Priscila Chagas Oliveira*
João Fernando Igansi Nunes**
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
priscila.museo@gmail.comResumo: Museu, segundo o ICOM (2007), é uma instituição sem fins lucrativos que adquire, preserva e expõe os testemunhos do homem e do seu entorno e a partir das linguagens que opera, são duplos simbólicos de suas realidades. No atual paradigma tecnológico, sua condição e finalidade de existência deve refletir as demandas e os anseios de uma sociedade em constante processo de aceleração informacional, reconexão e interação a partir das tecnologias de informação e comunicação computacionais. Portanto, seguindo os estudos sobre o “Museu Difuso”, este artigo constitui-se de uma revisão de literatura sobre o estatuto contemporâneo dos museus. Conclui que para além do lugar da salvaguarda e de exposição de objetos isolados no tempo e no espaço, a cidade, no contexto tecnológico das redes, pode ser vista como um museu difuso: em estado de conexão, de potência interativa e assim, potencialmente colaborativo.
Palavras-chave: cibercultura, tecnologias da informação e comunicação, museu difuso, museu interface
DIFFUSE MUSEUM: INTERFACE OF MEMORY
Abstract: A museum, according to the ICOM (2007), is a non-profit institution that acquires, preserves and exposes the evidence of people and their surroundings, and from the languages that it operates, it is doubles symbolic of their realities. In today's technological environment, their condition and purpose of existence should reflect the demands and aspirations of a society in constant informational acceleration process, reconnection and interaction from the advent of Computer Information and Communication Technologies. Therefore, from the studies of the "Diffuse Museum", this paper consists of a literature review on the contemporary status of museums. We conclude that in addition to the place of preservation and exhibition of cultural objects isolated in time and space, the city in technological context of networks, can be seen as a diffuse museum: in connection state, the interactive power and thus potentially collaborative.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Priscila Chagas Oliveira y João Fernando Igansi Nunes (2016): “Museu difuso: interface da memória”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/02/museu.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-02-museu
1. INTRODUÇÃO
Comecemos esse artigo com o mesmo objetivo de inúmeros outros trabalhos de museólogos, cientistas da informação e profissionais de museus: buscamos definir esta instituição, fenômeno ou processo que é o museu. Qual sua finalidade? Por quais atividades é responsável? Em resumo, existe para quê e para quem?
Esses questionamentos que surgem extra e intramuros não devem passar despercebidos pelas áreas e profissionais que tem o museu como seu espaço de ação, pois surgem como consequência de uma sociedade que não compreende plenamente a função social do museu e sua importância como gestora dos indicadores da memória (BRUNO, 2006). O museu ainda é visto a partir da mesma lógica que permeava os séculos XV ao XVII, como um depósito, gabinete de curiosidade, câmara das maravilhas, espaços de consagração das elites europeias. Do século XIX, herdamos a noção do museu como instituição sacralizado, dedicada apenas à arte e à história “culta”, formadora (e estratégia política de constituição) da Identidade Nacional. O patrimônio e a herança cultural preservados outrora referiam-se a poucos, a determinados nichos da sociedade, que historicamente “construíram” uma ideia de Nação. É apenas a partir do século XX, quando a museologia começa a se deparar com grandes mudanças socioculturais, é que o museu passa a ser, além de espaço de salvaguarda e exposição dos indicadores da memória, um locus para ações pedagógicas, que representam a sociedade como um todo. É dentro deste contexto que o museu começa a ser pensado para além da sua materialidade, e a museologia para além da sua práxis.
Dito brevemente este panorama, torna-se necessária a reflexão sobre a teoria e a prática dos museus, que caminham juntas, inter-relacionadas e que constituem o campo da Museologia. Registra-se desde já que o Conselho Internacional de Museus (ICOM) nasceu com o objetivo de “desenvolver padrões e melhorar a qualidade da reflexão e dos serviços que o mundo museal oferece à sociedade” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013:17). A partir da sua consolidação como instituição agregadora das discussões do campo da Museologia, a definição mais comumente utilizada e geralmente aceita de museu foi formulada em 2007:
O museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e transmite o patrimônio material e imaterial da humanidade e do seu meio, com fins de estudo, educação e deleite. (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013: 63).
Portanto, entendemos que a partir das linguagens que opera, sejam elas, orais, visuais ou verbais, os museus são duplos simbólicos de suas realidades, interfaces de memórias e identidades. Mas o que acontece quando a realidade sofre alterações, quando a própria sociedade se vê a partir de outras lógicas, modos de ser e viver?
No atual contexto tecnológico, a condição e finalidade de existência dos museus deve refletir, portanto, as demandas e os anseios dessa nova e alterada sociedade que está em constante processo de aceleração informacional, (re) conexão e interação a partir do advento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) computacionais. Assim, o museu ainda pode se apresentar como:
Uma função específica, que pode tomar a forma ou não de uma instituição, cujo objetivo é garantir, por meio da experiência sensível, o acúmulo e a transmissão da cultura entendida como o conjunto de aquisições que fazem de um ser geneticamente humano, um homem. (DELOCHE1 apud DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013: 66, grifo nosso).
Deloche ressalta o museu com uma função específica, a que proporciona uma experiência sensível, um museu interface entre os sujeitos e sua própria produção material e imaterial, sua cultura. Indica-se aqui a compreensão de interface como lugar de experiência, estado híbrido entre sistemas. Esse conceito se aproxima da concepção do museu mais como um fenômeno da compreensão da musealidade, do câmbio de olhar sobre os objetos e do sentido que eles têm na experiência sensível dos homens, e menos como processo de ações físicas sobre os objetos (práxis museológica).
Em consonância com Deloche, propomos que não busquemos uma definição estanque desta instituição, fenômeno ou processo, mas que possamos percebê-la como museu virtual, sabendo que virtual não se opõe ao real, mas ao atual, na perspectiva do sociólogo Pierre Lévy (1996). Todos os museus que tem possibilidade de vir a ser, de tornar-se. Um museu virtual é o estado de potência do museu, são todos aqueles museus que ainda não são em sua concretude, mas imaginários, que surgem a todo momento, a partir das problemáticas que se colocam ao campo museal dentro dessa rede compartilhada de práticas, representações, crenças, lembranças, modos de ser, agir e pensar que contemporaneamente caracterizamos como Cibercultura.
2. CIBERCULTURA
A emergência da sociedade da mídia em massa ou sociedade do espetáculo de Guy Debord (1997), era pós-industrial, identificada como pós-modernidade por Santaella (2003), foi o contexto em que a globalização se tornou possível, muito em função do desenvolvimento das TIC’s.
A Cultura de Massas da era industrial e seus produtos, como o jornal, o telégrafo, a fotografia ou a TV, foram aos poucos, e, com o surgimento de novas máquinas tecnológicas, equipamentos e produtos midiáticos de lógica diferenciada, abrindo espaço ao surgimento do que Santaella (2003) identifica como Cultura das Mídias: TV a cabo, dispositivos de fax e de xerox, videogames e videocassetes inauguraram novos processos comunicacionais, focados em audiências mais segmentadas e diversificadas.
Com o surgimento da informática e da introdução dos microcomputadores de uso pessoal a partir dos anos de 1980, as mídias preexistentes iniciaram uma convergência, inaugurando a Cultura Digital. Nessa realidade, as telecomunicações e a informática acabaram por se mesclar em uma gigantesca rede de troca de informações, de dados comprimidos e digitalizados num fluxo global constante que fluem, não somente de um centro para uma periferia, mas transversalmente a partir de qualquer um que esteja interconectado nesse ambiente representacional dos dados na rede, chamado de ciberespaço.
Assim, a rede mundial de computadores transformou o espectador em interator, ou melhor, de um indivíduo isolado em um sujeito que se relaciona e interage a partir dos agenciamentos coletivos proporcionados pelas redes sociotécnicas, e assim, os modifica, complementa, interfere (LEVY, 1993).
Para os teóricos que se detêm no estudo dessa temática, o computador não é apenas mais um dispositivo técnico, ele constitui-se de uma máquina que representa o mundo através de uma interface, e esta última funciona como uma espécie de membrana que conecta não só o humano à máquina, mas um humano a outros humanos, a uma consciência coletiva. O mundo analógico que já não é criado em formato digital, pode ser então digitalizado, convertido em um “mapa de bits” (bitmap) através das máquinas atuais ou virtuais que continuam a surgir em uma velocidade sem precedentes: smartphones, tablets, e-readers, mp3 e mp4 players e tantas outras tecnologias ainda fora do mercado ou em fase de experimentação, tais como googleglass 2. A esse processo sociocultural de integração da vida com a tecnologia, que inaugura novas formas de interação e socialização, chamamos de Cibercultura:
A cultura contemporânea, associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processos de virtualização, etc.), vai criar uma nova relação entre a técnica e a vida social que chamaremos de Cibercultura. (LEMOS, 2007: 15)
A interpenetração da vida on e offline atinge grau impossível de ser desconsiderado. A hibridização dos meios comprova que não estamos presenciando a substituição de uma tecnologia por outra, mas convergindo mídias outrora offline com as novas potencialidades das mídias digitais online, tornamo-nos seres cíbridos 3 (BEIGUELMAN, 2003).
No campo museal viu-se uma crescente criação e/ou adaptação de diversos museus, bibliotecas e acervos para o meio digital, transcritos para a linguagem eletrônica, que fazem usos de diferentes plataformas disponíveis online, no ciberespaço:
Blogs e portais de depoimentos como o Museu da Pessoa oferecem essa oportunidade de registrar as memórias individuais, de transformar o privado em público, de autorizar a reformatação das memórias, e acima de tudo, de dividir a autoria. O coletivo parece ser atributo principal que faz da web um grande centro virtual da memória do mundo. (DODEBEI, 2006:14).
Os laços sociais são fortalecidos através da (re) conexão, onde, a dinâmica da memória social virtual é transformada em sua potência através de uma nova forma de experenciação e agenciamentos múltiplos, coletivos e heterogêneos com os bens culturais que nos cercam.
3. A LÓGICA DAS REDES
A sociedade informacional, diferentemente de outrora onde a lógica binária prevalecia, atualmente se estrutura e vive a partir da lógica das redes, que atravessa todas as suas instâncias e saberes.
Essa alteração, como já exposto, surgiu sobretudo com as novas TIC’s e com o alcance das redes de comunicação em massa e acabaram por produzir diferentes formas de diferenciação e subjetivação. O indivíduo moderno, “sólido” contrapondo a compreensão da liquidez de Zygmunt Bauman (2001), acabou por tornar-se sujeito fluído, conectado de forma instantânea, dinâmica e mutável. Novos referenciais e formas de subjetivação são fundadas.
Deleuze e Guattari (2000), na obra Mil Platôs, dissertam sobre a noção de rizoma. Os autores tratam basicamente do movimento das diferenças que agem no interior e no exterior das multiplicidades. Para além da compreensão e do tratamento clássico do indivíduo, da identidade, ser e uno, para Deleuze e Guattari a diferença é o que permite o processo de criação que deve se repetir incansavelmente. Assim, da noção de que expressar as multiplicidades sem ter que ligá-las à unidade, nasce o rizoma. Com a utilização do termo multiplicidades, escapa-se do esquema binário de Uno-Múltiplo, e que agora dão lugar aos jogos de forças, vetores que se ligam uns aos outros, simulando novas misturas.
Flávia Ferreira (2008) identifica e sistematiza algumas pistas para a produção de um rizoma, conforme obra de Deleuze e Gattari (2000):
Tendo esses princípios e a noção de rizoma como inspiração, o sociólogo Bruno Latour (1994), cria a Teoria Ator-Rede, que busca explicar o nascimento de um fato científico. Latour diz que se na modernidade de um lado as ciências tentavam purificar os saberes e experimentos, de outro a prática produzia cada vez mais hibridações. Assim, por mais que os fatos fossem instaurados pelos cientistas e estudiosos nas subjetividades, existia um outro plano contínuo onde tudo o que ficava exterior desta purificação se conectava com o que era considerado puro, produzindo o que o sociólogo chama de híbridos e que compõem as redes sociotécnicas. Esta rede é formada por fluxos, misturas e conexões de múltiplas entradas e saídas.
A partir desta concepção, entendemos que na rede todos são atores, não só os humanos, mas também os dispositivos não-humanos, já que não existe uma hierarquização entre os entes que são produzidos e se produzem a cada momento. O que os liga são os interesses que se convergem e que não são centros, mas nós. Portanto, na perspectiva latouriana das redes, não existe um lugar privilegiado para se falar sobre as coisas, múltiplas são as entradas e conexões que compõem algo como fato.
4. MUSEU DIFUSO
Qualquer museu está ou deveria estar intrinsecamente ligado ao seu território, não só por motivos específicos da região que proporciona a sua fundação, mas também porque ele acaba, de alguma forma, por retratar, através das suas ferramentas de comunicação, a história e cultura própria desse território.
Entendendo então a cidade como parte integrante da vivência e experenciação dos sujeitos, locus dos acontecimentos históricos, onde as memórias são ancoradas e as relações sociais são firmadas, e, ainda, percebendo o tecido urbano como uma gigantesca rede de agenciamentos múltiplos, heterogêneos e dinâmicos, é que nasce a noção de Museu Difuso. Tal “conceito” surge em 1980, quando o arquiteto e museólogo italiano Fredi Drugman em uma conferência no Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura do Politécnico de Milão introduz tal perspectiva. Drugman fala de um contexto onde a natureza e a cultura, coisas e pessoas estão indissociavelmente ligadas.
Sílvia Moreira, em sua dissertação intitulada Itinerários Culturais: O Museu Difuso (2010), nos explica que essa nova tipologia de museu nasce de uma longa discussão de Ecomuseu, surgida a partir dos anos de 1950, quando a sociedade conquista padrões, direitos sociais, culturais, econômicos e políticos. Nos anos de 1960, com o movimento de democratização da cultura, Georges-Henri Rivière inicia sua defesa de que a população deve-se tornar um componente da instituição museu e da sua organização. Já nos anos de 1970 Hugues de Varine-Bohan desenvolve as práticas de museologia comunitária, criando, e colocando em prática, o conceito de Ecomuseu, para distinguir um processo ou realidade diferente do museu dito tradicional. Marco desse câmbio de pensamento é o Movimento Internacional da Nova Museologia (MINOM-ICOM) que surge em 1972 na Mesa Redonda de Santiago do Chile, promovida pelo ICOM sob o tema “O desenvolvimento e o papel dos museus no mundo contemporâneo”. Neste debate se propôs a construção de uma nova prática social, na qual a noção de Museu Integral ganhou destaque. Agora a comunidade e o território fazem parte do patrimônio que deve ser salvaguardado pelo museu e, por isso, ele acaba por rever a autoridade do seu espaço físico, por tantos séculos tido como sacralizado.
Aliado a esse contexto, o aparecimento de uma nova estrutura social globalizada e o uso cotidiano das TIC’s induz as instituições a uma profunda reestruturação de suas lógicas. Vê-se a partir dos anos de 1980 o surgimento da sociedade em rede. Ainda conforme Moreira (2010) é nesta altura que o arquiteto e museólogo Fredi Drugman procura valorizar o Museu Difuso como uma noção, um conceito em aberto, conjunto de museus, paisagem e patrimônio cultural que deve atuar em duas direções: promover medidas de desenvolvimento, valorização e diferenciação da sua identidade própria, seu território por excelência e, recorrendo à inovação tecnológica, renovar a imagem e a capacidade de comunicação de todo o sistema:
Museu difuso no território [...] faz parte de um sistema real, feito de itinerários físicos e aquisição de conhecimentos através do contacto directo com a obra e o habitat, e de um sistema virtual no qual as obras contidas no interior do museu são representadas mediante modernos sistemas tecnológicos. Os objectos no seu local original dão origem a uma malha de relações de itinerários culturais físicos aos quais se sobrepõe uma malha virtual que liga estes pontos, amplifica e clarifica-os, possibilitando a criação de uma identidade simbólica com o lugar. (MOREIRA, 2010: 03)
Os museus e os demais espaços na cidade são entendidos para além do seu potencial representacional, mas também como patrimônios bons para agir: “não apenas para simbolizar, representar ou comunicar [...]” (GONÇALVES, 2009: 27), ele deve, de certo modo, construir e formar as pessoas.
O Museu Difuso de Turim (Figura 1), inaugurado em 2003, reúne espaços e instituições, considerados fragmentos da história e de memórias da Segunda Guerra Mundial e de suas consequências, tais como a resistência e a deportação.
Considera-se também um “museu popular” com forte ligação aos lugares e objetos de memória que não estão limitados aos espaços da exposição, mas expandem-se pelo tecido da cidade:
Um museu popular, para descobrir a relação entre história e território. O conceito de "museu", destaca a estreita relação entre história e o território e o compromisso do Museu na melhoria dos locais de memória no tecido da cidade. Há muitos, de fato os traços que a cidade conserva. 4 (MUSEO DIFFUSO TORINO, 2015, tradução nossa)
Sabemos que a passagem do tempo, a sobreposição de acontecimentos subsequentes, de ter um lugar se transformado para outras funções, sobrepõem-se camadas de história na cidade, ou, simplesmente os lugares são por vezes vividos sem consciência ou reconhecimento do que aconteceu antes de nossa passagem. Redescobrir esses lugares, através dos itinerários em rede previstos pelo Museu Difuso também significa a potencialidade de que os sujeitos redescubram o sentido profundo que o território carrega. Ao mesmo tempo fazem parte do sistema, quando narram suas memórias e constroem a história desses lugares através da sua interação e vivência.
Na Província de Ancona, o Museu Difuso Urbano de Ancona (Figura 2) trata-se de um itinerário pelos locais históricos e de presença judaica em Ancona.
Entendido também como um “museu caminho”, passeio “Chayim”, reúne espaços e instituições que buscam valorizar sítios que carregam as memórias dessa comunidade:
O Museu Difuso Urbano de Ancona é baseado na noção de que todo o território e a sua estratificação complexa é portadora de uma herança importante da história, tradições e valores. Por conseguinte, é semelhante a um verdadeiro "museu ao ar livre.5 (PROVINCIA DI ANCONA, 2015, tradução nossa).
O Museu Difuso é estruturado a partir de um “centro de interpretação”, melhor compreendido como um nó, único componente de uma rede, ponto de acesso informativo e, ao mesmo tempo, ponto principal de gestão e desenvolvimento capaz de afigurar e enobrecer um território, um patrimônio e uma comunidade, onde por exemplo, as atividades museógraficas são executadas.
O Museu Difuso Italiano não se confunde com o Ecomuseu mas, buscando dar a mesma importância à gestão do território e do patrimônio do entorno, essa proposta de instituição situa-se na rede italiana de Ecomuseus.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizarmos, devemos retomar a proposta iniciar deste artigo, a questão: Qual o estatuto contemporâneo dos museus? Qual sua função/atuação na sociedade atual? Se o museu está serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, e mais, se deve salvaguardar o patrimônio material e imaterial levando em consideração o seu entorno, seu território, acreditamos que a noção de museu difuso está mais próxima da maneira contemporânea de pensarmos.
A sociedade em rede, ou sociedade da informação está em constante processo de aceleração e o total potencial advindo das atuais tecnologias da inteligência ainda é desconhecido. Dentro deste contexto, museus virtuais tornam-se atuais a todo instante: cibermuseus, ecomuseus, museus de território, museus de percurso, museus ao ar livre. Todos esses fenômenos surgem como reflexo das alterações surgidas na própria sociedade e como demanda dos sujeitos que, vivendo em uma lógica diferente, exigem do museu sua atualização para que se tornem mais atrativos, informativos, conectados e múltiplos. A cidade e o território agora são vistos como integrantes de uma complexa rede onde os sujeitos, as instituições e o meio ambiente se conectam de forma não-hierárquica, heterogênea e mutável, fazendo emergir as memórias intrínsecas a todos os atores da rede. A construção dos saberes, da história e das memórias se dá coletivamente e as ligações se alternam e se reconectam a todo instante.
Podemos então pensar em um museu em transformação, museu vivo, ou museu interface, na perspectiva de Grossmann (2011), defendida em 1993 na Liverpool University em sua tese de doutorado Museum Imaging, Modelling Modernity. A interface é a mensagem e, desta maneira está entre as ações e os processos. Tudo aquilo que habita o campo da linguagem, que é tradução ou transformação ou passagem, é da ordem da interface. O museu como interface se torna então um espaço experimental, participativo, em diálogo direto com a cidade e seus habitantes, plataformas híbridas de produção, exposição e memória. No campo das tecnologias intelectuais computacionais podemos pensar também a utilização das interfaces computacionais como interfaces de memória: hardwares; softwares, mídias sociais, websites, e demais dispositivos do cotidiano, uma memória distribuída, intercalada, de trânsito, colaborativa e coautoral, efêmera e frágil, patrimônio imaterial, lugar de e para a memória.
Portanto, é neste novo contexto de museu que o sujeito se torna mais atuante, um elemento ativo e propositivo na situação de diálogo, negociação e comprometimento que a interface oferece. Identifica criticamente em sua participação autônoma, em percursos por ele definido, quais os elementos que contribuem ou impedem o êxito da sua experenciação, intercâmbio e pertencimento. Sendo assim, afirmamos, em consonância com Grossmann (2011), que mais do que a transferência de conhecimento, o que também está em jogo é a transformação do sujeito e do contexto vivenciado.
REFERÊNCIAS
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BEIGUELMAN, Gisele. (2003). “O Livro Depois do Livro”. São Paulo: Petrópolis.
BRUNO, M.C.O. (2006). “Museus e Pedagogia Museológica: os caminhos para a administração dos indicadores da memória”. In: As várias faces do Patrimônio, por LEPA. Santa Maria: LEPA/UFSM.
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DELEUZE, G. GUATTARI, F. (2000). “Mil Platôs (volume I)”. São Paulo: editora 34.
DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (Ed). (2013). “Conceitos-Chave de Museologia”. São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus: Pinacoteca do Estado de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura.
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GONÇALVES, José Reginaldo Santos (2009). “O patrimônio como categoria do pensamento”. In: ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (org.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, p.21-29.
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SANTAELLA, Lucia. (2003). “Culturas e Artes do Pós-Humano: da cultura das mídias a cibercultura”. São Paulo: Paulus.
2 O Google Glass é um acessório em forma de óculos que possibilita a interação dos usuários com diversos conteúdos em realidade aumentada. Também chamado de Project Glass, o eletrônico é capaz de tirar fotos a partir de comandos de voz, enviar mensagens instantâneas e realizar vídeoconferências. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/google-glass.html>
3 Termo cunhado pela pesquisadora e artista digital Giselle Beiguelman (2003) que se refere ao estar online e offline ao mesmo tempo, simbioticamente.
4 Un museo diffuso, per scoprire il rapporto. fra storia e territorio. Il concetto di “museo diffuso” sottolinea lo stretto rapporto fra storia e territorio e l’impegno del Museo nel valorizzare i luoghi della memoria presenti nel tessuto cittadino. Sono molte, infatti le tracce che la città conserva.
5 Il Museo Diffuso Urbano di Ancona si fonda sul concetto secondo cui tutto il territorio, nella sua complessa stratificazione, è portatore di un importante patrimonio di storia, tradizioni e valori. Esso è quindi assimilabile ad un vero e proprio“museo a cielo aperto.
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