Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O ENSINO DE HISTÓRIA NA ESCOLA INDÍGENA
Entre os direitos indígenas e a invisibilidade historiográfica durante a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) a partir da análise do livro didático de história

Autores e infomación del artículo

Dhiogo Rezende Gomes
Universidade Federal do Tocantins, Brasil

Fagno da Silva Soares
Universidade de São Paulo, Brasil

drhistoria@hotmail.com

RESUMO: A partir do marco da Constituição de 1988, a ‘cidadã’, os povos indígenas passaram a ter efetivamente direitos civis e buscar politicamente seus lugares nos espaços da vida social no Brasil. Um desses passou a ser a escola indígena. Este artigo tenta discutir sobre o papel da escola e do ensino de história do Brasil diante das leis educacionais em seu processo histórico, as permanências negativas e as mudanças de paradigmas positivas na educação indígena e a relação que esta pode estreitar com a educação nacional, ou melhor, ‘plurinacional’. A análise de um livro didático de história para o 3º ano do ensino médio, componente do PNLD 2015, mostra que depois de leis como a que obriga os currículos e as escolas a trabalharem a história e cultura indígenas em todo ensino básico, ficam patentes os limites da sua aplicação, contribuindo paradoxalmente para ‘embaçar’ a história indígena e nacional, como em conteúdos da história recente do Brasil, da ditadura civil-militar estabelecida entre 1964 e 1985.   
Palavras-chave: Escola indígena, Ensino de história, Indígenas, História do Brasil.
ABSTRACT: From the framework of the 1988 Constitution, a 'citizen', indigenous peoples now have effectively civil rights and political seek their place in the spaces of social life in Brazil. One of these became the indigenous school. This article attempts to discuss the role of schools and the teaching history of Brazil in the educational laws in its historical process, negative continuities and changes of positive paradigms in Indian education and the relationship that this can narrow with national education, or better, 'multinational'. The analysis of a didactic history book for the 3rd year of high school, PNLD component 2015 shows that after laws such as requiring curricula and schools to work with indigenous history and culture throughout basic education, they are patents the limits of their application, contributing paradoxically to 'blur' the indigenous and national history, such as content of the recent history of Brazil, civil-military dictatorship established between 1964 and 1985.
KEYWORDS: Indigenous School. History teaching. Indigenous. History of Brazil.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Dhiogo Rezende Gomes y Fagno da Silva Soares (2016): “O ensino de história na escola indígena”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/indigena.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-indigena


1 INTRODUÇÃO
Acompanhamos durante o ano de 2014 várias atividades acadêmicas sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964, fato da história nacional recente e do tempo presente. Uma série de eventos, debates, seminários, mesas redondas, congressos nacionais e internacionais, reportagens, matérias jornalísticas veiculadas na grande mídia, ampliação da produção acadêmica, revelações de fontes documentais e orais, com destaque para o exercício investigativo da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada com o objetivo de analisar e esclarecer graves violações de direitos humanos ocorridas entre os anos de 1946 e 1988. No texto da lei 12.528/2011, a comissão trabalhou “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. O trabalho de mais de dois anos da CNV foi concluído em 2014, oferecendo aos cidadãos um relatório final, sendo acessível na internet por meio de endereço eletrônico da própria comissão.
De imediato, percebe-se que o direito à memória e à verdade histórica no interior da CNV foi seletivo. O relatório deixa a desejar na missão de preencher lacunas e reconhecer com o mesmo ímpeto, alguns personagens, fazendo-se então, uma verdadeira “reconciliação plurinacional”. Trata-se das graves e nebulosas violências do Estado contra as populações indígenas do Brasil que sofreram todo tipo de violação por parte de agentes fora e dentro do Estado brasileiro, por ação ou omissão deste. É o que conclui o próprio relatório final da CNV:
Omissão e violência direta do Estado sempre conviveram na política indigenista, mas seus pesos respectivos sofreram variações. Poder-se-ia assim distinguir dois períodos entre 1946 e 1988, o primeiro em que a União estabeleceu condições propícias ao esbulho de terras indígenas e se caracterizou majoritariamente (mas não exclusivamente) pela omissão, acobertando o poder local, interesses privados e deixando de fiscalizar a corrupção em seus quadros; no segundo período, o protagonismo da União nas graves violações de direitos dos índios fica patente, sem que omissões letais, particularmente na área de saúde e no controle da corrupção, deixem de existir (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.198).

O relatório afirma que ao menos 8.350 indígenas tiveram suas vidas ceifadas pelo Estado, por força direta de ações governamentais ou por omissões dos agentes e instituições que teriam outras prerrogativas, a exemplo do Serviço de Proteção ao índio (SPI) e sua substituta, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Mortalidade causadora de baixas expressivas das populações nativas, beirando ao fim de vários grupos étnicos, onde o relatório (COMISSÃO Nacional da Verdade, 2014) define que “O número real de indígenas mortos no período deve ser exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi analisada [...]”. Nebulosidade factual de enorme contraste com as pressões, principalmente internacionais acerca da proteção dos direitos humanos dos povos indígenas, não impedindo que o Estado atuasse da forma como o relatório da CNV revela, sendo os debates e discussões, movimentos pelos direitos indígenas, paralelos temporalmente aos desvios letais destas legislações aos índios do Brasil.
Este artigo trata das possibilidades e discussões acerca da atualidade do ensino de história e da escola indígena em suas transformações e permanências, desde o período do regime militar passando pelo período posterior a constituição de 1988, chegando ao século XXI. A partir de algumas questões, tais como: qual o nível de interesse dos historiadores autores de livros didáticos em dar espaço em suas produções à temática indígena na história do Brasil, efetivamente nos conteúdos que tratam do período da Ditadura Civil-Militar? Como estes materiais didáticos podem ou não serem usados nas escolas indígenas, por professores indígenas ou não índios, licenciados em história ou não? Qual a importância da história nacional ter em sua constituição a história de povos que a esta própria história é indissociável, no entanto, tão ignorada historicamente e ainda resistida, mesmo com leis que pressionam sua inclusão através do ensino?
Parece que o descompasso entre a história acadêmica e a tradição e cultura histórica persistem de forma geral, em especial quando se trata de incluir a história de povos tradicionais como os indígenas, diante de todos os preconceitos a estes desenvolvidos, estes povos ágrafos, “primitivos”, essas minorias possam ter para compor na história da nação brasileira, ainda feita de cima para baixo. Jorn Rusen em sua teoria da história, a vida prática, o cotidiano das pessoas é a base para construção da história, as carências de sentido reorientam a relação entre passado e presente, um movimento entre o saber histórico e os sentidos que este pode ter sobre a vida, orientadores do presente e futuro, do passado e presente constituintes de uma consciência histórica.

[...] no tempo uma história tem sua credibilidade garantida na medida em que satisfaz os interesses de uma comunidade, e uma revisão historiográfica ocorre quando há um descompasso entre o conhecimento produzido e a satisfação dessas carências, a exemplo da história que era produzida no Brasil no período da Ditadura Militar e a necessidade de revisão colocada pela década de 1980[...] (BAROM; CERRI, 2011, p.2)
De fato a história do Brasil não pode satisfazer ao menos em partes os interesses de sua comunidade. A ciência histórica, a academia não está acima do pensamento histórico e prático dos povos indígenas ou de qualquer comunidade, portanto, uma história nacional que não abrange ou ainda, encara como menor a história e cultura indígena, peca e se distancia de qualquer reconciliação efetiva e até afetiva, entre o passado e o presente, a memória e suas revisões, a história e seu povo.

2 A ESCOLA E O ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE OS DIREITOS INDÍGENAS E SUA INVISIBILIDADE HISTORIOGRÁFICA

Desde antes da independência do Brasil (1822), os povos nativos no Brasil são objetos do e de direito, legislações concernentes a questões fundiárias e do projeto civilizador progrediram até os anos 70, 80, do século XX, suscitando direitos indígenas relacionados à manutenção das diversas culturas e identidades, processos próprios de educação, mais aparentes e palpáveis nas defesas de organizações não-governamentais e instituições internacionais como a ONU no que tange aos direitos humanos a partir de meados da década de 50 passando pela Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), resultando nas Convenções 107 (1957) e 169 (1989) (MONTE, 2000), sendo um parâmetro externo forte para que em países como o Brasil, os direitos dos povos originários fossem respeitados.
Diante do alvorecer dos direitos indígenas, nasce com a constituição de 1988, o direito aos processos próprios de ensino e aprendizagem, uma educação e escola indígena a serem construídas. Pela força da constituição “cidadã” e pela apropriação gradual dos direitos de cidadania pelos próprios índios em suas lutas políticas, há um grande golpe, praticamente mortal nas idéias seculares de assimilação ou integração total dos povos indígenas a sociedade nacional. Ainda presente, tais idéias no senso comum, com equívocos e preconceitos dos brasileiros não índios sobre os povos indígenas, como mostra bem o texto “Cinco Idéias Equivocadas Sobre os Índios” de Freire (2000). Para o Estado, os povos originários, além do direito a terra, há o direito a manutenção de suas práticas culturais, religiosas e a educação, bilíngüe e diferenciada, coerente com suas identidades, inteligibilidades e diversidade sócio-cultural.
Em capitulo especifico, a constituição trata dos direitos indígenas e os artigos 231, 215 e 210 consagram o direito a uma educação escolar indígena cujo núcleo seja os conhecimentos e complexos culturais próprios de cada nação indígena habitante em todo território nacional. No texto constitucional, os índios em relação a legislações passadas, ganharam mais segurança quanto ao direito a terra, elemento constituinte de suas identidades, cosmologias, o que implica em suas formas particulares de educação, sólida nas suas tradições, “além do direito de permanecerem índios, a manutenção de sua identidade cultural, possibilitando que a escola indígena se tornasse um instrumento de valorização das línguas, dos saberes e das tradições indígenas” (BURATTO, 2007, p.7).
Em 1991, o decreto n.26 da presidência da República transferiu a responsabilidade da educação indígena da FUNAI para o MEC, o que trouxe mais autonomia sobre os processos pedagógicos nas escolas em terras indígenas, tirando parcialmente de cena o domínio de missões religiosas que recebiam incumbência da FUNAI para educar os índios. Tal decreto tira a centralidade da responsabilidade educacional indígena do órgão indigenista passando-a para o MEC, com ressalvas quanto à gestão educacional cooperativa de “ouvida da FUNAI”, criando algo problemático a eficiência de uma educação escolar indígena que assegure e desenvolva plenamente escolas indígenas satisfatórias e congruentes aos próprios direitos constitucionais. Havendo assim dois órgãos federais distintos para tratar da mesma área (educação indígena), estes sempre abertos, na dupla competência sobre a educação indígena, possibilitando desentendimentos, não só administrativos como políticos entre um órgão diretamente ligado ao governo e o outro aos índios (SOCIOAMBIENTAL, 2015).
O que está em questão é a eficiência da educação escolar indígena a cargo de sistemas estaduais e municipais, precariedades verificadas em depoimentos de lideranças e em conferências regionais organizadas pela FUNAI (2005) e a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, realizada em 2006, nesse sentido, há toda uma discussão sobre a volta da federalização da educação indígena a cargo do órgão indigenista oficial e não mais do MEC (SOCIOAMBIENTAL, 2015).
O fato é, se a educação e as escolas indígenas do Brasil, não mostram resultados satisfatórios e se saem muito mal em índices e rankings nacionais e internacionais. Logo, ela não cumpre efetivamente a Constituição de 1988, ao defini-las como espaços para promoção de uma educação baseada na diversidade e complexidade dos inúmeros povos e suas tradições, culturas, línguas. Ou simplesmente não se deve analisar a educação indígena com parâmetros da educação não indígena, contudo os povos originários são parte indissociável da nossa história e sociedade, exigindo não somente proximidades, mas processos de plena integração como inclusão.

Os índios, no entanto, têm futuro: e portanto têm passado. Ou seja, o interesse pelo passado dos povos indígenas, hoje, não é dissociável da percepção de que eles serão parte do nosso futuro. A sua presença crescente na arena política nacional e internacional, sua também crescente utilização dos mecanismos jurídicos na defesa de seus direitos tornam a história indígena importante politicamente (CUNHA, 2009, p.126).

A lei 11.645/2008 que obriga o ensino de história e cultura indígenas nas escolas de ensino básico mostra que após vinte anos da constituição que garantiu o direito a educação escolar indígena bilíngüe e diferenciada, não se avançou em uma cultura de valorização da contribuição indígena para história e cultura nacional. Por isso a necessidade de tal lei, ainda posterior a lei irmã, sobre a mesma matéria, só que por uma história e cultura africana e afro-brasileira, a lei 10.645/2003.
A escola não é original das culturas indígenas, entretanto, cada vez mais é buscada como espaço político de luta contra as injustiças da sociedade nacional, que em muitos aspectos, dentro das relações interétnicas, ainda rejeita ou é omissa para com as populações tradicionais. Nesse sentido, analisamos o conteúdo de um livro didático de História, como o elaborado por um grupo de historiadores de formação sólida, entre eles o conhecido Ronaldo Vainfas, seguido de Sheila Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina dos Santos, voltado para estudantes do 3º ano do ensino médio e que faz parte das propostas da editora Saraiva para o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) 2015. Percebe-se a distância entre os direitos dos índios e sua (in)visibilidade na história. O referido livro foi enviado a várias escolas públicas de ensino básico do Brasil no segundo semestre de 2014, para divulgação e análise dos professores, para possível escolha de material a ser adotado. Sua edição é de 2013, mas faz parte do PNLD 2015, espera-se então que atenda aos dispositivos legais da lei 11.645/2008. Tais leis, a 10.639/2003 e 11.645/2008, estabelecem a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africanas e indígenas que respectivamente contribuíram para ampliar “[...] princípios necessários à construção da cidadania, em relação a essa temática: respeito à pluralidade e à legislação vigente, e não veiculação de estereótipos e preconceitos.” (SILVA, 2012, p.154). Mudanças observáveis no edital do PNLD 2011.
O referido livro traz conteúdos de História Geral e do Brasil, O capitulo “Brasil: a primeira República” são 24 páginas, distribuídas em 9 tópicos, nenhum deles aponta para questão indígena e os negros tem representação didática na “Revolta da Chibata” liderada por João Candido, o “Almirante Negro” na luta pelos fins dos castigos físicos na Armada brasileira. Apenas na sessão de explicação do livro “Conheça este livro” de “Boxes complementares”, com fonte menor, destacado na cor amarela, aparece o quadro com o título “A política Indigenista”. Bem resumido, explica a continuidade da política indigenista do império para o início da República, pautada na promoção de aldeamentos, pressão por transformar os índios em trabalhadores, assimilando-os aos propósitos e cultura ocidentais, cita a fundação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) em 1910, reflexo da exposição negativa em nível internacional sobre denuncias de extermínio de comunidades indígenas no Brasil. 
Já o capitulo “Brasil: a República nacional-estatista” trata da Era Vargas (1930-1945), destina-se uma página inteira à “Política indigenista e Marcha para Oeste”. Aponta para os avanços da legislação e dos direitos indígenas sobre terras nas Constituições de 1934 e 1937 dentro das preocupações do governo com a construção da identidade nacional:

Durante o Estado Novo, a propaganda política ressaltava que os indígenas constituíam as “verdadeiras raízes” brasileiras. Vargas foi o primeiro presidente a visitar uma aldeia indígena: em agosto de 1940 esteve entre os Karajás, na Ilha do Bananal. Instituiu, também, o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), cujo diretor foi marechal Cândido Rondon (VAINFAS et al., 2013, p.121)

Após esclarecer que as diretrizes do SPI foram alteradas e a partir de 1936 havia regulamentos apontando a necessidade de nacionalizar os nativos, parte do objetivo de integrar os povos indígenas a nação brasileira, para servi-la através da “cidadania”. O texto segue sobre a “Marcha para Oeste”, os conflitos entre migrantes, agricultores e índios envolvendo disputas agrárias. A expedição Roncador-Xingu (1943) liderada pelos irmãos Villas-Boas e sua metodologia de contato com indígenas que mesmo, ainda na perspectiva de assimilação ou integração, passava a respeitar as diferenças e valores culturais indígenas. O texto termina falando do acato de Vargas a proposta do 1º Congresso Indigenista Interamericano sediado no México em 19 de abril de 1940, indicando para que esta data fosse reconhecida como Dia do Índio no Brasil.
O capitulo “Brasil e a República democrática” de 1945 até 1964, surge um sub-tópico, intitulado “Política Indigenista”, também com uma página e uma fotografia, a vista aérea da Aldeia Kalapaio, no Parque Indígena do Xingu, trata das ações dos irmãos Villas-Boas no contato com os índios, respeitando e reconhecendo as diferenças culturais, protegendo mais a integridade física das populações indígenas e parte de seus territórios, refletindo na criação do Parque Nacional do Xingu (1952) por Vargas, como também a criação do Museu Nacional do Índio (1953), com destaque para o ativismo do antropólogo Darcy Ribeiro.
O mais interessante é que no capitulo “Brasil: a República dos generais” (1964-1985), nenhuma linha sobre a questão indígena, o mesmo silêncio permanece no capitulo “O Brasil na Democracia” que trata da transição e da democracia no Brasil até a eleição de Dilma Roussef (2010). Outra questão que merece ser ressaltada é o fato de nos cinco capítulos analisados, dos quais apenas três tocam na questão indígena, apenas um tem elemento gráfico ilustrativo, uma foto aérea colorida de parte do Parque Nacional do Xingu. Assim, como tornar o ensino da História significativo para os povos indígenas se eles não estão devidamente representados no livro didático? Como pensar no fortalecimento das identidades e autodeterminação dos povos indígenas se eles são invisibilizados historicamente?
 
2.1 O ENSINO DE HISTÓRIA NA ESCOLA INDÍGENA

Após a constituição de 1988, a legislação abre caminhos aos povos indígenas em posse do direito de construírem com mais autonomia, a sua educação escolar, embora subordinada a órgãos e sistemas de educação da sociedade envolvente, os indígenas podem participar do processo de construção de escolas diferenciadas, interculturais, voltadas para as identidades e autodeterminação dos diversos povos, sendo a razão dessas instituições escolares, porém, como já ressaltamos, os desafios são enormes.
Para os índios, a escola é um espaço de relações na ponte entre dois mundos, o indígena e o não indígena. Esta visão de troca, de necessidade de interação para sobrevivência nos contextos dos contatos interétnicos, já existia quando a escola era “para os índios” e continuou com maior agencia para os nativos quando a escola passa ser “dos índios”. Como no processo de escolarização na comunidade Xerente.
Frente aos novos contextos que surgem a partir do contato, a escola passa a ser vista como mais um dos atributos necessários para a construção do sujeito akwe. Dentro da cosmologia do grupo, a relação com os não-índios está numa esfera que oferece tanto risco quanto benefícios para sociedade Xerente. Portanto é extremamente necessário saber se relacionar com o “mundo dos brancos”. (GIRALDIN; MELO, 2012, p179).

Os índios têm a escola cada vez mais como um meio para o fim de se afirmarem, de trabalharem suas culturas resistindo às influências externas, sendo protagonistas, atuando na linha de frente, se formando professores, sendo gestores e coordenadores, agentes políticos na construção dessa escola indígena. Através de associações de grupos de trabalhos, movimentos com importantes contribuições, como a dos docentes indígenas do Amazonas, Roraima e Acre que elaboraram um documento chamado “Declaração de Manaus”, protocolado no Congresso Nacional em 1991, afirmando em quinze pontos a escola e a educação pensadas e desejadas pelas comunidades, onde “Um dos efeitos mais notáveis destes eventos é, sem dúvida, a irradiação da reflexão e da discussão sobre a escola indígena em diversas populações da Amazônia Ocidental.” (SILVA,1994, p.47).
A escola indígena não pode ser pensada ou construída nos mesmos ideais ou a partir das mesmas bases políticas, pedagógicas da escola ocidental. Tratam-se não apenas de culturas diferentes, mas de estruturas epistemológicas, de pensamentos distintos. Os indígenas diferentemente dos “brancos” não objetivam e se relacionam com fenômenos sociais ou naturais da mesma forma, a aprendizagem por meio de dogmas e leis, é um problema como Antonio Vieira definiu, os índios como sendo a “murta” em relação aos europeus, o “mármore”.
Os índios como de fácil aplicação da doutrina cristã, no entanto, de complexa e indomável aceitação de um Deus cristão único, que faça seres que crêem em todas as forças sensíveis, abandonarem completamente o panteísmo, sendo estes a murta, vegetal fácil de trabalhar a poda, contudo, necessário de constante reparo para manter a forma definida. Diferente dos europeus, o mármore, rígido, difícil de dar forma, mas uma vez dada, não se precisa trabalhar mais (CASTRO, 2006).
Os povos indígenas em relação à construção do pensamento, o fazem de forma mais concreta na “ciência do concreto” (LÊVI-STRAUSS, 2008), enquanto os ocidentais, pautados nas ciências modernas, o fazem com o peso do pensamento mais abstrato, de forma que o pensamento, outrora e ainda chamado de “primitivo”, não deve em termos de complexidade ou de elaboração, quando há milhares de classificações sobre elementos da fauna e flora por exemplo.
A escola então, fruto dessas sociedades indígenas, naturalmente são diferentes das escolas não indígenas e todo o processo gestor, administrativo, pedagógico, político, assim devem ser. A escola, seja qual for, terá a cara de quem a faz, dos indivíduos que a produzem ou mesmo, reproduzem a partir de terceiros que evidente, não terão suas presenças e marcas isentadas da instituição. Nossa sociedade, a ocidental, por mais que existam discursos coletivistas, o individuo tem um grande peso, ensina-se a partir da unidade social, que em formação, faz parte de um coletivo.
Nas sociedades indígenas, onde a cognição é destacadamente familiar, as relações sociais e de conhecimento estão muito enraizadas no parentesco, a escola indígena e seus processos podem ter estes elementos como alicerces e ao mesmo tempo, sendo estes o material de toda obra. No Ocidente, as práticas sociais tendem a ser personalizadas, individualizadas mesmo quando necessariamente coletivas, a sociedade capitalista mergulhada na questão cotidiana da relação tempo e trabalho, faz da escola receptora de seus filhos, responsável quase que unilateralmente pela educação destes. Um mundo onde fulano de registro geral tal, casado com fulana, pai de uma menina que estuda na turma tal da escola “x”, que tirou 8,5 em história na prova individual. Embora a menina possa ter feito trabalhos em grupo, estudado com uma colega, com a irmã mais velha, a nota é só dela, o sucesso ou o fracasso de um boletim no fim do ano é somente dessa pequena menina que um dia será uma profissional, que usará um crachá, um currículo que a individualizará diante de seus pares.
A escola indígena, sendo realmente construída por índios, certamente não terá práticas e objetivos idênticos, quando da vida dessas comunidades e suas formas de pensar e agir, mesmo com contato direto e freqüente com a cultura ocidental, serão distintas, ritmadas por outras razões e naturezas sociais e culturais.  Sociedades como a dos Waimiri-Atroari, onde um homem pode ter relações sexuais com a sua cunhada e estes não serem considerados adúlteros pelo irmão, aos nossos olhos, o “traído”, e ainda no caso dessa relação, haja uma gravidez, tal feto, seja considerado não filho de um dos dois, mas dos irmãos em associação, não só fraternal, mas biológica também. Como então não pensar no processo de atividades escolares de uma forma diferente da nossa, a exemplo da cola?

Há nesta sociedade, em resumo, algo que poderíamos chamar de "indivíduos- coletivos". Como era possível então que dois irmãos pudessem fazer juntos um filho e não pudessem fazer juntos o dever da escola? E foi assim que, na escola Waimiri-Atroari que ajudei a organizar, a "cola" foi adotada como prática cotidiana e legítima: um Waimiri-Atroari terminava a sua lição e, algumas vezes, fazia integralmente a de seu colega-irmão, colega-filho ou colega-pai (SILVA, 1994, p.42)

No plano do quê e por que tal conteúdo e ainda, como, tal história deve ser ensinada, trabalhada nas salas de aula de história, em uma escola indígena? Bem complexo. Pois são necessários materiais didáticos, e estes em imensa parte, não são produzidos pelos índios, nos sistemas de educação, muitas vezes os mesmos livros de história das escolas não indígenas ficam disponíveis para as indígenas. Ainda há uma variável, o professor de história, este pode não ser formado em história, não ser índio, ou ser índio, tudo implicando na transposição didática dos conteúdos e por conseqüência da visão histórica. 
Haverá notadamente um conflito, se a história, além de natureza e cultura, é discurso, sendo então uma invenção (ALBUQUERQUE Junior, 2007), qual a versão a constar, a oficial, a indígena? O professor de história conseguirá mesclar as duas, aparar a arestas, reorientar o texto, reconduzir discursos para os estudantes indígenas em fatos, estes enraizados em uma cultura histórica ágrafa, que dependendo ou não, tenham uma versão cristalizada e bem conhecida dentro de uma elaboração que nunca pensou didaticamente para as populações indígenas?
Diante dessas questões, assentando melhor uma história para povos indígenas, sendo melhor optar por uma que sirva bem, tanto para índios como não índios. Uma história sem rigores imobilizadores, não embaçadora da riqueza do presente, não compressora da imensidão dos fatos. Buscada implacavelmente pelos que precisam sempre pensar historicamente. Devemos então conceber que a melhor história é aquela que lhes faça sentido, pois, como os índios professores da comunidade indígena guarani-mbya, da aldeia de Sapucaí, colocam que (BORGES, 1999, p.93) “uma história bem ensinada perpassa por todas essas questões, pois apenas uma história que realmente represente a visão de mundo de um povo é que poderá ser significativa na constituição de sua identidade.” 
Portanto, faz muito sentido para comunidades indígenas terem em suas aulas de história sobre o Brasil, uma verdadeira revisão do que foi o período do regime militar (1964-1985), cujos livros didáticos não trazem praticamente nada sobre os efeitos desses anos na história ou geografia dos povos indígenas, sobretudo, os diretamente impactados, envolvidos, sendo possível um tratamento histórico que lhes foram negados na história nacional, mas que podem ser ao menos pensados nas aulas de história das escolas indígenas.
Sendo assim, há a oportunidade de se construírem melhores versões do ponto de vista dos sentidos da história, para todos os povos envolvidos, os nativos e os nacionais, até o ponto que até essa distinção entre um e outro se desarme, buscando o que está disposto como objetivo da Comissão Nacional da Verdade, uma reconciliação da nação brasileira com a sua memória e a verdade, abrangendo então as várias nações indígenas. Uma história cujo referencial histórico seja o do próprio povo inserido e não uma história transplantada ou terceirizada.
Uma história do tempo presente, com personagens, testemunhas, ainda vivas, como a da ditadura militar no Brasil (1964-1985), depondo, narrando, dando novos contornos, é ainda problemático no campo acadêmico da história feita pelos “brancos” para a sociedade nacional. Apesar de muitas críticas acadêmicas, a oralidade é cada vez mais aceita como fonte, estas sendo abundantes quando se trata de comunidades tradicionais, sendo possível, mas difícil, as fontes escritas e ainda oficiais, limitando o trabalho com a história do tempo presente.

[...] sob uma perspectiva ainda muito calcada no velho positivismo, críticos apontam como um problema a existência de limitações importantes como ao acesso publico à documentação escrita fundamental, seja em função da falta de documentação escrita fundamental, seja em função da falta de sistematização, seja pelas restrições impostas pelas administrações governamentais (o problema concreto da desclassificação de documentos oficiais) (PADRÓS, 2004, p.205) .

Há a nebulosa participação dos Aikewára na Guerrilha do Araguaia, levando em conta depoimentos dos índios que contradizem versões extra-oficiais de militares que em entrevista para uma revista de grande circulação, afirmando que os Aikewára contribuíram na caça aos “comunistas” lhes atribuindo decapitações de guerrilheiros, fato movediço e tendencioso, de imputação dos fatos aos índios pelos agentes da ditadura e causador de sofrimento para testemunhas vivas dessas histórias (CORRÊA; NEVES, 2011). Houve também a intrigante formação de uma Guarda Rural Indígena (GRIN) em 1969, jovens índios de várias etnias foram recrutados pela policia militar de Minas Gerais, com treinamento de lutas marciais e imobilização, técnicas de tortura, manuseio de armas. Índios guardas formados regressavam as suas aldeias e sob a patente de autoridades e imbuídos da doutrina militar repressora que receberam na formação, cometeram barbaridades com seus semelhantes, com casos relatados de estupros, torturas, roubos e assassinatos. Assim como a existência de um “centro de recuperação” para infratores indígenas, o reformatório Krenak, frutos amargos da política indigenista dos governos militares.

O Cruzeiro, revista de grande penetração publicitária nessa época e importante veículo de propaganda do governo militar, em seu número editado a 10 de agosto de l968, trazia a matéria de título: “Índios e Brancos de Mãos Dadas. Paz na Aldeia dos Maxacalis”. Tratava-se da cobertura da visita do Secretário de Agricultura de Minas Gerais, Evaristo de Paula, às aldeias desses índios. Entre fotos de índios e de “autoridades”, cercados de plantações, “orgulhosos” pela “exuberância das roças”, destaca-se uma imagem de página inteira retratando um Maxakali com farda policial empunhando arco e flecha. Acompanha a ilustração, o comentário otimista: “É um soldado em férias, pois a paz voltou a reinar na taba Maxacali. E reinará para sempre”. (FREITAS, 2011, p.2-3)

O Relatório parcial 01 de 30/12/2012 de subsídios em seus trabalhos no eixo indígena da Comissão Nacional da Verdade faz parte dos objetivos da pesquisa colaborativa que se debruçou tanto sobre a gestão do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) quanto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no período de interesse da comissão (1946-1988). Este relatório aponta a existência de denuncias de graves violações aos direitos humanos dos povos indígenas, como genocídios cometidos por ações diretas e indiretas do Estado brasileiro.
Tal relatório passou a reunir uma gama importante de documentos que podem servir de fontes para pesquisadores e trabalhos que poderão ser usados didaticamente nas escolas futuramente. O Relatório Figueiredo e o filme Arara são possíveis de acessos na internet.

Em visita ao Museu do Índio com a jornalista Laura Capriglione, para assistirmos a íntegra do filme Arara e solicitar cópia desse documento contundente, que além da questão indígena que suscita, prova a existência do ensino de técnicas de tortura em escola militar na época da ditadura e que, há muito vem sendo denunciada por presos políticos que foram usados como cobaia, logo ao chegarmos, em 5 caixas apresentadas por funcionários do arquivo, ressurge parte do Relatório Figueiredo, documento fundamental para a sistematização das violações de direitos humanos sobre o período do SPI, no governo Castelo Branco e boa parte do Costa e Silva e o início da FUNAI. (COMISSÃO Nacional da Verdade, 2012, p.10)

Estes documentos são uma realidade concreta quanto a fontes escritas e oficiais, já estão disponíveis há um tempo para pesquisadores, ou mesmo para educadores de escolas indígenas e não indígenas, sendo possíveis acessá-los via internet, como também há anos são possíveis trabalhos, quando não promovidos por instancias federais como a CNV, ou seja, por secretarias de educação, universidades, grupos e associações indígenas, ou mesmo, alguma escola e seus professores indígenas, principalmente as que existem nos territórios dos povos que sofreram massacres, espoliações, torturas, assassinatos durante o regime militar. É possível citar de acordo com este relatório parcial e o final da Comissão Nacional da Verdade várias etnias e seus casos:
 
Waimiri-Atroari, Arara e Suruís do Pará, também os Potiguaras da Paraíba, que possui o único caso de indígena exilado no país, após ter sua casa incendiada, ser preso, torturado e ameaçado ao sair da prisão, Tiuré Potiguara foi morar no Canadá onde foi reconhecido como exilado político. Seu caso tramita na Comissão de Anistia. Os Pataxós da Bahia, Xavantes e Cintas Largas do Mato Grosso, Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, a cadeia do Krenak e a ação da Guarda Rural Indígena sob comando da Polícia Militar mineira e presidência da FUNAI à época, junto com o caso dos índios Potiguara, já são linhas de estudo em nossas pesquisas, porém há indicativos de que outros povos atingidos surgirão com a tabulação das informações contidas nos documentos já mapeados ou levantados. Temos também indícios da existência de várias cadeias e celas clandestinas espalhadas pelo país no período (COMISSÃO Nacional da Verdade, 2012, p.5).

Sabendo que é necessário tempo para que pesquisas acadêmicas sejam publicadas e depois possam servir a livros didáticos de história, estes estudos da CNV em especifico são muito recentes. Contudo, temos que ser críticos em afirmar que também recente, é a atitude do governo federal, exceto o Relatório Figueiredo e o filme “Arara”, documentos também achados recentemente, sobreviventes de uma leva de outros incinerados, destruídos propositadamente pelo Estado, outros estavam acessíveis por mais tempo.
Vemos uma predominância ao falar de índios na história do Brasil, nos livros didáticos, geralmente no conteúdo “A chegada dos portugueses”, ou seja, no Brasil colonial, visões de um contato primeiramente “pacífico” e posteriormente violento, imperando a visão de superioridade européia frente aos nativos que se encontravam em graus de selvageria, cabendo o enquadramento no caminho da civilização. Depois, os índios praticamente desaparecem do resto das páginas dos livros didáticos, constando novamente quando dos conteúdos que trazem a redemocratização pós-ditadura militar, os índios aparecem como parte do movimento da luta pela cidadania, referendados no congresso com a aprovação da constituição de 1988, a qual os inclui como seres de direitos civis e políticos. Ainda quando surgem em outros conteúdos, podendo servir de justificativa a idéia de falta de agencia e submissos aos dominadores ou então, como um indígena romântico, pregado pela literatura brasileira no rastro ressuscitado das obras de José de Alencar ou Gonçalves Dias. Por isso a imensa importância, mais tardia do que nunca, da lei 11.645/2008.   

A Lei 11.645/2008 é fruto de muitas disputas e representa um passo importante para as relações étnico-raciais, por vários motivos: traz não só a possibilidade de representação de grupos que, historicamente, foram ou marginalizados ou vítimas de estereótipos, mas também uma mudança na própria concepção da História, tradicionalmente ‘europeizante’, com a qual nos acostumamos. (SILVA, 2012, p. 153)

E se tratando de uma parte comum dos livros de história, principalmente para o último ano do ensino médio, conhecimentos atuais com uma história do tempo presente ou imediata, não haveria espaço no nosso livro analisado, para falar mais uma vez da política indígena, após o regime militar com o advento da constituição de 1988? Não haveria espaço para tratar dos conflitos e protestos dos povos indígenas do Xingu a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte? Ou espaços extras aos capitulos falando da própria lei 11.645/2008, sobre o ensino da história e cultura dos povos indígenas e dados da educação escolar indígena no Brasil? Mesmo matérias jornalísticas sobre conflitos como dos índios Kaiowá e fazendeiros no centro-oeste, envolvendo índices alarmantes de suicídios desta etnia? Fato bastante noticiado e repercutido nos últimos anos.
Essa ausência quanto à inserção dos povos indígenas em sua participação histórica, como sujeitos, em capítulos dos livros de história, tratando do período histórico do regime militar, da ditadura que se estabeleceu no Brasil de 1964 até 1985, fere legalmente a história que os índios devem ter e querem conscientemente, como referenda a Proposta Pedagógica da Educação Escolar Indígena do Tocantins (2013). Proposta elaborada pela Secretária de Educação do Tocantins. Neste documento, a ementa da disciplina “História na Escola Indígena”, prevê temas como: Ocupação/invasão dos territórios indígenas; Tocantins: antes e depois da criação; Políticas indigenistas; Mudanças no modo de vida de seu povo, os acontecimentos que interferiram nestas mudanças; O tempo da conquista dos direitos (liberdade); O tempo da história presente; Luta dos povos indígenas pela demarcação de terras indígenas; Ocupação/invasão dos territórios indígenas; Democracia: governo de todos para todos. Temas que não encontram ressonância nos livros didáticos e podendo, se usado nas escolas indígenas, por professores índios ou não, ter efeitos contraditórios a proposta da educação indígena, a legislação e ao encontro desses povos com a história, tanto indígena como da sociedade nacional, distanciando-as de uma harmonia didática e epistemológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola indígena estruturada, concebida harmonicamente a partir da riqueza das culturas indígenas, assentada nas raízes da tradição, das práticas sociais e o ensino de história, podem desenvolver no Brasil, além de um sistema de educação plural, respeitoso da grande diversidade de relações sociais, étnicas, inclusivo das várias histórias, memórias e identidades, pode construir um país melhor e realmente mais justo historicamente para com os inúmeros povos do Brasil.
Um conteúdo escolar sobre a História do Regime Civil Militar (1964-1985), um passado recente que tanto interessa ao presente, ainda encoberto, precisa juntar com justiça suas pontas soltas, dando vozes e olhares aos seus sujeitos que estão tanto nas cidades como nos campos e florestas deste imenso Brasil. Não podemos no caminhar do século XXI, em plena democracia, da qual tanto se preza e discursa, quando por meio da história, se vislumbra com realce escolhas, direitos e liberdades que brigam com os avanços da sociedade em regime democrático, parecendo retroceder. Falamos de um presente em alguns aspectos próximo do pretérito da “República dos generais”, paradoxalmente, cada vez mais distantes ficamos dos tenebrosos “anos de chumbo”.
Não podemos deixar de destacar a importância de trabalhos por essa reconstrução, por esse caminhar em direção a reconciliação do país com a sua história e memória, com a verdade. A Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) que abriu os porões e remexeu o passado para encontrar a justiça no presente é icônica por se tratar de um ato no governo da primeira mulher a presidir o país, são traços de que o Brasil, que antes dava passos curtos rumo a uma sociedade mais igual, inicia um tempo de maior abertura neste sentido.
Contudo, notamos evidentemente as resistências, vemos que há ainda contradições, inoperâncias, ou mesmo, descasos e omissões ao tratar das questões étnicas, de gênero, das diferenças em geral, em choque com os ranços retrógrados, elitistas e excludentes de uma “maioria” que antropologicamente e historicamente são firmes no processo de manutenção da segregação étnica e social.
Falta ao Brasil o espelho indígena de sua história, para que não encontremos tanta ausência no meio de tanta presença nos recursos para saber nossa história, livros, filmes, peças, lugares, placas, nomes próprios tão carregados de “indianidade” e ainda assim, não haja reconhecimento, muito menos valorização, informação e conhecimento sobre as raízes do Brasil que não param de crescer, que não são somente raízes, mas também caule, galhos, folhas e frutos.
Para não nos deparamos com livros didáticos de história que de cem ilustrações nos conteúdos de Brasil, uma ou duas sejam referentes à história e cultura dos povos indígenas e no meio das linhas destes conteúdos, toparmos com o “Abaporu” de Tarsila do Amaral no movimento antropofágico da arte moderna dos anos vinte ou o “Anauê” da Ação Integralista Brasileira nos anos trinta. Imagens, palavras de origem Tupi que assim como tantas outras, passam na nossa história como apenas vocábulos estranhos, difíceis de dizer, invenções de quem as cunhou, uma mera bijuteria no contexto de fatos históricos da nação brasileira, na tentativa de forjar uma identidade, que não assumindo o indígena, o negro, será apenas máscara e nunca a cara do povo brasileiro. 
Uma história indígena dentro da cultura escolar indígena como as leis prevêem e principalmente como as próprias populações indígenas concebem e desejam, serão efetivadas e levadas a cabo com sucesso se partirem internamente e externamente dos próprios índios. Os indígenas além de espectadores, atores, autores, lideres, chefes, funcionários públicos, diretores, coordenadores, professores, estudantes. Nas escolas, universidades, no congresso, na mídia, em todo território, além do geográfico, sócio e geopolítico, sendo membros da sociedade brasileira ombro a ombro com os demais, uma integração de povos diferentes e não de povos a um povo nacional como secularmente já se esperou.
Os índios conquistaram a escola, esta escola, com sua história e cultura tem que ganhar o Brasil, assim como acontece dentro das visões mais dinâmicas da pedagogia moderna, de que o conhecimento está além dos livros, que haja uma maior vivencia, intercambio escolar de mão dupla entre as escolas indígenas e as da sociedade nacional, não de forma a criar uma expectativa não indígena de um encontro exótico no pior dos sentidos, mas de respeito, de curiosidade e troca como um estudante qualquer que participa de algum programa governamental que sai do Brasil para estudar na Europa e regressa cheio de experiências e conhecimentos.
Há evidentemente a existência de mundos diferentes, escolas, de histórias, personagens, sujeitos, de contextos, de percepções de tempo e processo da memória entre os índios e os não índios no Brasil, “Brasis entre Brasis”. No entanto há a possibilidade de construção de mais do quê pontes, mas sedimentação de trilhas juntando formações que há muito tempo são ilhas de história, de cultura, sendo que todos estes agentes históricos são seres de uma grande aldeia, de um coletivo que será muito mais rico se o conceito de coletividade for aplicado. E se tem um local criado pelos “brancos” que é cada vez mais requisitado pelos índios, para promover beneficamente e multilateralmente essas positividades para uma história e cultura “plurinacional”, este é a escola, que indígena ou não, seus objetivos, por mais que sejam aparentemente de bases distintas ou distantes, estão muito mais próximos do que se pensa.

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Recibido: 22/01/2016 Aceptado: 31/03/2016 Publicado: Marzo de 2016

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