Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ENSAIO: SUA TESE DE DOUTORADO (OU PESQUISA) É POLÍTICA?

Autores e infomación del artículo

Fernanda Matos*

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

fcmatosbh@gmail.com

Resumo

Partindo da leitura do texto “O que é política?” de Hannah Arendht, este ensaio realiza uma discussão sobre a questão evocada no título: Seria uma tese de doutorado, bem como outros trabalhos acadêmicos-científicos, política? Busca-se com este ensaio problematizar que o autor-pesquisador não é neutro, e suas pesquisas, também não o são.  

Palavras-chave: Trabalhos acadêmicos, pesquisa, pesquisador, Arendht



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Fernanda Matos (2016): “Ensaio: Sua tese de doutorado (ou pesquisa) é política?”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/02/politica.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-02-politica


Partindo da leitura do texto “O que é política?” de Hannah Arendht, este ensaio busca dialogar se uma tese de doutorado se uma tese é política, assim como outros trabalhos acadêmicos. Busca-se com este ensaio problematizar que o autor-pesquisador não é neutro, e suas pesquisas, também não o são. Para responder tal questionamento, objeto central do texto, assumindo-o como uma proposição afirmativa parte-se do princípio que toda e qualquer relação humana envolve a relação de poder. Há sempre predominância (para usar um termo mais suave) de um ou outro. Então, este ensaio sobre tese e política envolve, primeiro conceituar o que é política e poder para então enveredar para caracterizar a tese em termos de posicionamento político num determinado grupo social. 

Na abordagem do objeto de estudo deste ensaio há de início um problema terminológico no que diz respeito ao uso da palavra política. A definição clássica do termo “política”, foi herdada dos antigos gregos, no século 4 a.C, através da obra de Aristóteles (2005) “Política”. O conceito de política é derivado do adjetivo originado de polis (politikós), que significa tudo que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável e social (Bobbio et al., 1993, p. 954). Ou, dito de outro modo, o conceito de política “é habitualmente empregado para indicar atividade ou conjunto de atividades que têm de algum modo, como termo de referência, a polis, isto é, o Estado” (Bobbio, 2000,  p. 160).

No conjunto de atividades que têm como referência a polis, ou seja, o Estado, este pode ser o sujeito ou o objeto de ação. O Estado (Dias e Matos, 2012) é sujeito pelo fato de pertencerem à esfera da política atos como o de comandar ou proibir algo, ou o exercício do domínio exclusivo sobre um determinado território, o de legislar com normas válidas que se impõe a todos, o de extrair e distribuir recursos de um setor para outro da sociedade e assim por diante. O Estado é objeto da ação quando partem da sociedade civil iniciativas que visam influenciar de alguma forma a ação do Estado.

Cabe destacar, ainda destacar que tanto política como políticas públicas estão relacionadas com o poder social. Mas enquanto a política é um conceito amplo, relacionado com o poder de modo geral, as políticas públicas correspondem a soluções específicas de como manejar os assuntos públicos (Lahera (2004) p. 07).

No idioma inglês distinguem-se claramente dois termos politics e policies 1. Entretanto, na língua portuguesa existe somente um termo para referir-se ao conjunto de todas essas atividades descritas pelos dois termos anglo-saxões, em função disso se adota a tradução do termo policy por “políticas públicas” para referir-se ao conjunto de atividades que dizem respeito à ação do governo. Portanto, o termo policy (cujo plural é policies) é entendido como ação do governo. Constitui atividade social que se propõe a assegurar, por meio da coerção física, baseada no direito, a segurança externa e a solidariedade interna de um território específico garantindo a ordem e providenciando ações que visam a atender às necessidades da sociedade. A política neste sentido é executada por uma autoridade legitimada, que busca efetuar uma realocação dos recursos escassos da sociedade. A política, neste caso, pode ser adjetivada em função do campo de sua atuação ou de especialização da agencia governamental encarregada de executá-la. Desse modo, podemos nos referir à política de educação, saúde, assistência social, agrícola, fiscal, etc., ou seja, produtos de ações que têm efeitos o sistema político e social.

O termo politics refere-se ao conjunto de interações que definem múltiplas estratégias entre atores para melhorar seu rendimento e alcançar certos objetivos. Refere-se à política entendida como a construção do consenso e luta pelo poder.  Desse modo, podemos nos referir à política de uma organização, de uma empresa, de uma instituição de ensino, de um clube, de uma família ou de um grupo social específico (Dias e Matos, 2012).

A política, também, pode ser vista como um conjunto de interações que visam atingir determinado objetivo, e neste sentido está em toda parte, quer seja na arte, nos jogos amorosos, nas relações de trabalho, na religião, no esporte, na educação, etc. E neste sentido, chegamos a questão proposta do ensaio, defender que uma tese de doutorado, assim como outros trabalhos científicos-acadêmicos, é política. De uma maneira geral, os trabalhos científicos ao serem elaborados, partem do que já foi elaborado por outros pesquisadores e buscam ir além, apresentando novas análises teóricas e práticas, corroborando ou refutando discussões e perspectivas de estudos realizados.

Retornando ao conceito central deste ensaio, podemos também entender a arte da política como destreza, habilidade, perícia, com que se maneja assunto delicado ou uma atitude já estabelecida com respeito a determinados assuntos. Sob essa perspectiva, podemos observar a construção de uma tese. Neste tipo de trabalho, espera-se que novos aspectos sobre determinados temas sejam apresentados e revistos tomando-se como base uma ótica de análise diferenciada e mais aprofundada. Resultando em uma construção que deve ser guiada pela reflexão do pesquisador com base em uma investigação considerada original. A tese é portanto, o resultado de uma decisão, deliberação, de uma soberania do autor que definiu, não apenas o tema, mas também os recortes teóricos-metodológicos para a construção do trabalho. 

Nessa perspectiva, entendemos que não há neutralidade por parte do acadêmico, uma vez que para desenvolver seu referencial teórico e escolhe e utiliza-se de autores, obras e recortes para dialogar em sua produção. Do mesmo modo, o pesquisador buscará utilizar-se de princípios, métodos e técnicas visando assegurar  a confiabilidade dos resultados da pesquisa. Portanto, ao desenvolver suas pesquisas precisa ter em mente que, segundo Hanna Arendt, “não precisa ser a marionete de um destino situado fora de seu ser” (aqui entendidos como as etiquetas classificatórias dos estudos “ismos” e o modelos reaplicáveis, mas mesmo que as utilize será uma escolha).

Arendht acentua que a política não surge no homem, mas entre os homens, ou seja, na relação que se estabelece entre eles. Nesse sentido, cabe perguntar “o que o pesquisador traz para a pesquisa? Quais preocupações, perspectivas e concepções prévias influenciam sua pesquisa? Ela afirma que “a liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre homens, onde só então se torna possível a política.” Para a autora, a liberdade de externar opinião, distingue-se da liberdade característica do agir, do fazer um novo começo, porque numa medida muitíssimo maior não pode prescindir da presença de outros e do ser-confrontado com suas opiniões.” Logo, as discussões realizadas com o orientador; o processo de avaliação pelos pares realizados pelas revistas e congresso, e seus pareceres; o debate realizado nas apresentações de trabalhos baseados na pesquisa em desenvolvimento nos encontros científicos; e principalmente nas bancas de defesa de projeto e da tese, validam e enriquecem a construção do pesquisador. Para a autora, a política é algo imprescindível na vida do ser e da sociedade, a política permite aos homens buscar a realização de seus objetivos coletivos e individuais.

Assim, no sentido da política, o agir, ou seja, a construção da pesquisa, “também jamais pode realizar-se em isolamento, porquanto aquele que começa alguma coisa só pode levá-la a cabo se ganhar outros que o ajudem”. O trecho destacado da obra de Arendht, busca chamar a atenção para os que são nominados na parte destinada aos ‘agradecimentos’, não apenas os familiares, professores e colegas, mas, no caso da abordagem deste ensaio, devemos destaca especialmente as pessoas que cooperaram, cederam materiais e tornaram possível a realização do trabalho. A partir das entrevistas, questionários, observação participante, dentre outros, percebe-se que “só na liberdade do falar um com o outro nasce o mundo sobre o qual se fala, em sua objetividade visível de todos os lados”. Portanto, o simples fato de estar no ambiente pesquisado já o altera, e seus questionamentos podem levar ao(s) entrevistado(s) refletir sobre pontos antes não trabalhados ou sob uma perspectiva diferenciada.

A política, como destacado, possui diferentes significados, mas todos de algum modo estão relacionados com posse, manutenção ou distribuição do poder. A maior parte dos cientistas sociais compartilha a ideia de que poder é a capacidade para afetar o comportamento dos outros. E o poder pode ser considerado um meio que o grupo ou individuo tem de fazer com que as coisas sejam realizadas por outros indivíduos ou grupos. Podemos dizer que politicamente, uma teoria ganha novos adeptos quando outros indivíduos e grupos referenciam o trabalho, atestando sua concordância ao divulga-lo. Paula (2013, p.19) adverte que um “ponto crucial para a sustentação e a sobrevivência das perspectivas alternativas” é a integração dos pesquisadores que as sustentam. Neste caminhar, quanto mais adeptos mais força e repercussão. Nesse sentido, fica a seguinte questão provocativa: no meio acadêmico-científico, devemos seguir junto com a maioria ou devemos buscar maior pluralidade? Por fim, podemos afirmar que, o pesquisador é um ator, atuando como um observador coadjuvante (que também age e exerce influência) que busca identificar e capturar informações do sujeito objeto de pesquisa.

Referências

ARENDT, Hannah. O que é política?, Editora: Bertrand Brasil, 3ª ed., 2002.
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2005.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. 2 ed. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 5 ed. Coordenação da tradução: João Ferreira. Brasília: Editora UNB, 1993, v.1.
DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.
DIAS, R.; MATOS, F. Políticas Públicas - Princípios, Propósitos e Processos. São Paulo: Atlas, 2012.
LAHERA, Eugenio P. Políticas y Politicas Públicas. Santiago de Chile: Cepal, 2004.(Série Políticas Sociales, 95)
PAULA, Ana Paula Paes. Repensando os estudos organizacionais: o circulo das matrizes epistemológicas e a abordagem Freudo-Frankfurtiana. Tese Titular: Belo Horizonte: CAD/UFMG, 2013.

* Doutoranda em Administração pelo Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

1 Dias (2008). Há outro termo em inglês Polity que refere-se à política como sistema político, estrutura onde interagem vários elementos em função do poder.


Recibido: 16/03/2016 Aceptado: 10/05/2016 Publicado: Mayo de 2016

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