Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O PATRIMÔNIO ENQUANTO ESTRATÉGIA DE MARKETING

Autores e infomación del artículo

Karla Nazareth-Tissot*

iversidade Federal de Pelotas, Brasil

karlanazareth@gmail.com

Resumo: No mundo do marketing, um patrimônio familiar com décadas de história pode transformar um produto, justificando sua superioridade perante a concorrência. Da mesma maneira, a utilização de ferramentas mercadológicas podem ser observadas na ativação de um patrimônio cultural. Esta utilização do patrimônio como estratégia de marketing e branding, para conferir autenticidade a bens de consumo, e a utilização de ferramentas do marketing na ativação do patrimônio cultural é o tema de estudo deste ensaio.

Palavras-chave: Patrimônio, Storytelling, Marketing.

THE HERITAGE AS MARKETING STRATEGY

Abstract: In the marketing world, a family heritage with decades of history can transform a product, justifying their superiority over competitors. Thus, the use of marketing tools is observed in the activation of a cultural heritage. The heritage use as a marketing and branding strategy, that lends authenticity to commodities, and the use of marketing tools in the cultural heritage activation is the study subject of this essay.

Keywords: Heritage. Storytelling. Marketing.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Karla Nazareth-Tissot (2016): “O patrimônio enquanto estratégia de marketing”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/marketing.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-marketing


1. O PATRIMÔNIO ENQUANTO STORYTELLING

Em 2008, os sorvetes Diletto surgiram no mercado brasileiro apoiados na história de Vittorio Scabin, avô de Leandro Scabin, o fundador da marca. Vittorio foi um sorveteiro na região do Vêneto (Itália) migrou de sua regiãopara buscar refúgio em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, as tradicionais receitas do avô servem não apenas como inspiração para os picolés da milionária empresa, mas sua imagem, bem como a do carro que utilizava para a venda do produto na Itália, figuram nas embalagens, acompanhadas de um breve relato sobre a sua trajetória como sorveteiro. A estratégia do empresário para se diferenciar no mercado competitivo foi olhar para o passado em busca de alguma autenticidade, nesse caso, calhou de ser a história de vida do avô. Um avô que, no entanto, nunca existiu. Vittorio, como admitido em entrevista para a revista EXAME, é apenas um personagem inventado por profissionais de marketing e propaganda 1
Denominado de storytelling, o ato de criar narrativas como ferramenta de persuasão que, apoiado em um discurso publicitário lúdico (Carrilho; Markus, 2014), ajuda a conferir identidade a uma marca, tornando-a mais envolvente e fácil de lembrar em meio ao excesso de informações e concorrentes (Gomes, 2011). A trama apresentada pela empresa Diletto se utiliza da fórmula ao transformar algumas verídicas informações do passado (avô italiano de Vêneto, mas que se chamava Antonio e era paisagista), em uma atrativa história que ajuda a consolidar a identidade da marca no presente. Ou, como recomenda o consultor de brand storytelling2 , Michael Margolis (In: Gomes, 2011), a história de uma marca precisa de uma origem, isto é, de um passado onde se ancorar e comprovar autenticidade.
A Gestão de Marca, em que o exemplo dos sorvetes se encaixa, possui centenas de cases utilizando a técnica de storytelling. Muitas dessas histórias se apoiam em um passado imaginado para justificar, na maioria das vezes, a prática de preços mais elevados do que o da concorrência já estabelecida: “A empresa não teria crescido tanto sem a história do avô e o conceito visual que construímos. Como eu convenceria o cliente a pagar 8 reais num picolé desconhecido?” diz Leandro Scabin em entrevista para a Revista EXAME (2014).
Nesse caso, posicionar-se como novidade mais cara demandou um esforço para vender o patrimônio legado pelo avô como diferencial valioso, mesmo que a veracidade da história contada fosse questionável. É nesse âmbito que, muitas vezes, entra em jogo uma nova dimensão do brand identity 3denominada brand heritage (patrimônio da marca) - esta, em linhas gerais, refere-se à crença de que existe relevância na história, no tempo de existência, nos core values (valores fundamentais da marca), no uso de símbolos que a marca carrega consigo, de forma que a transmissão dessa "herança" possa ser convertida em um posicionamento mercadológico competitivo. O discurso da disciplina se consolida através da apropriação e interpretação aplicada ao marketing de autores com epistemologias muito diferenciadas como Lowenthal e Hobswawn4 ao afirmar superficialmente que, assim como o patrimônio torna o passado relevante no contexto e finalidades contemporâneas, ele também pode ser um ativo capaz de tornar a marca "relevante no presente e, prospectivamente, no futuro" (Greyser; Balmer 2007:6), ainda que se configure em um caso convincente de storytelling inventado seja por empresas, como no exemplo da Diletto, seja por Estados Nação, cidades, comunidades etc (Greyser; Balmer 2007).

2. O LUGAR ENQUANTO BRAND

Nas sociedades de consumo, ao tratarmos de brand heritage, fica evidente que o mercado se apropria da linguagem patrimonial em busca de argumentos competitivos capazes de atrair consumidores e investimentos. No caso de um lugar, por exemplo, o patrimônio, seja qual for, é vendido como uma característica intrínseca e distintiva (Pecot; Barnier, 2015), que lhe confere autenticidade (Jones, 2010) fator que pode ser decisivo para seu desenvolvimento econômico:

The activation of brand heritage has acknowledged benefits: increase distinctiveness in positioning, add depth, authenticity and credibility to the value proposition and generate pride and commitment among internal audiences (Urde et al., 2007). Additional research show positive impact on brand image (Wiedmann, Hennigs, Schmidt, & Wuestefeld, 2011), perceived value (Wuestefeld, Hennigs, Schmidt, & Wiedmann, 2012). (Pecot; Barnier, 2015:5)

Um lugar, que também pode ser interpretado como um brand, uma marca (Pecot; Barnier, 2015), não é estático, pelo contrário, assim como o mercado, está em contínua mudança (Kotler, 2000), e pode adaptar suas estratégias em virtude de novas tendências de consumo, instabilidades econômicas, mudanças políticas, ou seja, diversas escalas de influência que impossibilitam que o mesmo seja percebido como algo imutável. O passado que um lugar carrega é dinâmico, uma resposta às necessidades de um presente igualmente dinâmico, e a gestão de seu patrimônio material e imaterial também é entendido de acordo com os contextos do presente: "moldadas conforme as agendas local, nacional e global" (Nyseth; Sognnaes, 2013:70).
Uma das tendências de consumo mais conhecidas é a nostalgia5 (Pecot; Barnier, 2015), que como descrito por Torill Nyseth e Johanne Sognnæs em seu artigo sobre a preservação de antigas cidades na Noruega (2013), foi um dos fatores que possibilitou um movimento pela restauração e conservação de edifícios históricos contra a onda de demolições praticadas após a Segunda Guerra Mundial. Como um planejamento estratégico (Kotler, 2000), as políticas e práticas de preservação das áreas consideradas de valor histórico foram analisadas e flexibilizadas considerando as forças, fraquezas, necessidades dos atores envolvidos, dificuldades, oportunidades etc. de cada lugar analisado.
Em outro exemplo distinto, durante a década de 1950, no Egito, sítios arqueológicos foram inundados e os monumentos do templo de Abul-Simbel foram remanejados para dar lugar ao novo, no caso, à Represa de Assuã. Após intenso debate acerca do assunto, foi levado em consideração o maior benefício que a população teria com o empreendimento em detrimento do patrimônio arqueológico (Flores, 2012). No caso de Foz Côa, no entanto, um debate público levou à preservação de gravuras pré-históricas, impedindo a construção de uma hidrelétrica, bastante pelo discurso mercadológico onde o patrimônio foi entendido como trunfo em vista do turismo e dos impactos comerciais que a construção de um parque arqueológico poderia gerar (Ferreiro; Gonçalves; Costa, 2013).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O LUGAR QUE SE NARRA (E SE VENDE) ATRAVÉS DO PATRIMÔNIO

Quais aspectos do passado são lembrados e como são lembrados e interpretados (Shackel, 2001) nos permitem entender como um lugar (ou uma marca) pretende ser narrado:

Não há narrativa que não seja seleção de fatos vividos por personagens em um determinado tempo e espaço, o ato de narrar é inevitavelmente um ato de deslocamento e de negociações entre a consciência e a inconsciência, gerando significadas formas de ser e estar do mundo. É uma forma de se mostrar e esconder-se, ao mesmo tempo. É o ponto de vista que determina a sequencialidade das ações narradas em que o narrador seleciona da vida o que ele deseja narrar (Domingos, 2009 In: Magalhães, 2014:95)

As "poéticas patrimoniais" (Poulot, 2008), então, dão significado à identidade de um lugar, à identidade construída, à identidade que se pretende percebida. Conceitos e códigos de patrimônio se naturalizam, legitimizam e se confundem ao discurso do marketing. As metodologias do marketing, do outro lado, auxiliam na leitura do espaço, da comunidade, sua história e identidade como um mercado em potencial. Narrativas e mecanismos são ativados para legitimar o brandind 6planejado, formando um ciclo que se confunde. De um patrimônio que vai de commodity (produto, bem de consumo) para interface capaz de tornar uma marca, ou um lugar enquanto marca, em mais que uma mera commodity 7, e sim em uma história única que merece ser contada, experimentada e preservada

REFERÊNCIAS

CARRILHO, K.; MARKUS K. (2014). “Narrativas na construção de marcas: storytelling e a comunicação de marketing”. In: Organicom; v.11, n. 20, pp.128-136.

EXAME. (2014). “Toda empresa quer ter uma boa história. Algumas são mentira”. Disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1076/noticias/marketing-ou-mentira.  Acesso em: 27/07/2015.

FERREIRO, M. de F.; GONÇALVES, M. E; COSTA, A. (2013). “Conflicting Values and Public Decision: The Foz Côa Case”. In: Ecological Economics; n.86, pp.129-135.

FLORES, P. A. (2012). “El patrimonio cultural: función social y relaciones interdisciplinarias”.In: MOUSEION; n. 13, pp. 76-96.

GOMES, G. M. (2011). “Branding, Storytelling e Relações Públicas: As Histórias Estabelecendo Relacionamentos entre Marcas e Consumidores”, Projeto Experimental (Bacharelado em Comunicação Social – Habilitação em Relações Públicas) - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Bauru.

GREYSER, S. A.; BALMER J. M. T. (2007). “Corporate brands with a heritage”. In: Brand Management, v. 15, n.1, pp. 4-19.

HAVLENA W. J.; HOLAK S. L. (1991) "The Good Old Days: Observations on Nostalgia and Its Role in Consumer Behavior”. In: NA - Advances in Consumer Research, v. 18, eds. Rebecca H. Holman and Michael R. Solomon, Provo, UT: Association for Consumer Research, pp. 323-329.

HUTCHEON, L. (1997). “Irony, Nostalgia, and the Postmodern”. Disponível em: http://www.library.utoronto.ca/utel/criticism/hutchinp.html. Acesso em: 27/07/2015.

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NYSETH, T; SOGNNAES. (2013). J. “Preservation of Old Towns in Norway: Heritage Discourses, Community Process, and the New Cultural Economy”. In: Cities. v.31, pp. 69-75.

PECOT, F.; BARNIER, V. (2015). “City Brand Management: the role of Brand Heritage in City Branding”. In: Proceedings International Marketing Trends Conference 2015; Paris, pp. 22-24. Disponível em: http://www.marketing-trends-congress.com/archives/2015/pages/PDF/056.pdf. Acesso em 04/12/2015.

POULOT, D. (2008). “Um Ecossistema do Patrimônio”. In: CARVALHO, C. S. de; GRANATO, M; BEZERRA, R. Z; BENCHETRIT, S. F. (Orgs.). Um Olhar Contemporâneo sobre a Preservação do Patrimônio Cultural Material. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, pp. 26-43.

SHACKEL, P. (2001). Public Memory and the Search for Power in American Historical Archaeology. American Anthropologist, v. 103, n.3, pp. 655-670.

* Bacharel em Comunicação Social (UNAMA/PA). Mestranda (bolsista CAPES) do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
1 Disponível em: < http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1076/noticias/marketing-ou-mentira >. Acesso em: 27 de jul. 2015.

2 Utilização de narrativas no processo de gestão da marca. "Ferramenta indispensável para as organizações que pretendem melhorar o relacionamento de suas marcas com seus consumidores, pois ele se configura como uma forma de comunicação própria para mobilizar emoções, guiar comportamentos e produzir sentido." (GOMES, 2011: 81)

3 A identidade construída pela empresa e como ela quer ser percebida pelo mercado. Disponível em: < http://www.investopedia.com/terms/b/brand-identity.asp >. Acesso em: 27 jul. 2015.

4 Os autores (Greyser; Balmer, 2007) referem-se particularmente às obras "The Heritage Crusade and the Spoils of History" (Lowenthal, 1998), e "The Invention of Tradition" (Robswawn; Ranger, 1983).

5 Sobre o papel da nostalgia no comportamento de consumo, William J. Havlena e Susan L. Holak sugerem que essa seria evocada em momentos de bruscas transformações e descontinuidades - como no caso das demolições relatadas - criando a percepção de que as épocas do passado eram melhores, a "salvo das complicações do presente" (Hutcheon, 1997).

6 Planos de ação para definir a essência da marca e quais etapas deverão ser tomadas para torná-la única e competitiva (Gomes, 2011).

7 Enquanto adjetivo que se refere a um produto sem qualquer diferencial competitivo, altamente substituível por outro produto similar.


Recibido: 05/12/2015 Aceptado: 16/02/2016 Publicado: Febrero de 2016

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