Laura Sánchez Pereira Battistella
Universidade Estadual do Oeste Paraná, brasil
laurasanchezfoz@gmail.comRESUMO
Este trabalho faz parte de uma pesquisa que pretende dar a conhecer melhor a contribuição de Nísia Floresta para a intelectualidade e a educação feminina no século XIX, assim como contribuir para o resgate da sua memória que foi apagada no Brasil durante praticamente uma década, após sua morte, de forma inexplicável até hoje. A ausência de estudos sobre Nísia Floresta e o ineditismo dos seus livros em uma época de silencio intelectual para as mulheres justificam esta pesquisa. O objetivo deste artigo é fazer um recorte dessa pesquisa inicial e a partir de uma breve análise das obras “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado” e “Opúsculo humanitário”, contribuir com aproximações, perspectivas históricas e reflexões sobre a condição da mulher intelectual na família, que segundo a visão da época somente podia ocupar seu lugar dentro do lar, da família e longe dos livros. Os autores destas obras a serem analisadas são os contemporâneos oitocentistas: Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo, Nísia Floresta, (1801–1885), educadora, escritora, considerada a primeira feminista no Brasil e o teórico revolucionário alemão que junto com Karl Marx fundou o chamado socialismo científico ou marxismo, Friedrich Engels (1820–1895). Essa análise e reflexões contribuem para delinear o perfil de Nísia Floresta, mulher intelectual oitocentista que superou e lutou para sair dos cânones estabelecidos para a mulher, no caso, reservada para um ambiente familiar e dedicada só e exclusivamente ao marido e filhos assim como para acompanhar pela mão do Engels um estudo social e antropológico a respeito da família e suas primeiras formações.
PALAVRAS CHAVE: Família, Feminismo, Friedrich Engels, História Intelectual, Nísia Floresta.
ABSTRACT
This work is part of research that aims to better understand the contribution of Nisia Floresta with intellectuals and women's education in the nineteenth century as well as help to rescue his memory was muted in Brazil for almost a decade inexplicably today. The absence of studies on Nisia Floresta and originality of his books at a time of intellectual silence for women justify this investigation. The aim of this article is to make a cut of that initial investigation and from a brief analysis of two works "The Origin of the Family, Private Property and the State" and "humanitarian Booklet", contribute approximations and historical perspectives reflections on the condition of intellectual women in the family, which in the view of the time could only take place within the home, family and away from the books. The authors of these works to be analyzed are the oitocentistas contemporaries: Nisia Floresta Brasileira Augusta, pseudonym, Nisia Floresta (1801-1885), educator, writer, considered the first feminist in Brazil and the German revolutionary theorist who founded along with Karl Marx the so-called scientific socialism or Marxism, Friedrich Engels (1820-1895). This analysis and reflections contribute to outline the profile of Nisia Floresta, intellectual woman who overcame oitocentista and struggled out of the fees established for women, in this case, reserved for a family atmosphere and dedicated solely and exclusively to the husband and children and to accompany Engels hand a social and anthropological about family and his first training studio.
KEYWORDS: Family; Feminism; Friedrich Engels; Intellectual history; Nísia Floresta.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Laura Sánchez Pereira Battistella (2016): “História intelectual da mulher na familia a partir das obras “A origem da familia, da propriedade privada e do estado” de Friedrich Engels e “Opúsculo Humánitario” de Nísia Floresta”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/mulher.html
INTRODUÇÃO
No âmbito da historiografia encontramos a mulher como objeto de estudo somente a partir de inícios do século XX. Até esse momento a história não contemplou a intelectualidade do gênero feminino que se formou, principalmente, a partir de textos de autoria masculina. A mulher era excluída do processo letrado1 e, destinada pela maioria das sociedades patriarcais às tarefas de esposa e mãe, dentro do contexto familiar sendo impedida e considerada não apta para qualquer desenvolvimento intelectual, inclusive o direito básico de aprender a ler e escrever. Essa visão do papel doméstico da mulher na sociedade já era apontado pela escritora, educadora e considerada a primeira feminista no Brasil, Nísia Brasileira Augusta, pseudônimo, Nísia Floresta, (1801–1885):
Tal noção remonta, na filosofia ocidental, à ideia de Aristóteles, de que as mulheres são seres humanos incompletos e insuficientes por natureza, pertencentes a uma ordem completamente distinta da dos homens. Daí que se considerasse a subordinação da mulher como algo "natural", portanto indiscutível, já que socialmente mascarada (FLORESTA, 1989).
O fato dessa subjugação da mulher ser tão antiga, como mostram os estudos historiográficos levantou o nosso interesse pelas obras oitocentistas “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado” de Friedrich Engels publicada em Zurique, em 1884 e “Opúsculo humanitário” de Nísia Floresta publicada em Rio de Janeiro, em 1853.
Os autores destas duas obras em debate foram contemporâneos, Nísia Floresta e Friedrich Engels (1820–1895), teórico revolucionário alemão que junto com Karl Marx fundou o chamado socialismo científico ou marxismo. Nestas obras ambos os autores incentivam um interessante e imprescindível debate histórico para o século XIX.
Este estudo justifica-se devido à importância que tem, hoje em dia, o resgate histórico das memórias e neste caso, será realizado através das narrativas das obras de dois contemporâneos oitocentistas, Friedrich Engels e Nísia Floresta.
Também justifica se, pela relevância que tem hoje a abordagem interdisciplinar sobre o objeto de estudo ampliando a expressão da pesquisa e desta maneira, podendo ser analisado em sua completude através do uso de metodologias e teorias de diferentes disciplinas para estudar um mesmo objeto. E, por fim, pela carência de estudos sobre Nísia Floresta, pois levando em consideração que a história sempre privilegiou ressaltar os acontecimentos e os eventos públicos as mulheres estando destinadas a espaços privados, ou seja, ao lar, nunca tiveram seu espaço na história pelo que suas memórias ficaram silenciadas.
O procedimento metodológico adotado neste trabalho é a pesquisa bibliográfica, que possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto (LIMA apud GIL, 1994).
Neste tipo de pesquisa bibliográfica as leituras são para o pesquisador uma ferramenta indispensável já que será através delas que localizará os dados necessários para comprovar as relações entre o objeto de estudo e suas análises.
O nosso objeto de estudo – uma breve análise das obras “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado” e “Opúsculo humanitário” servem para contribuir com aproximações, perspectivas históricas e reflexões sobre a condição do gênero feminino oitocentista, onde a mulher somente poderia ocupar seu lugar dentro do lar e da família. Também apresenta uma serie de especificidades, dentre eles, o caráter histórico, pois está localizado no tempo – século XIX –; que tem consciência histórica – pois não é apenas o pesquisador que lhe atribui sentido, mas a sociedade, na medida em que confere significados e intencionalidades a suas ações; apresenta uma identidade com o sujeito – ao propor investigar as relações humanas, de uma maneira ou de outra, o pesquisador pode se identificar com ele; é essencialmente qualitativo já que a realidade social é mais rica do que as teorizações e os estudos empreendidos sobre ela, porém isso não exclui o uso de dados quantitativos (LIMA apud MINAYO, 1994, p. 39).
Para o estudo desse contexto (histórico e social) utilizaremos a leitura e análise de obras, entre estas algumas nisianas e outras do Engels – Opúsculo humanitário (1853) e Origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884). A leitura e análise da obra nisiana e doEngels vão trazendo reflexões ao respeito de como foi construída socialmente a identidade e as autorias intelectuais do gênero feminino do século XIX e como se formou o conceito de família ao longo da história.
Os até agora achados da nossa pesquisa apontam e indicam que o pensamento e os valores de Nísia Floresta tinham como princípio uma reforma drástica na educação das meninas (futuras mulheres da época). E, todavia, o autor Friedrich Engels conclui que, ao mesmo tempo em que a história da estrutura familiar nos seus inícios priorizou o valor da mulher como mãe, depois a rebaixou a mera cuidadora e servidora do homem e marido.
1. As obras e seus autores no contexto histórico
Friedrich Engels inaugura, já no século XIX, uma discussão histórica sobre a formação da família valorizando os estudos do antropólogo norte-americano Lewis H. Morgan.
No seu discurso sobre a família – capítulo II da obra “Origem da família, propriedade privada e do Estado” –, Engels procura caracterizar os sistemas de parentesco e formas de matrimônio que levaram à formação da família. Para isso, o autor descreve suas fases, bem como os modelos criados ao longo do processo de desenvolvimento humano, e como desde a invenção do incesto até a Família Monogâmica a mulher passou por diversas fases e posições.
Paralelamente na obra Opúsculo Humanitário, Nísia Floresta, faz um levantamento da história da condição feminina, da Antiguidade Clássica ao seu tempo, relacionando o desenvolvimento intelectual e material do país e o lugar ocupado pelas mulheres na sociedade:
Não nos embala a vã pretensão de operar uma reforma no espírito de nosso país. Por demais sabemos que muitos anos, séculos talvez, serão precisos para desarraigar herdados preconceitos a fim de que uma tal metamorfose se opere. Esperamos somente que os zelosos operários do grande edifício da civilização em nossa terra atentem para os exemplos que a História apresenta do quanto é essencial aos povos, para firmarem a sua verdadeira felicidade, o associarem a mulher a esse importante trabalho. A esperança de que, nas gerações futuras do Brasil, ela assumirá a posição que lhe compete nos pode somente consolar a sua sorte presente (FLORESTA apud DUARTE, 2005, p. 209).
A autora manifesta sua inconformidade com o papel que o gênero feminino vem desenvolvendo na história e expressa sua esperança de novas gerações mudarem esses padrões.
Nísia Floresta é considerada pioneira do feminismo no Brasil, e a primeira mulher a “romper as fronteiras” entre o espaço público e privado, publicando textos em jornais. Suas obras de caráter histórico em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos não deixaram impassíveis a uma sociedade dominada intelectualmente por homens. Nos seus livros a autora menciona e descreve o cotidiano feminino, uma rotina restrita as tarefas de esposa fiel e mãe dedicada. A escritora, nas suas obras leva ao leitor a refletir sobre o direito da mulher à educação e ao desenvolvimento da sua intelectualidade. Compara a mulher brasileira com a europeia, permitindo ao pesquisador da sua obra um olhar às memórias através das suas personagens e cenários históricos.
Guarde-se bem o homem de ter a mulher para seu joguete, ou sua escrava; trate-a como uma companheira da sua vida, devendo ela participar de suas alegres e tristes aventuras; considere-a desde o berço até seu leito de morte, como aquela que exerce uma influência real sobre o destino dele, e, por conseguinte sobre o destino das nações; dedique-lhe, por último, uma educação como exige a grande tarefa que ela deve cumprir na sociedade como o benéfico ascendente do coração; e a mulher será como deve ser, filha e irmã dedicadíssima, terna e pudica esposa, boa e providente mãe. (FLORESTA, 1997, p.117)
Os pensamentos de Nísia eram para a sua época antagônicos e revolucionários à realidade que lhe tocava viver, mas não por isso ela desistia na sua luta. Friedrich Engels também revela na sua obra como esse período marcava claramente as diferencias entre os sexos e descreve como o estudo da história da família começa em 1861, com o "Direito materno" do jurista e antropólogo suíço Johann Jakob Bachofen (1815–1887).
As considerações de Duby (1991) e Perrot (2005) são bastante elucidativas neste sentido, ao afirmar que, as mulheres foram durante muito tempo, deixadas a sombra da história, é preciso recusar a ideia de que as mulheres seriam em si mesmas um objeto de história. É o seu lugar, a sua condição, os seus papéis e os seus poderes, as suas formas de ação, o seu silêncio e a sua palavra que pretendemos perscrutar, a diversidade de suas representações.
E, todavia a pesquisadora Constância Lima Duarte (2008) aponta que as marcas de Nísia Floresta, na sua maioria estão muito apagadas pelo tempo e alguns dos seus traços parecem definitivamente perdidos. Duarte continua afirmando que, é mais fácil encontrar obras de Nísia floresta nas bibliotecas da Europa do que no Brasil.
Nísia Floresta surgiu como “exceção escandalosa” (...) no meio de homens a dominarem sozinhos todas as atividades extradomésticas, as próprias baronesas e viscondessas mal sabendo escrever, as senhoras mais finas soletrando apenas livros devotos e novelas (...), Em um período em que mulher apenas existia no âmbito doméstico, Nísia Floreta recusou-se a ser subserviente à autoridade patriarcal. Além de dirigir um colégio, publicou vários livros e textos na jovem impressa nacional. Essa figura de causar “pasmo” recebeu em troca o manto negro do esquecimento além da difamação pessoal (FREIRE, 2013 p.141).
Nísia Floresta clamou pelos direitos da mulher à educação num ambiente intelectual privilegiado somente para o sexo masculino. O ineditismo das suas ações e repercussões históricas justificam o estudo e pesquisa desta personalidade.
2. O sexo feminino na família a partir da análise da obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” de Engels
Na obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, de Engels se apresentam formas sociais e econômicas desde os inícios da história humana. A obra, escrita depois da morte de Marx en 1883, parte das notas deste e do próprio Engels, assim como especialmente do trabalho “A sociedade primitiva” do antropólogo norte-americano Lewis H. Morgan,publicado em 1877. Há que destacar, sim embargo, que Morgan descreveu a evolução da sociedade em umas 560 páginas.
O livro de Engels é mais breve, sintetizando o material de Morgan e centrando-se nas principais diferencias entre as sociedades pré-históricas, sob o que Engels denomina o “comunismo primitivo” e a “civilização”, com seu sistema de classes e sua organização política.
Deste modo, Marx e Engels não se limitam a repetir os trabalhos de Morgan, mas sim intentam desenvolver suas implicações teóricas com o objetivo de explicar principalmente três aspectos: 1. Os estádios de desenvolvimento da história da humanidade e sua relação com os médios de produção. 2. A emergência da sociedade de classes e o Estado. 3. O surgimento da opressão sexual e a família nuclear. Este último aspecto abordado na “Origem” é o mais novidoso para a época e o que teve maior relevância histórica e política, especialmente nos debates entre o marxismo e os emergentes movimentos feministas a partir da segunda metade do século XX.
Em relação aos problemas de gênero, Engels através dos dados etnográficos de Morgan e de fontes clássicas, chega à conclusão de que, durante as primeiras etapas da história, a desigualdade entre os sexos não existia tal e como hoje a conhecemos como se constata no prefacio da 4ª edição da obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”:
Na literatura clássica grega, há muitos vestígios de que entre os gregos e os povos asiáticos existiu realmente, antes monogamia, um estado social em que não somente o homem mantinha relações sexuais com várias mulheres, mas também a mulher mantinha relações sexuais com diversos homens, sem que com isso violassem a moral estabelecida” (ENGELS, 1981 p. 9).
Engels, afirma que a opressão da mulher tem uma origem, ou seja, não sempre existiu.
Desta forma, nas sociedades onde os homens haveriam sido os responsáveis da caça e as mulheres, a sua vez, da recoleção, ambos os sexos haveriam desempenhado tarefas econômicas igualmente essenciais para a supervivência da sua comunidade. Este papel central das mulheres na economia haveria suposto que elas foram valoradas e respeitadas em qualidade de membros produtivos da comunidade.
Mas, com a mudança do desenvolvimento da agricultura se haveria produzido, segundo Engels, uma nova divisão de sexos do trabalho não baseada na complementaridade, ao ser apartada a mulher por questões físicas e/ou biológicas de produção e relegada ao âmbito doméstico.
Paralelamente, a aparição da propriedade privada e o aumento da riqueza em mãos dos homens haveriam acabado forçando a transformação das relaciones entre gêneros tradicionais sem restrições importantes e centradas na mulher como reprodutora, e a aparição da “família patriarcal” e posteriormente da família nuclear.
Em palavras de Engels, a monogamia é a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, se não econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente.
Desta maneira, a família tal e como a entendemos hoje em dia:
Não aparece de nenhuma maneira na história como um acordo entre o homem e a mulher, pelo contrario, é o resultado de um “conflito entre os sexos” e a grande derrota histórica do sexo feminino en todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução. Essa baixa condição da mulher, manifestada sobretudo entre os gregos dos tempos heroicos e, ainda mais, entre os dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de forma de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida (ENGELS, 1984, p.61).
A análise até aqui empreendida por Engels sobre como foi formada a estrutura familiar ao longo da história e como a mulher se foi inserindo nela, leva à percepção de que viver a condição de ser mulher em uma organização social ainda marcada pela questão do gênero é determinada por questões moralistas e biológicas, para designar os papéis de homens e mulheres. A submissão do gênero feminino ao masculino era uma realidade, pois este último é percebido pela sociedade patriarcal enquanto aquele que detém a autoridade, a sabedoria, a força, entre tantos outros “atributos”, que percebidos nesta lógica justificam a dominação masculina, cabendo às mulheres reconhecerem seus papéis subalternos e inalteráveis dentro do âmbito familiar e fora dele.
E continuando com essa reflexão engelsiana, inserimos e convergimos no próximo item, às ideias da educadora e escritora Nísia Floresta, que longe de aceitar esse papel de mulher submissa ao homem, luta através da escrita de obras e do seu próprio exemplo pelas injustiças dos homens e os direitos das mulheres.
3. História intelectual da mulher a partir da análise da obra “Opúsculo humanitário” de Nísia Floresta
Nísia Floresta realizou um importante trabalho como educadora e escritora no século XIX. O ineditismo das suas obras e o pioneirismo na fundação do Colégio Augusto para meninas, que adotava o ensino de disciplinas até então reservadas aos homens, como eram: “Latim, Caligrafia, História, Geografia, Religião, Matemática, Português, Francês, Italiano, Inglês, Música, Dança, Piano, Desenho e Costura." (FLORESTA, 1989, p. 9 - 10), a colocaram como precursora dos ideais feministas no Brasil, numa época em que a maioria das mulheres era analfabeta. Nísia era uma mulher erudita que dedicou sua vida a defender os direitos das mulheres e o seu acesso à educação. Essas lutas sempre presentes nas suas obras provocou desconforto na sociedade patriarcal oitocentista.
Nísia Floresta foi uma das primeiras brasileiras a ter um colégio no país e exclusivo para meninas, um feito notável visto que as instituições geralmente eram regidas por mulheres estrangeiras, principalmente francesas, como os colégios de Mrs. Wilfords, mme. Louise Halbout, Mme. Mallet, a baronesa de Geslin, Mrs. Hitchings, Mme. Lacombe, Mme. Carolina Hoffmann e Mme. Tanière. (DUARTE, 2010)
Porém, a história do colégio Augusto sempre recebeu severas críticas de jornalistas, exemplo do publicado no jornal O Mercantil, de 2 de janeiro de 1847 (DUARTE, 1995), comentando acerca dos exames finais em que várias alunas haviam sido premiadas com distinção:
“… trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos”.
De acordo com Duarte (1995), a educação feminina no período imperial baseava-se em aquisição de conhecimentos para a realização dos serviços domésticos com eficácia, visto que as meninas que frequentavam os colégios geralmente ao completarem 13 ou 14 anos eram tiradas pelos pais, pois já estavam aptas ao ‘casamento’.
Saffioti (1979), afirma que os Jesuítas, que monopolizaram a educação brasileira até 1795 não se preocupavam com a educação da mulher nas suas escolas de educação formal, sendo a educação da mulher para os afazeres do lar. Para a mulher a educação era para que possuíssem boas maneiras e prendas domésticas. A mulher era então excluída do processo de educação formal, principalmente da aprendizagem da leitura e da escrita.
No dia 15 de março de 1827, Dom Pedro I assinou a primeira legislação no Brasil relativa ao acesso de mulheres à escola. Esta permitia o acesso de meninas nas escolas elementares, portanto elas continuavam impedidas de matricular-se em escolas avançadas (CASTRO, 2010 p, 5).
Para Nísia a educação era a peça fundamental para o desenvolvimento da sociedade a partir do momento em que a mulher também fosse inclusa na vida pública, uma vez que era esta quem criava e educava os ‘meninos’, futuros médicos, juízes e governantes do País. Ora, se a mulher tinha este papel tão fundamental e necessário porque então afastá-la da vida pública poupando-lhe a educação (FLORESTA, 1989)?
Quando Nísia publicou a obra Opúsculo humanitário, em 1853, já havia percorrido grande parte da Europa. Talvez por isso essa obra seja a mais madura escrita por ela e pareça contextualizar mais internacionalmente a história e o movimento das mulheres.
Dentre todas as obras escritas de Nísia Floresta – 15 no total – “Opúsculo humanitário” (1853), foi editado no Rio de janeiro pela tipografia de M. A. da Silva Lima, num volume com 178 páginas, e mais uma errata no final. Tendo aparecido inicialmente como artigos sem assinatura no Diário do Rio de Janeiro, a publicação foi interrompida no capítulo XX. Depois os originais foram entregues a Silva Lima, que os enfeixou em livro (VALADARES, 1989, p. 20).
Trata-se, pois, de uma análise da escritora acerca da condição feminina, desde os tempos da antiguidade até seus dias, centrada no aspecto educacional. Nísia Floresta, mais uma vez, defende a educação feminina como chave para o progresso da sociedade.
Através de alguns trechos observa se a argumentação que a autora apresenta na obra sobre a impossibilidade e dificuldade da mulher de avançar para uma condição intelectual em quanto os homens já atingiam renome até fora do país.
“O Brasil tinha já fornecido grande cópia de homens ilustrados pelos conhecimentos adquiridos em diferentes universidades da Europa, e a maior parte das brasileiras (mesmo as das primeiras cidades) não logravam a vantagem de aprender a ler.” (FLORESTA, 1989).
Aqui Nísia continua explicando a “justificação” do porque não deixar as mulheres ser letradas e adquirir cultura:
“Dizia-se geralmente que ensinar-lhes a ler e escrever era proporcionar-lhes os meios de entreterem correspondências amorosas, e repetia-se, sempre, que a costura e trabalhos domésticos eram as únicas ocupações próprias da mulher. Este preconceito estava de tal sorte arraigado no espírito de nossos antepassados, que qualquer pai que ousava vencê-lo e proporcionar às filhas lições que não as daqueles misteres, era para logo censurado de querer arrancar o sexo ao estado de ignorância que lhe convinha” (FLORESTA, 1989).
No decorrer dessas reflexões nos remetemos novamente às pesquisas de Engels sobre a família e o papel de submissão que lhe era outorgado ao sexo feminino nela.
4. Convergências das obras
As duas obras analisadas neste trabalho mostram várias convergências, ou seja, tendência de vários aspectos a se identificarem em um ponto. Tanto a pesquisa do Friedrich Engels como da Nísia Floresta – Origem da família, da propriedade e do Estado e Opúsculo humanitário – partem do âmbito das ciências humanas e sociais e resgatam no tempo os conceitos de memória e história.
Por um lado Engels traz desde os primórdios como se formou o conceito de família e por outro, Nísia apresenta como dentro desse conceito familiar e social o papel da mulher foi sendo vedado ao processo intelectual e educativo, sobmetida ao trabalho de mãe e servidora da figura masculina e dos filhos. É e aí que as duas pesquisas se encontram ajudando na associação de ideias do pesquisador e completando aquela parte do processo histórico silenciado.
Considerando tais explicações, pode-se depreender que essas duas obras contemporâneas caminham numa mesma direção apresentando uma realidade que só com o tempo e o esforço de mulheres como Nísia Floresta e pesquisas aprofundadas como a do Friedrich Engels poderá ser mudada.
Considerações finais
Depois de uma década da morte de Nísia Floresta e do seu contemporâneo Friedrich Engels, dentro da história foram alcançadas conquistas para as mulheres no âmbito intelectual e familiar. Hoje, as mulheres brasileiras aparecem como maioria em todos os níveis de educação (RISTOFF, 2006). E ainda, segundo o mesmo autor, sendo menor sua participação apenas da docência dos cursos de pós – graduação a trajetória da mulher brasileira nos últimos séculos é, para dizer pouco, extraordinária: de uma educação no lar e para o lar, no período colonial, para uma participação tímida nas escolas publicas mistas do século XIX, depois para uma presença significativa na docência do ensino primário, seguida de uma presença hoje majoritária em todos os níveis de escolaridade, bem como de uma expressiva participação na docência da educação superior. Embora os homens sejam maioria na população até os 20 anos de idade, as mulheres são maioria na escola já a partir da 5a. série do ensino fundamental, passando pelo ensino médio, graduação e pós-graduação. Há hoje cerca de meio milhão de mulheres a mais do que homens nos campi do Brasil.
Entretanto são inegáveis os enormes avanços das mulheres na educação no Brasil, e os avanços conquistados se devem a feministas como Nísia que ousaram desafiar sua época e denunciar e lutar pelos direitos das mulheres (CASTRO, 2010, p 7).
E neste sentido, vale a pena ressaltar a contribuição da obra de Engels – Origem da família, da propriedade privada e do Estado – para a compreensão do papel histórico do patriarcado edificado sobre a propriedade privada, com a determinação da natureza da opressão sobre a mulher na sociedade burguesa, pois só vem agregar à pesquisa a importância do pensamento marxista para a questão do gênero em nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
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Saffioti, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mitos e realidades. (1979): Vozes, Petrópolis.
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