Daniela Glória Canto*
Sandra Helena da Silva**
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
danielacanto@outlook.comRESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a efetividade da Lei de Execução Penal- LEP na Unidade Prisional de Parintins/AM, no que tange os direitos sociais em especial a ressocialização. Para tanto, utilizou-se o método dialético, a fim de desvelar a realidade posta nessa Unidade Prisional. O aporte teórico por meio da revisão de literatura teve como base livros e artigos científicos sobre prisão, direitos sociais e ressocialização. Como abordagem metodológica, desenvolveu-se a pesquisa qualitativa. Entre as técnicas e instrumentos: a pesquisa de campo; entrevistas com roteiro de perguntas com profissionais que compõe o sistema prisional e pessoas em situação de prisão, tendo como critério de inclusão a aceitabilidade da pessoa em participar; observação sistemática para melhor apreensão da realidade e registros fotográficos. A análise de dados indicou um retrato do descaso e omissão por parte do Estado na Unidade Prisional de Parintins/AM, não dispondo de uma estrutura física e humana, bem como a não execução dos serviços previstos na Lei de Execução Penal, ferindo assim a dignidade humana. Diante disso, notam-se fragilidades no processo de ressocialização para as pessoas em situação de prisão, apontando uma ineficiência no sistema prisional de Parintins/AM.
Palavras-chave: Prisão, LEP, Direitos Sociais, Efetividade, Ressocialização.
ABSTRACT
The present article has as objective analyzes the effectiveness of the Law of Penal Execution - LEP in the Unidade Prisional of Parintins/AM, in what plays the social rights especially the resocialization. For so much, the method dialético was used, in order to reveal the reality put in that Unidade Prisional. The theoretical contribution through the literature revision had as base books and scientific goods on prison, social rights and resocialization. As methodological approach, grew the qualitative research. Between the techniques and instruments: the field research; interviews with itinerary of questions with professionals that it composes the system prisional and people in prison situation, tend as inclusion criterion the person's acceptability in participating; systematic observation for better apprehension of the reality and photographic registrations. The analysis of data indicated a picture of the disregard and omission on the part of the State in the Unidade Prisional of Parintins/AM, not having a physical and human structure, as well as the non execution of the services foreseen in the Law of Penal Execution, hurting like this the human dignity. Before that, they are noticed fragilities in the resocialization process for the people in prison situation, pointing an inefficiency in the system prisional of Parintins/AM.
Keywords: Prison; LEP; Social rights; Effectiveness; Resocialization
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Daniela Glória Canto y Sandra Helena da Silva (2016): “A unidade prisional de Parintins/AM e a (não) efetividade da Lei de Execução Penal na perpectiva de ressocialização”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/02/lep.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-02-lep
O presente artigo versa sobre a (não) efetividade da LEP-Lei de Execução Penal na Unidade Prisional de Parintins/AM, e como isso tem refletido de forma negativa no processo de ressocialização. A prisão apresenta-se como uma instituição, que visa o processo de ressocialização do ser humano, devendo esta proporcionar ambientes salubres, e profissionais capacitados para atender a demanda institucional. A Lei de Execução Penal – LEP, nº 7.210, de 1984, versa sobre a responsabilidade do Estado em prover as condições necessárias e prestar assistência às (aos) presas (os), estendendo-se ao egresso dessas pessoas no convívio em sociedade, alcançando assim o objetivo proposto a princípio.
No decorrer da história a prisão foi vista como uma instituição que surge exclusivamente para “punir”, de fato a principio o objetivo tinha essa característica. Porém, o Sistema Prisional Moderno tem buscado superar essa visão, considerando a trajetória histórica e as transformações nas formas de execução das punições, assim como as penas, principalmente a de privação de liberdade ganhando outras finalidades e não somente a de “punir”.
No Brasil existem vários tipos de violações de direitos nas Unidades Prisionais, entre eles a ausência de políticas públicas voltada para ressocialização. No município de Parintins/AM/AM essa realidade não é diferente, o cárcere se configura em um retrocesso ao que preconiza a Lei de Execução Penal-LEP. Sendo assim é imprescindível problematizar a questão da ressocialização das pessoas em situação de prisão, onde o Estado deveria nesse universo específico construir espaços produtivos, saudáveis, visando assim a recuperação e o resgate da autoestima e cidadania desses sujeitos.
A abordagem no estudo desenvolveu-se em qualitativa, se reportando aos fatos, discursos e percepções dos sujeitos pesquisados, a respeito das fragilidades da Unidade, do (des)compromisso do Estado com as questões prisionais, as perspectivas de futuro, e a (não)efetividade da LEP, em especial ao direito à ressocialização com base na literatura revisada durante todo percurso da pesquisa.
O universo da pesquisa corresponde à Unidade Prisional do município de Parintins/AM, localizado no Estado do Amazonas a 368,8 km em linha reta e 420 km via fluvial de distância de Manaus, com um número populacional estimado em 104.150 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE/2010. Com inicio em abril de 2015, estendendo-se até meados de novembro do mesmo ano.
Os sujeitos foram 4 profissionais, os quais atuam direta e indiretamente no sistema prisional e 2 pessoas em situação de prisão. Esta pesquisa é parte da construção teórica de um trabalho de conclusão de curso em Serviço Social, a qual versa em seu terceiro capítulo sobre a ressocialização na perspectiva de direitos, tendo como referenciais teóricos os estudos de Foucault (1987), Jesus (2012), Marx (1996), Ferreira e Valois (2010), França (2010), Gomes (2010) e Almeida (2001). Foram realizadas entrevistas com roteiro de perguntas, observação sistemática para melhor apreensão da realidade e registros fotográficos. Também, foi realizado um levantamento documental nos registros da Unidade Prisional com objetivo de coletar o número de pessoas em situação de prisão.
A prisão em diferentes formas esteve presente na sociedade, pode-se dizer que ela preexiste aos códigos penais. Segundo Foucault (1987) a prisão é menos recente quanto à data precisa dos códigos penais. Isso se configura em um desafio, pois não se sabe ao certo quando e onde foi criada a prisão.
A gênese da prisão e sua institucionalização estão vinculadas a prática de punir, essas “punições” realizavam-se de diferentes formas, variando de tempo e lugar. Entretanto, ainda adotadas em diferentes épocas, essas práticas existiam para atender ao modelo socioeconômico hegemônico vigente.
Foucault (1987) em Vigiar e punir: historia da prisão, faz um recorte histórico trazendo elementos fundantes da instituição prisão, colocando em evidencia as relações de poder que o ato de punir detém sobre os corpos humanos. Entre as formas de punir mais antigas, o suplício foi por muito tempo a prática de castigo adotada pela sociedade para “crimes” cometidos contra o soberano, onde cenas de horror, tortura e execuções eram expostas para a população a fim de que o medo zelasse pela ordem, ou seja, a cerimônia do suplício coloca em plena luz a relação que dá poder a lei (p. 43).
O autor, também, sinaliza o suplício como bastante utilizado até meados do século XVIII. Não era outra coisa que punia se não a própria dor, pessoas tinham suas vidas ceifadas das formas mais sangrentas e bizarras em cerimonias assistidas por todos, para servir de exemplo para a população.
Aproximadamente no século XVIII a sociedade testemunhava uma transição na economia, uma nova forma era adotada (o capitalismo) e mostrava-se ter impactos revolucionários na sociedade, isso foi tão verdade que o modelo prevalece até hoje. O sistema feudal aos poucos vai desaparecendo na história e o sistema de produção capitalista se consolida como novo modelo socioeconômico na sociedade. É nessa trajetória de regimes e poder que emerge a “prisão” como privação de liberdade.
Marx (1996) sinaliza que o sistema capitalista é aquele no qual se eliminou a produção com vistas à criação de valores de uso imediato, para o consumo do produtor. Dessa forma entende-se que a acumulação de riqueza produzida nesse sistema torna-se um processo social de produção e circulação.
Nesse sentido Foucault (1987) afirma haver uma “economia política” do corpo, onde se expressam as relações de força, dominação e poder. O corpo tem um papel fundamental nessas relações, porém o autor pondera que ele só se torna força útil quando é produtivo e submisso ao mesmo tempo.
Foucault (1987, p. 20) discorre sobre a prisão como resultado de uma jurisprudência a partir da Idade Média. Sem descartar as dificuldades e a lentidão com os quais eram tratados os inquéritos, pois dependiam de condições especificas para apreensão e execução de um julgamento como verdade bem fundada. Estas condições dividiam-se em três conhecimentos, sendo eles: conhecimento da infração: conhecimento do responsável e conhecimento da Lei. Nesse momento não é somente a pessoa “criminosa” que está sendo julgada, e sim todo um conjunto. O “crime” é entendido para além da pessoa que o pratica.
Parte da prisão como uma instituição disciplinar, destacando “a forma geral de aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um preciso trabalho sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse pena por excelência” (Foucault, 1987 p. 195). Treinar os corpos tirando deles o máximo de tempo e máximo de força torna-se vital nas penalidades, classifica-los, modifica-los, vigia-los faz parte da prisão como um aparelho de transformação do individuo.
As prisões para Foucault são como “aparelho disciplinar exaustivo”, por agregar a seu cargo todos os aspectos do indivíduo. Para ele o traço característico das instituições disciplinares está desenhado no seu modelo de arquitetura, sendo este: o Panóptico, elaborado no século XVIII pelo jurista inglês Jeremy Bentham.
Nesse sentido, entende-se que a instituição prisão deveria ser um lugar instituído com a finalidade de punir, intimidar e reformar, porém, a característica de punir perpassa o espaço prisional mostrando o quanto contraditório são os objetivos para os quais ela foi criada, uma vez que punir se apresenta como única e exclusiva finalidade. Esse caráter punitivo foi diagnosticado como equivoco no surgimento das prisões por Foucault.
Segundo Jesus (2012, p. 19-20), “foinos Estados Unidos que surgiram as primeiras penitenciárias, porém estabelecimentos antecedentes situados em Amsterdam, na Alemanha e na Suíça, já empregavam a pena privativa de liberdade”. Os sistemas de reclusão norte-americana se diferenciavam a partir do modelo que era adotado, a exemplo desses modelos temos o de Auburn e o de Filadélfia. Esses modelos repercutiram pelo mundo tendo influência também no Brasil.
No século XVIII, a primeira prisão construída no Brasil encontrava-se no Rio de Janeiro, na época considerada província do país. Para Jesus (2012, p. 22), a Casa de Correção do Rio de Janeiro, a qual depois deu origem ao, já desativado, Complexo Penitenciário Frei Caneca, se constituiu como uma das primeiras penitenciárias modernas da América Latina.
No Amazonas o crescimento populacional a principio se concentrou em Manaus, juntamente com o crescimento econômico, para onde vários imigrantes eram atraídos por conta de melhores condições de vida, entre estes os nordestinos. Os índios escravizados, na época (século XXII), também, compõe essa população. O aumento demográfico na região fez com que a criminalidade tomasse uma proporção significativa. Ferreira e Valois (2010) apontam como esses aspectos, dentre outros, influenciaram no acréscimo do número de presos.
Em 1791, no governo de Manuel da Gama Lobo d’Almada, foi criada a primeira prisão em Manaus, situada na atual praça D, Pedro II, na época Praça do Quartel ou Praça do Pelourinho. Vários são os pontos assinalados pelos autores, desde o principio, no que se refere às fragilidades nesses espaços, como: ausência de profissional por conta do salario não digno; alimentação precária; ausência de atendimentos médicos; insalubridade, entre outros.
Com os avanços científicos e jurídicos na virada do século, e o progresso socioeconômico em Manaus, foi possível se pensar em novas estruturas para as instituições penitenciarias vislumbrando a organização por pena privativa de liberdade, com setores administrativos e oficinas de trabalho. Ouras demandas já requeriam medidas cabíveis como, repartições para abrigar menores, uma vez que policiais “em alguns casos, chegava a colocar crianças encontradas ‘sem ocupação’ nos xadrezes das delegacias, em promiscuidade com adultos”. (Ferreira e Valois, 2010, p. 84).
Instituída pela Lei 524, de 18.10.1906, no governo de Constantino Nery, foi inaugurada no dia 19.03.1907 a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, com característica da instituição total baseadas no preceito de Bentham, o panótico.
Os autores destacam que ainda nos últimos dez anos, esse lugar apresentou casos de tortura e punições desumanas, “cela pequena, molhada e sem luz, onde os presos eram jogados sem roupa para cumprir punição disciplinar. Espancamentos oficiais faziam parte da rotina desse estabelecimento”.
Atualmente a instituição não tem mais no nome a palavra ‘penitenciaria’ e sim Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa. Além desta, existe outros estabelecimentos penais na Capital: Complexo Penitenciário Anísio Jobim; Unidade Prisional do Puraquequara; Casa do Albergado de Manaus; Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico; Centro de Observação e Instituto Penal Antônio Trindade-IPAT.
A Penitenciária Feminina, criada pela Lei 1.873, de 29.11.1988, essa apresenta um histórico de luta pelos direitos, foi anexada em 2001 ao prédio que funciona o Complexo Penitenciário “Anísio Jobim”. Anteriormente, era destinado um espaço na Cadeia Púbica Vidal Pessoa para as mulheres.
A partir disso, percebe-se que os estabelecimentos penais não atendem ao preconizado pela legislação. Desde sua criação a prisão foi instrumento de abandono, descaso, sofrimento e desrespeito ao ser humano. Ainda que a jurisprudência tenha avançado e contribuído de forma significativa no sistema penal, há muito a ser feito para garantia desse direito, faz-se necessário politicas públicas mais efetivas, para que esses estabelecimentos viabilizem suas funções de acordo com suas regulamentações.
A ausência de políticas públicas ainda é um grande entrave para a efetivação das legislações que alcançam o “cárcere”. Parintins/AM por ser um munícipio de médio porte, o segundo maior em população no Amazonas, deveria abrigar uma Penitenciaria com todo suporte legal e tecnológico viabilizando os reais objetivos da instituição, no entanto, encontra-se uma Unidade Prisional provisória e insuficiente.
No decorrer da história as formas de punir sofreram inúmeras transformações e a prisão responsável de aplicar a pena de privação de liberdade dos indivíduos teve avanços significativos. No Brasil houve a criação da Lei de Execução Penal - LEP, nº 7.210 de 1984. Apesar da Lei, o cenário brasileiro apresenta diversos entraves para a efetivação dos objetivos propostos na LEP. São estruturas precárias e o descaso do Estado com a não implementação de Políticas Públicas para atender as demandas das instituições prisionais.
Em 11 de julho de 1984, foi instituída a Lei 7.210-Lei de Execução Penal (LEP), esta tem por objetivo responsabilizar o Estado aos cuidados ao indivíduo em situação de prisão, sendo acompanhado por uma jurisprudência, até sua reinserção na sociedade.
Para Gomes (2010) a finalidade principal da Lei de Execução Penal (LEP) é efetivar o comando da sentença ou decisão criminal, quanto a pena ser vista como castigo, tendo uma natureza retributiva, imposta pela sociedade por meio do Estado ao indivíduo que viola a lei penal.
Embora essas pessoas sejam consideradas “criminosas” para sociedade, é um direito delas a constituição de espaços prisionais possibilitando o mínimo de estrutura física e humana, capazes de criar um ambiente saudável não afetando a dignidade enquanto ser-humano.
Em seu Art. 1º, a LEP versa que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Porém, isso não ocorre na Unidade Prisional de Parintins/AM, a instituição de execução penal não tem sido garantida.
Assistir a pessoa em situação de prisão é de suma importância nas instalações penitenciarias. Nessa perspectiva, procurou-se analisar a efetividade dos direitos sociais previstos na Lei de Execução Penal na Unidade Prisional de Parintins/AM e como esses são intrínsecos, ao processo de ressocialização.
Observando o processo histórico da Unidade Prisional identifica-se uma ausência de planejamento na construção de um presídio para o Município. A Unidade Prisional que hoje funciona é resultado de uma Delegacia de Polícia onde antes funcionava no prédio. Com pequenos ajustes, a partir do dia 1º de Fevereiro de 2001 foi inaugurada a Unidade, a fim de receber presos provisórios e sentenciados.
Com relação aos presos, a Unidade trabalha com três regimes de pena: semiaberto; aberto e fechado. No regime semiaberto encontrava-se, no período de pesquisa, 61 (sessenta e um) homens e 4 (quatro) mulheres. No regime aberto há 22 (vinte e dois) homens e 8 (oito) mulheres. De acordo com entrevistas realizadas com funcionários da instituição sobre os regimes aberto e semiaberto, foi informado: os presos que estão cumprindo pena no semiaberto, eles assinam uma folha de frequência todos os dias, já os que estão em regime aberto, só assinam nos finais de semana, sexta sábado e domingo.
Atualmente, a Unidade dispõe de 120 (cento e vinte) pessoas em situação de prisão, sendo 100 (cem) homens e 10 (dez) mulheres, esses estimativos é referente apenas ao regime fechado que abrange os provisórios e sentenciados. Porém, ressalta-se que o prédio foi projetado para receber apenas 36 (trinta e seis) reclusos, desse número, 32 (trinta e dois) homens e 04 (quatro) mulheres.
Observa-se uma superlotação na Unidade, visto a instituição conter o número de pessoas superior ao suportado. Sobre o espaço destinado a pessoa em situação de prisão, é notória a ausência do poder público, a lotação faz com que os espaços se tornem pequenos, uma cela de 4m² com capacidade para 2 (dois) presos de justiça, hoje recebe bem mais, uma média de oito pessoas. Ao todo existem treze celas subdivididas em pavilhões.
Os discursos proferidos pelos entrevistados, representantes do sistema penitenciário, indicam a situação de precariedade da Unidade Prisional:
é um prédio inadequado, nós não temos no interior do Estado, construções que sigam a risca o que prevê a legislação, com formato realmente de presídio, de Unidade Prisional. O que nós temos são improvisações, adequação e aproveitamento de prédios que já foram delegacias ou quarteis e aí é feito uma adaptação para servir de Unidade Prisional. (Comandante Coronel, responsável pela Policia Militar)
Eu não sei o que te falaram a respeito desse presídio. Mas pra inicio de conversa, isso aqui a gente não pode nem considerar como presidio, isso aqui não tem as mínimas condições de ser presidio, isso aqui era uma antiga delegacia que foi adaptada para as pessoas ficarem amontoadas por aqui. Mas presidio como a Lei de Execução Penal exige, é totalmente diferente disso daqui [...]. Não se deve nem falar que isso aqui é presidio, pela estrutura, é um negocio tipo uma brincadeira isso olha. Você entra vê umas “casinhas de pombo”, as pessoas amontoadas aí. (Agente Penitenciário, 17 anos atuando na Unidade).
A descrição narrada da realidade encontrada no cárcere em Parintins/AM é um verdadeiro descaso. Não há respeito com a dignidade humana, o local inapropriado como foi relatado é um retrato da invisibilidade por parte do Estado para com as questões que envolvem as prisões. O dispositivo legal, a LEP é constantemente cerceada, infligida ou até mesmo negada, não alcançando os objetivos para os quais foi criada.
A figura 01 corresponde a Unidade Prisional de Parintins/AM, a vista é da guarita dos policiais militares. Visualiza-se mediante a imagem, um retrato da precariedade, do improviso e das condições sub-humanas, confirmando as falas dos entrevistados, quanto à situação da Unidade não apresentar o que preconiza a Lei de Execução Penal. Os estabelecimentos que abrigam as pessoas são comparados com “casinhas de pombos” (Agente Penitenciário). Sendo assim, instalações inapropriadas.
A LEP assegura ser responsabilidade do Estado prover as condições necessárias e prestar assistência às (aos) presas (os). (Art.10). No entanto não há uma descentralização dessa legislação que alcance a Unidade Prisional, resultando na falta de políticas públicas principalmente para mulheres em situação de prisão, almejando o processo de ressocialização.
A prisão, teoricamente, apresenta-se como uma instituição promotora da ressocialização dos indivíduos, como preconiza a LEP no Capítulo II referente à Assistência do Condenado e Internado. O Art.10 da mesma lei, afirma ainda que a assistência estende-se ao egresso. Dessa forma, é imprescindível desvelar como se dá esse processo de ressocialização nas unidades prisionais, levando em consideração as formas com a qual esse direito está sendo assegurado.
O Art.11 da LEP versa sobre a assistência à pessoa em situação de prisão, entre as quais estão a: material; à saúde; jurídica; educação; social e religiosa. Como já supracitado, as instalações da Unidade são extremamente precárias. Logo, esses serviços, também, não são diferentes.
3.1 ASSISTÊNCIA MATERIAL
O Estado não dispõe de uniforme, tanto as vestimentas quanto o material de higiene é fornecido por familiares ou doações. De acordo com o que reza a legislação, todo preso de justiça é responsabilidade do Estado e cabe a ele assistência material, como bem expressa o Art. 12 da LEP, quando destaca “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”.
Na Unidade Prisional de Parintins/AM, identificamos o fornecimento do alimento, porém o espaço destinado às refeições é exposto a muitos insetos pestilentos (baratas, moscas) comprometendo a higiene do local. O Comandante Coronel da Policia Militar corrobora a cerca dessa realidade, “em Parintins/AM especialmente eu penso que a questão da alimentação melhorou muito com esse novo diretor. Mas a muito a se fazer se falando em ser humano com relação às instalações hidráulicas, do banheiro e tudo mais”.
Da Assistência à Saúde o Art. 14 enfatiza o de caráter preventivo e curativo, incluindo atendimento médico, farmacêutico e odontológico. A LEP, também pondera, caso o local não disponha de ambiente onde esses serviços são destinados, deve-se encaminhar para postos, hospitais e clinicas especializada.
A partir das observações sistemáticas, ficou claro que a Unidade não dispõe de serviços próprios destinados à saúde, precisando assim contar com as parcerias de Unidades de Saúde mais próximas. Não existe atendimento farmacêutico na instituição, apenas uma “caixinha” que contém alguns medicamentos. Tal afirmativa é confirmada pelo Gerente Administrativona seguinte fala: quando um preso precisa de um remédio que não tem no posto ou hospital o Diretor se vira, já teve caso dele tirar do bolso dele pra comprar e quando não a gente pega o endereço do interno e procura a família.
O atendimento psicossocial, também é realizado através de parcerias, quando preciso é acionada uma assistente social e psicóloga do município. Entretanto esse atendimento é resumido em auxilio por benéfico, não existindo assim um acompanhamento que corresponda à realidade social carcerária.
Outra problemática que não é assistida por profissionais especializados é a dos dependentes químicos, de acordo com o que foi informado há um numero significativo na Unidade, contudo o procedimento adotado para com estes é feito da seguinte forma: “a questão do tratamento não existe. Quando ocorre a situação da abstinência a gente leva pro hospital, o médico detecta logo e aplica medicação e ele retorna.” (Agente administrativo, pesquisa de campo, 2015).
Há uma falha no município, não há juízes plantonistas no interior. Não há, porque não há investimentos do próprio Poder Judiciário, não há porque não há recursos destinados e uma infraestrutura apropriada. O judiciário enfrenta uma problemática muito grande, não se tem servidores efetivos para julgar, isso é uma preocupação muito relevante, porque existe uma seriedade nos processos, se tem em vista a liberdade entre outros valores de suma importância. Essa análise, esse acompanhamento desses processos é passado por servidores que não tem, não passaram por um concurso conforme determina a Constituição, o que pode levar a uma insegurança no sistema, a falha dos servidores. Atualmente não tem nem estagiários de Direito para acompanhar, na prática são funcionários contratados, e dentro desse contexto percebe-se que as varas tem um número excessivo de processos, atualmente cada vara tem mais de 3 mil processos para administrar. (Defensor Público, 2015).
Diante do discurso proferido há indicativos do quanto os ritos processuais parecem demorar, aumentando assim o quadro de presos provisórios. Há um acumulo nos processos, isso contribui para a superlotação na Unidade Prisional. Entre as alternativas apontadas pelo Defensor, estaria à audiência de custodia, onde a pessoa em situação de prisão seria ouvida por um Juiz e toda uma equipe técnica dentro do prazo de 24 horas. É uma garantia de todo individuo ter o seu caso apreciado isso está consagrado tanto na Constituição Federal. Um preso custa em media 5 mil reais para o Estado. Com políticas nesse sentido evita-se um encarceramento desnecessário, seja para mulheres, seja para os homens (Defensor Público, 2015). Contudo, isso ainda é algo a ser pensado, pois a estrutura atual não oferece as condições necessárias.
A Lei 12.313 sancionada em 19 de agosto de 2010 (reformulação da LEP) versa sobre o direito à defesa no sistema prisional, através da Defensoria Pública. Conferindo a esta a tarefa de garantir o princípio constitucional de acesso à Justiça no âmbito da execução da pena. Gomes (2010) analisa essa reformulação de forma positiva, visto 90% da população carcerária do país, ser composta por pessoas que vivem em situação de pobreza.
Dessa forma, é direito da pessoa em situação de prisão ser acompanhada por um defensor. Mas, há uma morosidade por conta da demanda significativa, para um numero reduzido de profissionais no município. Em 2014 a Unidade Prisional chegou a abrigar 200 presos, sendo esse número muito acima do previsto para essa Unidade. Hoje esse número diminuiu, em contrapartida ainda é preciso olhar para a situação das mulheres de forma peculiar.
O Art. 17. consiste na assistência educacional, a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Se estendendo ao Art. 18, onde ensino de primeiro grau é considerado obrigatório e o Art. 19 que aborda o ensino profissional, em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.
De fato o investimento na educação é a melhor forma de criar perspectivas na sociedade contemporânea, pois o mercado exige pessoas capacitadas. Na Unidade Prisional existe apenas uma turma de Ensino de Jovens e Adultos-EJA, que dá preferencia para os sentenciados. A turma fecha em 30 alunos, entre homens e mulheres.
Não há na Unidade políticas voltadas para a educação das mulheres, tão pouco cursos técnicos que possibilitem uma ocupação e capacitação para o retorno ao mercado de trabalho. Sabe-se o quanto o acesso a educação é responsável pela remissão de pena, sendo direito previsto na LEP, mas não é oportunizado para essas pessoas.
“A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.” (Art. 22)
É destinado ao serviço de assistência social no Art.23: I – conhecer os resultados dos diagnósticos e exames; II – relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentados pelo assistido; III – acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; IV – promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; V – promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; VI – providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da previdência social e do seguro por acidente no trabalho; VII – orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima.
Todos os pontos aqui destacados acerca do direito à assistência social são violados. A Unidade Prisional não dispõe de profissionais de Serviço Social capacitado para atender a essas demandas e o quadro de profissionais é reduzido.
O quadro de funcionários é agravante, é praticamente um funcionário por dia para mais ou menos 120 presos. Nós temos uma funcionaria mulher, isso é inadmissível. As mulheres são atendidas por homens. Assim como a profissional mulher, atende aos homens. Isso em lugar nenhum é pra ser feito, em cadeia séria, em Estado sério isso não acontece, infelizmente taí. o caos que é né. Mas isso não se pode acontecer, isso não deveria existir. (Agente penitenciário, 2015).
Com base na Resolução nº 09, de 13 de novembro de 2009, do CNPCP deve ser menos de 05 (cinco) presos por agente penitenciário. Ou seja, o único agente penitenciário que responde por turno na Unidade, além de receber um trabalho muito maior do que deveria executar, torna-se vulnerável, visto que a lotação pode causar transtornos diários, e um profissional apenas não é capaz de controlar, colocando sua própria vida em risco.
ASSISTÊNCIA RELIGIOSAO Art. 24 prevê assistência religiosa, com liberdade de culto aos presos e aos internados, permitindo-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.
Para compreender o papel da igreja na Unidade Prisional, foram entrevistados membros da Pastoral Carcerária.
O nosso objetivo, não é na parte social com eles, mas sim na parte religiosa. A social é mais parte da diretoria, nós temos o objetivo de levar Jesus ao outro, ou de dizer melhor, encontrar Jesus que está também nelas ou neles. [...]. Então Jesus mesmo se identificou com os prisioneiros, então esse é objetivo que nós vamos lá, para resgatar o que dizer a, imagem e semelhança de Deus que esta também neles, e não foram destruídos pelos atos que eles fizeram. Então nós vamos lá para dizer que vocês ainda estão sendo amados por Deus. E, também, quando fizemos um tipo de pergunta para ele, o que eles gostariam que a gente fizesse para eles, eles não pediram muitas coisas, a maioria deles disse: basta as suas visitas! Então eles acharam uma visita humana, então é claro que quando as pessoas vão, eles vão olhar para eles como bandidos criminosos. Mas como irmãos e irmãs q estão precisando de ajuda [...] (Diácono da Igreja Católica, 2015).
Em observação, percebe-se a aceitação da igreja pelas mulheres e homens, é um momento de conforto diante da privação de liberdade. A igreja tem ajudado bastante com doações de produtos de higiene através de campanhas. Logo, há uma transferência de responsabilidade, o Estado que tem que intervir nessas questões, deixa para igreja através da caridade auxiliar na dignidade humana dessas pessoas.
O Diácono é sabedor do papel da igreja nas unidades prisionais, mas acaba intervindo no social devido à precariedade e o descaso, o qual vivencia as pessoas em situação de prisão. A LEP determina haver um local apropriado para os cultos religiosos. Infelizmente há uma falta de espaço na Unidade para esses encontros, realizados então em espaços improvisados, de acordo com o dia e a necessidade.
O Art. 25, referente à assistência ao egresso consiste: I – “ na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II – na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses.”
Diante de todos os itens até aqui pesquisados, saúde, educação, assistencial social e entre outros. Evidencia-se um retrocesso nas formas de punir e nos direitos conquistados, os direitos humanos são feridos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Resolução n° 217A, na III Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, expressa em seu art. 1° o seguinte dizer: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Contudo, essas premissas básicas não são encontradas na Unidade Prisional, onde as pessoas estão em situações sub-humanas. E o Estado como mediador de direitos, nega e reforça a invisibilidades desses seres humanos, contribuindo para o retorno ao crime.
O Defensor Público analisa o percentual de reincidência com pessimismo, e diz que o sistema carcerário em vez de melhorar, em vez de fazer com que a pessoa retorne “melhor” pra sociedade, acaba gerando perspectivas de pioras. E enfatiza, na prática como órgão de execução penal, a Defensoria Pública verifica que outras penas se tornam mais eficazes do que o sistema de encarceramento.
Em razão disso surge uma demanda de construir de obrigar o Estado a construir, nesse primeiro momento foram medidas administrativas tomadas, não chegou ao ponto de oficializar, de entrar com uma ação pra obrigar o Estado, hoje os tribunais superiores no caso o STF- Supremo Tribunal Federal, já tem decisões no sentido de obrigar o Estado a construir um presidio, a incluir em seu orçamento recursos para essas construções de presídios, e é isso o outro passo a ser implementado, a defensoria como órgão de execução penal tende a efetivar essa luta gradativa que visa a construção desses presídios. (Defensor Público, 2015).
O Comandante Coronel da Polícia Militar reforça a fala do Defensor Público:
A Unidade de Parintins/AM está superlotada, na verdade o que precisa fazer e que resolveria a maior parte desses problemas é a construção de um novo presidio que atendesse ao que prevê a legislação e o que prevê a norma técnica com relação a prédios desse tipo. É algo que já vem sido falado em bastante tempo em Parintins/AM, já recebemos até visita de desembargadores, corregedores do tribunal que deram indicativo de até em momentos o fechamento da Unidade Prisional, até que se construa um novo presidio. Mas, passa também pela questão dos ritos do Poder Executivo que tem viabilizar a construção do prédio, e nisso já se passam muitos anos, né, e o que se tem feito é remediar. (Comandante Coronel da Polícia Militar, 2015)
A realidade narrada pelos profissionais denuncia como agravante é a situação da Unidade, sendo necessária a construção de outro prédio, este de acordo com a LEP.
Almeida (2001, p. 220) sinaliza quanto à sociedade encontra-se em constante mudança, Logo o Código Penal brasileiro expõe uma lei envelhecida, baseada na repressão e não na proteção cidadã. A autora enfatiza o não avanço da lei diante da criação de crimes e de outros implementos sofisticados para sua execução, bem como, a não priorização de instrumentos opcionais para combater a estigmatização e a rejeição social dos criminosos, dificultando assim, sua reintegração à sociedade.
O Decreto nº 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, corresponde ao Regulamento Penitenciário Federal, no qual o Título V Art. 28 trata da assistência ao egresso que deve ser providenciada pelos sistemas penitenciários estadual, ou distrital, de preferência onde resida a família da pessoa em situação em prisão, mediante convênio estabelecido entre a União e os Estados ou o Distrital Federal, a fim de facilitar o acompanhamento e a implantação de programas de apoio ao egresso.
A resolução da LEP supracitada vem reforçar a função atual dos presídios, sendo essa a de punir, transformar e ressocializar as pessoas, oferecendo os suportes estruturais e humanos necessários para que esses objetivos fossem alcançados. Contrapondo-se ao objetivo desde a criação das prisões, o qual objetivava apenas punir.
Gomes (2010) em sua análise indica em nosso país um sistema prisional que corresponde à própria sociedade, a qual está impregnada de contradições perversas, caracterizada pela desigualdade social, onde milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza enquanto uma minoria privilegiada concentra a grande parte da riqueza.
O autor, fala do descaso por parte do Estado, onde a população carcerária de forma geral é “pobre, negra, jovem, analfabeta ou semi-alfabetizada, são estes os verdadeiros marginalizados da sociedade, que, de certa forma, na maioria das vezes, foram “empurrados” ao crime por não terem tido melhores oportunidades sociais”. (Gomes 2010, p. 24).
Segundo o discurso do Defensor Público do município:
Percebe-se que os investimentos em politicas públicas são determinantes para esse cenário de encarceramento. Hoje nós vivemos na sociedade do consumo, onde não consumir significa a exclusão daquele meio social, isso tudo reflete direto e indiretamente. É claro que o poder aquisitivo não vai ser determinante, mas influência na necessidade do individuo de consumir a automaticamente cometer delitos.
O fator econômico desta forma torna-se de algum modo preponderante no crime. A busca pelo consumo, pelo poder perpassa a sociedade, e classes menos favorecidas, contemplam o crime como algo acessível e rentável. Ao expor a questão do desemprego e da pobreza que atinge o município, o Coronel da Polícia Militar, expõe esse fator como não justificável, mas a droga é o que tá mais fácil de você ter acesso, ou se tornar um revendedor e ter um dinheiro. Havendo um agravamento no tráfico de drogas.
Diante dos relatos, há uma serie de fatores que implicam na questão prisional, os quais devem ser analisados com cuidado para que providenciais mais eficazes sejam tomadas. A ausência de Políticas Públicas voltadas para educação, trabalho e saúde é uma deficiência no processo de ressocialização. Bem como, a falta de acompanhamento com as famílias, o fortalecimento do vinculo familiar prezado na Constituição.
Nesse sentido, pensar em ressocialização é um desafio, visto o sistema prisional do município não viabilizar condições para um processo, no qual as pessoas em situação de prisão possam ser assistidas e reinseridas na sociedade, de forma não danosa para sua condição de pessoa humana.
Em entrevista com o Comandante Coronel da Policia Militar, o Agente Penitenciário, o Defensor Público e o Diácono da Pastoral Carcerária, foi perguntado se os mesmos acreditavam na ressocialização das pessoas em situação de prisão.
De acordo com o Comandante Coronel da Polícia Militar:
No atual Sistema Prisional, não. Eu penso que por dois motivos, primeiro que a maioria da Unidades Prisionais não tem uma estrutura de ocupação do tempo dessas pessoas com cursos técnicos, uma produtividade né. . Além disso, tem a discriminalização, a pessoa acaba ficando muito marginalizada, dificilmente consegue um emprego. Se lá dentro não foi oferecido um curso, alguma coisa que ele possa dizer que está capacitado para atuar em alguma área, também não vai ter oportunidades. O segundo item, é com relação aos ganhos mesmo, que são muito mais rápidos que o emprego convencional. [...] enquanto tiver essa massa de pessoas que não tem oportunidade, vendo mau exemplo que vem de cima a todo estante, esses escândalos de corrupção, eles não vão querer seguir pelo caminho do bem, da educação. Até porque as perspectivas são boas para algumas profissões, mas as outras profissões se você não for concursado, ou autônomo é também complicado, né, e muita dessas pessoas não estão nem no nível de ter essa perspectiva porque estão em situações precárias, estão na verdade sobrevivendo e não conseguem ter nem todo mês a comida na mesa, não justifica né, pra quem tá numa situação mais confortável pode dizer isso que é mau caráter ou índole, mas pra quem não tá é bem complicado. (entrevista, 2015)
Nessa perspectiva, a educação, a oferta de curso superior e profissionalizante seria uma alternativa para a ressocialização. Porém a fala é pessimista quanto ao sistema prisional, acreditando este estar longe de ressocializar, perpetuando a situação de marginalização a qual é julgada essas pessoas, duas vezes, uma pelo direito penal e outra pela sociedade.
Existem duas situações. O preso que vive do crime, ele vai passar a vida aqui e não vai se ressocializar de jeito nenhum. Ele vai entrar uma, duas, três vezes e vai voltar. A pessoa que muda é aquela pessoa que não vive do crime, por um momento ela cometeu um crime, ou foi pra droga, assim, a pessoa que não tem uma mente criminosa. As vezes o cara entra aqui porque roubou um celular, quando ele volta é por algo mais grave. Essa ressocialização que o Estado deveria ter não existe, não acontece. (Agente Penitenciário da Unidade Prisional de Parintins/AM).
O profissional da Unidade classifica as pessoas em situação de prisão em ressocializaveis e não-ressocializaveis. Silva (2011), ao trazer a visão da criminologia crítica, enfatiza que estudos devem desvelar o aparente compreendendo assim o processo. Nesse sentido, afirmar que existem pessoas ressoacializaveis ou não, exigiria duas situações: oferecer subsídios para a ressocialização e realizar estudos acerca do desenvolvimento dessas pessoas na prisão. Contudo, a segunda resposta se aproxima da primeira, quando aborda a inexistência do processo de ressocialização, principalmente por parte do Estado, a quem cabe esse dever, de acordo com LEP.
Ainda sobre a ressocialização o Diácono da Igreja Católica, destaca, se não mudar essa politica carcerária é difícil ressocializar. É difícil mesmo, por que eles tão lá sem fazer nada, eles tem o banho de sol e jogam uma bola. E tem alguns que fazem as redes, então e difícil à recuperação daqueles jovens.
Dentro do sistema que nós temos eu não acredito na ressocialização. Eu acredito na ressocialização a partir de projetos sérios. Há uma preocupação de profissionais do terceiro setor em fomentar essa melhoria no sistema carcerário. Atualmente o Estado não destina um orçamento para a Unidade de Parintins/AM. Então o descaso do Estado a meu ver me forma convicção de que o sistema carcerário está falido e não permite a ressocialização (Defensor Púbico, 2015).
Há um consenso nas respostas com relação à falência do sistema prisional. Rapin (2011, p.30) aponta a corrupção, maus-tratos, rebeliões, fugas, organizações criminosas como enfoque da mídia para evidenciar a “falência prisional”. Em contrapartida, a autora entende a “falência” como termo que designa um estado ou situação de impossibilidade de satisfazer adequadamente as obrigações assumidas, chegando à conclusão “de que falido está de fato, o sistema penitenciário brasileiro, assim como também estão o nosso Direito, Estado, sociedade e até mesmo a nossa condição humana”.
Ao perguntar sobre as perspectivas de futuro para uma mulher em situação de prisão, foi elencado: Aqui dentro a gente faz planos, mas lá fora a realidade é outra (entrevistada 4, 2015). Há um sentimento de incerteza, de impotência e até de desespero. Elas não acreditam ser recebidas e aceitas com a condição social que trazem: ex-presidiária.
França (2014, p. 225), em sua pesquisa com mulheres em situação de prisão, fala que elas manifestaram preocupação em relação à saída da prisão, à colocação no mercado de trabalho que já era difícil antes da prisão se torna praticamente impossível após a liberdade, especialmente, em função do estigma que passa a carregar e pela organização social falha e preconceituosa.
É notório nas falas, o quanto a sociedade como um todo é excludente e opressora. Quando se trata da pessoa criminosa os entraves de aceitabilidade se intensificam, restringindo assim a reinserção na sociedade no trabalho.
As pessoas de modo geral, são muito preconceituosas, porque ela já tem uma pré-idéia da pessoa presa, que ninguém presta, que todos são vagabundos. A sociedade tem essa ideia. Logo que eu cheguei aqui em Parintins/AM era um caos, pior do que tá agora, agente tinha que pedir no comércio, gás pra fazer a comida, osso pra fazer sopa. Agente pegava lenha pra fazer fogo e as pessoas diziam assim, preso? Quero que se [...]. Eu ouvi muito isso, as pessoas tem esse preconceito ferrenho. Quem vem visitar os presos é só a família mesmo, pai, mãe e filhos. E tem alguns que nem a família vem (Agente Penitenciário).
Diante disso, constata-se a partir da realidade da Unidade Prisional de Parintins/AM, a negação ao direito à ressocialização legitimado na Lei de Execução Penal, sendo esta praticamente inviabilizada para as pessoas em situação de prisão.
CONCLUSÃO
Com base na pesquisa realizada, percebe-se o quão a prisão está para punir e não ressocializar as pessoas em situação de prisão, pois não oferece estruturas e serviços promotorar de recriar novas histórias no convívio social. A falta de salubridade e assistência configura-se na não efetividade da Lei de Execução Penal-LEP apontando um retrocesso nos objetivos pelos quais as prisões existem na contemporaneidade.
A Unidade Prisional de Parintins/AM não indica um processo de ressocialização, deixando os reclusos a quem de seus direitos. Nesse sentido, faz-se necessário fomentar discussões a partir da realidade encontrada nas prisões na perspectiva de garantia de direitos. Denunciar as fragilidades e precariedades que assolam as prisões requer um olhar para com seres humanos privados de liberdade e da não garantia do mínimo de dignidade. Daí a importância da sociedade como um todo e principalmente do Estado, buscar alternativas para o enfrentamento da miséria, da marginalização, da violência, do medo e do desrespeito, propagado nas prisões. Estas que ao invés de ressocializar, acaba difundido o crime.
REFERÊNCIA
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GOMES, J.R. O sistema prisional e a Lei de execução penal: Uma análise do ser ao dever ser. Monografia apresentada à Faculdade Estácio de Sá. Juiz de Fora, 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=130340&search=amazonas|Parintins/AM> Acesso em: 19 jul. 2014.
JESUS, F. F de. Políticas Públicas Penitenciárias e o Processo de Prisonização: um estudo sobre mulheres em situação de prisão no Conjunto Penal de Feira de Santana - BA. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2012.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Tradução de Reginaldo Sant`Anna. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
RAPIN, T.T.D. Mulher e sistema penitenciário: A institucionalização da violência de gênero. In: Sistema Penal e Gênero: tópicos para emancipação feminina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
** Possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998), mestrado em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo (2005) Doutorado em Ciências do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Atualmente é Professora Assistente na Universidade Federal do Amazonas - Campus Parintins. Coordenadora da Incubadora Amazonas Indígena Criativa. Desenvolve projetos de pesquisa em extensão nas áreas de sustentabilidade, gênero, trabalho, agricultura familiar e serviço social.
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