Odilon Leston Júnior
SESI/Pelotas
Leonardo Betemps Kontz
SENAC/RS
Resumo
O estudo pretende demonstrar os fatores que ocasionaram mudanças políticas e culturais através da Globalização, os quais interferem, de forma desigual, em escala mundial. Através da caracterização do Neoliberalismo e seus efeitos econômicos, será possível analisar a atual situação da América Latina, auxiliando na pesquisa de pontos históricos fundamentais do artigo como, por exemplo, a criação da Globalização e do Neoliberalismo.
Palavras-Chave: Neoliberalismo, Globalização, Política, Cultura, Economia.
Abstract
This article aims to discuss the factors that caused political and cultural changes through globalization, which interferes worldwide since then. By featuring Neoliberalism and its economic effects it will be possible to analyze the current situation in Latin America, identifying important historical information in this research, such as, the creation of Globalization and Neoliberalism.
Keywords: Neoliberalism, Globalization, Politics, Culture, Economy.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Odilon Leston Júnior y Leonardo Betemps Kontz (2016): “Uma Leitura Histórica sobre o Neoliberalismo e a Globalização”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/leitura.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-leitura
Introdução
Este artigo pretende analisar os fatores históricos e econômicos que permearam o século XX e incutiram em profundas mudanças no cenário atual do século XXI. Nossa intenção é caracterizar os principais aspectos e rupturas até o período contemporâneo das atividades neoliberais.
Um dos primeiros temas a ser abordado é a divisão, pós Segunda Guerra Mundial, entre o Socialismo Real e o Capitalismo. O objetivo é demonstrar o surgimento, fortalecimento e rupturas, de ambos os blocos, durante a metade do século XX.
Outro elemento a ser analisado é a formação inicial do Neoliberalismo, bem como a sua construção e implementação, como modelo econômico, nos países da Europa e nos Estados Unidos da América a partir da década de 1980. O objetivo, neste caso, é demonstrar importantes características desta nova forma de gestão econômica.
Desta forma, a intenção é possibilitar uma leitura histórica sobre o surgiu deste modelo econômico e sua expansão em todos os continentes, inclusive na América Latina, demonstrando suas características peculiares tanto na economia quanto na política dos países pertencentes ao MERCOSUL (Mercado Comum do Sul)
A construção dos blocos econômicos (capitalismo x socialismo) e a crise da União Soviética
O início da guerra, em 1939, teve como principais opositores ao regime nazi-fascista os países da França e Inglaterra. No entanto, só foi possível a vitória dos países aliados, após a adesão da URSS e dos EUA, no de 1941. Em 1945, findou-se a Segunda Guerra Mundial e ocorreu a derrota do Eixo composto por Alemanha, Itália e Japão.
Com o término da Segunda Guerra, o mundo dividiu-se em dois blocos. O primeiro composto, majoritariamente, pelos países do continente Americano e da Europa Ocidental, impulsionado pelo regime econômico capitalista e comandado pelos Estados Unidos da América. O outro bloco, socialista, alavancado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, composto por países do Leste Europeu, parte da Ásia, Oceania e Cuba.
No caso de Cuba, a luta de Fidel Castro e ‘Che’ Guevara terminou com êxito total pela conquista do poder em Havana e implantação de um governo popular e antiimperialista que logo assumiu uma coloração marxista, quer pelos objetivos propostos, quer pelo fato da importância do apoio soviético para uma ilha situada a poucos quilômetros de Miami (LOPEZ, 1987, p.136-7).
A partir de 1945, evidencia-se a corrida armamentista e tecnológica entre os blocos. O período, também denominado como Guerra Fria, originou-se das guerras e do não reconhecimento oficial da participação de ambos os países no mesmo conflito. A seguir, citação de Eric Hobsbawm (2008) retrata, historicamente, os acontecimentos e intenções da guerra entre as duas potências.
Assim que a URSS adquiriu armas nucleares – quatro anos depois de Hiroxima no caso da bomba atômica (1949), nove meses depois dos EUA no caso da bomba de hidrogênio (1953) – As duas superpotências claramente abandonaram a guerra como instrumento de política, pois isso equivalia a um pacto suicida. Não está muito claro se chegaram a considerar seriamente a possibilidade de uma ação nuclear contra terceiros – Os EUA na Coréia em 1951, e para salvar os franceses no Vietnã em 1954; a URSS contra a China em 1969 -, mas de todo modo as armas não foram usadas. Contudo, ambos usaram a ameaça nuclear, quase que com certeza sem intenção de cumpri-la, em algumas ocasiões: Os EUA para acelerar as negociações de paz na Coréia e no Vietnã (1953,1954), a URSS para forçar a Grã-Bretanha e a França a retirar-se de Suez em 1956. Infelizmente, a própria certeza de que nenhuma das superpotências iria de fato querer apertar o botão nuclear tentava os dois lados a usar gestos nucleares para fins de negociação, ou (nos EUA) para fins de política interna, confiantes em que o outro tampouco queria a guerra. Essa confiança revelou-se justificada, mas ao custo de abalar os nervos de várias gerações. A crise dos mísseis cubanos de 1962, um exercício de força desse tipo inteiramente supérfluo, por alguns dias deixou o mundo à beira de uma guerra desnecessária, e na verdade o susto trouxe à razão por algum tempo até os mais altos formuladores de decisões (HOBSBAWM, 2008, p. 227).
Pode-se compreender, assim, o crescimento econômico da URSS com transformações sociais. Essas modificações tornaram o Estado centralizador no âmbito político (com apenas um partido) e burocrático na administração da economia, ao comandar a produção de forma planificada, sem investir em tecnologias para produção dos produtos destinados ao consumo da população.
A intensificação da centralização estatal acumulou problemas como ineficiência administrativa, desperdício de recursos, falta de inovação tecnológica e baixa qualidade dos produtos destinados à população.
No ano de 1985, Mikhail Gorbatchev assume a União Soviética com a intenção de reformar o sistema político e econômico. As duas maiores tentativas do governante foram a instalação da perestroika 1, a qual pretendeu modificar a economia e o glanost2 , onde seu principal objetivo era possibilitar a abertura política e a transparência nas decisões governamentais.
As reformas lentas e graduais de Gorbatchev descontentaram a população, a qual aspirava um modelo democrático consistente. Em 1990, Boris Yeltsin é eleito presidente do Soviete Supremo da República Russa, o qual discordava de decisões de Gorbatchev e proclamou a soberania e a superioridade das instituições do Estado russo sobre as demais repúblicas soviéticas, gerando desconforto político na URSS.
Com o sequestro de Gorbatchev, em agosto de 1991, tornou-se possível a ascensão do comando russo a Boris Yeltsin. O sequestro foi, supostamente, ligado a conservadores do partido russo que não aceitariam as transformações do governo de Gorbatchev.
Após a libertação de Gorbatchev, os governantes dos Estados Unidos da América e Inglaterra, se pronunciaram em sinal de “respeito e amizade com a democracia ao líder socialista”. Ambos os governos repudiaram o seqüestro do governante da URSS, contudo, como grandes defensores da democracia, ingleses e norte-americanos apoiaram Boris Yeltsin como presidente russo, derrubando Gorbatchev e esfacelando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Após o golpe executado por Yeltsin e auxiliado pelos Estados Unidos da América e pela Inglaterra, em 1992, Yeltsin abriu a economia russa ao Neoliberalismo, para o qual o país não contava. Como consequência, houve proteções à produção interna, retirada de direitos sociais, recessão, desemprego e, até mesmo, o crime organizado.
Em 1993, o parlamento russo, indignado com as medidas do então presidente, iniciou forte oposição às reformas de cunho Capitalista, decidindo-se, então, pela demissão de Yeltsin. Porém, o presidente russo (que contava com o apoio norte americano), utilizando militares, ocupou o parlamento de forma beligerante, contornou a situação, e, no mesmo ano, reformou a constituição, garantindo maiores poderes ao executivo do país.
O colapso dos sistemas socialistas da Europa oriental desestruturou o leste europeu, causando uma onda de separatismos, graças ao nacionalismo e crises de identidades, gerando conflitos étnicos e religiosos que eram reprimidos ou encobertos pelo sentimento de pertença à URSS. O esfacelamento do Socialismo Real acarretou o término do compromisso militar do pacto de Varsóvia e a extinção da Guerra Fria.
A hegemonia Estadunidense na década de 1990 e a implantação da globalização
Sem a ameaça russa pelo controle econômico e político mundial, os Estados Unidos da América destruíram o ‘welfare state’ 3, economizando bilhares de dólares, por não precisarem investir em direitos sociais. Graças à derrocada da URSS, o Estado norte-americano despreocupou-se em auxiliar a população carente. O país passou a ajudar as suas multinacionais e suas instalações em outros países.
A possibilidade de situar a origem da globalização na segunda metade do século XX advém da diferença entre esta, a internacionalização e a transnacionalização. A internacionalização da economia e da cultura tem início com as navegações transoceânicas, a abertura comercial das sociedades européias para o Extremo Oriente e a América Latina e a conseguinte colonização. Os navios levaram aos países centrais objetos e notícias desconhecidos na Espanha, em Portugal, na Itália e na Inglaterra. Desde as narrações de Marco Pólo e Alexander von Humboldt até os relatos dos imigrantes e comerciantes do século XIX e inícios do XX, tudo foi sendo incorporado ao que hoje chamamos mercado mundial. Mas a maioria das mensagens e bens consumidos em casa país eram produzidos em seu interior, o tumulto de informações e objetos exteriores que enriquecia a vida cotidiana devia passar por alfândegas, submeter-se a leis e controles que protegiam a produção local. “Qualquer que seja a comarca que minhas palavras evoquem em torno a ti, tu a verás de um observatório localizado”, das escadarias do teu palácio, diz Marco Pólo ao Grande Khan (Calvino, 1985: 37). Verás as sociedades diferentes a partir do teu bairro, tua cidade ou tua nação, poderia ter dito um antropólogo ou um jornalista que contasse a seus compatriotas o que acontecia longe deles quando as sociedades nacionais e as etnias eram observatórios bem delimitados (CANCLINI, 2003, p.41).
Segundo Eric Hobsbawm (2008), após a queda da URSS o mundo encontra-se na seguinte situação: no âmbito da globalização econômica e política e com ampla hegemonia estadunidense:
O problema é hoje mais difícil por duas razões. Primeiro, as desigualdades geradas pela globalização descontrolada dos mercados livres, que crescem muito rápido, são incubadoras naturais de descontentamentos e instabilidades. Recentemente observou-se que ‘não se pode esperar que nem mesmo as instituições militares mais avançadas sejam capazes de superar uma situação de colapso geral da ordem jurídica’, e a crise dos Estados a que me referi torna essa possibilidade mais plausível do que no passado. E, segundo, já não existe um sistema internacional plural de grandes potências como o que logrou evitar um colapso geral se transformasse em guerra mundial, exceto na era das catástrofes, de 1914 e 1945. (...) O fim da União Soviética e a superioridade militar incontestável dos Estados Unidos puseram termo a esse sistema de poder. Por outro lado, a ação política dos Estados Unidos a partir de 2002 levou a condenação das obrigações contraídas em tratados e também das próprias convenções que compunham a arquitetura dos sistema internacional, em função de uma supremacia supostamente duradoura na guerra ofensiva de alta tecnologia que fez dessa país o único capaz de empreender ações militares importantes e com rapidez em qualquer parte do mundo (HOBSBAWM, 2008, p.47-8).
A citação acima é facilmente explicável, quando se analisam três guerras declaradas pelos Estados Unidos da América a países do oriente.
A primeira, Guerra do Golfo, em 1991, liderada pelo presidente americano George Bush, gerou uma coalizão com cerca de trinta países e com o respaldo da Organização das Nações Unidas. A intenção era devolver a soberania territorial ao Kwait, invadido por tropas iraquianas, em 1990.
O embate terminou 40 dias após seu início, com a derrota iraquiana. A ONU emitiu sanções econômicas ao país, especialmente, embargos sobre a exportação de petróleo, eliminação de armas químicas, nucleares e mísseis de longo alcance, os quais foram adquiridos por Saddam Hussein, quando enfrentou o Irã, na década de 1980. Os estadunidenses apoiaram o governo de Bagdá e lhe ofertaram auxílio bélico no conflito.
Após o déficit da Guerra do Golfo, o governo de George Bush alternou, entre a popularidade e o descrédito, pela desaceleração da economia. Nas eleições de 1992, o então presidente do partido republicano foi derrotado em sua candidatura a reeleição pelo candidato democrata Bill Clinton.
Em seu mandato, Clinton obteve alta popularidade graças a um bom índice econômico obtido por empresas de biotecnologia, informática, multinacionais que expandiram para outros países, além de especuladores do mercado. Graças ao avanço econômico, obteve uma ampla vantagem política, sendo reeleito presidente.
O partido democrata, nas eleições de 2000, indicou o vice-presidente Al Gore para concorrer com o candidato republicano George Walter Bush, filho do ex-presidente Bush. Numa apuração que, primeiramente, divulgou a vitória de Al Gore, logo após Bush, gerando recontagens e duvidosa vitória republicana, além de explicitar a tênue idoneidade democrática norte-americana.
No dia 11 de setembro de 2001, atentados ocorridos contra as torres gêmeas e ao pentágono, com o sequestro de quatro aviões comerciais estadunidenses, a rede terrorista Al Qaeda, de cunho religioso islâmico Talibã, liderada por Osama Bin Laden, ocasionou cerca de quatro mil mortos, colocando em xeque a defesa do território norte-americano.
Após os atentados e sem explicações convincentes, o governo americano declarou guerra, primeiramente, ao Afeganistão, país no qual os americanos tinham informações que Osama Bin Laden, mentor dos ataques, estaria localizado. Em 2003, com o pretexto de que Saddam Hussein teria sob seu poder armas de destruição em massa, o governo Bush, sem a aprovação da ONU e com o veto de Rússia e China, declarou guerra ao Iraque, gerando um desconforto e sentimento de impotência nas nações unidas. No final do ano, Saddam Hussein foi capturado, porém nenhuma arma de destruição de massa foi encontrada e não foi comprovado envolvimento do ex-líder iraquiano com a rede Al Qaeda.
A nova alegação encontrada para a acentuada ocupação americana em território iraquiano “era a disseminação da democracia”. No entanto, a exploração de petróleo por empresas estadunidenses, no Iraque, cresceu vertiginosamente e era garantida pelo apoio do governo Bush. Apesar do acúmulo de erros do serviço de inteligência, retrocesso econômico, gastos estimados em bilhões de dólares com as tropas militares e desrespeito aos direitos humanos em Guantánamo, o presidente republicano garantiu sua reeleição.
O acúmulo de negócios de alto risco, gasto financeiro elevado do Estado em guerras e desenvolvimento de armamentos, a partir de 2008, com a quebra da maior seguradora estadunidense, a American International Group (AIG) houve um “efeito cascata”, ocasionando a quebra das principais bolsas americanas, a Nasdaq e de Nova Iorque, que envolvem empresas consolidadas no mercado. O ocorrido demonstrou a ineficácia do governo Bush em garantir o mínimo de direitos sociais aos cidadãos e o desmoronamento de multinacionais, como a montadora de carros Chrysler, que, mesmo após a injeção de bilhares de dólares do governo americano, foi vendida à multinacional italiana FIAT.
No início do ano de 2009, durante a grave crise financeira, o candidato democrata Barack Obama, é empossado como presidente dos Estados Unidos, reduzindo o efetivo no Afeganistão e Iraque. Em 2011, os EUA, demonstrando o seu imperialismo militar, invadem o território paquistanês e assassinam o líder talibã Osama Bin Laden.
O declínio econômico, ideológico e político estadunidense podem ser explicados graças à globalização que, inicialmente implantada por esse país, é, atualmente, influenciada pelas demais potências e regiões. Segundo o autor Liszt Vieira, a globalização apresenta vários aspectos que influenciam no desenvolvimento humano.
Figuras perversas do internacionalismo e do humanismo encontram-se na globalização econômica, cultural e espiritual: crise econômica, social, ecológica, determinação de todas as esferas da vida por valores exclusivamente econômicos; desconstrução de instituições públicas e privadas, bem como da ‘moral democrática’; pressões migratórias em todos os continentes; recrudescimento das lutas religiosas, étnicas. Que se mencione, ainda, novas formas de fetichismo: este migra da produção e circulação das mercadorias – valor de troca – para o ‘valor de exposição’ – não é mais a mercadoria, mas sua imagem publicitária, que vem incorporar ‘sutilezas teológicas’ (VIEIRA, 2005, p.12).
Logo, a posição de países como China, Japão, Rússia, Alemanha e a solidificação do bloco europeu que, apesar de ser atingido gravemente pela crise econômica neoliberal, impulsionada pela quebra das bolsas dos EUA, em 2008, nos dias de hoje, pode-se considerar que os demais países que compõem o G-8 disputam a infiltração de seu conhecimento tecnológico e capital financeiro em mercados nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento os quais, na década anterior, os norte-americanos possuíam supremacia pelo número de acordos financeiros firmados.
Segundo Hobsbawm (2008), as nações e o nacionalismo no século XXI, estão sob ameaça, devido à falta de controle dos governos em manter o monopólio sobre o armamento. Outra questão a ser trabalhada pelo autor é a xenofobia:
Não obstante, como já observamos, a xenofobia também reflete a crise de uma identidade nacional culturalmente definida no contexto dos Estados nacionais, nas condições de acesso universal à educação e à informação e em uma época em que a política das identidades coletivas exclusivas, sejam étnicas, religiosas ou de gênero e estilo de vida, busca expressamente a regeneração de uma Gemeinschaft [comunidade] em uma Gesellschaft [sociedade] cada vez mais remota. O processo que transformou camponeses em franceses e imigrantes em cidadãos americanos está sendo revertido e dissolve as grandes identidades, como a do Estado nacional, convertendo-as em identidades grupais auto-referentes, ou mesmo em identidades particulares não nacionais, sob o lema ubi bene ibi pátria [onde existe o bem, aí está a pátria]. E isso, por sua vez, reflete, em grande medida, a diminuição da legitimidade do Estado nacional para os que vivem no seu território, assim como das exigências que esse Estado pode fazer aos seus cidadãos. Se os Estados do século XXI agora preferem fazer suas guerras com exércitos profissionais, ou mesmo através da terceirização de serviços bélicos, não é apenas por razões técnicas, mas porque já não se pode confiar em que os cidadãos se deixem ser recrutados, aos milhões, para morrer no campo de batalha em nome dos seus países. Homens e mulheres podem estar preparados para morrer (mais provavelmente para matar) por dinheiro, ou por algo menor, ou por algo maior, mas, nos lugares onde se originou o conceito de nação, não mais pelo Estado nacional.
Qual será seu substituto, se é que haverá algum, como modelo geral de governo popular no século XXI? Não sabemos (HOBSBAWM, 2008, p.95-6).
Evidenciado o enfraquecimento das nações, em manter direitos sociais com aumento ou manutenção de impostos, essa estagnação ou falta de interesse estatal com programas sociais deve-se à pressão exercida por multinacionais e bilionários que, geralmente, transferem seu capital, quando o país no qual ele estava investido aumenta impostos ou diminui os incentivos as suas empresas.
O Neoliberalismo e a Globalização na América Latina
A partir da década de 90, do século XX, é notável o desenvolvimento do Neoliberalismo, modelo econômico no qual é marcante o reducionismo de impostos por parte do Estado. Desta forma, diminuindo investimentos na área social, ocorre a desestruturação de estatais que prestavam, em seus países, serviços básicos e de interesse, tanto da população, quanto de segurança nacional, como energia elétrica, abastecimento de água, telefonia, rodovias, ferrovias e empresas siderúrgicas. As antigas estatais foram entregues nas mãos de investidores que regularam o preço do serviço e maximizaram o lucro nos serviços básicos prestados.
Neste período, por influência de administradores e economistas norte-americanos, grande parte da região latino-americana foi contemplada com este sistema econômico, colocado em voga por partidos de centro-direita que assumiram o controle político nos países sul-americanos.
Além desse modelo político, existiu uma troca cultural, onde todos os países, auxiliados pelos processos migratórios, absorveram de forma amena a cultura local de outras regiões.
Essa interculturalidade globalizada não suprimiu os modos clássicos com que cada nação “ajeitava” as suas diferenças. Mas os pôs em interação e tornou o confronto inevitável. Os resultados foram diversos. Quando os movimentos globalizadores trazem a secularização e o relativismo intelectual, ampliam nossa capacidade de entender e aceitar o diferente. Mas quando a globalização é a convivência próxima de muitos modos de vida sem instrumentos conceituais e políticos que propiciem sua coexistência, leva ao fundamentalismo e à exclusão, acentua o racismo e multiplica os riscos de “limpezas” étnicas ou nacionais. Isso depende, também, das etapas e dos modos de desenvolvimento econômico. A reordenação globalizadora não condiciona o tratamento dos outros do mesmo modo em países com desenvolvimento sustentado e pleno emprego que naqueles que há décadas padecem de instabilidade econômica, inflação alta e desemprego. Temos de analisar como essas alternativas culturais, políticas e econômicas operam em relação aos principais modelos de multi e interculturalidade atualizados na interação Europa-América Latina-EUA (CANCLINI, 2003, p.100).
Os governos de Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, Alberto Fujimori, no Peru e Carlos Menen, na Argentina, além de outros lideres latino-americanos, adotaram uma política econômica propícia ao Neoliberalismo que reduziu o salário real dos trabalhadores, enfraqueceu a indústria nacional, importando produtos de nações asiáticas (tigres asiáticos) com tarifa cambiária que dificultava a exportação de produtos nacionais, e, consequentemente, facilitava a entrada de produtos importados dos países que obtinham base tecnológica superior ou mão de obra barata.
Nota-se que a intenção do conselho de Washington, com a disseminação do Neoliberalismo e da Globalização, era dificultar a aplicação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o que facilitaria o domínio estadunidense na região, conforme é destacado no artigo de Dércio Garcia Munhoz:
Ora, a alegada inevitabilidade da globalização constituía apenas um dos argumentos trabalhados por governos e instituições internacionais dentro das linhas do Consenso de Washington (1989), que paralelamente defendia, dentre os vários pontos, a privatização das empresas públicas. Essa onda neoliberal tinha como objetivo último não à consolidação das economias em desenvolvimento, mas sim a fragilização dos Estados nacionais e a desarticulação de projetos de fortalecimento econômico e político (MUNHOZ, 2002, p.14).
Evidentemente, os planos do Fundo Monetário Internacional (FMI), comandado pelos países desenvolvidos, não geraram prosperidade na América Latina. Pode-se constatar que não existia um plano econômico preocupado em proporcionar o desenvolvimento sustentável das economias, gerando o endividamento dos países sul-americanos, além de elevada taxa de desemprego.
Historicamente, a América Latina sofria de forma considerável com as crises que ocorriam no restante do mundo. As duas principais, que serão mencionadas a seguir: a crise norte-americana, em 1929; e quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) decidiram uniformizar o preço do barril do petróleo. No entanto, a crise de 2008, que atingiu, inicialmente, os EUA e, posteriormente, a União Europeia (U.E), não afeta, drasticamente, a economia dos países sul americanos.
Apesar disso, no início do século XXI, iniciou-se uma tímida desaceleração de medidas neoliberais, na América Latina. O livro “Crise financeira mundial: impactos sociais e no mercado de trabalho” demonstra que, desde os anos 2000, segundo dados do próprio FMI, a desaceleração da economia dos EUA e da U.E. era crescente, comparada com demais países, principalmente, os emergentes, como Brasil, Índia e, principalmente, a China.
Sem embargo, depois de quase duas décadas de crescimento econômico medíocre e seus efeitos nocivos sobre o mercado de trabalho, a economia brasileira passou a conviver, a partir de 2006, com indicadores bastante interessantes. Do ponto de vista do desempenho macroeconômico, taxas de crescimento da formação bruta de capital fixo bem superiores às taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, inflação sempre dentro da meta e o bom desempenho do balanço de pagamentos apontavam para a possibilidade de um círculo virtuoso de crescimento econômico.
Especificamente em relação ao mercado de trabalho, os indicadores também apresentavam uma trajetória muito interessante. Redução dos indicadores de desocupação, aumento da massa salarial, criação de empregos formais seriam apenas a expressão de bom desempenho da economia brasileira. Infelizmente, a crise financeira internacional veio dar cores mais dramáticas a esse quadro geral (MICHEL, 2009, p.182).
Segundo o autor, apesar da crise não afetar de forma acentuada a América do Sul, o regime Neoliberal representou sua face nas indústrias da região, que, apesar de obterem bons resultados, não houve ampliação do mercado de trabalho de forma igualitária, quando comparada ao crescimento econômico.
A crise financeira colocou em xeque esse segundo quadro. Apesar de vivenciar um bom momento, a economia brasileira acabou contaminada por seus efeitos com reflexos na trajetória de crescimento e no comportamento do mercado de trabalho. Em relação a este último observou-se uma importante retração na criação de empregos com carteira assinada. Na mesma direção, apesar de certa resistência em um primeiro momento, as taxas de desocupação também começaram a refletir os efeitos da crise e a massa salarial despencou no mês de março. (MICHEL, 2009, p.182)
Caracterizando a atual conjuntura, o Estado defende os interesses das empresas e prejudica grande parcela da população. Além de perder força política, diminui o sentimento de pertença de seus habitantes daquela nacionalidade. O povo percebe não ser representado e muito menos amparado pelo Estado soberano, tornando desnecessária a manutenção, defesa ou identidade da nação. Analisando sob a esfera multicultural, nota-se que os países incorporaram, de forma variada, as culturas de outros países.
No Ocidente, cada nação encontrou um modo diferente de lidar com a multiculturalidade. A França e outros países europeus subordinaram as diferenças à idéia laica de República. Os Estados Unidos separaram as etnias em bairros e até em cidades diferentes. Os países latino-americanos aderiram ao modelo europeu no século XIX, mas dando-lhe modulações diferentes, como veremos em três formatos de “integração nacional”: Argentina, Brasil e México. Esses pactos unificadores de países heterogêneos funcionaram com injustiças, desigualdades e protestos durante décadas, mas com certa estabilidade. A essas deficiências se somam agora a interação mais intensa e frequente entre muitas etnias e os choques entre modos divergentes de tratar a multiculturalidade. Os latino-americanos emigram maciçamente para a Europa e os Estados Unidos, aonde também chegam grandes contingentes de asiáticos e africanos. Os norte-americanos promovem suas concepções da multiculturalidade na América Latina, e um pouco na Europa, por meio dos esquemas empresariais, da influência política e acadêmica e dos modelos ideológicos da comunicação de massa. Até japoneses e coreanos propõem aos Estados Unidos, à Europa e à América Latina seus modelos de multiculturalidade ao organizar as relações trabalhistas nas maquiadoras e difundir seus videogames (CANCLINI, 2003, p.100).
Nos países sul-americanos, impulsionados pela nova política global, construída a partir de 1990, com característica monopolista norte-americana, a cultura, direitos sociais, economia e identidade destas nações foram remodelados, importando características dos países desenvolvidos, o que fez diminuir o sentimento de nacionalismo e pertença dos habitantes da América Latina. Entretanto, vinte anos após a instauração da globalização, certas características modificaram e, inclusive os EUA, sofreram com os efeitos de seu plano. Além disso, existe certa absorção de culturas pelos países.
Também a ligação dos latino-americanos com os Estados Unidos está se alterando em relação aos estereótipos descritos acima. Os intercâmbios tecnológicos, econômicos e migratórios estão redefinindo as relações socioeconômicas e algumas narrativas entre ambas as regiões. As cadeias CBS e CNN transmitem informação internacional em espanhol, contribuindo para inter-relacionar o espaço cultural e político latino-americano ao difundir notícias dos nossos países com pouca circulação na imprensa e na televisão de cada um deles. Já me referi, e tornarei a fazê-lo, ao papel das universidades norte-americanas no estudo e na interpretação do que ocorre na América Latina. Várias revistas econômicas destacam nos últimos anos como a intensificação de relações industriais, comerciais e financeiras entre os Estados Unidos e países latino-americanos gera novas formas de conhecimento recíproco, transformando algumas economias latino-americanas “em parte vital do mercado americano”: O México comercializa com os Estados Unidos mais produtos manufaturados que o Japão e mais produtos têxteis que a China”, razão pela qual é possível que “qualquer interrupção na cadeia de produção em um país interrompa a produção no outro” (Case, 1999:48). A propósito da crescente presença de latino-americanos na sociedade norte-americana, a edição de agosto de 1999 da revista Latin Trade deu a seguinte manchete: “México invade os EUA”. Outros afirmam que a maior inter-relação econômica, tecnológica e cultural, em condições de assimetria e subordinação, só faz acentuar a dominação imperialista. Ambas as posições extremas simplificam a atual estrutura dos intercâmbios desiguais (CANCLINI, 2003, p.97).
Pode-se caracterizar a Globalização e o Neoliberalismo, inicialmente, como um plano criado pelos EUA, disseminado, posteriormente, pelos países desenvolvidos nos demais continentes, no qual todos sofrem pela desigualdade social e pela falta de referência estatal.
Considerações Finais
O artigo evidenciou a conjuntura política do século XX, demonstrando o fortalecimento do Socialismo Real, apresentado pela União das Repúblicas Soviéticas até o seu declínio e extinção nas décadas de 1980 e 1990.
A partir deste momento iniciou o processo de implementação do Neoliberalismo arquitetado pelos Estados Unidos da América e a Inglaterra. Após apresentar estes fatos, nossa intenção foi destacar os aspectos políticos, econômicos e culturais que abrangeram a Globalização e o Neoliberalismo.
Os grandes conglomerados industriais apresentaram em suas práticas de trabalho e em seu novo modelo de gestão, um sistema de maximizar o lucro, cortando gastos com os direitos trabalhistas e barateando a sua produção de forma avassaladora. Este sistema foi incutido em praticamente todas as empresas do mundo.
A Globalização é apresentada através da mídia eletrônica, onde grande parte da população possui acesso rápido à informação e comunicação com habitantes de outros lugares. Indubitavelmente, isso provoca mudanças culturais nos padrões de consumo, no método educacional e nas características culturais de praticamente todas as comunidades e regiões.
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2 O significado desta palavra em português é transparência, o governo possibilitou aos soviéticos maior conhecimento e liberdade sobre fatos econômicos, políticos e históricos.
3 Termo conhecido por Estado de bem-estar social. Implantado com maior intensidade nos países capitalistas da Europa, entre as décadas de 30 a 70, que garantia direitos sociais e o pleno emprego a praticamente toda a população.
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