Vera Lucia da Silva
Advogada assistente na Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina, Brasil
veralucia@pge.sc.gov.brResumo
O presente artigo tem por objetivo questionar os termos e a existência do debate contemporâneo sobre Justiça na Filosofia do Direito. Para tanto, foram apresentadas duas diferentes interpretações atuais sobre o conceito de Justiça – justiça equitativa ou substantiva e justiça procedimental. Cada qual dessas vertentes tem seus próprios pressupostos teóricos e se pretendem divergentes. A questão é verificar se de fato há alguma oposição entre essas vertentes teóricas. Cabe discutir se a presença de elementos metafísicos na fundamentação dessas teorias autoriza deduzir um esvaziamento político do conceito de justiça. Nesse caso, o debate sobre Justiça na Filosofia do Direito sucumbiu à harmonização das soluções aceitas, sendo somente viável a discussão dos pressupostos considerados e avaliados por cada teoria.
Palavras-chave: Teorias de justiça, justiça equitativa, justiça procedimental.
Contemporary tendencies of debate about Justice in the Philosophy of Law
Abstract
This paper discusses the bases and the terms of contemporary debate on Justice in the Philosophy of Law. Thus it presents two different current interpretations of the concept of justice – justice as fairness and procedural justice. Each of these strands has it own theoretical assumptions witch is intended to be opposite. The question is if in fact there is any conflict between these theoretical perspectives. It is necessary to discuss whether the presence of metaphysical elements in the reasoning of these theories allows us to deduce an emptying the political strand of the concept of justice. In that case, the debate on Justice in Philosophy of Law succumbed to the harmonization of accepted solutions by these theories. In this way, it’s just viable only discuss of the assumptions used and evaluated by each theory.
Key words: Theories of justice; justice as fairness; procedural justice.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Vera Lucia da Silva (2016): “Tendências contemporâneas do debate sobre justiça na filosofia do direito”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/direito.html
Introdução
É muito comum o emprego da palavra justiça em contextos diversos, o que revela sua polissemia. Mas todas as acepções podem ser subdivididas em duas categorias: a) justiça como a ordem das relações humanas ou b) a conduta de quem se ajusta a essa ordem. No primeiro sentido, trata-se das normas e no segundo, do julgamento das condutas individuais. Ou seja, enquanto as concepções de justiça no primeiro sentido tem por objeto as leis, no segundo o objeto são os comportamentos de cada um.
A justiça, enquanto ordem normativa, estabelece os limites do que pode ser aceito como moral. Como a moral é uma ordem normativa variável histórica e tradicionalmente, os conteúdos da definição de justiça também são relativos. O problema é que essa relatividade do conceito justiça permite diferentes orientações para decisões práticas, inclusive nas que determinam o funcionamento das instituições públicas. Na verdade, em uma discussão, todas as partes se autoconsideram justas e julgam seu ponto de vista mais acertado que o do oponente. A questão da filosofia do direito é formular padrões para o reconhecimento do que é justo no espaço público.
Por isso os juristas não podem evitar a discussão sobre justiça, do mesmo modo como não conseguem ignorar o problema da moral. Isso porque o direito, como ordem normativa prescritiva de condutas humanas, é dependente de noções práticas que escapam ao ordenamento jurídico. Ora, é plenamente possível discutir o direito no campo da teoria formal do ordenamento, em termos de validade e vigência. Mas a aplicação prática das normas tem o sentido de orientar a ação humana. Por isso, a aplicação do Direito acarreta inevitavelmente a discussão de conteúdos externos ao ordenamento, típicos da discussão filosófica. Os conceitos de moral, bem e justiça fundamentam a aplicação concreta de uma norma, conferindo eficácia e aceitabilidade às decisões jurídicas. Nesse sentido, a definição de justiça acaba por ser um problema corrente na filosofia do direito.
Dentre as muitas teorias sobre a justiça, destacam-se algumas que oferecem fundamentos às decisões práticas no direito contemporaneamente. São teorias que se apresentam como divergentes e que, sob determinados aspectos, se sobrepõem umas às outras. Todas são igualmente importantes, sem um padrão de correção absoluto. É importante traçar um panorama geral sobre tais teorias sobre a justiça, a fim de reconhecê-las na aplicação concreta do direito. E, mais que isso, perceber até que ponto essas duas vertentes apresentadas – justiça equitativa e procedimental – são realmente alternativas. Ou se, ao contrário disso, tais tendências teóricas representam a perpetuação do modelo de justificação metafísico (e, portanto, não público) de justiça.
Justiça Equitativa
Se a justiça equivale a seguir a uma ordem das relações humanas, é necessário seguir as leis que garantem essa ordem. É do pensamento de Aristóteles que as leis têm uma imperfeição inevitável e original por serem gerais, aplicáveis a todos os casos similares (ARISTÓTELES, 2005, p.273). Ou seja, não há uma lei que descreva cada caso concreto perfeitamente - as leis são aplicadas por similaridade de um caso a outro. Em determinados casos práticos, a similaridade dos fatos simplifica o processo de aplicação da lei. Mas há muitos casos em que identificar uma lei aplicável é atividade bastante complexa, seja pela existência de duas normas aplicáveis, seja pela ausência de lei.
Para superar as dificuldades da aplicação da lei, visando à garantia da ordem, Aristóteles formula o conceito de equidade. Segundo o filósofo, a justiça é a própria equidade: ou seja, em casos similares, são válidas as mesmas regras. Esse é o princípio corretivo para a aplicação das normas ao caso concreto. É por isso que, para Aristóteles, a equidade é válida como regra de justiça na aplicação de normas morais ou jurídicas às condutas humanas (ARISTÓTELES, 1996, p.215).
Em sentido similar, Kant apresentou a equidade como um princípio de justiça. Como princípio de justiça (e, portanto, moral), a equidade vincula somente a aplicação das leis morais. As normas jurídicas não são sujeitas à justiça, e, portanto, à equidade.
Veja: o agir moral é sempre motivado pelo dever (pelo próprio imperativo categórico) e não por qualquer outro elemento externo. O que significa que a conduta moral é aquela orientada pela lei moral racional formulada pelo imperativo categórico, e nunca por outro motivo (KANT, 1964). Por isso, a ética kantiana é também conhecida como absoluta, pois o imperativo jamais pode ser esquecido ou relativizado.
Já as normas jurídicas são comandos que motivam ações não pelo imperativo categórico, mas pela coação. Assim, o Direito e suas normas não pertencem ao campo da moralidade; sua relação com a moral é de complementaridade (KANT, 1993, p. 32). Os conteúdos das normas jurídicas são os mesmos das normas morais, mas a forma de estabelecer a obrigação é diferente. O direito obriga pelo temor da coação; a moral, pelo dever.
Seguindo o raciocínio kantiano, John Rawls resgatou a noção de justiça como equidade, mas no sentido político e não moral. Ou seja, há um conceito de justo para as relações morais e outro que orienta o funcionamento das instituições fundamentais da estrutura básica da sociedade. Dentre essas instituições, o direito. Assim, a justiça política, válida para o ambiente público, tem conteúdos independentes de normas morais. Ou seja, a justiça não é somente uma característica moral individual, mas também um critério de julgamento público de decisões políticas e institucionais.
Para Rawls, a justiça em sua concepção política é representada por dois princípios. O primeiro princípio é o da liberdade. Só há justiça quando as instituições políticas respeitam as liberdades básicas dos indivíduos. As liberdades básicas compreendem as liberdades civis (pensamento, crença, propriedade privada) e políticas. O segundo princípio é o da igualdade. Só é possível a justiça se, além das liberdades, são asseguradas condições equitativas de acesso às oportunidades e se as desigualdades existentes sejam vantajosas para os sujeitos em pior situação na sociedade. A formulação dos princípios de justiça, segundo a concepção política, é:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais para que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para as outras;
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (RAWLS, 1993, p. 64)
A justiça como equidade, no sentido conferido por John Rawls, garante que as desigualdades sejam justificadas pelo maior benefício aos sujeitos em pior situação. É bom recordar que a ética rawlsiana é não-consequencialista - ou seja, a justiça não corresponde a um cálculo de bens. Assim, as desigualdades só podem obedecer a um esquema em que beneficie o menos favorecido, sem o cálculo utilitarista do que seria o maior bem social.
Essa concepção de justiça é efetivada por políticas corretivas e medidas de justiça distributiva, sem interferir nas liberdades básicas. Por isso, muitos autores que discutem ações afirmativas utilizam a teoria rawlsiana. Ora, essa teoria afirma que é possível uma sociedade respeitar as liberdades individuais e promover condições equitativas de acesso aos cargos (RAWLS, 2000, p.64). Por condições equitativas pode-se compreender que os cargos estarão igualmente à disposição dos membros da sociedade. Entretanto, as condições precisam ser equitativas, ou seja, que duas pessoas possam ter como ponto de partida situações similares. Portanto, a justiça equitativa é bom fundamento teórico para as políticas corretivas atuais (como sistema de cotas no acesso ao ensino superior público no Brasil).
Ademais, as desigualdades estabelecidas institucionalmente são justificáveis quando são mais benéficas aos menos privilegiados no arranjo social. Longe do utilitarismo, que tem como objeto o incremento do bem-estar social desvinculado com a sua distribuição, o princípio da igualdade de Rawls comporta a regra da diferença. Assim, desigualdades podem ser estabelecidas e estar em equilíbrio com as liberdades básicas de todos.
No entanto, nem todas as desigualdades podem ser justificadas. As desigualdades estabelecidas institucionalmente só podem ser consideradas justas quando beneficiarem os menos privilegiados. Por isso, a justiça equitativa necessita de membros de uma sociedade que sejam capazes de concordar com esses dois princípios, especialmente com o princípio da diferença. Isso porque tal princípio estabelece o tratamento institucional diferente para o benefício dos desfavorecidos, o que parece atentar contra o princípio da igual liberdade. Nos termos de Rawls, as capacidades morais da racionalidade e da razoabilidade garantem que, em uma posição de profunda igualdade, os membros de uma sociedade consigam atingir os dois princípios de justiça. E, a necessidade dessa subjetividade moral específica revela a dependência da justiça equitativa em relação a uma concepção metafísica de pessoa.
Por mais que, no esforço de sustentar que sua concepção de pessoa seja política, e não metafísica, Rawls não conseguiu afastar a crítica do uso de noções abstratas (RAWLS, 2003, p.78). Ora, a concepção de pessoa moral é imprescindível ao esquema de consenso sobre os princípios de justiça. Especialmente o segundo princípio. Isso porque não é necessariamente racional a escolha do princípio da diferença. É muito possível que sejam acordados outros princípios de justiça, inclusive que não determinem a redistribuição dos bens e das vantagens. E, mesmo assim, os membros da sociedade continuem a ser motivados pela racionalidade. Ou seja, não é derivado da racionalidade universal um esquema de cooperação social fraterno, com bases distributivas. Um arranjo institucional pode ser indiferente à distribuição social dos bens, e ao mesmo tempo duradouro e efetivo, com bases racionais.
É importante ainda destacar as diferenças da concepção da justiça como equidade em relação a outras teorias kantianas. Enquanto John Rawls define conteúdos mínimos dos princípios de justiça, Kant não apresenta conteúdos - só a formulação do imperativo categórico formal. Essa categorização divide contemporaneamente as teorias éticas derivadas da tradição kantiana. Se, por um lado, há autores que definem os conteúdos mínimos de justiça, por outro há teorias que não os definem, defendendo unicamente o procedimento para a sociedade atingir tais conteúdos.
De mais a mais, a teoria de justiça kantiana não se ocupa do debate institucional. A justiça, por seu conteúdo moral, é categoria que só tem sentido na avaliação moral de condutas humanas. Já para Rawls a justiça equitativa deve orientar o funcionamento institucional, liberando os indivíduos da análise de justiça de suas ações. Por isso a justiça no pensamento kantiano é moral, e, em Rawls, política. Aliás, as definições de justiça para o funcionamento institucional caracterizam o debate contemporâneo e influenciam sobremaneira o Direito público.
Essa divergência teórica originou o recente debate entre modelos contemporâneos de justiça substantiva e procedimental. A justiça substantiva parte de conteúdos mínimos (como os princípios de Rawls, por exemplo) para a legítima atuação institucional. Por outro lado, o procedimentalismo não defende um rol mínimo de conteúdos, ou a defesa desses conteúdos não é o mais relevante. Pelo modelo procedimental de justiça, esta se realiza na garantia de um procedimento racional e democrático de formulação dos princípios de justiça.
Ambas formulações de justiça são normativas, ou seja, pautadas em princípios. Mas enquanto a justiça substantiva determina conteúdos mínimos do que é o justo, a justiça procedimental determina o método de discussão e construção desses conteúdos. Se, por um lado, a justiça substantiva assegura determinados direitos como pressupostos, a justiça procedimental assegura direitos necessários ao debate democrático e, os demais, estão sob discussão. Segue maior esclarecimento sobre esse debate contemporâneo.
As discussões sobre o conteúdo do justo pelas éticas deontológicas permitiram não somente o questionamento da adequação desses conteúdos, mas inclusive se tal definição é necessária e mesmo possível. Tendo em vista que o debate sobre justiça transcende a moral individual e situa-se no campo político, é preciso considerar que o sentido de justiça sofre grande mudança. Ora, se a definição de justiça moral dependia do reconhecimento individual de uma lei universal e racional de ação, a justiça política depende do reconhecimento público dos mesmos preceitos pelos membros de uma sociedade.
Para as teorias procedimentalistas, o ponto de partida para a definição de justiça no sentido político é o processo de escolha dos princípios de justiça. Ou seja, para determinar os princípios e os conteúdos da justiça é necessário seguir um procedimento ideal. Conforme diferentes processos de escolha, serão diversos os princípios e os conteúdos do que é justo. Por esse raciocínio, a justiça não tem conteúdo a priori; seus elementos são definidos ao fim de um processo deliberativo baseado no uso da linguagem (HABERMAS, 1987).
Os autores vinculados a esse campo teórico usualmente partem da teoria da linguagem para avaliar os processos de escolha dos princípios de justiça. Isso porque esses conteúdos são necessariamente linguísticos e o procedimento de escolha também só é possível pela linguagem. Assim, o uso da linguagem é a base da justiça procedimentalista. Ou seja, os usos sociais, as diferentes competências e as condições de acesso aos debates sobre justiça condicionam seus conteúdos (HABERMAS, 1997).
Dentre os autores procedimentalistas, pode-se referenciar Habermas. Sua obra Direito e Democracia foi paradigmática na aplicação da justiça procedimental ao Direito. A justiça depende de condições de produção normativa que respeitem os limites democráticos. Ou seja, a definição do justo depende da deliberação dos agentes em um contexto de linguagem, cujo único limite são as suas próprias condições. A democracia é convertida em princípio e possibilita a prática discursiva na determinação dos conteúdos da justiça.
Assim, as regras da democracia precedem a determinação dos princípios e conteúdos de justiça. Tanto quanto mais respeitadas as liberdades democráticas, maior será a legitimação dos conteúdos da justiça. E, como a justiça (tanto quanto a moral) carece de força coercitiva, o Direito a complementa, oferecendo sua força à realização dos conteúdos de justiça democraticamente determinados (HABERMAS, 1997, p. 68). O único limite às escolhas democráticas é a própria democracia.
Para alguns, o procedimentalismo, ao momento em que liberta a teoria do direito de problemas morais, pode acarretar problemas com a falta de limite material. Ou seja, a crítica comumente feita é que o direito e a justiça podem ter qualquer conteúdo, inclusive afrontar os direitos fundamentais garantidos.
Por outro lado, a aposta metafísica na fundamentação dos princípios de justiça não foi eliminada. As teorias procedimentais de justiça pressupõem que um procedimento democrático pode concorrer para a formulação de princípios políticos que respeitem as liberdades básicas de forma igual. Esse é um pressuposto dependente de uma noção de sujeito democrático, uma versão do sujeito racional e razoável de Rawls.
Sucintamente, procedimentalistas e substancialistas são vertentes éticas cujo o objeto são as instituições políticas. Os teóricos da procedimentalistas acreditam que as regras do jogo de escolha dos princípios de justiça asseguram a legitimação desses princípios. Já as teorias substancialistas estabelecem limites morais e jurídicos aos processos de reconhecimento do que é justo. As condições de conhecimento desses limites (os membros da sociedade) são pressupostos extremamente racionalistas e metafísicos dessas doutrinas de justiça.
É importante saber que as duas espécies teóricas são parte do debate contemporâneo sobre o Direito. Especialmente sobre os limites normativos da ordem jurídica. O estudo do direito constitucional frequentemente remete à discussão sobre os limites da democracia. Pode a decisão democrática reformular os direitos fundamentais? Qual o valor dos direitos fundamentais na ordem jurídica? Todas essas discussões são permeadas por argumentos substancialistas - os direitos fundamentais como base da justiça - e procedimentalistas - a democracia como justiça.
Do questionamento das bases metafísicas deontológicas comuns à justiça equitativa e procedimental, resta saber até que ponto são essas noções efetivamente políticas. A fundamentação dependente em relação a conceitos metafísicos faz com que ambas teorias de justiça sejam exigentes em sentido moral. E, por isso, insuficientes em uma sociedade democrática, que respeite as liberdades de comportamento, crença e de opinião.
O vínculo com preceitos morais no uso da linguagem faz com que a justiça procedimental dependa de um sujeito sincero, igualitário e desinteressado no ambiente político. As decisões seriam sempre racionais e não auto-interessadas. Os sujeitos não são egoístas e usam a linguagem com intenções sinceras de acordo.
A questão é que para respeitar o princípio da democracia, pressupõem-se não somente o uso da linguagem, mas a igual consideração entre os membros da sociedade. Essa igual consideração envolve a indiferença em relação às desigualdades sociais, econômicas e políticas. Acontece que a prática democrática não é e nem pode ser indiferente ao status dos membros da sociedade. Além disso, os jogos democráticos não tem qualquer dever de sinceridade ou coerência. Os agentes têm seus próprios interesses. Sem isso, nem mesmo é possível a existência de um ambiente comunicativo. A questão é o quanto tais interesses motivam a escolha dos princípios de justiça. E mais, o quanto o debate democrático é eficiente em evitar a fundamentação do funcionamento institucional sobre premissas morais.
Conclusão
O debate contemporâneo sobre justiça na Filosofia do Direito é permeado por muitas vertentes teóricas. Duas dessas teorias deontológicas, a justiça equitativa de Rawls e o procedimentalismo habermasiano, foram brevemente analisadas. Ambas apresentam pressupostos distintos, de maneira não somente a superar o consequencialismo, assim como uma à outra.
Se a justiça equitativa rawlsiana fundamenta dois princípios de justiça na concepção política de pessoa, a justiça procedimental estabelece procedimento e limite de escolha dos princípios. Ambas comungam a herança da moral kantiana e enfrentam o problema das sociedades liberais contemporâneas – a falta de um fundamento moral único.
Dado esse fato do pluralismo nas sociedades contemporâneas, resta atingir princípios de justiça que possam ser aceitos e acordados por uma diversidade de grupos. Enquanto a justiça procedimental determina o princípio da democracia numa ação comunicativa, a justiça equitativa estabelece princípios da liberdade e da diferença.
Ocorre que as duas tendências teóricas do debate são tributárias de noções metafísicas e morais. Dessa forma, o problema da fundamentação moral das instituições sociais retorna, assegurando um modo de vida específico.
Nesse sentido, são dois os problemas. O primeiro deles é que o recurso a elementos metafísicos acarretam a exclusão de modos de vida incompatíveis com o ideário moral das instituições. Há uma espécie de controle prévio, com a exclusão de certos comportamentos morais, seja por falta de racionalidade, razoabilidade ou ainda de disposição comunicativa sincera. O segundo problema é que o debate institucional é limitado e esvaziado do seu sentido político. O enfrentamento típico das democracias liberais é justamente a possibilidade do debate e do confronto. Com vínculos metafísicos em seu fundamento, nem a justiça equitativa e nem a justiça procedimental permitem a realização da atividade política.
Considerado esse estado do debate contemporâneo sobre justiça, é possível compreender o esvaziamento do sentido político dessa categoria. Em verdade, ambas teorias, com aporte metafísico, estabelecem um padrão teórico no qual o debate está não nos pressupostos morais dos sujeitos políticos e nem nas atribuições institucionais em uma sociedade democrática. Tudo isso está consolidado, restando discutir somente a forma de recorrer às teorias morais como fundamento.
Referências Bibliográficas
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