Micheli Martins Afonso
Juliane Conceição Primon Serres
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
mimafons@gmail.comResumo:
O presente texto objetiva discutir os obstáculos existentes na elaboração e na inserção de práticas de conservação preventiva em Casas-Museu. Muitas instituições classificadas nesta tipologia museal não praticam de maneira periódica ações de conservação preventiva. Exercem de maneira purista a rotina de manutenção empregada a uma residência habitada, não atendendo a técnicas e normas que uma instituição de guarda deve seguir neste aspecto. Espera-se com este artigo fomentar a discussão sobre as práticas de conservação preventiva em Casas-Museu.
Palavras-Chave: Conservação Preventiva, Casa-Museu, Patrimônio Cultural.
CHALLENGES IN THE PREPARATION AND INSERTION OF PREVENTIVE CONSERVATION PRACTICES IN HOUSE MUSEUMS
Abstract:
This present text has the objective of discussing the existing obstacles in the elaboration and insertion of practices of preventive conservation um House-Museums. Several categorised institutions in this museal typology are not in practice with the periodical methodology of preventive conservation. It is executed in a purist manner the maintenance routine done in a habitated residence, unattending the norms and techniques of the reserved institution to follow in this aspect. It is expected the stimulation of the practices in preventive conservation in House-Museums.
Keywords: Preventive Conservation; House-Museum; Cultural Heritage.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Micheli Martins Afonso y Juliane Conceição Primon Serres (2016): “Desafios na elaboração e na inserção de práticas de conservação preventiva em Casas-Museu”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/museu.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-museu
Introdução
De acordo com a análise de António Ponte sobre as Casas-Museu em Portugal “[...] são muito débeis os serviços relacionados com a conservação preventiva [...]. A Casa-Museu é geralmente encarada como um espaço de exposição sem condições de conservação e salvaguarda” (PONTE, 2007, p. 109). Este mesmo cenário é verificado no Brasil, onde diversas Casas-Museu ainda se encontram em processo de autoconhecimento e adequação dos seus espaços à nova realidade de museu, não priorizando ações de salvaguarda.
Muitas instituições classificadas como Casas-Museu não praticam de maneira periódica ações de conservação preventiva. Exercem de maneira purista a rotina de manutenção empregada a uma residência habitada, não atendendo a técnicas e normas que uma instituição de guarda deve seguir neste aspecto. A este respeito pode-se citar ações de limpeza dos objetos com uma utilização correta de materiais para não prejudicar o acervo, práticas de prevenção de riscos e segurança aos bens expostos, técnicas de manuseio, cuidados com a incidência de luz direta sobre as peças, controle de umidade relativa e temperatura, dentre outras questões específicas da conservação.
O presente texto objetiva discutir os obstáculos existentes na elaboração e na inserção de práticas de conservação preventiva em Casas-Museu. A metodologia utilizada consiste em revisão bibliográfica sobre Casas-Museu e sobre conservação preventiva, além de visitas de pesquisa em algumas instituições que estão classificadas nesta tipologia de museu. Este artigo é parte dos resultados de uma dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas, Brasil, cujo título é “Uma abordagem brasileira sobre a temática das Casas-Museu: classificação e conservação”.
Este trabalho pretende fomentar as discussões sobre a importância das práticas de conservação preventiva dentro das Casas-Museu, contribuindo, desta forma, para a sua preservação.
Conservação preventiva em Casas-Museu: um desafio diário.
Em sua origem, uma Casa-Museu foi uma residência, portanto, destinada ao uso privado, circunstância que não exclui o seu dever de cumprir as funções museológicas inerentes a toda tipologia de museu. Sendo assim, consiste em uma instituição de guarda que no passado abrigou as vivências e lembranças de uma pessoa/família/comunidade, ou um local que reconstrói1 estas memórias.
De acordo com a definição de Museu instaurada pelo Conselho Internacional de Museus – ICOM e que deve ser aplicada a todas as tipologias museológicas e utilizada pela comunidade internacional,
O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite (ICOM, 2007).
As Casas-Museu necessitam imprimir no ambiente expositivo, diversas outras práticas museológicas para que se possa considerá-las como instituições de guarda, caso contrário serão apenas casas abertas ao público. Percebe-se neste sentido o grande desafio atribuído aos gestores das Casas-Museu: transformar um modelo de residência, com seus objetos e memórias, em uma instituição museológica responsável por salvaguardar, educar, dentre tantas outras ações intrínsecas aos Museus. Neste sentido, um especialista formado na área de conservação e restauração, percebe ao visitar estes espaços, as carências institucionais no que tange a conservação preventiva e as boas práticas de conservação do acervo. Possivelmente, por se tratarem de organismos culturais de dimensões menores e com poucos recursos humanos e financeiros, as questões que permeiam o campo específico da conservação são mais difíceis de serem implantadas e praticadas. Outro fator determinante para os problemas de conservação, diz respeito ao arranjo expográfico verificado em diversas entidades museais desta tipologia, sobretudo nas Casas-Museu de memória íntima 2, que geralmente preservam praticamente intocados os ambientes que retratam uma vivência pessoal e/ou familiar. A conservação destes locais é um desafio. Por não estarem abertos a mudanças expográficas, já que a configuração do acervo reflete a identidade do personagem homenageado, é difícil propor ações museográficas que auxiliem e facilitem o controle ambiental, dentre outras ações de conservação.
As instituições museológicas ocidentais convivem há alguns anos com as discussões e as práticas de conservação. Este trabalho multidisciplinar, não faz parte apenas da rotina do conservador-restaurador, ele deve comungar com outros profissionais que constituem o quadro de funcionários de uma instituição de guarda, como os museólogos, arquitetos, arquivistas, etc.
Fernández coloca a dificuldade de gestão e conservação que é visível em qualquer instituição de guarda, citando os museus históricos:
Sempre que se trate de museus históricos devemos levar em consideração o que foi dito sobre a sua complexidade e amplitude de área que é concedido a este tipo de instituição, as distintas matérias e disciplinas, e suas peculiaridades, problemas de conservação, instalação e preservação, e projeção didática e sociocultural. (FERNÁNDEZ, 2006, p. 129).
Em especial considera-se o debate a cerca da conservação nas Casas-Museu um fórum pertinente, já que estes espaços possuem, além da dificuldade habitual de uma instituição de guarda nos processos de gestão e conservação, uma gama de materiais e de diferentes tipos de acervo expostos em uma mesma sala, fator que deve ser tratado como uma situação particular. Nesta perspectiva, percebe-se que nos museus tradicionais existe um planejamento expositivo que propicia a uma seleção dos objetos, sendo estes separados por salas diferentes e tipologia de materiais, promovendo uma melhor conservação através de um planejamento e adequação dos níveis ambientais.
Apesar da amplitude das discussões e dos crescentes trabalhos científicos que buscam alargar os conceitos sobre as ações de conservação preventiva e conservação como um todo, este estudo é consideravelmente novo no que concerne às Casas-Museu. As pesquisas que aprofundam o debate relativo às práticas de conservação nas Casas-Museu são escassas, salvo algumas ações de sucesso difundidas no Brasil, como o projeto de conservação preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa, localizado na cidade do Rio de Janeiro. O Museu Casa de Rui Barbosa é considerado um modelo de instituição nacional, no que tange às iniciativas intrínsecas às instituições museológicas como um todo e que são praticadas de maneira ativa em uma Casa-Museu. Este lugar de memória também é geralmente mencionado por se tratar de um arquétipo de Casa-Museu de Memória íntima, contendo diversas atribuições em sua composição e cenário expositivo que facilitam a discussão sobre a conservação.
As pesquisas elaboradas para o desenvolvimento do plano de conservação preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa incluíram, além dos processos de conservação do acervo, métodos de tratamento, criação de embalagens, entre outros; e “criar um centro de referência para conservação preventiva em Museus-Casas” (CARVALHO, C., sd, p.9) visando o compartilhamento com outras instituições com necessidades similares.
A partir destas definições iniciais, traçaram-se algumas etapas para desenvolvimento do plano de conservação preventiva contando com a:
Elaboração de um diagnóstico de conservação, identificando os problemas e ações necessárias para sua correção; elaboração dos projetos executivos para as intervenções necessárias e sua implementação; elaboração do “plano de manutenção” como instrumento para evitar o risco de nova deterioração, concebido como uma extensão natural dos tratamentos implementados na etapa anterior; treinamento da equipe de manutenção do museu e difusão dos resultados para outras instituições interessadas. (CARVALHO, C., sd., p. 11).
As pesquisas dentro deste projeto de conservação preventiva suscitaram em uma importante solução de climatização para este tipo de ambiente, que mescla o íntimo de uma residência com as necessidades de conservação de um museu. Em parceria com o com o The Getty Conservation Institute (GCI), criou-se um modelo de ventilação e desumidificação alternativo ao sistema tradicional de ar-condicionado, sendo este instado desde 2007 (PESSOA, 2013) no porão e entreforros da instituição, preservando assim, características originais da Casa-Museu.
Um projeto de conservação preventiva é um processo vagaroso, com um ônus alto para a instituição e que necessita do envolvimento de toda uma equipe multidisciplinar de profissionais que trabalham no museu. Para que se torne uma atividade concreta, precisa ser trabalhado e conhecido por todos os setores que compõem o quadro de funcionários, incluindo a equipe segurança, serviços gerais, setor educativo, entre outros. Segundo Cláudia Carvalho, mais do que aplicação de práticas de conservação preventiva, corresponde a uma “alteração do estado de espírito” (CARVALHO, C., sd, p.4) que implica na criação de estratégias de implantação do projeto, dentro da instituição.
Esta estratégia envolve necessariamente a criação de postos específicos e a atribuição correta de responsabilidades complementares, visando a aplicação eficiente do plano de conservação preventiva. Um planejamento de gastos e para situações de emergência dentro da instituição deve ser previsto. Além disso, é necessário que o público visitante tornar-se um parceiro das instituições auxiliando na conservação preventiva, devendo ser conscientizado dos problemas e das necessidades, o que permitirá novas condições de acesso às coleções (CARVALHO, C., sd., p.4).
Um eficiente plano de conservação preventiva será elaborado a partir de um diagnóstico de conservação da instituição (avaliação do edifício, coleção, público alvo, etc.). A partir da adoção do plano de conservação preventiva, é necessário que haja um monitoramento periódico na instituição, para que se verifiquem se os resultados das práticas de conservação preventiva estão reagindo de acordo com o programado.
É importante estar atento para a conservação nas Casas-Museu, pois assim como nos museus ditos “tradicionais”, cada caso é um caso. O exemplo específico citado do projeto de conservação preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa, apenas evidencia a importância do estudo particular destas instituições de guarda, procurando soluções sustentáveis para os seus problemas de conservação, a partir de normas específicas que norteiam este campo, mas que ao mesmo tempo não interfiram nas características estruturais do ambiente, assim como na fruição do visitante e na identidade da Casa-Museu.
Considerações finais
As Casas-Museu são categorias de museu muito específicas em sua constituição. Configuram-se como entidades museais que vivem para manter a memória de um (a) personagem que se destacou um uma comunidade. Em outros casos são exemplos de convívio cotidiano de uma sociedade ou a reconstrução destes locais, pois celebram a vivência íntima de uma pessoa/família/comunidade. Como uma organização de acervo que remete a uma residência, a um arquétipo de lar, de um ambiente íntimo e/ou familiar, estes lugares de memória sobrevivem graças à iniciativa de admiradores, familiares do patrono ou patronesse, associação particular, doação do espaço ao poder Público, dentre outras tutelas.
As Casas-Museu são instituições de guarda com as mesmas necessidades museológicas que qualquer museu tradicional, incluindo a conservação preventiva que muitas vezes é pouco valorizada. Estes locais de memória possuem diversas restrições constitutivas que tolhem o emprego de diretrizes conservativas destinadas à maioria dos museus. Mesmo assim, analisando as necessidades específicas de cada Casa-Museu, aliado ao respeito pela memória do personagem homenageado e a missão da instituição, poderão, os conservadores-restauradores, solucionar de maneira muito satisfatória, os problemas de conservação, levando em consideração as inúmeras possibilidades de ações de conservação preventiva que podem ser adequadas para estes locais.
Referências
AFONSO, Micheli. Uma abordagem brasileira sobre a temática das Casas-Museu: classificação e conservação. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural). Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas, 2015.
CARVALHO, Cláudia R. O projeto de Conservação preventiva do Museu Casa de Rui Barbosa. Sd. Disponível em: <http://casaruibarbosa.gov.br/conservacaopreventiva/interna.php?ID_S=14> Acesso em: 02 abr. 2015.
FERNÁNDEZ, Luis Alonso. Museología y museografía. Barcelona: 3ª Ed. Ediciones del Serbal, 2006.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro Editora, 2003.
ICOM – Definição de Museu. Disponível em: <http://icom.museum/the-vision/museum-definition/>. Acesso em: 30 jun. 2013.
PESSOA, Ana. A Casa de Rui Barbosa e sua contribuição à preservação e acesso à memória no Brasil. Manuscrita: revista de crítica genética. Nº 24, 2013. Disponível em: <http://www.revistas.fflch.usp.br/manuscritica/article/viewFile/1473/1306>. Acesso em: 15 jan. 2015.
PONTE, António M. Torres. da. Casas-Museu em Portugal: Teorias e Prática. Dissertação (Mestrado em Museologia). Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 2007.
2 Considera-se Casa-Museu de Memória Íntima (AFONSO, 2015) as Casas-Museu que tenham como objetivo a preservação da memória de um personagem de destaque para uma sociedade, através da manutenção de um espaço de vivência cotidiana e de intimidade familiar, ou a reconstrução destes locais. Necessita compartilhar através da expografia da Casa-Museu, objetos pessoais que auxiliem na reconstrução das memórias deste personagem. Esta categoria foi criada em pesquisa de mestrado para o Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural/UFPEL/Brasil.
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