Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


DECISÃO JURÍDICA E INTEGRIDADE DO DIREITO NA HERMENÊUTICA POLÍTICA DE RONALD DWORKIN

Autores e infomación del artículo

Meliza Marinelli Franco Carvalho

Rafael Lazzarotto Simioni

Faculdade de Direito do Sul de Minas, Brasil

melizamarinellifranco@hotmail.com

Resumo: A questão central dessa pesquisa está na possibilidade de se justificar adequadamente uma resposta correta no direito, superando o esquema de justificação lógica e formal dos positivismos do Século XX mediante uma compreensão hermenêutico-política dos princípios. Nesse sentido, objetiva-se analisar a crise do positivismo jurídico e a proposta da hermenêutica política de Dworkin para a fundamentação correta da decisão jurídica, mediante o uso de princípios de moralidade política. Para tanto, a presente pesquisa fará uma abordagem bibliográfica e analítica, utilizando-se das reflexões teóricas da hermenêutica política de Ronald Dworkin, especialmente em suas obras que tratam das questões de princípio e da integridade do direito. A aplicação desse modelo de decisão jurídica, contudo, não é tão simples como parece. Existem inúmeras críticas à teoria de Dworkin que apontam para a persistência da subjetividade do intérprete ou mesmo a dificuldade de apontar um princípio como sendo um princípio de moralidade política, uma vez que vivemos em um mundo fragmentado moral e eticamente. De todo modo, é uma teoria que apresenta elevados graus de idealidade, pensada para combater a discricionariedade da decisão jurídica. Dworkin propõe uma postura antidiscricionária dos juízes e por isso tenta levar o direito a um patamar interpretativo.
Palavras-chave: Hermenêutica Política, Decisão Jurídica, Filosofia do Direito, Integridade do Direito, Ronald Dworkin.

Abstract: The central question of this research is the ability to adequately justify a correct answer on law, overcoming logic and formal justification scheme of positivism of the twentieth century through a hermeneutic-political understanding of the principles. In this sense, the objective is to analyze the crisis of legal positivism and the proposal of hermeneutics Dworkin policy for the proper foundation of the legal decision through the use of principles of political morality. To this end, this research will make a bibliographic and analytical approach, using the theoretical reflections of hermeneutics Ronald Dworkin policy, especially in his works dealing with issues of principle and integrity of law. The application of this legal decision model, however, is not as simple as it seems. There are numerous criticisms of Dworkin's theory pointing to the persistence of the subjectivity of the artist or even the difficulty of pointing a principle as a principle of political morality, since we live in a fragmented world moral and ethically. Anyway, it is a theory that has high degree of idealism, designed to combat the discretion of the legal decision. Dworkin proposes a undiscretionary attitude of judges and therefore tries to take the right to an interpretive level.
Key-Word: Political hermeneutics; Legal decision; Philosophy of Law; Right integrity; Ronald Dworkin.



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Meliza Marinelli Franco Carvalho y Rafael Lazzarotto Simioni (2016): “Decisão jurídica e integridade do direito na hermenêutica política de Ronald Dworkin”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/hermeneutica.html


1. INTRODUÇÃO

As concepções positivistas de interpretação jurídica do Século XX procuraram fundamentar exigências de correção e de segurança linguística na aplicação do direito. Com base em análises sintáticas dos textos legais ou, na melhor das hipóteses, análises semânticas de conceitos jurídicos, a questão da interpretação jurídica era entendida como um problema de segurança e de previsibilidade na aplicação do direito.
Para além do desafio da segurança, a segunda metade do Século XX tornou problemática também a questão da legitimidade da decisão jurídica. Especialmente após juristas como Hans Kelsen e Hart, que identificaram existir uma inafastável margem de discricionariedade na interpretação, decorrente do problema geral da indeterminação da linguagem.
Em Ronald Dworkin, contudo, encontramos uma proposta que procura romper com essa tradição positivista, para enfrentar uma questão de mediação, de equilíbrio, de coerência entre segurança e legitimidade, entre uma concepção convencionalista do direito, voltada ao passado das leis, dos precedentes e demais convenções políticas; e outra concepção pragmatista, voltada ao futuro das consequências e dos efeitos colaterais da aplicação do direito.
Por meio de conceitos como integridade, coerência e moralidade política, a hermenêutica de Dworkin aponta para um caminho de superação do positivismo jurídico e sua conexão clássica aos textos jurídicos ou à norma jurídica.
Um sistema jurídico complexo, ao contrário de constituir mais possibilidades de interpretação contraditória, permite um grau de justificação mais convincente. Isso porque, um sistema jurídico complexo não se limita apenas a textos e conceitos jurídicos isolados. Ele edifica também princípios supra e transpositivos, capazes de fornecer fortes convicções a respeito da interpretação adequada para cada caso concreto.
A questão central dessa pesquisa está na possibilidade de se justificar adequadamente uma resposta correta no direito, superando o esquema de justificação lógica e formal dos positivismos jurídicos do Século XX, mediante uma compreensão hermenêutica dos princípios. Para tanto, objetiva-se analisar os critérios tradicionais da interpretação jurídica e o problema da discricionariedade no positivismo jurídico e a diferença entre moralidade particular e moralidade política no contexto do princípio da integridade do direito de Dworkin.
Para serem atingidos esses resultados, a presente pesquisa fará uma abordagem bibliográfica e analítica, utilizando-se das reflexões teóricas da hermenêutica política de Ronald Dworkin, especialmente em suas obras que tratam das questões de princípio e da integridade do direito.
2. OS MÉTODOS CLÁSSICOS DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
Sabemos que os pretores romanos já utilizavam, na época da República, conceitos dedicados à interpretação jurídica, tais como as máximas da Prudentia, Aeqvitas, Racio Legis e Occasio Legis. Muitos brocardos jurídicos da experiência romana também foram glosados e apresentados à modernidade sob o nome de princípios gerais do direito.
Uma das primeiras concepções modernas de interpretação jurídica pode ser encontrada na doutrina da Escola da Exegese, que surgiu na época pós revolução francesa, quando os ideais iluministas queriam por fim de uma vez por todas ao obscuro passado histórico da Idade Média.
Antes da revolução, havia um grande problema multijurisdicional. A comunidade era dividida entre estratos sociais distintos, os quais não se relacionavam juridicamente entre si; para cada estrato aplicava-se uma jurisdição e um direito costumeiro diferente.
Na tentativa de esquecer o passado, a Escola da Exegese trouxe o texto legal como única fonte do direito, ou seja, não se falava mais em costumes ou princípios morais da comunidade, o direito era a lei e a lei era o direito. Com isso, o problema da multijurisdicionalidade foi resolvido, pois a lei podia ser entendida por todos e difundida para todos (SIMIONI, 2014:32).
Entre os textos legais, o Code Civil era o mais importante, nele se encontrava uma sistematização de normas que abrangia todas as situações jurídicas possíveis, todo e qualquer direito encontrava-se no Code Civil e não havia possibilidade de haver alguma questão jurídica fora dele. Os magistrados tornaram-se meros aplicadores da lei, e julgar tornou-se uma função demasiadamente simples, pois não era necessário interpretar a lei, aliás, isso era reprovável.
A interpretação jurídica, nessa época, restringia-se à simples subsunção do fato à norma. Acreditava-se que todas as questões práticas poderiam obter uma resposta no Code Civil e para isso bastava uma análise lógica-dogmática do sentido gramatical de seus textos legais, sem considerar fatores subjetivos como a tradição daquela comunidade em que a lei estava sendo aplicada.
Ao judiciário cabia apenas a aplicação das leis e dessa forma, sua interpretação era vista como uma afronta à separação de poderes. No entanto, havia alguns raros casos em que surgiam dúvidas em relação à qual seria a dedução lógica correta da norma, e nessas situações ocorria uma segunda forma de interpretação, a chamada interpretação lógica, em que o juiz pesquisava a vontade do legislador ao editar a norma, fazendo uma dedução lógica do sentido da lei por ele editada.
A partir da extração do sentido da lei, através das pesquisas da vontade do legislador, voltava-se à interpretação gramatical (que também era lógica) aplicando-se aquele sentido ao fato concreto.
Com efeito, a decisão jurídica da Escola da Exegese seguia as linhas de simplicidade e dogmatismo da interpretação, trazendo uma alta pretensão de segurança jurídica.
Se houvesse casos de lacuna na lei, onde não era possível a subsunção ou silogismo lógico, era possível recorrer à analogia ou aos princípios gerais do direito. Na primeira hipótese chamada de analogia legis, ocorria a aplicação do texto de lei que previa uma situação parecida com a situação fática, e ainda se recorria aos princípios gerais, chamados de analogia iuris no caso de não encontrar no texto da lei nem mesmo uma situação similar ao caso concreto.
Se, porém, não houvesse espaço para a aplicação de nenhuma das analogias, a resposta do direito era a de que havia carência de ação, e a demanda era improcedente.
Depois da Escola da Exegese, veio a Escola Histórica do Direito, que tinha como fonte principal do direito, não a lei, mas os costumes, permitindo uma liberdade maior na interpretação jurídica. Seu método de interpretação se utilizava de cinco elementos: gramatical, lógico, sistemático, histórico e teleológico. Lembrando-se que seu objeto não era a lei, mas os textos jurídicos históricos.
“A interpretação gramatical é a exegese em sentido estrito” (SIMIONI, 2014:66), tem como objetivo extrair o sentido literal sintático do texto e tão somente isso, ainda que esteja fora do contexto histórico; não faz interpretações construtivas. Já o método lógico de interpretação, vai um pouco mais além, pois ao aplicar a lógica é possível fazer deduções e induções, o que não era possível na interpretação gramatical e com isso o sentido do texto jurídico é analisado e interpretado para ser aproveitado nos casos práticos existentes no momento da interpretação.
A interpretação sistemática pressupõe que ao interpretar uma norma jurídica ou mesmo um costume, deve-se observar o contexto da instituição em que ambos se inserem, ou seja, não basta analisar uma proposição jurídica isoladamente, ela deve ser interpretada de uma forma que se relacione com as outras proposições jurídicas do mesmo sistema.
Por sua vez, a interpretação histórica busca o conhecimento dos motivos que deram origem à proposição jurídica a ser interpretada, fazendo uma pesquisa histórica das razões da época em que ela nasceu.
Ao fazer tal pesquisa, descobre-se também a finalidade da norma ou do direito costumeiro, pois as razões que levaram à criação de uma proposição jurídica, nos mostram seu objetivo para o futuro, sua finalidade, e essa é a base de pesquisa da interpretação teleológica trazida por Jhering, descobrir qual o fim do direito. Assim, vemos que a interpretação histórica está ligada à uma interpretação teleológica, e da mesma forma, todos esses métodos de interpretação da Escola Histórica do Direito devem estar interligados.
3. A MOLDURA INTERPRETATIVA DO DIREITO E O PROBLEMA DA DISCRICIONARIEDADE
            Hans Kelsen, em seu livro “Teoria Pura do Direito”, foi um dos primeiros juristas a observar e reconhecer a problemática da discricionariedade da interpretação jurídica, decorrentes da indeterminação, intencional ou não, na linguagem do direito, que surge no momento da aplicação da norma jurídica (KELSEN, 2006:391).
Existe uma hierarquia entre as normas, como a da Constituição em relação à lei ordinária e da lei ordinária em relação à decisão jurídica. A norma de escalão inferior fica vinculada à norma hierarquicamente superior, porém esta não é capaz de vincular em todas as hipóteses, sempre é deixada uma margem para que o aplicador da norma use de livre apreciação para escolher qual sentido aplicará. Hans Kelsen chama essa margem de moldura do direito.
Essa variedade de sentidos de uma mesma norma ocorre através dos vários tipos de interpretações que podem ser usados. Por exemplo, a uma mesma norma pode ser aplicada tanto a interpretação gramatical quanto a interpretação histórica e em cada um dos métodos se extrairá um sentido diferente da norma. Com isso o aplicador tem a discricionariedade de escolher um deles.
O problema é que entre os vários sentidos extraídos através dos métodos de interpretação, não é possível distinguir aquele que seja o correto. Nas palavras de Hans Kelsen:
Todos os métodos de interpretação até ao presente elaborados conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto. Fixar-se na vontade presumida do legislador desprezando o teor verbal ou observar estritamente o teor verbal sem se importar com a vontade – quase sempre problemática – do legislador tem – do ponto de vista do Direito positivo – valor absolutamente igual (KELSEN: 2006:392).
Dessa forma, desde que a decisão jurídica tenha por justificação uma dessas possibilidades que estão dentro da moldura do direito, será uma decisão considerada correta.
Hans Kelsen ensina também que o aplicador do Direito pode encontrar indeterminações intencionais ou não intencionais presentes na norma hierarquicamente superior ao deduzi-la para a norma inferior.
As indeterminações intencionais pressupõem que esse foi exatamente o desejo do legislador ao editar a norma, fazer uma norma geral, ampla, delimitando apenas seus limites máximos e mínimos e deixando a cargo da norma individual, no caso concreto, estabelecer seus exatos limites. Essa forma possibilita com que a norma individual considere as peculiaridades de cada situação no contexto em que é aplicada, as quais a norma superior não poderia prever.
Já as indeterminações não intencionais ocorrem primeiramente pela pluralidade de significações que pode ter uma única palavra, nesse caso, aparece o problema de saber qual era a vontade do legislador dentre as várias significações possíveis. Em segundo plano existe a possibilidade de o aplicador da norma presumir que entre a expressão verbal e a vontade do legislador existe uma discrepância, ou seja, a expressão verbal utilizada não conseguiu transmitir a verdadeira intenção da autoridade legislativa, essa discrepância pode ser total ou parcial, neste ultimo caso a vontade do legislador corresponde a pelo menos uma das possíveis significações verbais da norma. Por fim, a indeterminação do ato jurídico pode ser também consequência do fato de haver, em uma mesma lei, normas de igual valor que se contradizem total ou parcialmente (KELSEN, 2006: 389-390).
Em todos esses casos a mesma situação ocorre quando se tratar da intenção das partes em um contrato jurídico, o qual também está sujeito às indeterminações intencionais e não intencionais do ato de aplicação de suas normas.
Afastando-se das concepções positivistas de interpretação jurídica, Dworkin pensa ser inadequada a afirmação de que, diante de casos não embasados pela legislação ou mesmo pelo direito costumeiro, o juiz teria o poder discricionário de criar direitos para as partes, pressupondo que, obrigatoriamente, elas teriam o direito preexistente de ganhar ou não a causa. Para Dworkin, o juiz estaria criando os chamados “new legal rights” e aplicando-os retroativamente ao caso concreto que se apresentara diante dele.
Pelo contrário, Dworkin entende que o juiz não pode criar direito retroativo via interpretação, mas sim encontrar quais são os direitos das partes mesmo diante de casos difíceis, onde aparentemente não há suporte legal. O que é inadequado é que ele crie novos direitos e os aplique às partes, pois não é função do juiz a de legislar.
Primeiramente, é importante fazer uma diferenciação entre argumentos de política e argumentos de princípio (fundamentos essenciais para uma justificação política). Os argumentos de política se destacam quando o objeto da decisão é algo benéfico à toda a comunidade enquanto os argumentos de princípio aparecem quando uma decisão política garante um direito à um indivíduo ou à uma minoria, como por exemplo a garantia de tratamento igual para aqueles que sofrem discriminação.
Uma coisa é argumentar justificando que alguém deve ter um direito, porque se trata de um objetivo político do governo ou da comunidade política democrática. Outra coisa é argumentar que alguém tem um direito, porque se trata de uma questão de princípio, quer dizer, porque se trata de uma questão de moralidade política (SIMIONI, 2014:343).
Diante disso, Dworkin defende a tese de que as decisões judiciais, tanto nos casos fáceis quanto nos difíceis, sempre deverão ser geradas por princípios, e não por políticas (DWORKIN, 2007a:132). Os argumentos de política são importantes, porém nas decisões jurídicas os juízes devem levar os direitos a sério, devem tratar o direito das pessoas como uma questão de princípio, e isso vai ser o diferencial da decisão judicial que deverá prevalecer sobre uma decisão meramente política.
Ora, as questões de princípio poderão ser opostas mesmo contra a vontade da maioria, pois é saudável para uma democracia que também sejam garantidos os direitos da minoria, simplesmente por uma questão de princípio, simplesmente por estarem eles garantidos pela Constituição.
Nesse sentido, também a hermenêutica filosófica de Lenio Streck:
(...) qual seria a validade de uma hermenêutica jurídica que admitisse “qualquer resposta”, enfim, de uma hermenêutica que admitisse, como Kelsen, que a interpretação judicial é um ato de vontade? Qual seria a utilidade de uma hermenêutica que admitisse até mesmo múltiplas respostas para um mesmo caso “concreto”? Qual seria a razão de ser de uma teoria hermenêutica que admitisse que o direito é aquilo que o “intérprete autorizado” diz que é¿ Sem medo de errar, nada mais, nada menos, isso seria retornar ao último princípio epocal da metafísica moderna: a vontade do poder (WillezurMacht). E, em consequência, estar-se-ia, a admitir um “grau zero na significação” e, consequentemente, um constante “estado de exceção hermenêutico”. A hermenêutica seria , pois, pré-linguística. Mas, já então, não seria mais “hermenêutica”!. Por isso, a necessidade de existir respostas corretas em Direito (STRECK, 2011:395).
Assim, diferente do pensamento positivista, onde uma decisão judicial pode ter mais de uma justificação que seja igualmente correta, aqui a decisão que fizer prevalecer os argumentos de princípio em relação aos argumentos de política, será a decisão considerada mais correta, isso porque principalmente nos casos difíceis, onde não há um direito claro, a decisão poderá conter ambos os argumentos.
Por fim, vale lembrar que observar as técnicas de decisão judicial não é uma garantia de que toda decisão será correta, mas sim de que isso reduzirá o número de erros, pois os juízes são falíveis e o que devem fazer é julgar com humildade nos casos difíceis.

4. CONVENCIONALISMO, PRAGMATISMO E O DIREITO COMO INTEGRIDADE
A noção de integridade do direito procura, dentre outras coisas, realizar uma mediação entre a corrente convencionalista do direito, da tradição de Hart (1997), e a corrente do pragmatismo jurídico, idealizada por Richard Posner (2010) e seus seguidores.
A primeira das três concepções de direito que Dworkin apresenta é o chamado convencionalismo. O convencionalismo afirma que o direito é o direito positivo, e não aquilo que os juízes pensam ser, cabendo a eles apenas aplicá-lo aos casos concretos da maneira em que está expresso, sem qualquer adequação (DWORKIN, 2007b:141).
Primeiramente, o convencionalismo ensina que o direito é tudo que está contido explicitamente em convenções políticas do passado, chamadas de convenções jurídicas. Assim, se uma convenção determina que o direito é o que está contido nas leis emanadas pelo Congresso, então os juízes deverão tomar como fonte de aplicação do direito, única e exclusivamente as tratadas leis.
Em segundo lugar, o convencionalismo reconhece que é impossível que as convenções jurídicas possam garantir que sempre exista um direito a ser aplicado, pois frequentemente surgem novos problemas que nunca foram decididos anteriormente (DWORKIN, 2007b:142). Quando um caso de lacuna é verificado, os juízes então poderão deixar de lado as convenções, porque elas não trariam nada que pudesse ser aproveitado ao caso concreto, e assim usariam da discricionariedade, criando um novo direito para fundamentar a decisão jurídica, sem a necessidade de coerência entre princípios.
Mas existe uma outra faceta dessa concepção, o chamado convencionalismo moderado,  o qual  não reconhece a possibilidade de lacuna na lei. Para sustentar essa posição, os convencionalistas moderados afirmam que sempre existe uma maneira correta, ainda que polêmica, de interpretar as convenções abstratas da legislação ou dos precedentes de uma forma que se extraia delas uma solução para qualquer novo problema que possa surgir (DWORKIN, 2007b:155).
Esse tipo de convencionalismo não impede que um juiz transfira para sua decisão jurídica suas próprias convicções morais e políticas, pelo contrário, é dessa forma que irá encontrar uma saída para combater a abstração das convenções. E é por isso que Dworkin entende que “é a versão estrita do convencionalismo que devemos pôr à prova como uma interpretação geral de nossa prática jurídica” (DWORKIN, 2007b:158).
O problema do convencionalismo se verifica porque - se nos casos de lacuna os juízes deveriam decidir da melhor maneira possível, criando um novo direito baseado em princípios de moral popular e com o pensamento de que daquela forma fariam as instituições autorizadas para tal – na prática, os juízes sempre recorrem às convenções, usando da analogia ou outros métodos de integração. Portanto, essa concepção do direito não satisfaz a primeira dimensão da interpretação, qual seja, a adequação, não se ajustando à prática do direito.
Além disso, Dworkin afirma que o valor de uma lei não está no fato de que anteriormente houve uma convenção política que assim determinou; seu valor emana de uma teoria política bem fundamentada. “Os paradigmas políticos influenciam a interpretação a despeito de convenções ou acordos entre os participantes” (SIMIONI, 2014:366).
Por fim, o convencionalismo também não satisfaz a segunda dimensão da interpretação, que é a dimensão da justificação, pois tendo como fundamento a ideia de segurança e previsibilidade, na prática dos casos difíceis acaba tendo que flexibilizar o direito para encontrar uma resposta justa.
Por outro lado, o pragmatismo também apresenta deficiências, trata-se de uma concepção mais cética do direito, onde, diferentemente do convencionalismo, acredita-se que as decisões jurídicas ou legislativas do passado não contribuem para a justiça de uma decisão atual.
Assim, para um pragmático, as decisões do passado não justificam a aplicação da coerção do Estado, quem justifica é a própria justiça, a eficiência ou outra virtude contemporânea da própria decisão coercitiva, não sendo necessário que esta tenha coerência com qualquer decisão do passado (DWORKIN, 2007b:185).
Os juízes sempre devem decidir com base no que é melhor para a sociedade como um todo naquele momento, olhando para o futuro, sem levar em conta o passado. É claro que os juízes irão divergir sobre qual decisão seria de fato melhor para a comunidade, pois poderão ter concepções diferentes do que é uma boa comunidade. O pragmatismo não oferece uma solução que aponte para a decisão correta dentre as diferentes noções de uma boa comunidade, mas diz que os juízes podem e devem decidir com base em suas próprias convicções, e que essa atitude é melhor do que qualquer programa que tenha obrigação de se fundamentar em decisões do passado (DWORKIN, 2007b:186).
Como já pode ser observado, o pragmatismo nega que as pessoas tenham quaisquer direitos, pelo menos até um juiz decidir que elas tenham. Porém, reconhece que os juízes deverão agir “como se” as pessoas tivessem direitos, pois de outra forma não haveria aceitação da sociedade.
Os juízes pragmáticos, então, tentarão usar uma estratégia que possa encontrar o equilíbrio entre a previsibilidade necessária para garantir a aplicação das leis e dos precedentes, e a flexibilidade necessária para aperfeiçoar o direito para o tempo atual. Para isso, os juízes poderiam incluir em suas listas de direitos “como se” alguns direitos previstos na legislação, porém nem todos, e da mesma forma, poderiam escolher algumas decisões do passado para se basear, porém não em todas, rejeitando a qualquer delas que pense não ser boa para o futuro da comunidade.
A despeito das aparentes dificuldades, Dworkin mostra que o pragmatismo é muito mais poderoso, como interpretação possível de nossas práticas atuais, do que o convencionalismo. De frente a uma sociedade complexa, onde os novos casos surpreendem as decisões jurídicas do passado ou as previsões das convenções jurídicas, o pragmatismo abre mão da segurança jurídica e da previsibilidade para garantir mais justiça e eficiência ao direito.
O pragmatismo é mais sensível a como os juízes decidem atualmente, e por isso se enquadra na dimensão da adequação. Porém mesmo com a vantagem da flexibilidade, o pragmatismo apresenta sérios problemas. Para Dworkin a justificativa de que as decisões jurídicas não devem tomar por base nenhuma lei ou decisão do passado não é convincente, pois permite ao juiz criar novas regras para uma comunidade baseado apenas em suas convicções subjetivas. O pragmatismo falha porque as decisões jurídicas deveriam se basear em princípios que dessem força e integridade ao direito, o que não ocorre, afastando com isso a dimensão da justificação.
Diante desse contexto, Dworkin trás uma terceira concepção do direito, o direito como integridade, que promete garantir o necessário equilíbrio entre a previsibilidade e a justiça, equilíbrio este que não pode ser alcançado nem com o convencionalismo, nem com o pragmatismo.
O direito como integridade exige que as decisões jurídicas tenham coerência com os direitos previstos nas convenções jurídicas do passado, porém não exige como o faz o convencionalismo, mas exige essa coerência por uma questão de igualdade entre os cidadãos (SIMIONI, 2014:369).
E ao contrário do convencionalismo, a fonte do direito não termina com as convenções jurídicas, pois o mais importante nessa concepção é que os juízes tomem por base princípios de moralidade particular e de moralidade política para formarem suas decisões, “pois somente as decisões que respeitam as convenções políticas e precedentes anteriores, mas que também saibam incorporar os princípios de moral pessoal e de moral política na sua justificação, são as decisões que podem ser chamadas de decisões corretas” (SIMIONI, 2014:370).
5. MORALIDADE PARTICULAR E MORALIDADE POLÍTICA
Dentre os princípios morais que formam o conjunto dos padrões de moralidade popular de uma comunidade, Dworkin traça uma distinção entre os princípios de moralidade particular e princípios de moralidade política.
Os princípios de moralidade particular tratam da moral pessoal, privada. É através da moral pessoal que um indivíduo espera das pessoas com quem convive uma conduta coerente. Isso não significa que todos devem se comportar da mesma maneira. A moral pessoal permite um grau de discordância, porém na medida em que o comportamento dos outros, sejam familiares, sejam vizinhos, tenham coerência.
Por exemplo, pessoas moralmente muito conservadoras sobre o aborto, segundo Dworkin, podem acreditar que abortar jamais seria uma opção moralmente admitida, mas que, ao mesmo tempo, reconhecem que a lei deveria deixar as mulheres livres para decidirem (DWORKIN, 2009:42).
Nesse sentido, conforme colocado por Simioni, “a “decepção” talvez seja a melhor palavra para designar um julgamento negativo de moral pessoal. Ficar decepcionado com a conduta de alguém é ver nessa conduta uma incoerência que abala a nossa moral pessoal.” (SIMIONI, 2014: 372)
Por sua vez, a moral política é uma moral pública. Da mesma maneira que a moral particular exige coerência nas atitudes dos outros, a moralidade política exige que o Estado e a comunidade ajam com coerência, ou seja, ajam segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo diante da divergência de opiniões dos cidadãos sobre questões políticas. Isso fará com que se estenda a todos, sem qualquer distinção, os mesmos padrões fundamentais de justiça e equidade usados para alguns.
Os princípios de moralidade política são hermeneuticamente superiores em relação aos princípios de moral pessoal, pois são uma unidade de direitos que toda a comunidade reconhece e aceita, ainda que abrindo mão de uma ou outra convicção pessoal.
Assim, a despeito das teorias clássicas da filosofia política reconhecerem como ideais políticos apenas a equidade, a justiça e o devido processo legal, Dworkin trás a moralidade política como mais um ideal, identificando-a como a quarta virtude do direito.
Nas palavras de Dworkin:

Essa exigência específica de moralidade política não se encontra, de fato, bem descrita no clichê de que devemos tratar os casos semelhantes da mesma maneira. Dou-lhe um título mais grandioso: é a virtude da integridade política (DWORKIN, 2007b:202).
6. A VIRTUDE DA INTEGRIDADE
A moralidade política, então, encontra um consenso entre as diversas convicções de moral pessoal, fazendo com que uma decisão política possa ter coerência para todos os cidadãos. Ela faz com que seja possível manter, de forma íntegra, as convicções pessoais, através de um ponto em comum. E é justamente esse ponto de vista em comum, alcançado através dos princípios de moralidade política que é a integridade.
Portanto, a integridade pressupõe respeito e dignidade, pois a única forma de se chegar a um consenso é respeitando as convicções pessoais dos outros. A integridade exige que as pessoas ajam de forma digna, íntegra e com respeito à unidade de princípios de moralidade política que regem toda a comunidade.
Dworkin coloca a integridade ao lado dos ideais de equidade, justiça e devido processo legal, sendo ela a virtude que irá fazer uma leitura moral do direito (DWORKIN, 2006:2). Com ela, os juízes e legisladores deverão estar comprometidos a fim de dar coerência tanto na criação, quanto na aplicação das leis.
Partindo dessa ideia, a integridade se divide em outros dois princípios práticos, o princípio da integridade na legislação e o princípio da integridade no julgamento. O primeiro exige que os legisladores, ao tratarem sobre determinado assunto, o façam observando aos princípios norteadores do direito, a fim de dar coerência às novas normas que estarão sendo criadas.
O princípio da integridade no julgamento, por sua vez, exige que os juízes decidam os casos levando em consideração os mesmos princípios acima tratados, ou seja, observando o direito como um todo e não apenas dando decisões distintas e aleatórias com total liberdade. Fazendo isso, as decisões terão coerência ainda que tratarem de assuntos totalmente diversos.
O direito como integridade, diferente do convencionalismo e do pragmatismo, mantém a coerência entre princípios apresentando um programa essencialmente interpretativo para os juízes decidirem os casos difíceis.
A interpretação deve partir do presente e voltar-se ao passado, não da forma como o faz o convencionalismo, mas apenas para encontrar a justificação da aplicação dos princípios jurídicos no passado. A decisão jurídica contemporânea deve ter coerência com os motivos que levaram um juiz a decidir o que é o direito em determinado caso do passado quando o assunto for o mesmo.
Dessa forma, um juiz que aplique o direito como integridade julgará levando em consideração o direito como um todo, sabendo estar a sua decisão dentro de uma cadeia que deve manter a coerência com o resto; julgará como se a sua decisão fosse uma continuação das decisões passadas e não como uma decisão aleatória e desconexa.
Para explicar essa coerência histórica que a integridade exige, Dworkin compara os juízes a um grupo de autores e críticos imbuídos a escrever um romance em cadeia. Cada romancista recebe um texto e deve acrescentar um capítulo dando continuidade ao mesmo, da melhor forma que puder encontrar. O segundo romancista dá continuidade ao que o primeiro escreveu; o terceiro faz a mesma coisa em relação ao que recebeu do segundo romancista e assim por diante.
Da mesma forma ocorre com os juízes, cada juiz que decide um caso difícil introduz acréscimos na tradição que interpreta e os futuros juízes que depararem com o caso, terá em mãos o trabalho dos juízes anteriores (DWORKIN, 2007:275). É dever dos novos juízes continuarem o trabalho, eles não podem simplesmente partir para uma nova direção, pelo contrário, devem se esforçar para interpretar a história que encontrarem da melhor maneira possível, fazendo parecer como se o romance fosse obra de um único autor.
Essa é uma tarefa difícil, pois exige que um juiz leia tudo que os juízes anteriores já escreveram e extraia dessa leitura a intenção geral de todos eles, para que, a partir daí, ele possa escolher a perspectiva que melhor se adéqua ao romance, e então começar a escrever. Para saber se a interpretação escolhida é a mais correta, é necessário submetê-la à prova, verificando se a decisão jurídica se enquadra nas duas dimensões da interpretação, qual seja, a dimensão da adequação e da justificação.
Na dimensão da adequação, o juiz deverá analisar se o rumo que está escolhendo não é extravagante ao ponto de tornar impossível que outros juízes também o escolham. “A decisão deve adotar uma interpretação que apreenda a maior parte do que já foi escrito do melhor modo possível” (SIMIONI, 2014:385), dando portanto continuidade ao projeto.
Não é necessário que todos os segmentos do texto estejam ajustados à sua interpretação, o juiz ainda estará qualificado se sua interpretação não se adequar à um elemento ou outro da trama, desde que ela flua pela maior parte do texto e desde que nenhum ponto importante seja ignorado.
Se um juiz tiver em mãos um texto no qual não consiga encontrar uma única interpretação que dê continuidade ao mesmo, deverá abandonar o projeto, pois qualquer decisão que tomar estará sendo cético em relação ao projeto (DWORKIN, 2007b: 278). O contrário também poderá ocorrer, se um juiz encontrar mais de uma interpretação que possa dar continuidade ao projeto, para saber qual deve ser a escolhida será necessário colocá-las à prova através da segunda dimensão, a da justificação.
A dimensão da justificação vai exigir que o juiz julgue qual das interpretações possíveis se ajusta melhor à obra como um todo e para isso será observado alguns critérios como a importância, o discernimento, o realismo ou a beleza de cada uma delas (DWORKIN, 2007b: 278). Se, ainda assim, mais de uma leitura se mostrar qualificada, por conter elementos essenciais, o juiz deverá optar por aquela que se adéque melhor, ou seja, aquela que outros juízes em seu lugar também escolheriam.
Uma leitura que tenha requisitos essenciais, mas que, à primeira vista já se mostra completamente inadequada, por se ajustar mal à obra, já deve ser desconsiderada, sendo desnecessária a análise de seu apelo essencial.
 Conforme pode ser observado, as considerações formais e estruturais que apareceram na primeira dimensão, também estão presentes na dimensão da justificação, fazendo com que a distinção entre elas seja mais superficial. É, na verdade, “um procedimento analítico útil que nos ajuda a dar estrutura à teoria funcional ou ao estilo de qualquer intérprete.” (DWORKIN, 2007b: 278)
Em conclusão, ao aplicar o direito como integridade, através do romance em cadeia, o juiz ficará livre da coerção semântica dos textos legais, porém deve observar sempre uma coerência para com o projeto, uma coerência com princípios de moralidade política, pois estes irão revelar o melhor valor do projeto.
7. A INTEGRIDADE EM DOIS CASOS BRASILEIROS
É certo que o Brasil, como um país que recebe influência do sistema civil law, tem uma tendência ao convencionalismo e seu estilo de interpretação jurídica mais conservador, voltado ao passado da lei, dos precedentes e das demais fontes formais de direito. Contudo é possível encontrar exemplares da jurisprudência brasileira que apontam para estilos de interpretação jurídica mais sofisticados, enfrentando não apenas questões de legalidade ou de norma, mas também questões de princípios em uma perspectiva mais hermenêutica.
Tomamos como exemplo a recente decisão do STF que entendeu que o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública realize obras ou reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais dos presos, como sua integridade física e moral.1
A questão teve controvérsia no sentido de saber se ao poder judiciário caberia intervir na Administração Pública, condenando-a em obrigação de fazer, em face do princípio da separação dos poderes.
De acordo com os ensinamentos de Dworkin, uma decisão correta é aquela que leva em consideração as convenções políticas do passado, mas que também incorpore os princípios de moralidade política na sua justificação.
No presente caso, a decisão do STF foi justificada no princípio da dignidade da pessoa humana, como argumenta o ministro Lewandowski:
A centralidade do valor da dignidade da pessoa humana em nosso sistema constitucional permite a intervenção judicial para que seu conteúdo mínimo seja assegurado aos jurisdicionados em qualquer situação em que estes se encontrem.
Basta lembrar, nesse sentido, que uma das garantias basilares para a efetivação dos direitos fundamentais é o princípio da inafastabilidade da jurisdição, abrigado no art. 5º, XXXV, de nossa Constituição, segundo o qual “a lei não subtrairá à apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito.2
Além do mais, a efetivação de um direito fundamental como o da dignidade da pessoa humana não exclui, de todo, o princípio da separação dos poderes, pois conforme preceitua o artigo 2º da nossa Constituição, os poderes, mais do que independentes, devem ser harmônicos entre si.
Assim, diante da situação de que a lei prevê o direito da dignidade da pessoa humana, mas não estabelece como ele deve ser garantido em relação aos presos, à luz dos ensinamentos de Dworkin, parece ser correta a decisão do STF ao condenar a Administração Pública em obrigação de fazer, pois foi baseada em um esforço de integridade e coerência na aplicação do conceito de dignidade a detentos.
Dessa forma, não se pode dizer que o ministro foi discricionário ao decidir um caso que não está previsto em lei, pois a sua decisão foi justificada por um princípio fundamental, que é base do nosso ordenamento jurídico. Ademais, pode-se dizer ainda que a decisão também foi coerente em relação ao “projeto” porque levou em consideração o direito como um todo.
A mesma coisa ocorre com as decisões que determinam ao governo o fornecimento de medicamentos considerados indispensáveis à saúde e a vida de determinada pessoa, como é o exemplo dessa decisão do STJ, que inclusive, faz referência a Dworkin:
Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como hard case (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio.3
Assim, se pudermos considerar que o direito à saúde e à vida, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana são princípios de moralidade política, as decisões acima estariam em linha de concordância com a pretensão da hermenêutica de Dworkin.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de Dworkin para compreender os casos difíceis pressupõe que os integrantes de uma comunidade entrem em um acordo a respeito de uma unidade de princípios que satisfaça as convicções políticas da comunidade, chamada de moralidade política.
Uma decisão correta é mais do que tratar os casos semelhantes de maneira semelhante, é mais do que assegurar o devido processo legal e é mais do que a justiça em si. Ao lado dessas virtudes, a moralidade política é o que dá legitimidade às decisões. Assim, para que uma decisão seja considerada correta, não deve ser baseada apenas nas convenções políticas do passado, ou nos ideais de justiça e eficiência do direito como futuro: ela deve ser justificada em princípios de moralidade política.
A integridade do direito, trazida como uma concepção que supera o convencionalismo e o pragmatismo é justamente uma atitude interpretativa do direito coerente com os princípios de moralidade política da comunidade (SIMIONI, 2014:401). Só assim o juiz estará levando os direitos a sério.
A exigência dessa justificação das decisões em princípios de moralidade política foi criada para combater a discricionariedade. Dworkin anseia uma postura antidiscricionária dos juízes e por isso tenta levar o direito a um patamar interpretativo. Interpretação essa que levará à melhor decisão, à decisão correta, não sendo permitido qualquer resposta discricionária. Assim, os juízes devem abrir mão de suas convicções pessoais, devem suspender seus pré-juizos e demonstrar por que a interpretação escolhida é a melhor para aquele caso.
            A aplicação desse modelo de decisão jurídica, contudo, não é tão simples como parece. Existem inúmeras críticas à teoria de Dworkin que apontam para uma subjetividade exagerada do intérprete, ou mesmo a dificuldade de apontar um princípio como sendo um princípio de moralidade política, uma vez que vivemos em um mundo fragmentado moralmente. Assim, “há um solipsismo que constitui, talvez, uma das mais importantes fragilidades dessa concepção” (SIMIONI, 2014:401).
Isso porque essa concepção exige um trabalho “hercúleo” dos juízes, no sentido de não medir esforços para encontrar a melhor interpretação, o que leva a um excesso de idealismo que pode tornar impossível de se realizar, na prática.
Princípios de moralidade política podem ser opostos até mesmo contra as vontades das maiorias ou contra políticas públicas de governo. E se considerarmos que os princípios de moralidade política são, para nós, os princípios fundamentais previstos expressamente ou não na Constituição Federal, então as decisões jurídicas comprometidas com a afirmação dos direitos fundamentais, acima de qualquer coisa, serão as decisões carregadas de legitimidade, que observam a necessária integridade do direito, para que eles sejam levados à sério.
 9. REFERÊNCIAS
BRASIL. (2008): Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. José Delgado, REsp 200701011236/ SP.
______. Conselho Nacional de Justiça. (2015): Judiciário pode impor realização de obras em presídios, decide STF. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80153-judiciario-pode-impor-realiza%C3%A7%C3%A3o-de-obras-em- presidios-decide-sft. Consultado em 17/09/2015 às 13:46.   
DWORKIN, Ronald. (2006): “O direito da liberdade: A leitura moral da constituição norte-americana”. Editora Martins Fontes, São Paulo.

______. (2007a): “Levando os direitos a sério”. Trad. Nelson Boeira. 2. ed. Editora Martins Fontes, São Paulo.

______. (2007b): “O império do direito”. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. Editora Martins Fontes, São Paulo.

______. (2009): “Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais”. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. Editora Martins Fontes, São Paulo.

HART, H. L. A. (1997): “The concept of Law”. 2.ed. Oxford University Press, Oxford.

KELSEN, Hans. (2006):  “Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. Editora Martins Fontes, São Paulo.
POSNER, Richard A. (2010): “Direito, pragmatismo e democracia”. Trad. Teresa Dias Carneiro; rev. téc. Francisco Bilac M. Pinto Filho. Editora Forense, Rio de Janeiro.
SIMIONI, Rafael Lazzarotto.(2014): “Curso de hermenêutica jurídica contemporânea: do positivismo clássico ao pós-positivismo jurídico”. Editora Juruá, Curitiba.

STRECK, Lênio Luiz.(2011): “Hermenêutica Jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do direito”. 10. Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre.

1 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias /cnj/80153-judiciario-pode-impor-realiza%C3%A7%C3%A3ode-obras-em-presidios-decide-sft. Acesso em: 

2   Idem, Ibidem.

3 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. José Delgado, REsp 200701011236/SP, 2008. O inteiro teor da aludida jurisprudência pode ser encontrado como documento anexo no final do trabalho.


Recibido: 05/11/2015 Aceptado: 18/01/2016 Publicado: Enero de 2016

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