanda de criação de cursos de enfermagem nas universidades federais existentes. Foi nesse contexto que se deu a origem da Faculdade de Enfermagem (através da criação do Curso de Enfermagem e Obstetrícia) da Universidade Federal de Pelotas em 1976. 
     Dessa forma, o Curso de Enfermagem e Obstetrícia da UFPel foi criado naquele mesmo ano, inicialmente vinculado à Faculdade de Medicina (FAMED), foi reconhecido pelo MEC em 19802 . Em 1989, ganha status de faculdade, passando a contar com estrutura própria.
     Apesar do reconhecimento enquanto Faculdade, fisicamente a FEn manteve-se localizada no chamado campus da Saúde até 2006, quando mudou-se, provisoriamente para a Rua XV de novembro, conforme reportagem veiculada no jornal Diário Popular:

Com a expansão verificada, o espaço físico, que durante algum tempo se mostrou suficiente, esgotou sua capacidade, dificultando o exercício das atividades acadêmicas. O problema se agravou com a intervenção realizada no pavimento térreo do prédio (módulo B do Campus da Saúde), cujas obras exigiram a desocupação da parte superior do imóvel. Começava então uma grande mobilização da comunidade da FEO, no sentido de obter uma solução que restabelecesse as plenas condições ao processo ensino-aprendizagem. Sensível ao problema, a Administração Superior da Universidade destinou, em caráter provisório, o amplo sobrado localizado na rua Quinze de Novembro, 209, onde funcionou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. (Diário Popular,16.08.2007)

     A FEn permaneceu nesse endereço por cerca de dois anos. A mudança se deu em função do crescimento dos cursos da área da saúde, de forma que o campus já não suportava as duas Faculdades, a de Medicina e a de Enfermagem. A busca por um local próprio para a FEn tornou-se uma das prioridades da unidade, podendo ser percebido no discurso dos professores, e mesmo através do material produzido para a exposição dos 30 anos da Unidade. Em 2010 a FEn mudou-se definitivamente para o Campus Anglo.
     Ao estudar a história da FEn, foi possível notar, através dos relatos dos professores, e mesmo dos objetos estudados na instituição, através das fichas funcionais selecionadas, e dos textos elaborados para as exposições, a importância de profissionais que vieram de fora do estado para consolidar o curso de enfermagem. Destaca-se que a maioria dos professores que participaram da implementação do curso vieram do nordeste do Brasil, conforme relato da Professora da FEn Elodi dos Santos, elaborado para a comemoração dos 30 anos da Faculdade de Enfermagem,

No dia 7 de junho de 1976, a Enfermeira Hildete Bahia da Luz, a convite do Médico Naum Kaiserman, veio a Pelotas para organizar a criação da Escola de Enfermagem, junto a Faculdade de Medicina. A Enfermeira Helena Maria da Rocha Conceição, acompanhou a Enfermeira Hildete e em 1977, foi realizado o primeiro vestibular.  (SANTOS, 2006, s/p) 3

     Caracterizando-se, portanto, de acordo com os professores consultados, as singularidades do desenvolvimento do curso, bem como a força que essas enfermeiras apresentaram ao buscar reconhecimento profissional em um local de características tão distintas das suas.

2 - A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E DA IDENTIDADE ATRAVÉS DA COMEMORAÇÃO.

     Após apresentar, ainda que brevemente, o desenvolvimento da FEn, há que se destacar que é possível perceber através de sua trajetória, que a unidade apresentou desejos de preservar e divulgar sua memória, principalmente, através das comemorações aos seus 30 anos de fundação.
     No ano de 2006, houve a posse da nova diretoria da FEn, assim, a diretora eleita, prof. Luciane Kantorski, juntamente com os demais membros da diretoria, organizaram exposição comemorativa aos 30 anos da unidade. De acordo com a Prof. Luciane Kantorski:

na ocasião de comemoração dos 30 anos da enfermagem alguns professores, servidores e egressos trouxeram alguns objetos pessoais como convites de formatura, fotografias, uniformes e juntamente com objetos que tínhamos guardados na Faculdade e que expressam a memória da mesma foi montado numa sala de professores um espaço de exposição. Em outras ocasiões de comemoração isso também ocorreu nos corredores e em outros espaços. (KANTORSKI, 2015)

     Através da pesquisa realizada para a elaboração da exposição dos 30 anos da FEn, os objetos, textos elaborados pelos professores, fotografias e documentos selecionados foram apresentados ao público, buscando contar a história da unidade.
     Assim, a comemoração aos 30 anos da FEn ocorreu entre os dias 24 de agosto e 05 de setembro de 2006. Naquele momento, a Faculdade de Enfermagem ainda localizava-se no chamado Campus da Saúde, situado na Avenida Duque de Caxias, bairro Fragata, no mesmo complexo educacional que a Faculdade de Medicina.
     Na ocasião foi desenvolvido projeto de extensão “A FEO4 30 anos de existência e História: contribuindo com o cenário da qualidade de saúde em Pelotas e região”, em que alunos e professores participaram da pesquisa acerca da história da unidade, nesse movimento, localizaram egressos e antigos professores para que emprestassem, e/ou doassem material relativo à FEn, tal como antigas togas, fotografias dos projetos desenvolvidos pela Faculdade, e das instalações. Os objetos por sua vez, compostos por seringas de vidro, antigas embalagens de gaze e algodão, e o material para esterilizar os instrumentos hospitalares foram preservados pela Unidade. Parte dos documentos e fotografias levantados para a exposição foram doados à FEn.
Durante a exposição, toda a comunidade acadêmica foi envolvida, através de uma programação paralela que proporcionava essa participação, de tal forma que diferentes aulas trataram sobre a história da FEn e da própria profissão da enfermagem.
Sobre a Sala da Memória, a professora Valquíria lembra que:
Aquela sala fez o maior sucesso, teve palestras e tinha a sala, parece que eu estou vendo, Foi uma memória. Todo mundo colaborou, quem tinha coisa levava. A gente aproveitou as coisas da enfermagem. A gente tinha, por exemplo, os biombos, de um lado e de outro e colocamos as reportagens antigas que o pessoal trazia, sabe? Ficou bem bonitinho...
Eu levei isso, não só levei isso, levei uns negocinhos, mas teve gente que levou também ... todo mundo cooperou, muita gente levou livros antigos, tinha uma mesa só com livros antigos, sabe?(BIELMANN, 2016)

     Cinco anos mais tarde, a FEn comemorava seus 35 anos de existência. Na ocasião, além do aniversário, a Faculdade de Enfermagem comemorava a conquista da aquisição do local definitivo, já que naquele ano a FEn mudou-se para o Campus Anglo.
     Ainda que não tenha sido utilizado o recurso da exposição, conforme as comemorações aos 30 anos da Unidade, novamente houve celebrações onde toda a comunidade acadêmica foi envolvida.
     Como desdobramento das comemorações aos 30 anos de fundação da Unidade, os objetos e documentos foram mantidos na faculdade, bem como do material pesquisado, percebendo-se, então, a valorização desse material enquanto potencializador para a construção da identidade e da memória desse grupo, uma vez que podem ser expostos conforme demanda percebida através da necessidade de comemoração.
     Através da compreensão acerca do desejo de comemoração manifestado pela FEn, cabe refletir acerca dos conceito de memória e identidade. De modo que, diversas são as teorias utilizadas para compreendê-las, de forma que é possível analisá-las sobre distintos pontos de vista, como fisiológico, neurológico, psicológico antropológico, sociológico e etc. 
      Com relação à análise sobre o desenvolvimento da memória em sociedade, é possível afirmar que seu precursor foi Maurice Halbwachs. Em 1927 o autor publica o livro “Os marcos Sociais da memória”, inaugurando, segundo Colocrai (2010: 63), a sociologia da memória. Em 1950, o livro “Memória Coletiva” é publicado postumamente 5
     De acordo com Halbwachs (2004: 111), de cada época de nossa vida, guardamos algumas recordações que se reproduzem sem cessar, através das quais se perpetua a memória, inclusive na formação da identidade, como uma filiação contínua. Mas precisamente porque são repetições, mudam, ininterruptamente.  
     Dessa forma, segundo Colacrai (2010: 65), os marcos coletivos da memória de Halbwachs se caracterizam como instrumento, a partir dos quais a memória coletiva evoca lembranças do passado através do pensamento dominante de determinada sociedade. Para o sociólogo, portanto, o indivíduo recorda através dos marcos da memória social, ou seja, os diversos grupos integrantes da sociedade são capazes em cada momento de reconstruir seu passado. (HALBAWACHS, 2004: 336)
     Objetos e acontecimentos se localizam no nosso espírito de duas maneiras, em ordem cronológica e de acordo com o sentido atribuído pelo grupo do qual fazemos parte. (ibid. p. 327). Já no que se refere ao esquecimento, Halbwachs considera que ocorre em virtude do desaparecimento de determinado marco social, ou de uma parte dele. (ibid. p. 324).
     Ainda que não seja o objetivo desse artigo, ao mencionar o desaparecimento dos marcos sociais, é possível perceber os objetos preservados pela unidade como elementos de fixação da memória para esse grupo, uma vez que pressupomos que os objetos apresentam vida mais longa que as pessoas que compõe esse grupo. Dessa forma, ainda que desapareçam os elementos que determinam sua identificação, como os rituais de celebração de aniversário da unidade e as próprias pessoas que salvaguardam e narram as memórias, é possível pressupor a continuidade daquele grupo é possível pressupor a continuidade daquele grupo a partir da preservação desses artefatos.
     Para Halbwachs (1990), a memória é constantemente ressignificada no presente, assim, as lembranças são formuladas, ou reformuladas, de forma coletiva, isso porque, nunca estamos sozinhos. A memória de cada indivíduo, assim, corresponde ao seu relacionamento e identificação com determinado grupo.
     Cabe destacar ainda, que para que a memória se desenvolva de maneira coletiva é necessário que sua reconstrução se dê a partir de dados ou noções comuns, de modo que exista uma troca incessante e recíproca, o que só é possível se dois indivíduos fizerem parte de uma mesma sociedade. Nos termos do próprio autor: “somente assim podemos compreender que uma lembrança seja ao mesmo tempo reconstruída e construída”. (ibid., 1990: 34).
     Halbwachs foi o primeiro teórico a tratar a memória sobre o ponto de vista coletivo. Compreendeu que não existe reconstrução da memória, mas que ela é sempre ressignificada no presente. Antes do conceito de memória coletiva, Henry Bergson considerava que a memória avançaria sem cessar, através do cone da memória, tendo a base representada pelo presente e o cone representando a memória, o vértice seria a junção entre a memória e o presente. A memória, então, avançaria sem cessar pelo cone e se preservaria intacta. Assim, é possível afirmar que Halbwachs quebrou os paradigmas vigentes naquele momento. Apesar disso, desconsiderou a importância da memória individual na construção mesmo de uma memória social. Sendo assim, cabe então, referir as questões da memória social para o autor Joel Candau.
     Esse autor propõe, através de uma perspectiva antropológica, algumas manifestações da memória, quais sejam: memória de baixo nível ou protomemória, equivalente a uma “memória ‘imperceptível’, que ocorre sem tomada de consciência.” (CANDAU, 2012, p. 32); memória propriamente dita ou memória de alto nível, relacionada às recordações e reconhecimentos através de evocações propositais ou involuntárias; e, metamemória, que compreende a representação que cada indivíduo faz de sua memória, o conhecimento que tem dela, “a metamemória é, portanto uma memória reivindicada”. (ibid. p.23). Dessa forma, de acordo com o autor, a protomemória e a memória de alto nível são equivalentes à faculdade da memória, e a metamemória sua representação, sendo, então termos válidos para a memória individual.
     Ainda no que se refere à metamemória, Candau (2010:51) a considera como parte da representação individual de cada memória, de modo que relaciona-se à formação da identidade individual ou coletiva.
     Já no que se relaciona ao conceito de identidade, Manuel Castells o compreende como a fonte de significados e experiências de um povo. No tocante aos atores sociais, o autor considera a identidade como o processo de construção do significado com base no atributo cultural. O autor ressalta que para um dado indivíduo ou ator coletivo, pode haver identidades múltiplas, constituindo fontes de significados para os atores, por eles organizadas, mas construídas através de um processo de individualização. Castells ressalta ainda que, as identidades podem ser formadas a partir de instituições dominantes, mas apenas assumem essa condição no caso de os atores sociais a interiorizarem, constituindo assim, seu significado. (CASTELLS, 2003:  2-3)
     Para Pollak (2006, p.38), a construção da identidade ocorre, essencialmente, através de três elementos, quais sejam a unidade física, o sentimento de fronteiras individuais e mesmo coletivas; a continuidade no tempo e a unidade de coerência, ou seja, os diversos elementos que formam um indivíduo são unificados. O autor conclui, portanto, que a memória é um elemento constituinte da identidade, tanto individual quanto coletiva, de modo que na medida em que é também um componente no sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo bem como de sua reconstrução.
     O autor relaciona ainda que, ao tratar questões relativas à identidade há que se prever, também, um elemento que escapa ao indivíduo, e ao grupo a que pertence, o elemento alheio ao indivíduo. A construção da identidade, para Pollak, se caracteriza por ser um fenômeno produzido com referencia ao outro, aos critérios de aceitabilidade, de admissão e credibilidade, por meio de negociação direta com o outro, de modo que memória e identidade podem ser perfeitamente negociadas. (ibid. p. 38).
      Assim, Candau entende que, para conferir o grau de pertinência da memória e até da identidade, há que se questionar o que ele compreende por “retóricas holistas”. (2012: 27)
    Retóricas holistas são, para o autor,

 o emprego de termos, expressões, figuras que visam designar conjuntos supostamente estáveis, duráveis e homogêneos, conjuntos que são conceituados como outra coisa que a simples soma das partes e tidos como agregadores de elementos considerados, por natureza ou convenção, como isomorfos. (CANDAU, 2012,: 29)
 
     É possível, então, perceber as retóricas holistas como elementos aglutinadores de determinados grupo. Candau considera que a noção de pertencimento de grupo se deu de forma mais concreta a partir da chamada era industrial, quando as massas passam a ser representadas, ou pensadas enquanto entidades coletivas. (ibid. p. 29)
     Dessa forma, o autor entende que ao referir-se a representações factuais, supostamente compartilhadas por determinado grupo de indivíduos, há grande possibilidade que o grau de pertinência dessa retórica holista seja elevado. Já quando é composta de representações semânticas, ou seja, de representações atribuídas a esses fatos, existe uma grande possibilidade de que seu grau de pertinência seja fraco ou nulo, isso porque, de acordo com o autor, não é possível valer-se de generalizações, já que a noção de probabilidade não indica que todas as retóricas holistas aplicadas a essas determinações sejam pertinentes. (ibid. p. 39).   
     A partir disso, o autor compreende que uma memória forte, massiva, coerente, compacta e profunda, organizadora, pode constituir-se como importante estruturadora do grupo, desde que compartilhada pela maioria de seus membros, sendo em grupos menores mais fácil de ser determinada essa chamada memória forte. Já a memória fraca, caracteriza-se por apresentar contornos indefinidos, normalmente não é compartilhada pelos membros do grupo, sendo sua identidade coletiva, relativamente intangível. 
     O conceito relativo às Retóricas Holistas de Candau avança no sentido de negar generalizações e compreender que existem diversos graus de identificação e de memória nos grupos, questões impostas pela individualidade de que é composta.
     Nesse sentido, no que se refere à transmissão e consolidação da identidade de determinado grupo, Candau (2012: 118) lembra que além da escrita, outras formas menos tradicionais são, também bastante eficientes. No caso de identidades familiares o desejo de continuidade pode se manifestar através da preservação de variados suportes como fotografias, antigos objetos e etc.. É possível identificar uma vontade de pertencimento e continuidade de determinada identidade. Já no que se relaciona aos grupos profissionais, o autor considera que “valorizam os comportamentos adequados e reprimem os demais a fim de produzir uma memória adequada à reprodução de saberes e fazeres e à manutenção de uma identidade da profissão” (ibid. p. 118). Entretanto, a identidade profissional, de acordo com o autor, não se encerra no desenvolvimento das habilidades técnicas, para além delas, a identidade, na maioria das vezes, se inscreve nos corpos mesmos dos indivíduos. (CANDAU, 2012: 119).
     Sendo assim, é possível perceber, no caso da Faculdade de Enfermagem que a busca pela construção da memória e da identidade se refletiu através do desejo pela comemoração desse curso. De modo que, através da valorização de seus elementos aglutinadores, ou seja, de suas retóricas holistas, seria possível, inclusive, imaginar a construção de uma memória forte compartilhada por esse grupo.
     Além disso, é possível perceber que para além das comemorações, a FEn buscou preservar seus documentos e objetos, para que, através deles a construção da memória e da identidade seja potencializada, uma vez que agem como elementos sóciotransmissores, ou seja, favorecem as conexões necessárias para a materialização desse sentimento de pertencimento cuja potência sociotransmissora é proporcional à aceitação desses referenciais por parte dos membros desse coletivo. Dessa forma, é possível perceber que, para a Faculdade de Enfermagem, a comemoração e a preservação de seus objetos e documentos funcionam como a metamemória referida por Candau, uma vez que lança mão desse recurso para reivindicar sua memória.
     Assim, ao referir questões sobre a memória, cabe ressaltar suas especificidades, em particular, no caso da (re)construção de uma memória Institucional. De acordo com Rueda, Freitas e Valls, salvaguardar documentos relativos a tomadas de decisão faz parte da rotina de qualquer instituição, caracterizam-se, então como elementos constitutivos de uma memória institucional (2011: 86). Ainda para os autores, a memória institucional se caracteriza como importante ferramenta para seu desenvolvimento e comunicação com a sociedade em que está inserida, caracterizando-se como seu elemento aglutinador, identitário. (ibid. p. 89)
     Ao relacionar algumas questões que envolvem a história da Faculdade de Enfermagem, buscamos abordar, mais detalhadamente os fatores que se relacionam ao seu desejo de preservar a história apresentado por essa unidade.
     É possível perceber que a vontade de memória da FEn está representada, principalmente pelas comemorações e pela preservação de seus objetos. Dessa forma entende-se que “consagrando o universalismo dos valores de uma comunidade, as comemorações buscam, nessa “rememoração ” de acontecimentos passados, significações diversas para uso do presente”. (SILVA, 2002: 432)
     Dessa maneira, se faz necessário citar Pierre Nora, quando afirma que determinadas ações, tais como a comemoração ou a criação de museus e arquivos, por exemplo, não são atividades naturais, de tal modo que “Sem vigilância comemorativa, a memória depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora”. (NORA, 1993: 13).
     Ao refletir acerca dos conceitos da memória, identidade, portanto, foi possível perceber que o elemento escolhido pela FEn para essa construção se deu através de seu desejo de comemoração.

3 - CONCLUSÕES:

     As ponderações proporcionadas pela construção desse artigo buscaram contribuir para a reflexão acerca do desenvolvimento da memória e da identidade em determinada sociedade.
     Dessa forma, buscamos perceber, através do caso da Faculdade de Enfermagem da UFPel os elementos utilizados para a construção de sua memória e identidade. Ainda que seja possível perceber mais de uma maneira para essa formação, lançamos olhar para a importância da comemoração.
     A comemoração, para o grupo estudado funciona como seu elemento aglutinador, ou sua retórica holista (Candau, 2009), proporcionando não só a manutenção de sua memória e identidade, como é através dessas iniciativas que alargam esse sentimento de pertencimento para os alunos, professores e funcionários dessa unidade.

Referências:

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BERGSON, Henry. Matéria e Memória. Tradução Paulo Neves. São Paulo. Martins Fontes, 1999.

CANDAU, Joel. Memória e Idetidade. São Paulo: Editora Contexto, 2012.

CANDAU, Joel. Bases Antropológicas e expressões mundanas na busca patrimonial: memória, tradição e identidade. In.: Revista Memória em Rede, Pelotas v.1, n.1. 2010

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa 2003.

COLACRAI, Pablo. Releyendo a Maurice Halbwachs: Uma revisión del concepto de memoria colectiva. In: La trama de La Comunicacion, v. 14.  UNR Editora, 2010.

Diário Popular, Pelotas, 16 ago. 2007. Cidade: Enfermagem da UFPel terá mestrado.

FIGUEIREDO, Mariangela Aparecida Gonçalves; BAPTISTA, Suely de Souza. In.: Revista Brasileira de Enfermagem – REBEn, Brasília 2009, p. 512-517.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vertice/Revista dos Tribunais, 1990.

HALBWACHS, Maurice. Los Marcos Sociales de la Memoria. Venezuela: Anthropos, 2004.

KANTORSKI, L. P. Entrevista concedida a autora através de meio digital (e-mail), em outubro de 2015.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In.: Projeto História, n. 10, p. 7-28, 1993.

POLLAK, Michael. Memoria e Identidad social In.: Memoria, Olvido Silencio: La producción social de identidades frente a situaciones limite. La Plata - Buenos Aires: Ediciones Al Margen, 2006. p.33-52.

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SILVA, Helenice Rodrigues da. “Rememoração”/Comemoração: as utilizações sociais da memória. In.: Revista Brasileia de História. . São Paulo , V. 22, n, 44, p. 425-438, 2002.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. Disponível em <http://portal.ufpel.edu.br/historico/> Acesso em: 03 de mai. 2015.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPel). Disponível em <http://wp.ufpel.edu.br/45anos/resenha/> Acesso em: 03 de mai. 2015.

* Mestranda no programa de pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas – Brasil.
** Doutor em Arqueologia pela Universidade de São Paulo, professor da Universidade Federal de Pelotas – Brasil.
*** Doutora em história pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, professora da Universidade Federal de Pelotas – Brasil.
1 Disponível em http://wp.ufpel.edu.br/45anos/resenha/. Acesso em 08 de maio de 2015.
2 Informação disponível em < http://www.cursosefaculdades.com.br/pos-graduacao-em-enfermagem-e-obstetricia-rio-grande-do-sul-pelotas-ufpel-FO-18572>. Acesso em 03 de maio de 2015.

3 Durante a exposição em comemoração aos 30 anos da FEn, a prof. Elodi dos Santos foi convidada a redigir o histórico da instituição.

4 A Faculdade de enfermagem chamava-se Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia até o ano de 2009, quando, em função de mudanças curriculares alterou sua denominação.

5 Halbwachs morreu em 1944 em campo de concentração

6 (...) a “rememoração” [...] proporciona o sentimento da distância temporal; mas ela é a continuidade entre presente, passado recente, passado distante, que me permite remontar sem solução de continuidade do presente vivido até os acontecimentos mais recuados da minha infância. . (SILVA, 2002: 428).


Recibido: 01/08/2016 Aceptado: 08/08/2016 Publicado: Agosto de 2016

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