Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O DIREITO DE ACESSO À ORIGEM GENÉTICA NO CASO DE CONCEPÇÃO POR REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Autores e infomación del artículo

Sérgio Rodrigo Martinez*

Everson Alexandre Silva**

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

srmartinez@outlook.com.br

RESUMO

O presente trabalho, por meio de revisão teórica de dados, tem por objetivo analisar o direito de acesso à origem genética do concebido na Reprodução Humana Assistida Heteróloga. No Brasil, apesar da regulamentação existente, emitida pelo Conselho Federal de Medicina, a inexistência de lei sobre a matéria abre lacunas e insegurança quanto ao sigilo do doador em contraposição ao interesse do concebido. Constatou-se que atualmente no direito brasileiro apenas por via administrativa, estabelecida pelo Conselho Federal de Medicina, é possível ter acesso aos dados dos bancos genéticos reprodutivos, desde que requisitado por um médico e respeitados o sigilo civil do doador. Trata-se apenas no direito de saber sua ancestralidade biológica para fins de verificar possível herança genética ou evitar relacionamentos incestuosos, não havendo qualquer possibilidade de vínculo filiativo a ser reconhecido juridicamente.
 
Palavras-chave: Reprodução Humana Assistida Heteróloga, Filiação Afetiva; Conhecimento da Origem Genética, Direito de Saber, Bancos Genéticos.

EL DERECHO DE ACESO A SU ORIGEN GENETICA EN CASO DE
CONCEPCIÓN POR REPRODUCIÓN HUMANA ASISTIDA

RESUMEN

En este trabajo, a través de la revisión de datos teórica tiene como objetivo examinar el derecho de acceso al origen genético de la Reproducción Humana Asistida diseñada heteróloga. En Brasil, a pesar de las regulaciones emitidas por el Consejo Federal de Medicina, la ausencia de ley en la materia se abre brechas y la incertidumbre sobre el carácter secreto de los donantes en lugar de los intereses del concebido. que se encuentra actualmente en la legislación brasileña única establecida administrativamente por el Consejo Federal de Medicina, se puede tener acceso a los datos de los bancos genéticos reproductivos, siempre y cuando ordenado por un médico y respetado la confidencialidad civil del donante. Es decir, es sólo derecho a conocer su ascendencia biológica con el propósito de verificar una posible herencia genética o evitar las relaciones incestuosas, sin posibilidad de fianza filiativo ser reconocidos por la ley.

Palabras-claves: Reproducción Asistida Heteróloga. Afecto. Filiación Afectiva, Conocimiento de origen genética, Derecho de Saber, Bancos Geneticos.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Sérgio Rodrigo Martinez y Everson Alexandre Silva (2016): “O direito de acesso à origem genética no caso de concepção por reprodução humana assistida”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/03/concepcion.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-03-concepcion


1 INTRODUÇÃO

            As técnicas correntes na reprodução assistida, além de inovadoras, tem exercido papel fundamental no auxílio às pessoas que querem construir suas famílias e constituírem filhos, sobretudo àqueles que não o conseguem pela via natural, por seus próprios gametas.
            Nessa situação, o indivíduo fecundado possuirá uma identidade genética diferente do pai e/ou da mãe, os que se submeteram a técnica, já que receberam material genético doado por terceiro, o que lhe atribuiria a paternidade/maternidade biológica.
            No caso de doação de material genético, no Brasil vigora, regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina, o sigilo absoluto do doador. Assim, o direito da personalidade do concebido pela reprodução humana assistida heteróloga, de conhecer sua origem genética fica limitado, em face desse sigilo absoluto.
O problema surge quando o legítimo direito de saber do concebido surge, em face da eventual necessidade de prevenção/tratamento de doenças genéticas, ou ainda, para se evitar possíveis relacionamentos amorosos entre familiares biológicos, ou, por fim, pela justificada necessidade íntima e digna de seu autoconhecimento existencial, a partir de sua origem genética.
Haveria então um choque entre a premissa do sigilo absoluto do doador, que rege por regulamento a doação de gametas de terceiros atualmente no país, com a do acesso à informação sobre a origem genética do indivíduo, restando patente um problema jurídico a se dirimir.
            Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa é revisar os dados existentes sobre o assunto, em face da hipótese desse direito de saber, do indivíduo concebido por meio da reprodução humana assistida heteróloga, caso requeira o acesso à sua identidade genética.
A análise e revisão de dados identificou informações jurídicas pertinentes ao direito ao de saber em jurisprudências e doutrinas vigentes, principalmente em artigos científicos relativos a bioética e biodireito.
Em suma, a revisão de dados demonstra o avanço da temática na seara jurídica e também as formas passíveis de se garantir o acesso ao direito de saber sua origem genética, respeitada a questão do sigilo do doador de gametas.

2 REVISÃO DE DADOS
           
            A fecundação artificial se divide em homóloga e heteróloga. Na homóloga, o material genético utilizado na fecundação do óvulo é do próprio “casal”. Na heteróloga, o material utilizado para fecundação pode ser parcialmente doado, quando é utilizado ou o gameta feminino ou o gameta masculino de um terceiro; ou totalmente doado, quando serão utilizados ambos os gametas de doadores.

A inseminação artificial heteróloga, prevista no art. 1.597, V, do Código Civil, dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A lei não exige que o marido seja estéril ou que, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido previamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia”, razão porque pode ser verbal e comprovada em juízo como tal. (LÔBO, 2004: s. p.)

            Atualmente, a Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM), é que disciplina a matéria da Reprodução Assistida (RA) no Brasil. Estabelece a referida resolução em seu inciso I, que "1- As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação".
            É inegável o avanço atual das técnicas da RA, bem como o papel que ela desempenha, no auxílio às famílias que desejam procriar e não o podem fazer, principalmente com as que tem problemas de fecundidade. Nesse contexto, a bioética e o biodireito, tem sido mecanismos indispensáveis para balizar, com as devidas cautelas éticas, sua ocorrência. Baracho (2004: 119) aduz que:

As fronteiras da bioética com o direito tornam-se, cada dia mais constantes, tendo em vista as pesquisas e ensaios sobre as diversas conseqüências, que acabam tendo lugar em dispositivos legais, como aqueles referentes às doações e fecundações in vitro. Novas questões aparecem, em decorrência do progresso da biologia e da medicina. A diversidade de situações, criadas pelo progresso das pesquisas científicas, levam a necessidade de estudos doutrinários, decisões judiciais e o aprimoramento da legislação, em decorrência das diversas eventualidades possíveis [...].

 

            Existem requisitos para a doação de gametas na Reprodução Assistida Heteróloga (RAH), quando os gametas são doados por terceiros. Conforme dispõe a resolução do CFM nº 2.121/2015 em seu inciso IV: que esta não poderá ter caráter lucrativo ou comercial; que a identidade dos doadores e receptores será sigilosa não podendo ser revelada entre si, com exceção, quando por motivação médica, contudo tais informações, serão exclusivamente fornecidas para os médicos, resguardada a identidade civil do doador; à referida resolução, foi acrescentado o limite de idade para o doador de gametas, sendo de 35 anos, para a mulher, e 50 anos, para o homem. Ainda, o inciso IV discorre que as clínicas responsáveis devem manter permanentemente, um registro de dados clínicos de caráter geral, com características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, conforme legislação.
Hoje, a utilização benéfica dessa tecnologia gera um impacto que não pode ser considerado sob o ponto de vista meramente jurídico da por infertilidade do casal heterossexual. Ela também atende os relacionamentos homoafetivos, onde se busca a constituição de família, com o uso de gametas doados.
Nesse sentido, dispõe a Resolução nº 2.121/2015 do CFM, em seu inciso II, que são pacientes das técnicas de RA, todas as pessoas capazes, não obstante, "2- É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência do médico", e ainda, "3- É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade".
            Esses são os limites da bioéticos atuais no campo da RA. Há uma evidente ausência de legislação infraconstitucional específica quanto à RAH no Brasil, mas também uma latente demanda por sua regulamentação visto a crescente utilização das técnicas de RAH (GAMA, 2000: 06)
            Por isso que, além da utilização dessa auto-regulamentação do CFM, é importante a análise da matéria a luz da doutrina e da jurisprudência, de maneira integrativa sobre as normas jurídicas existentes e que possam ser aplicadas ao assunto.
            O Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002), em seu art. 21, discorre que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
A Declaração universal sobre bioética e direitos humanos da Unesco de 2006, estabelece em seu art. 9º que:

A vida privada das pessoas em causa e a confidencialidade das informações que lhes dizem pessoalmente respeito devem ser respeitadas. Tanto quanto possível, tais informações não devem ser utilizadas ou difundidas para outros fins que não aqueles para que foram coligidos ou consentidos, e devem estar em conformidade com o direito internacional, e nomeadamente com o direito internacional relativo aos direitos humanos.

A Declaração Internacional Sobre Dados Genéticos Humanos da Unesco de 2004, estabelece em seu art. 14º que: é dever dos Estados a proteção da “vida privada dos indivíduos e a confidencialidade dos dados genéticos humanos associados a uma pessoa, uma família ou, se for caso disso, um grupo identificável”. Não obstante, o mesmo artigo discorre que:

[...] não deverão ser comunicados nem tornados acessíveis a terceiros, em particular empregadores, companhias de seguros, estabelecimentos de ensino ou família, se não for por um motivo de interesse público [...].

Verifica-se assim, que a proteção da intimidade, da vida privada, bem como a sua inviolabilidade, perpassa todo o ordenamento jurídico e condiz com o sigilo da pessoa do doador voluntário de gametas na RAH.

A doação é abandono a outrem, sem arrependimento sem possibilidade de retorno. É medida de generosidade, medida filantrópica. Essa consideração é o fundamento da exclusão de qualquer vínculo de filiação entre doador e a criança oriunda da procriação. É, igualmente, a justificação do princípio do anonimato. (LEITE, 1995:145)

Nesse sentido, o princípio do anonimato do doador prevalece, tendo em vista que a doação é mero ato de generosidade, incapaz de estabelecer vínculos parentais entre doador e a criança daí concebida.
Wanssa (2010: s. p.), discorre que “a confidencialidade deve ser vista como expressão daquilo que deve permanecer secreto. Fundamenta-se de duas maneiras distintas, para o sujeito é um direito, ao passo que para terceiros é a expressão de um dever".
Morales (2007: p.10) sugere que caso a identidade do autor fosse revelada, a este caberia inclusive uma reparação civil dos danos causados pelos responsáveis. Assim, indiscutivelmente o anonimato seria "a garantia da autonomia e do desenvolvimento normal da família, assim fundada e também a proteção leal do desinteresse daquele que contribui na sua formação".
Pereira (2006: 84) defende o anonimato do doador de gametas, argumentando que sua aplicação tem por objetivo primordial a garantia ao doador de que este não assumirá a paternidade, com os ônus dela decorrentes, pois ao contrário, não haveria doadores e estaria inviabilizada a pesquisa e a chance de muitos casais inférteis virem a ter seu filho.
Contudo, o autor supracitado prepondera, que haveria possibilidade do reconhecimento da história do indivíduo numa perspectiva biológica, tanto para o seu resguardo existencial, quanto para proteção a doenças hereditárias.
No direito comparado, o entendimento quanto à manutenção do sigilo, tem sido regra, de modo que há plena consideração da maternidade/paternidade socioafetiva e a desconsideração da biológica, com a manutenção do sigilo absoluto do doador. Porém, há uma exceção no plano internacional.

Apesar do anonimato dos doadores ser a regra em praticamente todos os países que possuem legislação a respeito, atendendo aos interesses da criança ou do adolescente, a lei sueca exatamente não prevê o sigilo, o anonimato, tendo em vista a necessidade de prevenir doenças genéticas, além de permitir que a pessoa possa, com a maioridade, conhecer o genitor biológico. (GAMA, 2000: 12)

Tal posição da legislação sueca para ser uma exceção questionável, uma vez que permite não só o acesso aos dados para prevenir doenças hereditárias, mas também resguarda o direito do concebido em RAH em conhecer a pessoa do doador. Não há na doutrina quem concorde com esse último direito, uma vez que acaba por desestimular a doação de gametas, criando um constrangimento não desejado pelo voluntário doador.

Como se percebe, os procedimentos de fertilização artificial heteróloga, embora legítimos, colocam em choque direitos essenciais. Direitos, que analisados separadamente, apresentam o mesmo grau de importância e, para definir qual deles deve prevalecer e qual deve sucumbir, precisa-se analisar o caso concreto em que se confrontam. Somente então, conseguir-se-á aferir se realmente há a sobreposição de uns sobre os outros. (CAMARGO, 2008: 73)

Para Oliveira (2012: 14), questionamentos quanto à sua origem genética e biológica, são hipóteses naturais de todo ser humano, contudo, deve-se respeitar os limites do anonimato do doador do material genético. Uma investigação quanto a sua origem genética, além de prejudicar a doação de gametas para a RAH, provavelmente, traria constrangimentos e traumas ao núcleo familiar do doador e do receptor, conforme se observa:

O aspecto do anonimato do doador, na reprodução assistida heteróloga, serviria como um estímulo à doação de material genético para dar a possibilidade aos casais inférteis de ter filhos, já que se pairasse a insegurança de uma possível investigação de paternidade futura, certamente não haveria doações de materiais genéticos para essa finalidade [...] Não obstante, [...] o conhecimento da identidade do doador poderia influenciar de forma negativa na relação familiar, causando até mesmo constrangimentos ou traumas na criança fruto desta técnica, interferindo em sua qualidade de vida.

 

Vasconselos (2014: s. p.) discorre que “o anonimato do doador ou da doadora, constante em contrato para redução a termo dos acordos e normas estabelecidas entre as partes, é hoje condição precípua para a realização da doação”. Contudo, para o autor, o direito ao sigilo das informações do doador e o direito ao conhecimento da origem genética do concebido, deve ser verificado na perspectiva da parcial revelação das informações em segredo.
Na visão do autor, ambos os direitos têm respaldo no “pertencimento do segredo”, visto pertencer ao doador o segredo sobre suas informações, e ao concebido o direito de saber sobre suas informações, que vão decorrer do próprio doador. Assim, em caso de prevalência do direito ao conhecimento da origem genética em detrimento ao direito ao anonimato, isso somente poderia ocorrer parcialmente e com ressalvas, em não se identificar civilmente o doador.

A manutenção do anonimato é considerada de suma importância no sentido de evitarem-se complicações futuras nos aspectos, sobretudo, legais e psicológicos. É controverso o fato das crianças nascidas, através deste processo heterólogo, desconhecerem a sua origem genética, pois, ao tempo que alguns especialistas acreditam que o anonimato dos doadores permite que os pais exerçam uma maior influência de suas identidades sobre os filhos, outros afirmam que geraria uma incompleta percepção de sua identidade à criança, levando a graves repercussões psicológicas. (WANSSA, 2010: s. p.)

Isto posto, o direito a manutenção do anonimato da identidade do doador de gametas é tido por absoluto. Contudo, não se pode desconsiderar a importância do conhecimento da origem genética, ao concebido da RAH, que a depender do caso concreto, deve ter atendido, seja para seu conhecimento existencial, para prevenção/tratamento de doenças hereditárias, ou para evitar relacionamentos incestuosos

A doação de gametas com a preservação do anonimato do doador pode fazer suscitar a questão que envolve a consangüinidade nos relacionamentos futuros, através do envolvimento de irmãos consangüíneos gerados por material genético de um mesmo doador anônimo. A ocorrência de casamento futuro de irmãos consangüíneos gerados por um mesmo doador é uma possibilidade, ainda que remota, a ser pensada. (WANSSA, 2010: s. p.)

Dessa forma, é cada vez mais urgente a necessidade de norma jurídica que regulamente definitivamente essa lacuna sobre o assunto, promovendo a segurança jurídica tão importante para o direito de família, sobre o prisma de garantir o acesso somente às informações essenciais da origem genética, resguardados o anonimato do doador.
Enquanto isso não ocorre, a respeito do acesso as informações do doador de gametas, a resolução nº 2.121/2015 do CFM em seu inciso IV, ao determinar que a identidade de doadores e receptores seja sigilosa, abre uma exceção, quando permite que por motivação médica, tais informações sobre a origem genética sejam acessadas por médicos, desde que seja resguardada a identidade civil do doador.
Parece ser esse o caminho para garantir o direito de indivíduo saber sua identidade genética, respeitado assim o sigilo do doador, e também, a manutenção do vínculo filiativo afetivo, já estabelecido entre o concebido e seus pais afetivos.
Há uma tendência jurídica contemporânea em se valorar os laços afetivos entre as pessoas, por vezes sobrepondo as relações meramente genéticas, em que a afetividade não esteja presente. Dessa maneira, a filiação não pode ser estabelecida se não houve, para além dos laços sanguíneos (genético), a formação de vínculos e laços afetivos. Lôbo (2004: s. p.) discorre que:

A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua. 

Nesse sentido, dispõe o art. 1.603 do CC/2002, que “a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”. Desse modo, o simples ato registral é prova suficiente de maternidade/paternidade dos pais afetivos, que não necessariamente serão os biológicos, não havendo necessidade de sua comprovação por outros meios para produzir os seus efeitos sobre o filho.
Tanto a doutrina atual, quanto a jurisprudência corrente, expressam forte tendência em dar prevalência aos vínculos socioafetivos, quando em conflito com os vínculos biológicos, e o fato de se buscar o conhecimento da origem genética, não é suficiente para desqualificar a paternidade socioafetiva e registral do filho.

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. SENTENÇA DE EXTINÇÃO. PEDIDO EXCLUSIVO DE DECLARAÇÃO DE PATERNIDADE, SEM REPERCUSSÃO NO REGISTRO DE NASCIMENTO. POSSIBILIDADE. 1. Deve ser assegurado à recorrente o direito personalíssimo de buscar a verdade biológica acerca de sua ascendência previsto no art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não obstante o desinteresse em desconstituir o registro de nascimento, ante o forte vínculo afetivo existente com seu pai registral. 2. O direito ao conhecimento da origem genética tem sua sede no direito de personalidade, de que toda pessoa humana é titular. Não se deve confundir o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética - sem outros efeitos jurídicos - com o direito ao reconhecimento da filiação. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052751625, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/04/2013). (TJ-RS - AC: 70052751625 RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 18/04/2013, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/04/2013)

Há que se distinguir entre a busca pela origem genética e o direito ao reconhecimento da paternidade/maternidade. Tal distinção deve ser mantida, quanto ao que dispõe o art. 27 da Lei 8.069 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que discorre o "reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça".
Por analogia legal, como na RAH o estado de filiação afetivo já está determinado, deve prevalecer e ser mantido, restando ao indivíduo fecundado apenas o direito ao conhecimento de sua identidade genética. Assim, poderia o indivíduo, ter conhecimento de sua ancestralidade genética, contudo, manter-se juridicamente filho do pai/mãe socioafetivos e registrais.
Isto posto, não deve haver um conflito sobre a filiação do indivíduo na verificação de suas origens genéticas, no caso de fecundação por via de RAH, pois a filiação afetiva é legalmente protegida em todos os seus aspectos, mesmo que os filhos não o sejam biologicamente.
Atualmente tramita na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL) nº 1.184/2003. Esse projeto de lei originalmente definia as normas para realização de inseminação artificial e fertilização "in vitro"; proibindo a gestação de substituição (barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical. Foi aprovado na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, e atualmente, aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Apensados a este, existem mais 15 projetos de lei que tratam da mesma matéria, e que serão objeto do pronunciamento do relator, sendo o último o PL 115/2015, apresentado em 03/02/2015, que institui o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais.
Quanto ao sigilo do doador e o direito ao conhecimento da origem genética, dispunha a redação original do PL 1.184/2003, em seu art. 9º § 1º que:

A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça.

E no art. 17 quanto aos vínculos parentais:

O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.

Diversamente, o PL 115/2015, em seu art. 19 discorre que:

O sigilo é garantido ao doador de gametas, salvaguardado o direito da pessoa nascida com utilização de material genético de doador de conhecer sua origem biológica, mediante autorização judicial, em caso de interesse relevante para garantir a preservação de sua vida, manutenção de sua saúde física ou higidez psicológica e em outros casos graves que, a critério do juiz, assim o sejam reconhecidos por sentença judicial. Parágrafo único. O mesmo direito é garantido ao doador em caso de risco para sua vida, saúde ou, a critério do juiz, por outro motivo relevante.

E no art. 48 quanto aos vínculos parentais:

Nenhum vínculo de filiação será estabelecido entre o ser concebido com material genético doado e o respectivo doador, ainda que a identidade deste venha a ser revelada nas hipóteses previstas no artigo 19 deste Estatuto.

Entre o original PL 1.184/2003 e o ultimo PL 115/2015 há enorme discrepância quanto ao sigilo do doador e o conhecimento da origem genética do concebido, sendo aquele favorável ao irrestrito conhecimento das informações de origem do concebido, inclusive quanto a revelação da identidade civil do doador, e este diversamente, propondo a limitação judicial a este acesso.
No que diz respeito aos vínculos a serem estabelecidos entre doador e concebido, ambos os projetos de lei, convergem no entendimento de que não há possibilidade, de serem estabelecidos vínculos de filiação e paternidade entre ambos.
Importante destacar que o PL 115/2015 dispõe sobre a penalidade aos que violarem o sigilo devido, nos termos do seu art. 99: 

Violar o sigilo quanto ao procedimento utilizado ou identidade dos envolvidos, sejam doadores ou beneficiários, no tratamento de reprodução assistida. Pena – Detenção de dois a cinco anos e multa. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem divulgar ou facilitar a divulgação de informação que desrespeite o sigilo garantido a doadores e receptores de material genético, permitindo suas identificações.

Isto posto, observa-se há controvérsias nas propostas legislativas, a justificar a demora na aprovação de lei que disponha sobre a matéria de RAH no Brasil. Assim, enquanto ausente legislação especifica, resta fazer a interpretação analógica restritiva, quanto ao direito ao conhecimento da origem biológica do concebido, à luz da lei do ECA, com ressalvas.
O art. 48 do ECA, discorre que “o adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”, estabelecendo em seu parágrafo único, que “o acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica”.
           
A adoção e a RAH. Na primeira situação estão presentes: a) os pais biológicos, que por via natural conceberam o indivíduo; b) aqueles que adotaram, os pais socioafetivos; c) as pessoas adotadas, que passam a buscar o direito ao conhecimento de suas origens biológicas. No caso da RAH, existem, igualmente: a) os pais biológicos, que são os doadores de material germinativo; b) os pais socioafetivos, que são aqueles que utilizaram as técnicas de RAH e que portaram o efetivo intuito de ter filhos; c) a pessoa nascida, que agora reclama pelo conhecimento de sua historicidade. [...] assim como no instituto da adoção, a constituição de vínculo familiar socioafetivo deve ser irrevogável, não sendo restabelecido o vínculo familiar jurídico com os doadores de material germinativo nem sequer com a morte dos pais socialmente considerados. (VASCONSELOS, 2014: s. p.)

Montagnini (2012: s. p.) esclarece que apesar da RAH se assemelhar em muitos aspectos com a adoção, principalmente quanto ao estabelecimento de vínculos socioafetivos, os receptores da doação de gametas, consideram substancial diferença entre a adoção e a RAH, no campo psicológico.
Em relação a essa diferença psicológica significativa, está o fato de que na adoção há um histórico de abandono. Já na RAH, em sentido contrário, há uma grande expectativa de espera e afeto pelo concebido.

Não se deve desconsiderar as diferenças existentes entre adoção e ovodoação, pois nesta há ligação genética com o pai, ligação biológica com a mãe (gestação), inexistência de uma história anterior com outra família, inexistência de uma história de abandono/ rejeição. Estas diferenças produzem significados distintos a um ou outro modo de constituição de uma família. (MONTAGNINI, 2012: s. p.)

Por isso, há grande diferença entre a adoção e a RAH, o que justificaria até mesmo a decisão dos pais socioafetivos em não contar ao filho sobre sua origem genética, pois não considera que este dado seja relevante de ser levado ao seu conhecimento.
A Declaração Internacional Sobre Dados Genéticos Humanos da Unesco de 2004, estabelece o texto em seu art. 3º:

Cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode reduzira identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é constituída pela intervenção de complexos factores educativos, ambientais e pessoais, bem como de relações afectivas, sociais, espirituais e culturais com outros indivíduos, e implica um elemento de liberdade.

Nesse sentido, considera-se que o indivíduo não é formado exclusivamente por fatores genéticos, mas também por diversos fatores que contribuíram para sua formação humana, dentre eles, o afeto recebido de seus pais. Logo, saber acerca de sua identidade genética, é um dado informacional a ser disponibilizado ou não pelos pais afetivos, sem que isso tenha implicações na formação da identidade do concebido.
A Declaração universal sobre bioética e direitos humanos da Unesco de 2006, estabelece em seu art. 5º, que:

A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.

Para Fava (2009: 63), "há que se considerar que a composição biológica de uma pessoa representa o seu modo mais básico e essencial de diferenciá-la de todas as demais pessoas, na medida em que a individualiza das demais".
Mas seria dever moral dos pais informar sobre a origem genética de seu filho havido por RAH, enquanto prerrogativa da dignidade da pessoa humana de parte do autoconhecimento de si mesmo?

Como se pode perceber, o direito ao conhecimento da origem genética é fundamental, de modo que não pode ser negado. É certo que o direito à intimidade também constitui um direito fundamental, mas nos casos de fertilização heteróloga o direito à identidade deve-se sobrepor. A lei que vier a regular o uso da reprodução assistida deve garantir que esse direito seja realizado, sob pena de inconstitucionalidade. (HOLANDA, 2006: 113)

Oliveira (2012: 10) diz que na inseminação artificial heteróloga, além do material genético de um doador, existe uma vida a ser gerada, e por consequente a criação de vínculos de personalidade, assim o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser o norteador dos possíveis conflitos sobre a matéria, quando a lei for omissa ou não for capaz de resolvê-los.

[...] o mais indicado é que haja uma ponderação entre ambos os direitos, realizando uma análise ao caso concreto e observando as reais alegações dos requerentes. Deve-se, para tal, usar sempre como norte o princípio da dignidade da pessoa humana para então se chegar a melhor decisão para solucionar o conflito. Na utilização da ponderação deve-se levar sempre em conta o princípio do melhor interesse da criança. (OLIVEIRA, 2012: 10)

Por outro lado, há uma grande preocupação sobre a repercussão patrimonial que tal conhecimento poderia causar à vida do doador de gametas. Porém, como visto, assevera-se que o estabelecimento de vínculos afetivos, formado pelo concebido e seus pais socioafetivos, afastaria totalmente o estabelecimento de relações biológicas e afetivas de parentesco e obrigações entre o concebido e o doador.
 Vasconcelos (2014, s. p.) propõe a desbiologização dos conceitos de maternidade e paternidade, que seria a desconsideração dos vínculos biológicos em favor dos vínculos familiares socioafetivos.
A supremacia legal dos laços afetivos, em detrimento do vínculo biológico entre os envolvidos na RAH, permitiria uma maior segurança quanto a uma possível investigação da origem genética do concebido.
Nesse sentido, por analogia, verifica-se uma decisão sobre adoção, na qual são afastados quaisquer vínculos jurídicos com os antepassados biológicos, apesar de se garantir o conhecimento da origem genética do adotado.

EMENTA: Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 49 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais, Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros país. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA.
RECURSO ESPECIAL Nº 127.541 ‑ RIO GRANDE DO SUL (1997JO025451‑8) RELATOR: MIN. EDUARDO RIBEIRO. RECTE.: M.T.M.B.D.V. ADVOGADO: F.M. E OUTROS RECDO.:  S.D.S.A.‑MENORIMPÚBEREREPR. POR: M.M.P. ADVOGADO: C.H.D.S.R. E OUTRO. 2000.

Logo, o direito do indivíduo concebido da reprodução assistida heteróloga, ao conhecer sua origem genética, em nada terá de direitos filiativos para além daqueles formados com seus genitores afetivos.
Considera-se para tal, a desbiologização da paternidade/maternidade, que repercute na prevalência das relações socioafetivas em detrimento das biológicas, e a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, ao direito que cada indivíduo tem de saber a sua própria história. Mas como buscar o acesso judicial a esses dados?
Para Fava (2009: 62), a identidade genética faz parte do status pessoal do indivíduo, no entanto, quando a identidade pessoal é prejudicada pelo não conhecimento da identidade genética, poderá ser restabelecida por meio de Ação de Estado, de modo que se assegure o direito a personalidade e ao conhecimento da origem genética de cada indivíduo.
Nesse sentido, Cunha e Ferreira (2008: 8), discorrem que o Habeas data e a Investigação de Paternidade poderiam viabilizar o acesso a identidade genética do indivíduo gerado da reprodução assistida heteróloga.
O Habeas Data tem previsão legal na CF/1988 no art. 5º, LXXII, e tem por objetivo “levar ao conhecimento do impetrante dados referentes a sua pessoa, que sejam constantes de arquivos, cujo órgão responsável tenha se recusado a fornecer”.
Tal remédio constitucional além de cabível frente aos órgãos públicos também pode ser instrumento para atingir entidades que possuam bancos de dados de caráter público, o que seria ineficaz na maior parte dos casos, visto que a maioria das clinicas que atuam na RAH serem privadas.
Contudo, Cunha e Ferreira (2008: 9), esclarecem que como as informações referentes à origem genética são relativas ao impetrante, consequentemente também são de interesse privado do doador de gametas, o que tornaria limitado o uso de tal instrumento, por seu caráter personalíssimo, não se admitindo revelar informações que sejam de outrem.
Do mesmo modo, Fava (2009: 61), ratifica que o habeas data não poderia ser considerado caminho adequado, pois quando é utilizado como forma de acesso as informações da concepção do indivíduo, permitiria o acesso às informações relativas ao doador, que é pessoa estranha ao impetrante, o que não é admitido pelo habeas data.
Em suma, a eficiência do uso do habeas data para conhecimento da origem genética do concebido, somente poderia ser obtida em bancos públicos de doação de gametas, assim como, seus efeitos limitariam o alcance do indivíduo, que não poderia vir a ter acesso ao nome do doador.
Nessa acepção, quanto ao acesso ao conhecimento da ascendência biológica, o Direito permitiria ainda a chamada Ação de Investigação de Paternidade, regulamentada pela Lei 8.560 de 1992.
Contudo, estabelece o art. 102 § 3º da Lei 8.069 de 1990, ECA, que a investigação de paternidade só poderá ser demanda no caso desta ainda não ser definida no registro de nascimento.
Desse modo, nos casos em que existirem pais registrais que não tem motivos jurídicos para serem destituídos, ela não poderia ser utilizada, o que frustraria a demanda pelo conhecimento da origem genética, do indivíduo com pais registrais socioafetivos.
Contudo, para Cunha e Ferreira (2008: 10), a ação de investigação de paternidade poderia ser cabível se seus efeitos fossem limitados ao conhecimento da ascendência genética, mesmo após o registro da paternidade/maternidade do concebido.
Nessa hipótese ainda a ser testada, a ação de investigação de paternidade, poderia ser utilizada para o conhecimento da origem genética do concebido da RAH, desde que, se imponha limites quanto ao reconhecimento da paternidade/maternidade, visto que a sentença que julgar procedente a ação de investigação de paternidade, nesses casos, não daria o direito à filiação biológica, tão somente o direito ao acesso à identidade genética do indivíduo, mantidos o sigilo da identidade do doador.
Cunha e Ferreira (2008: 10), ainda considerando a distinção entre o conhecimento da identidade genética e o reconhecimento de paternidade, aduzem que a ação de investigação de paternidade, enquanto via mais adequada que o habeas data, atenderia esse sentido de voltar-se apenas ao conhecimento da identidade genética do concebido, “como o instrumento para obter a ascendência genética, sendo uma tendência jurisprudencial concedê-la com efeitos limitados”.
Quanto ao exercício do direito à personalidade, utilizando-se a investigação de paternidade com limitação de seus efeitos, como via judicial para conhecimento da sua história genética, o indivíduo deve ter consciência de que não terá acesso à identidade do doador de gametas, nem adquirirá o reconhecimento da paternidade/maternidade biológica.
Todavia, tal solução jurisdicional ao direito de saber, ainda é uma hipótese teórica em construção hermenêutica “paliativa”, “contra legem” e aos efeitos esperados em uma ação de investigação de paternidade:

A investigação de paternidade e/ou maternidade não pode ser tida como eficaz para que uma pessoa desvende sobre sua verdadeira ascendência genética, já que o seu objetivo é o de justamente atribuir vínculo paterno-maternofilial a quem não os tem, o que não é o caso da reprodução assistida heteróloga, pois este já se encontra configurado. (FAVA, 2009: 58)

Como já dito, a melhor saída possível atualmente, está expressa na própria resolução do CFM nº 2.121/2015 em seu inciso IV, ao determinar que a identidade de doadores e receptores seja sigilosa, excetuando, quando por motivação médica, permite-se que tais informações sejam acessadas por médicos, desde que seja resguardada por esse último profissional, a identidade civil do doador.
Isso estaria de acordo com a análise feita anteriormente sobre a aplicação analógica do ECA que dispõe sobre a adoção, uma vez que permitiria o acesso do indivíduo à sua origem genética, respeitados o direito a sigilo quanto a identidade do doador.
Logo, o direito de saber sobre a identidade genética estaria acessível, desde que requisitado por médico contratado pelo indivíduo concebido por RAH. Com a clara noção de que o acesso à tais informações, está condicionado ao resguardo da identidade civil do doador.
Isto posto, no caso de inobservância do sigilo da identidade civil do doador de gametas, a revelação pelo médico que teve acesso às suas informações, resultaria em quebra do sigilo profissional exigido, com efeitos de responsabilidade administrativa perante o CFM, além da responsabilidade Civil e Criminal perante o doador, que teve seu sigilo privado violado.

3 CONCLUSÃO

A afetividade, tem ocupado lugar de destaque no direito de família contemporâneo. O elo biológico, não é mais considerado isoladamente para a constatação da filiação e da paternidade/maternidade, cujo pressuposto também está no afeto.
O indivíduo que busca o conhecimento de sua origem genética, e a quem deve ser atribuída a tutela do direito, deve ser aquele que busca conhecer a si próprio, que tem uma busca existencial por sua origem; aquele que procura evitar relações incestuosas; e/ou prevenir/tratar doenças hereditárias.
Nas técnicas de RAH, em regra, não há o estabelecimento de vínculos afetivos entre o doador, receptores e concebidos. O doador tem papel altruísta e sigiloso, estranho aos vínculos que serão estabelecidos em decorrência de sua doação, o que deverá ser mantido numa possível ação de conhecimento de identidade genética.
O anonimato, constitui direito fundamental pelo princípio da intimidade, e cada vez mais, demonstra ser indispensável para a continuidade das doações de gametas na RAH, garantindo ao doador que ele não assumirá a paternidade/maternidade, nem se responsabilizará afetiva e economicamente pelo concebido.
Contudo, o conhecimento da origem genética e da história genética do concebido, constitui elemento essencial do direito à personalidade, como garantia de sua dignidade a ser tutelada pelo Direito.
Não há lei que regulamente a RAH no Brasil, porém, o acesso à Justiça não pode ser negado a quem demanda por seu direito, o que abre lacunas quanto a sua aplicação. A esse respeito, a ação de investigação de paternidade com efeitos limitados, mostra-se hipoteticamente mais hábil, apesar de “paliativa”, visto advir de uma construção teórica, enquanto saída técnica para se garantir o acesso à Justiça nesses casos.
Não há expectativa sobre quando será aprovada uma lei da RAH no Brasil. Os projetos de lei que tramitam no Congresso não são isentos de controvérsias e muito díspares, o que pode dificultar a formação de um consenso capaz de gerar a aprovação de uma lei ao assunto.
Assim, enquanto não houver pacificação legislativa quanto ao tema, e vigorar a ausência de lei, se propõe que o direito ao conhecimento da origem genética do concebido, seja interpretado analogicamente a luz do ECA, permitindo ao indivíduo à sua origem genética, respeitados o direito ao sigilo quanto à identidade civil do doador.
Por fim, a única saída viável ao exercício do acesso à sua origem genética está na própria resolução do CFM nº 2.121/2015 em seu inciso IV que, ao determinar que a identidade de doadores e receptores seja sigilosa, abre exceção quando, por motivação médica, permite que tais informações sobre a origem genética sejam acessadas por médicos, desde que seja resguardada a identidade civil do doador.
Parece ser esse o caminho para garantir o direito de indivíduo saber sua identidade genética, respeitado o sigilo do doador e a manutenção do seu vínculo filiativo afetivo já estabelecido com os pais registrais.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Denise Almeida de; CHAGAS, Márcia Correia. Limitações ao anonimato dos doadores de material genético nas fecundações artificiais humanas frente ao direito à informação do receptor: uma nova mirada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3474.pdf>. Acesso em 07.04.2015.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Vida humana e ciência: complexidade do estatuto epistemológico da bioética e do biodireito. Normas internacionais da bioética. Disponível em<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=88501004>. Acesso em 08.04.2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 19/11/2015.

_____. Código Civil. Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.  Acesso em 10/01/2016.

_____. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990. Disponível em  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em 15/10/2015.

_____. Investigação de Paternidade. Lei 8.560 de 29 de Dezembro de 1992. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8560.htm>. Acesso em 30/12/2015.

_____. Projeto de Lei nº 115/2015. Autor Juscelino Rezende Filho. Apresentação em 03/02/2015. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E345161FAA6709D043378152D55D9454
.proposicoesWeb2?codteor=1296985&filename=PL+115/2015>. Acesso em 08/01/2016.

_____. Projeto de Lei nº 1.184/2003. Autor Lucio Alcantara. Apresentação em 03/06/2003. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=137589&filename=PL+1184/2003>. Acesso em 08/01/2016.

_____. Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Apelação Cível Nº 70052751625. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/04/2013. Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/04/2013. Disponível em < http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112732391/apelacao-civel-ac-70052751625-rs>. Acesso em 30/06/2015.

_____. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial Nº 127.541 (Investigação de Paternidade)   RS (1997JO025451 8). Relator: Min. Eduardo Ribeiro. Recorrente: M.T.M.B.D.V. Adv. F.M. e outros. Recorrido:  S.D.S.A. Menor impúbere representado por M.M.P. Adv. C.H.D.S.R. e outro. 2000. Disponível em < http://www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_24_4_1_3.php>. Acesso em 30/06/2015.

_____. Câmara Legislativa. Arvores de apensamentos. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_arvore_tramitacoes?idProposicao=945504>. Acesso em 20/01/2016.

 

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.358/1992. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/1992/1358_1992.pdf>. Acesso em 01/10/2015.

_____. Resolução CFM nº 1.957/2010. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.pdf>. Acesso em 01/10/2015.

_____. Resolução CFM nº 2.013/2013. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf>. Acesso em 01/10/2015.

_____. Resolução CFM nº 2.121/2015. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2121_2015.pdf>. Acesso em 01/10/2015.

CUNHA, Karla Corrêa; FERREIRA, Adriana Moraes. Reprodução Humana Assistida: Direito à Identidade Genética x Direito ao Anonimato do Doador. Disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acesso em 08.04.2015.

CAMARGO, Lucas Couceiro Ferreira de. Responsabilidade civil do doador de material genético na inseminação artificial heteróloga. Disponível em <https://www.unimep.br/phpg/bibdig/pdfs/2006/DNPCGTCTEPYN.pdf>. Acesso em 06.04.2015.

FAVA, Juliane Carvalho de Souza.  A reprodução humana assistida e a tutela jurisdicional da identidade genética. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp124621.pdf>. Acesso em: 01.04.2015.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista Brasileira de Direito de Família, do IBDFAM, vol. 5, Abril a Junho/2000, Síntese Editora, págs. 7/28).

_____. A Nova Filiação: O biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

HOLANDA, Caroline Sátiro de. As técnicas de reprodução assistida e a necessidade de parâmetros jurídicos à luz da Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp041477.pdf >. Acesso em 07.04.2015.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito à Identidade Genética: Painel Procriações artificiais: bioética e biodireito. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/artigos/47/Procria%C3%A7%C3%B5es+artificiais%3A+bio%C3%A9tica+e+biodireito>. Acesso em 19/11/2015.

JUNIOR, Jesualdo Eduardo de Almeida. Técnicas de reprodução assistida e biodireito. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/artigos/110/T%C3%A9cnicas+de+reprodu%C3%A7%C3%A3o+assistida+e+biodireito>. Acesso em 19/11/2015.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1995.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/artigos/126/Direito+ao+estado+de+filia%C3%A7%C3%A3o+e+direito+%C3%A0+orige
m+gen%C3%A9tica%3A+uma+distin%C3%A7%C3%A3o+necess%C3%A1ria> Acesso em 30/04/2015.

MONTAGNINI, Helena Maria Loureiro; et al. Ovodoação: a questão do sigilo. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2012000200009&lang=pt>. Acesso em 03/11/2015.

MORALES, Priscila de Castro. O direito à identidade genética versus o direito ao anonimato do doador do material genético na reprodução assistida. Disponível em <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/Priscila_Castro.pdf>. Acesso em 08.04.2015.

OLIVEIRA, Mirna Barbosa de Oliveira.  A inexistência de relações de parentesco advindas da inseminação artificial. Disponivel em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2012/trabalhos_22012/MirnaBarbosaOliveira.pdf>. Acesso em 08.04.2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA DIVISÃO DE ÉTICA DAS CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS SECTOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS. Declaração Universal sobre bioética e direitos humanos 2006. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em 20/12/2015.

_____. Declaração Internacional sobre dados genéticos da Unesco 2004. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001361/136112porb.pdf>. Acesso em 20/12/2015.

PAULO, Beatrice Marinho. Novos caminhos da Filiação: A responsabilidade de pais e de genitores - Questões Polêmicas. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/artigos/658/Novos+caminhos+da+Filia%C3%A7%C3%A3o%3A+A+responsabilidade+de+pais+e+de
+genitores+-+Quest%C3%B5es+Pol%C3%AAmicas>. Acesso em 06.04.2015.

PEREIRA, Adriana Patrícia Campos. O princípio do anonimato na reprodução assistida à luz do direito à identidade – a possibilidade de conhecer a origem biológica sem desconstituir a filiação afetiva. Disponivel em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp035980.pdf>. Acesso em 27.03.2015.

SAMSRLA, Mônica; et. al. Expectativa de mulheres à espera de reprodução assistida em hospital público do DF: estudo bioético. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/%0D/ramb/v53n1/19.pdf>. Acesso em 15/12/2015.

VASCONCELOS, Camila; et al. Direito ao conhecimento da origem biológica na reprodução humana assistida: reflexões bioéticas e jurídicas.Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422014000300015&lang=pt>. Acesso em 25/10/2015.

WANSSA, Maria do Carmo Demasi. Inseminação artificial e anonimato do doador. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-38292010000600011&lang=pt>. Acesso em 10/12/2015.

* Doutor em Direito das Relações Sociais. Professor Associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

** Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Advogado.


Recibido: 20/09/2016 Aceptado: 26/09/2016 Publicado: Septiembre de 2016

Nota Importante a Leer:

Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.

Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.

Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.

El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.

Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.

Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.

Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor,pulse aqui.