Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E O DESVELAR DO CUSTO DE PRODUÇÃO NO COTIDIANO DE PESCA NO ECOSSISTEMA MANGUEZAL

Autores e infomación del artículo

Patrick Heleno dos Santos Passos (CV)

Suezilde da Conceição Amaral Ribeiro

Mário Médice Costa Barbosa

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil

ckpassos@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso da comunidade pesqueira do município de São João da Ponta quanto aos aspectos sociais, econômicos e produtivos para revelar um cenário diferenciado dentro da cadeia produtiva do caranguejo e demonstrar que o custo de produção é elemento central invisível para os pescadores que desconhecem esse elemento na composição do preço final de venda do caranguejo ao mercado. Fato que corrobora para a precarização do trabalho e a exploração do pescador artesanal de caranguejo.

Palavras Chave: Custo de produção, Cadeia de valor, Trabalho (in)decente, pescador de caranguejo. Precarização do trabalho na pesca.

Abstract: This paper aims to conduct a case study of the fishing community in the municipality of São João da Ponta as the social, economic and productive to reveal a different setting within the productive crab chain and demonstrate that the cost of production is invisible central element for fishermen who are unaware of this element in the composition of the end of the crab to the market selling price. This fact confirms the precariousness of work and the exploitation of artisanal fisherman crab.

Keywords: Production cost, value chain, working (in) decent crab fisherman. Casualization of labor in fishing.

Resumen: Este trabajo tiene como objetivo realizar un estudio de caso de la comunidad de pescadores en el municipio de São João da Ponta como el social, económico y productivo para revelar un entorno diferente dentro de la cadena productiva de cangrejo y demostrar que el costo de producción es elemento central invisible para los pescadores que no son conscientes de este elemento en la composición de la final del cangrejo al precio de venta del mercado. Este hecho confirma la precariedad del trabajo y la explotación de cangrejo pescador artesanal.

Palabras clave: Costo de producción, la cadena de valor, Trabajando (en) pescador de cangrejos decente. Precarización del trabajo en la pesca.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Patrick Heleno dos Santos Passos, Suezilde da Conceição Amaral Ribeiro y Mário Médice Costa Barbosa (2016): “Ensaio sobre a cegueira: aspectos socioeconômicos e o desvelar do custo de produção no cotidiano de pesca no ecossistema manguezal”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/cegueira.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-cegueira


INTRODUÇÃO

O manguezal representa o local de alimentação, dormitório e abrigo para muitas espécies, as aves comuns nesse ecossistema garças brancas (pequenas e grandes), garça morena, maçaricos (pequenos e grandes), guará, maguaris, gaviões e ariramba também chamado “Martim pescador”, gaivotas e patos mergulhão, dentre outras (Schories, Zechlin e Jansen in Schories e Gorayeb, 2001; Vergara e Silva, 2001; Rodrigues, 2005; Lima e Siciliano, 2008). A riqueza de crustáceos como camarões, siris e caranguejos. A população residente as proximidades desse ecossistema, possui dependência direta.
Do manguezal, essa população não apenas pescam o caranguejo, que é sua principal atividade, como também extraem outros recursos animais como: peixes, camarões, siris, etc., e vegetais: como o mangue branco, o mangue vermelho, tinteiro, siriúba, que são utilizados como lenha, para construção de casas, cercas, alimentação, fins medicinais, produção de apetrechos de pesca, confecção de embarcações e elementos diversos da cultura loca. Exemplo são diversos como os currais de beira de rio, os matapis confeccionados da fibra de buriti, usados para pesca do camarão, a confecção de cestos como o cofo, a pera, os paneiros, as rasas de fibras, usados na embalagem do caranguejo, camarão, açaí e outras frutas. A confecção de muitos desses artefatos, de forma manual, demonstra parte da identidade dessas populações tradicionais que se expressa por meio do trabalho e da produção.
As populações locais, residentes na região nordeste do Pará, possuem forte ligação com o manguezal, algumas comunidades pesqueiras estão assentadas dentro da área de mangue ou em seu entorno, os pescadores e seus familiares que ali residem, conhecem de perto as dinâmicas das marés, bem como a influência da lua sobre as águas dos rios e igarapés, além do conhecimento apurado sobre as vegetações internas desse ecossistema, assim como a melhor forma de uso das mesmas para fins culinários, fármacos e medicinais.
Caranguejos e peixes são de grande importância comercial para a maioria das pessoas na área rural costeira, enquanto um leque de outros produtos serve como fonte de sazonal de renda financeira para um grupo menor de domicílios rurais. Um terceiro grupo de produtos de subsistência tem um papel claro e importante no alívio da pobreza, mas nenhuma função comercial na economia local. Porém, assume uma função central na manutenção dos meios de sustento para as populações rurais tradicionalmente mais pobres e “sem voz”, sendo que a maioria são mulheres e crianças – as pessoas que mais correm risco de ser marginalizadas no desenvolvimento de políticas de manejo (JACKSON, 1994).
Nos últimos anos as populações tradicionais do nordeste paraense, residentes em resexs vêm se posicionando de forma clara nos eventos acadêmicos, governamentais ou não governamentais, sobre o uso e controle do território pesqueiro, seus recursos naturais e a corresponsabilidade entre aqueles que habitam e os governos municipais, estaduais e o federal para cuidar e salvaguardar área estratégica e que representam a biodiversidade amazônica e brasileira.
Nesse aspecto vem ocorrendo dentro das doze resexs paraenses movimento de apoio e valorização entre os pescadores de caranguejo, no sentido de lutar por acesso a direitos civis e políticos. Bem como, demonstrar a importância do manguezal e do caranguejo como principal recurso pescado e que auxilia no desenvolvimento econômico local, na ocupação de grande quantitativo de famílias envolvidas ao longo da cadeia produtiva e pela elevada produção diária de cada um dos 12 municípios que possuem em seu território as reservas extrativistas marinhas.
Apesar da luta histórica por direitos, por acesso a políticas sociais e por melhora estruturais nas comunidades pesqueiras, o que melhoraria a qualidade de vida desses sujeitos, os tiradores de caranguejo ainda são percebidos como grupos economicamente marginais, extremamente pobres e pouco reconhecidos entre os pescadores artesanais (Alves e Nishida 2003). Além disso, a falta de censo estatístico sobre essa cadeia produtiva proporciona instabilidade jurídica e faz com os governos planejem suas ações baseados em estimativas defasadas e que não corresponde a realidade social.
O cenário de negação de direitos sociais, dificuldade na regularização dos trabalhadores perante os órgãos competentes, os riscos e agravos à saúde contribuem para o processo de invisibilidade social desse grupo. As mazelas são latentes e a consequência dá-se com o estabelecimento da relação econômica de subserviência entre os pescadores e comerciantes - atravessadores.
Os atravessadores se beneficiam dessa relação de dependência entre ambos os atores sociais e compram a produção a preço abaixo do padrão de mercado, fazendo com que os catadores precisem retirar cada vez mais caranguejo para o aumento da renda e dessa forma geram impactos no ecossistema manguezal, reduzindo os estoques pesqueiros.
Contribui para o agravamento dessa situação, o baixo nível educacional dos pescadores, fato que reflete nas organizações sociais locais que estão enfraquecidas  para lutar e contrapor no aspecto coletivo a exploração sofrida pelos pescadores que devido às relações sociais de proximidade, como compadrio e vizinhança a relação de exploração da força de trabalho não é objeto de debate nas comunidades, pois os atravessadores são vistos como solução para venda da produção na ausência do estado.
               As definições de sustentabilidade dependem dos grupos interessados e são, portanto, subjetivas normativas e dinâmicas. A avaliação científica da sustentabilidade no manejo de recursos naturais é uma tarefa interdisciplinar. Considera-se, geralmente, que essa tarefa deve respeitar critérios ambientais, econômicos e sociais (GLASER E DIELE, 2005).
               A importância relativa de qualquer um dos critérios de sustentabilidade social que incluem: qualidade de vida, paz social, uma sociedade civil forte, participação, incidência de diferentes formas de pobreza e exclusão, equidade na distribuição, justiça e direitos humanos, identidade e diversidade cultural, eficácia das Instituições, etc., depende em altíssimo grau do contexto cultural, político, social e econômico de uma região. Considerando a condição socioeconômica marginalizada precária dos tiradores de caranguejo e sua falta de acesso à segurança social oferecida pelo setor público, verifica-se que na área do mangue se as rendas reais dos tiradores de caranguejo estão estáveis ou aumentando, o seu nível de pobreza ficam inalterados ou afetados de forma positiva (GLASER E DIELE, 2005).
O perfil socioeconômico dos caranguejeiros é pouco explorado em trabalhos desenvolvidos dentro do ecossistema manguezal, justamente por estas complexas relações comerciais. Porém, são dados relevantes para gestão das unidades de conservação, como é o caso da Reserva Extrativista de São João da Ponta, também é importante para o estado organizar os planos de ação para essas áreas e para melhorar a prestação de serviço pelas instituições em geral.
A Reserva Extrativista de São João da Ponta está localizada integralmente no município homônimo, São João da Ponta, que foi criado através da lei nº 5.920 de 27 de dezembro de 1995, sendo que anteriormente era um distrito do município de São Caetano de Odivelas. Está localizado na mesorregião do nordeste paraense e microrregião do salgado, abrangendo uma área territorial de 196,9 km², distante 120 km em linha reta da cidade de Belém. O nome da cidade é referência ao santo de devoção e à posição geográfica em que se encontra o município na zona de fisiografia do Salgado (FERREIRA, 2003).
São João da Ponta possui população estimada em 5.703 habitantes, os quais a situação da unidade domiciliar é descrita como 85% na área rural e 15% na área urbana do município. A estratificação de sua população é formada por 54% de homens e 46% de mulheres, sendo que 48% da população encontram-se na faixa etária economicamente ativa entre 15 e 49 anos. Considerando que 91,3% da população possui cor da pele preta ou parda. IBGE (2010).
A economia de São João da Ponta está alicerçada na agricultura familiar e na pesca. A pesca ocupa grande contingente de pessoas na produção, gera renda às famílias e grande produção diária de peixes e principalmente do caranguejo-uçá que movimenta a economia local dinamizada pelos pescadores da área urbana e principalmente das áreas rurais e também pela figura do agente econômico, o atravessador, local ou não.
Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo de caso da comunidade pesqueira do município de São João da Ponta e seus aspectos sociais, econômicos e produtivos ligados a cadeia produtiva do caranguejo.

MATERIAL E MÉTODOS
LOCAL DE ESTUDO

 A pesquisa foi realizada no município de São João da Ponta, área de Resexs localização central na latitude 00°50’59’’sul da sede e longitude 47°55’12’’oeste, com altitude de 34 metros em relação ao nível do mar. Limita-se ao norte e oeste com o município de São Caetano de Odivelas, ao sul com os municípios de Terra Alta e São Caetano de Odivelas, e a leste com os municípios de Terra Alta e Curuçá. Seu principal acesso se dá pela rodovia PA-136 (Rodovia Castanhal - Curuçá) e PA-375. Possui clima equatorial quente e úmido, característico da região. (Vergara Filho e Sommer 2010; Rodrigues 2013).
Este local foi escolhido por apresentar as melhores condições ambientais e de organização social dos pescadores que são associados à associação dos usuários da reserva extrativista Mocajuim; pela importância social, econômica e produtiva da cadeia produtiva do caranguejo no contexto de desenvolvimento local, representando um estudo de caso para outras Resexs. Outro fator importante é que parte da comunidade desta reserva já utiliza o novo sistema de basquetas para o transporte, a partir dos cursos de capacitação ofertados pelos: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - Campus Castanhal, através do Mestrado Profissional em desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares, Secretaria de Pesca e Aquicultura do Estado do Pará – SEPAq e Instituto de desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

COLETA DE DADOS

A pesquisa foi básica, o objetivo desta foi descrever as características da cadeia produtiva em análise e desvelar questões cotidianas que não são percebidas e debatidas no ambiente produtivo.
Os procedimentos utilizados são levantamento bibliográfico e documental, bem como levantamento de dados sobre os sujeitos sociais e a cadeia produtiva. A natureza foi quanti-qualitativa, sendo composta no primeiro aspecto, pela confecção de questionário semiestruturado com perguntas abertas e fechadas que versavam sobre socioeconômica, produção, trabalho, saúde e o cotidiano da cadeia produtiva do caranguejo e, no segundo aspecto, priorizou-se a técnica de entrevista com roteiro semiestruturado, com intuito de complementar os dados secundários já coletados e sistematizados.
Como o trabalho deu-se em área de Resex, foi formalizada a solicitação de pesquisa perante o ICMBIO/SISBIO: Autorização para atividades com finalidade científica, Número: 39600-1, Data da Emissão 11/06/2013 14:22. Data para Revalidação: 11/07/2014. Autorização Revalidada sob o Número: 39600-2 Data da Emissão: 12/05/2014 22:16.

O procedimento para coleta dos dados desenvolveu-se através de pesquisa de campo no período entre janeiro a dezembro de 2014. O público alvo foi formado por pescadores artesanais de caranguejo, maiores de 18 anos que residem no município de São João da Ponta, que possuam experiência na atividade e que poderiam contribuir com suas anotações ou memórias sobre o cotidiano da atividade econômica da pesca naquela reserva.
 Os entrevistados receberam termo de consentimento livre e esclarecido explicando como seria a pesquisa, detalhando a coleta de dados, e os resultados da mesma seriam expostos à sociedade.
O trabalho de campo desenvolveu-se com os pescadores artesanais de caranguejo de três comunidades rurais (São Francisco, Porto Grande e Deolândia) e mais a sede do município. Dos 400 pescadores artesanais, sendo 235 são pescadores artesanais de caranguejo. A amostra foi superior a 43% dos pescadores artesanais de caranguejo que corresponde a 106 entrevistados. Sendo 34% dos entrevistados residentes na comunidade Deolândia que utiliza o rio Mocajuba em suas ações de pesca, seguido pela comunidade do Porto Grande com 33% que utiliza o rio Mojuim em seu cotidiano. Assim como a comunidade do São Francisco com 25,5% dos entrevistados utilizam também o rio Mojuim 30%, Mocajuba 40% e Furo Maruinpanema 30% e por fim, a sede do município com 6,6% do universo pesquisado que utilizam o rio Mocajuba.
Houve um compartilhamento da base de dados socioeconômicos entre ICMBIO e os pesquisadores deste trabalho para maior abrangência do universo estudado e melhor gestão da unidade de conservação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os pescadores de São João trabalham próximo de casa, nos rios Mocajuba e Mojuim, sozinhos ou em parceria com familiares e vizinhos. Esses utilizam em sua maioria canoas a remo de sua propriedade, possuem outra atividade além da pesca do caranguejo. Conhecem muito bem o ambiente de pesca e com isso, conseguem trabalhar em média quatro dias na semana com alta produtividade de crustáceos vendida no comércio local. O escoamento da produção é feita por outro ator econômico e social, presente na cadeia produtiva, o comerciante-atravessador que adquire a produção de mais de 80% dos entrevistados.
 Descrevem que a pesca artesanal do caranguejo no município ainda é predominância dos homens, visto que 94,4% dos entrevistados representam esse grupo e 5,6% são do gênero feminino.
Os dados evidenciam a divisão social do trabalho existente nesse ramo, visto que aos homens ainda cabe o modelo patriarcal do provedor da família, aquele que faz o trabalho que demanda força física, que é arriscado, cansativo e que requer conhecimento apurado e decisivo no manguezal para garantir a produção e prover a família. As mulheres nesse contexto cabem organizar e administrar as ações do ambiente familiar, além de desenvolverem papel importante na educação dos filhos, muitas auxiliam no processo educacional das crianças e jovens e preocupam-se em emitir os documentos pessoais dos filhos para garantir acesso aos direitos civis.
               Em relação à questão de renda o pescador contribui com 77,7% da renda do grupo familiar, a companheira contribui com 15,2% e os filhos perfazem na composição com equivalente a 7,01%.
Nesse sentido é preponderante que o homem seja o maior contribuinte da renda familiar, uma vez que possui acesso a trabalho como a pesca do caranguejo e consegue obter renda com a comercialização do produto.
 A mulher encontra-se restrita a família e sua contribuição na renda familiar é proveniente dos programas de renda mínima gestados pelo governo federal. Por fim, a contribuição dos filhos expõe o caso do trabalho infantil existente no manguezal e que acontece há muitos anos, pois os pescadores relatam a relação de trabalho no mangue desde a infância. “Eu fui ao mangal a primeira vez com meu pai e aprendi o ofício de caranguejeiro com ele. Desde criança acompanhava ele e observava tudo o que fazia em silêncio. Naquela época, papai vendia a nossa produção e o dinheiro era todo para sustentar a nossa casa”. (Caranguejeiro da sede de São João da Ponta).
Nesse sentido a legislação brasileira referente à problemática infanto-juvenil, destaca-se a Constituição Federal Brasileira de 1988. A lei 8.069 de 13 de Julho de 1990 que trata sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que possui como vedação expressa o trabalho de menores de 18 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 16 anos. O baixo nível de fiscalização pelas instituições competentes faz desse fenômeno social algo abrangente no ecossistema manguezal, vez que as crianças e jovens atuam cotidianamente, mesmo com a vedação expressa ao trabalho infanto-juvenil que se desenvolve em condições insalubres e de alto risco a vida humana.
Quanto à educação1% dos entrevistados não possuem instrução, 78% possuem nível fundamental incompleto e apenas 11% cursaram o nível médio, sendo concluído por apenas 5,5% do universo pesquisado.
Sobre o nível educacional da população ressalta-se que os cidadãos mais instruídos de uma região sentem-se mais eficazes, pois a educação representa status social, capacidade pessoal e contatos. Putnam (1996), nesse sentido um dos maiores componentes do universo participativo são as políticas educacionais que dão direito ao saber formal sistematizado. Portanto, a educação constitui um direito básico e necessário a todos, para que, assim, possam cumprir seus deveres e exigir seus direitos. Demo (2001).
Ainda sobre o nível educacional pertinente se faz trazer a lume os estudos de (Glaser 2005; Cunha & Santiago 2005; Maciel 2009; Rosa e Matos 2010; Campos 2011) que descrevem as mazelas e as dificuldades enfrentadas pelos pescadores sobre o processo de ensino-aprendizagem, visto que se altera o lócus da pesquisa; contudo, o cenário é o mesmo, onde a precariedade da educação é percebida pelo alto nível de analfabetos funcionais ou não, como narra o pescador: “Eu nasci e me criei nessa terra, naquela época ninguém dava valor à educação. A gente vivia para o trabalho e só quando estava adulto vi que era importante saber contar e escrever meu nome. Coisa que só aprendi agora! Sei escrever meu nome com alguns garranchos, mas não sei ler direito. Hoje valorizo os professores quando vem aqui com os alunos, mas fico com vergonha de falar perto desse povo estudado e de caçoarem de mim”. (Pescador Experiente de São João da Ponta. Sede.).
               A falta de escolas, a ausência de incentivos para continuar os estudos e a necessidade de trabalhar para contribuir para melhoria da renda familiar representam os principais fatores que ocasionam o abandono das salas de aula. Maneschy (1993) observou que quando jovens que vivem próximos a áreas de manguezal confrontam as perspectivas longínquas de “melhorar de vida” através da obtenção de um diploma e a possibilidade imediata de ganhar seu próprio dinheiro todo dia, apanhando caranguejo ou pescando, esta última prevalece sobre a primeira, levando-o a deixar prematuramente a escola.

Sobre as condições de acesso as comunidades mostradas na Figura 3, os entrevistados que residem na zona rural, comunidades Deolândia, tem possibilidade de deslocamento misto fluvial/terrestre. Pelo rio, dar-se a partir do uso de transporte de baixo custo, caso de embarcações tradicionais a remo. Outra forma de acesso é pelas estradas, ramais e vicinais sendo diferente em cada período do ano, o período do verão possibilita melhores condições de acesso e boa trafegabilidade. No inverno as estradas, ramais e vicinais, que são de terra compactada, ficam alagados, lisas e tornam-se perigosas para o trafego interno.
Já os entrevistados da comunidade Porto Grande e São Francisco foram unânimes em afirmar sua ligação histórica com as águas do rio Mojuim, como acesso as comunidades, bem como escoamento da produção local e transporte de mercadorias para essas áreas rurais.
Os rios assumem uma importância fundamental na vida do homem amazônico. A locomoção de pessoas e o transporte e comercialização de bens e mercadorias quase sempre se dá por via fluvial. A sazonalidade dos rios interfere na forma como as relações sociais e econômicas se processam, podendo ou não inviabilizar o deslocamento de pessoas e de produtos. Na Amazônia, em especial, detentora de grande parte da reserva de água doce existente no mundo, os rios, comandam a vida da população que deles dependem em suas relações sociais (TOCANTINS, 2000).
 A sazonalidade dos rios, que alternam entre períodos de águas baixas e de águas altas, configura e estabelece adaptações por parte das populações tradicionais para se integrarem a estas duas realidades que fazem parte do contexto amazônico. A periodicidade das águas torna-se um elemento marcante nas sociedades tradicionais por organizar as atividades econômicas e a vida social em função da estação das águas e da estação seca (DIEGUES, 2009).
Os entrevistados afirmam que a sede municipal do acesso se dá através da via terrestre. Oliveira e Maneschy (2014) no trabalho desenvolvido em Bragança destacaram que as formas de deslocamento dos ‘tiradores’ para o trabalho estão relacionadas com os meios disponíveis e com os vínculos entre ‘tiradores’ e ‘patrões’. Destaca-se a modalidade do ‘ir e vir’, ou seja, ir ao manguezal e voltar para casa no mesmo dia, utilizando a estrada e o fazem também de bicicleta, ônibus, carro ou caminhão (DOMINGUES, 2008).

 Os resultados da Figura 2 mostram que a maioria dos pescadores artesanais de caranguejo praticam outras atividades para complementar a renda ou fazer dessa segunda atividade a principal em termos econômicos, como nos períodos que acontecem à paralisação na cadeia do caranguejo, devido às questões biológicas como a reprodução da espécie, nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março e também no período da ecdise ou muda da carapaça que ocorre em Agosto, Setembro e Outubro de cada ano.
 Devido aos fatores listados, outras atividades foram incorporadas ao cotidiano dos pescadores como forma de suprir os custos fixos inerentes à pesca e a manutenção de suas famílias. Como a pesca de peixes em geral, dedicam-se a pequenas hortas para manutenção familiar; participam em mutirões para o desenvolvimento do plantio ou colheita das espécies agricultáveis locais feijão, mandioca, melancia, abacaxi e milho que faz parte do cotidiano agrícola do município e estão contidos na lista dos principais produtos plantados e comercializados no município (PARÁ, 2013).
Nesse sentido, caso análogo ocorre no município de Bragança-PA, Resexs Caeté-Taparaçú na comunidade de Tamatateua, parcela significativa dos pescadores (50%) afirmou exercer atividades agrícolas e pesqueiras para o incremento da renda familiar (Costa et al, 2013). Em Pernambuco, nas comunidades de Catuama e São Lourenço os caranguejeiros relataram a busca por outras atividades (construção de casas, carpintaria e roçado) como fonte de renda além da extração de caranguejo (BARBOSA et al, 2008).
A respeito dos caranguejeiros puros essa classificação encontra ressonância nas comunidades de Caratateua e Treme, localizadas no município de Bragança-PA, na reserva extrativista Caeté Taperaçú; foi observado número expressivo de trabalhadores que apenas capturam o caranguejo. Costa et al ( 2013).
              

Sobre a diversidade de espécies os caranguejeiros mistos entrevistados relatam que a pesca do caranguejo somado à diversidade de peixes presentes nesse ecossistema é o que possibilita aceso a renda. Esses sujeitos informam que acontece esse tipo de pescaria de forma conjugada, devido o valor que cada espécie possui no mercado e esse se constitui como atrativo para desempenhar o trabalho duplo e assim, auferir melhores rendimentos a cada dia.
No caso das populações que exploram recursos destes ecossistemas encontram-se ainda, em muitos locais, formas tradicionais de usos do ambiente, onde as populações detêm um grande conhecimento de espécies, significando que elas têm uma boa percepção do meio em que vivem e que o princípio da sustentabilidade procura ser mantido, numa forma de simbiose com o complexo estuário-manguezal (ADAMS, 2000).
Sobre a atividade dos pescadores, os caranguejeiros puros, representam menor quantitativo dos entrevistados; consegue manter-se a partir da pesca do caranguejo-uçá (U. Cordatus) extraído diariamente, vez que sua comercialização representa acesso à renda. Informam ainda que além de extrair o caranguejo, pescam outras espécies para diminuir os custos com outras proteínas nas refeições no mangue e para alimentação familiar.

Sobre os tipos de para desenvolver a pesca artesanal, quer de caranguejo, quer de outras espécies descritas pelos pescadores como oriundas do ecossistema de manguezal como: peixe pedra, bagre, bandeirado, pescada, tainha, pratiqueira, sardinha, camurim, pescada amarela e etc. Os caranguejeiros em sua maioria utilizam pequenas embarcações a remo, canoas confeccionada artesanalmente. Contudo, pequeno grupo entre os entrevistados possui embarcações de alumínio a motor, as rabetas, que são utilizados para pescar em mangues e áreas de pesca mais distantes em menor tempo.
Percebe-se que existe diferenciação entre os atores sociais que operam na mesma atividade, aqueles que possuem acesso a crédito e aqueles que não acessam esse meio para melhorar a frota. Parcela significativa dos pescadores não consegue ter acesso a essas ferramentas desenvolvidas pelo governo federal em parceria com as instituições financeiras. Optam pela aquisição de canoas confeccionada de madeira em pequenos estaleiros artesanais próximos das comunidades pesqueiras, onde a venda do bem é fechada na palavra, sem necessitar assinar documentos contratuais.

               Sobre a pesca na resexs de São João da Ponta o Furo Maruinpanema é frequentado pelos entrevistados que se deslocam para essa área entre rio Mocajuba e rio Mojuim devido à área ser produtiva e por encontrar-se em bom estado de preservação ambiental. O pescador que se desloca diariamente para essa área relata: “Essa área é conhecida por nós, tanto nós aqui, quantos os pescadores de São Caetano de Odivelas e de Curuçá pescam lá, que é importante devido ter alguns pontos de berçário, aonde os peixes vem reproduzir e que os mais experientes fazem questão de mostrar para os jovens. Nós acreditamos que esses espaços devem ser preservados se quisermos sobreviver e deixar a natureza para os nossos filhos”. (Caranguejeiro da comunidade São Francisco em São João da Ponta).
Outro local de pesca é o rio Mocajuba frequentado diariamente pelos entrevistados que relatam atravessarem até a área do rio que faz fronteira com o município de Curuçá, pois é bastante produtivo na visão dos pescadores e destacam como fatores. “Esse rio é grande e o tamanho do manguezal também, o bom dele é que cada grupo de caranguejeiro fica a vontade, devido um ficar bem longe do outro e isso é bom por que não gera briga. Mesmo que outros venham pescar aqui o caranguejo continua sendo excelente e de qualidade” (caranguejeiro da sede de São João da Ponta).
Os caranguejeiros priorizam a extensão do rio Mocajuba. Sua ligação com o mangue é de extração do crustáceo e para pescar a pescada Amarela e o Camurim, pois possuem alto valor comercial no mercado local e regional.
Sobre a pesca no rio Mojuim essa é a área prioritária para os entrevistados que pescam espécies diversas e também executam a extração do caranguejo. Nesse rio é comum encontrar pescadores esportivos, vindos do município de São Caetano de Odivelas em busca da diversidade de peixes que adentram a área do manguezal.
A disputa pelo o mesmo recurso fez com que ocorresse o estabelecimento de conflitos entre os grupos de pescadores distintos, devido à forma como se dá o uso e o controle dos recursos pesqueiros nesse rio. Fato narrado pelo gestor da unidade de conservação... “O rio Mojuim é grande e belo, as comunidades ancestrais já pescavam aqui, São João da Ponta era parte do município de São Caetano de Odivelas, sendo histórico o uso desse rio para a pesca, o transporte de mercadoria e pessoas. O que ocorre é que de uns anos pra cá, se intensificou a pesca esportiva vinda de São Caetano e os pescadores esportivos adentram os furos com velocidade em suas lanhas e barcos a motor. Os pescadores artesanais se chateiam, pois estão ali horas pescando com linha de mão e necessitam do silêncio e que a água esteja tranquila e com o vai e vem desses barcos os pescadores tem reclamado da baixa produção, de que cada vez mais ocorreu a intensificação desse tipo de pescador e que necessita haver dialogo entre as partes e que fique claro que o território de São João é uma área de conservação federal e para tanto, possui regras de uso e controle dos recursos.” (Gestor da Unidade de conservação de São João da Ponta).
Percebe-se a intrínseca relação desses atores com o mercado, segundo relato dos pescadores a prioridade é conseguir pescar a quantidade para comercialização e após a quantidade que levará para família. “Quando a maré está boa, tiramos o caranguejo do patrão, o peixe que vai ser vendido e o peixe de casa. É importante fazer pescaria em local que o peixe voltou, por que é graúdo e pesado, se conseguir três desses, vendo dois e o outro levo para casa” (Pescador comunidade Porto Grande – São João da ponta).

               Sobre a relação de trabalho mais de 1/5 dos pescadores artesanais de caranguejo entrevistados, preferem pescar sozinhos, já que as dinâmicas referentes aos horários de saída dos barcos, o investimento em mantimentos, assim como a escolha do local de extração é determinante para os pescadores valorizarem a individualidade.
Ponto importante também é a dificuldade de estabelecer parceria com aqueles que não são parentes ou familiares, pois a desconfiança é barreira determinante para solidificar possível parceria visando à produção.
O grupo maior de pescadores entrevistados prefere organizar-se para pesca em parceria com vizinhos, parentes e compadres e afirmam que caso ocorra qualquer intempérie, pode-se contar com o parceiro e o trabalho desenvolve-se a partir da divisão de funções e a produção é dividida entre os parceiros. Fator que agrega e segundo os pescadores é muito gratificante, pois as relações sociais se fortalecem a partir das ações do trabalho.
Segundo os caranguejeiros, existe solidariedade entre os parceiros do mar. Em caso de acidentes no ambiente de trabalho, naufrágios, problemas na embarcação eles se unem pela segurança uns dos outros, como relata pescador... “Nós, aqui de casa gostamos de pescar com os parentes e com os nossos vizinhos aqui de perto, fica mais animados e, além disso, é seguro, se acontecer algo no mangue o outro socorre. Ainda tem que dividimos a comida, o café e a água e na volta cada um vai para sua casa com sua produção”. (Jovem caranguejeiro da comunidade São Francisco em São João da Ponta)
Sobre o aspecto da produção advinda da pesca artesanal do caranguejo, os caranguejeiros relatam dificuldades para escoar a produção, como a falta de transporte que assista as comunidades rurais, preço elevado para transportar o produto rural nos ônibus de linha de empresas privadas. Sobre as dificuldades os entrevistados relatam: “Nós conseguimos todos os dias uma produção boa de peixes, melhor ainda de caranguejo. No manguezal conseguimos ostra, camarão e mexilhão. Muitas vezes trazemos para a cidade, a sede de São João e não conseguimos vender, se o frete do ônibus fosse barato dava para aventurar e vender em Castanhal é triste quando não vendemos e a única solução é bem dizer, entregar para o atravessador, dá um aperto no peito e muita raiva porque o trabalho não é valorizado!”(Caranguejeiro da comunidade São Francisco em São João da Ponta).
Outros fatores narrados são os preços diminutos pagos pelo produto, atrelamento dos pescadores aos patrões de pesca que em sua maioria são moradores locais e atuam nas lacunas deixadas pelo estado, poder público municipal e estadual. Os entrevistados relatam indignada a situação vivida: “Só nós aqui sabemos o que é viver esquecidos pelo governo, só vemos aquele símbolo com a águia (Brasão do estado do Pará) quando a polícia entra pra essas bandas, estamos na beira do rio sem assistência. Aqui quem manda é quem tem dinheiro, o atravessador paga o que quer pelo nosso caranguejo e não adianta choro e nem reclamação que ele não paga mesmo! Teve dia que o atravessador queria pagar vinte reais na saca (com cem unidades) fiquei com tanta raiva que fui embora, me senti humilhado! Tanto trabalho pra nada, esse dinheiro mal paga a comida de casa (se referindo à família) e o que fazer pra mudar isso?” (Pescador comunidade Porto Grande – São João da ponta).”
Sabendo do contexto de exclusão do caranguejeiro, a dificuldade de acesso à políticas sociais, somado a dificuldade de acesso para escoar a produção.
O atravessador atua na construção de densa rede social, tecendo cada relação com os caranguejeiros a partir das dificuldades destes, suprindo assim, cada demanda. Como por exemplo, emprestam recurso a juros, auxiliam em questões de saúde, deslocamento de gestantes ao hospital com melhor infraestrutura para fazer o parto, nos casos de falecimento. Atua no cotidiano da pesca aviando e comercializando bens e serviços. Ainda fortalecem as redes sociais a partir dos laços de apadrinhamento, parentesco e vizinhança, por fim apoiam, promovem e patrocinam festas religiosas, culturais e eventos esportivos que acontecem no calendário das comunidades pesqueiras.
São sujeitos sociais que se tornam notórios em suas comunidades pelas ações econômicas desenvolvidas e pela popularidade que muitos passam a ter naquele meio e alguns desses sujeitos, sabendo da força econômica e o poder de aglutinar e influenciar o grupo enveredam pelo universo da política partidária como vereadores e chegam a  postular o cargo máximo do executivo municipal.
Fato descrito pelos pescadores entrevistados é que estes atores sociais possuem ciência que acordam devendo o sistema (comércio local) a cada novo dia, mas não sabem na realidade o custo por dia, semana e mês e como podem inserir esse custo no preço do produto repassado ao atravessador e explicam com clareza que o patrão de pesca sabe fazer isso muito bem, pois anota tudo que investiu em cada pescaria e depois, quando chega ele chama um a um, mostram o que foi investido/consumido para desenvolver a pescaria, faz o cálculo de animais que irão morrer e ditam o valor que irão pagar pelo produto e ainda, diz para os pescadores o quanto ainda terão que investir para embalar transportar e comercializar o produto em outras praças como forma de expressar que os investimentos são altos e o lucro é pouco para ele e que faz aquilo para ajudá-los. A esse respeito pescador entrevistado relata... “Eu sei que eu devo, agora não sei quanto! Quando tinha patrão Pegava todo dia os mantimentos na mercearia ali do canto, percebi que estava sendo enganado! Tratei de pagar, parente e olha que demorou. Agora não quero mais isso pra mim, comecei uma nova conta sem patrão, no meu nome limpo pelas minhas mãos e a graça de Deus!” (Caranguejeiro da comunidade São Francisco em São João da Ponta).
Sobre esse aspecto Monteiro (2012) percebeu que pescador de caranguejo-uçá tem um desgaste físico e geralmente vende seu produto a um preço muito baixo, geralmente há poucas oportunidades de comercializar o caranguejo um pouco acima do estabelecido pelo mercado.
 Tal situação que deve ser considerada, vez que se traz a luz o cotidiano do trabalhador, as dificuldades diárias, assim como os itens levados na maioria dos dias para a pescaria na modalidade “chega e vira ou vai e vem” que consiste em pescar próximo de casa, ter por empréstimo ou propriedade o meio de locomoção até área de extração do animal. Sobre a modalidade de pescaria “vai e vem” possibilita mais de um deslocamento ao mangue no mesmo dia, tendo por fatores para isso, questões naturais como ciclo de lua, o nível da maré, além disso, a necessidade de pescar para manutenção da família ou para suprir demanda do mercado local ou externo. Deve ser considerada na dinâmica de trabalho a possibilidade de dupla jornada no mangue; devido a dívidas contraídas com os patrões de pesca locais que patrocinam aquisição dos mantimentos diários que assim o fazem para adquirir a preço menor do que preconiza o mercado o produto e repassá-lo a preço que possa pagar o investimento e, por conseguinte obter lucro.
Os caranguejeiros relatam que o valor do produto no município aumentou de preço após os cursos de capacitação sobre o transporte do caranguejo em basquetas. Pois, a mortalidade do crustáceo diminuiu e foi possível estocar a produção por seis dias com a resistência de 80% do universo. Fatores que modificaram a relação entre pescadores e atravessadores do crustáceo nesse município, pois ocorre maior dialogo sobre a produção e os valores a serem pagos pelo produto que custava R$ 35,00 reais a centena e passou a custar R$ 80,00 reais (SEDAP, 2015).
A esse respeito 77% dos entrevistados relatam que o preço antes da ação de embalagem e transporte do produto em basquetas, no ano de 2012 era de R$ 35,00 reais a saca do produto e atualmente, em 2015, nas semanas anteriores ao defeso da espécie o produto alcançou o teto de R$ 120,00 a saca (SEDAP, 2015). O que os pescadores destacam que as mudanças são provenientes do uso e manejo da técnica de seleção, embalagem e transporte desenvolvida a partir do diálogo entre saberes diferentes (Figura 8).
A valorização do produto e a renda auferida possibilitaram aos caranguejeiros perceberem o valor do trabalho e a importância econômica, social e produtiva para o município, do animal por eles comercializado: “Com o nosso trabalho com essas basquetas, a vida melhorou pra nós. Tem gente que comprou algumas coisas pra casa, outros estão melhorando a casa. Vê o Valdo, lá do São Francisco comprou tijolo e cimento e tá pensando em mexer na casa. Eu fiz o piso da sala de casa, reboquei por fora e melhorei o banheiro. A família gostou muito, trouxe conforto pra todos. Mas é bom lembrar que agora nós estocamos aqui em casa ou na resexs o nosso caranguejo e não precisamos entregar por qualquer preço aos atravessadores, negociamos cada caranguejo para conseguir preço melhor. Ano passado, em julho fiquei muito feliz, por que nos finais de semana coloquei o caranguejo nas basquetas para ser vendido aqui na porta da resexs, vendi mais de 1.600 caranguejos, morreu só 3 e  o preço foi de R$ 1 real cada unidade, Paidégua! O mesmo preço de Belém nas feiras do governo do estado e aqui o patrão estava pagando 0,65 centavos cada um.” (caranguejeiro da sede de São João da Ponta).
Ainda sobre a constituição de renda nas comunidades pesqueiras de São João da Ponta. A variação se dá em dois períodos, inverno e verão. O primeiro estende-se, de acordo com os pescadores entrevistados, de Dezembro a Julho, e o valor do produto em média é estabelecido pelo mercado em R$ 80,00 (oitenta reais) a saca com cem animais. A média de extração de animais por dia é de 126 devido à mortalidade. Quando multiplicado pelo período de trabalho do mês de 20 dias, a renda bruta é equivalente a R$ 1600,00 reais, ou seja, 2,4 salários mínimos do período pesquisado e o quantitativo de animais extraídos homem/mês é de 2.520 crustáceos.
No segundo período, o verão, segundo os pescadores de São João da Ponta, estende-se de Agosto a Novembro. Caracteriza-se como período concorrido entre os pescadores. A oferta do produto é bem maior que a demanda e o valor pago pelo mercado é menor que o período anterior, sendo o preço R$ 65,00 reais a saca com cem animais. Ao verificar a renda do trabalhador no mês de trabalho, cerca de 20 dias, a renda bruta é equivalente a R$ 1300,00 reais, ou seja, 1,9 salários mínimos do período pesquisado.
Especificamente sobre o fenômeno da diminuição da renda dos pescadores comparou-se os dois períodos, a fim de explicar o fato. O mesmo se dá, devido a diversos fatores. O primeiro é ambiental, posto que no inverno a técnica de extração do caranguejo é a tapagem ou tapa, que o pescador utiliza o próprio corpo para fazer bolas com o tijuco, solo do mangue e assim, obstruir a galeria ou toca com a finalidade de fazer com que o caranguejo tente sair da galeria e prenda-se ao tijuco e fique exposto, vulnerável ao pescador que lhe captura.
Para desenvolver a pesca do caranguejo nesse período não se faz necessário investimento em apetrechos de pesca e o custo de produção estabiliza-se. No sentido oposto, o período do verão é necessário à pesca do caranguejo com laço, apetrecho de pesca confeccionado com cabinho e nylon. Itens que alteram o desenvolvimento da pescaria, devido o custo de produção que impacta diretamente o rendimento dos pescadores. No inverno a demanda pelo produto é grande e a oferta é menor, devido o período do defeso para reprodução do animal. Assim o produto valoriza-se. No Verão é o oposto, a oferta é maior e o preço do produto diminui possibilitando menor acesso à renda com alto custo de produção para ser equacionado pelos pescadores.
O preço dos mantimentos nos comércios locais que se alteram e acompanham as dinâmicas de pesca do crustáceo que ao chegar o período do verão majoram-se os preços dos produtos para obter melhor margem de lucro, fato que impacta direto na renda bruta auferida nesse período. A Tabela 01 mostra a representação dos principais itens consumidos pelos pescadores de São João da Ponta, demonstrando ser uma cadeia diferenciada das demais pescarias.
               Sobre os itens em análise, estes não são inseridos no preço final do produto comercializado, devido à falta de informações sobre como formar o preço, além de falta de informação sobre gestão do produto, soma-se a isso o desconhecimento do real valor do produto em outras praças; ainda a ausência de informação do valor do produto repassado pelos atravessadores e a demanda pelo produto. Os pescadores entrevistados narram...“Antes de trabalhar com as basquetas, só sabia o preço do produto aqui em São João que chegava ao máximo a cinquenta reais a saca, isso na safra boa! Tomei um susto, um dia, quando fui a Belém com vocês vender o caranguejo. O Marcelo me levou para vender o caranguejo para um dono de restaurante amigo dele e vi na tabela de preço, bem grande, o valor de R$ 7,00 reais a unidade. Dai percebi  que o nosso trabalho é desvalorizado e que muita gente ganha com isso e faz de propósito, pra gente entregar o produto. Estão ganhando muito dinheiro em cima do nosso suor, inclusive os atravessadores. Isso foi bom, não caio, mas nessa e se Deus quiser venderei meu caranguejo pelo preço justo” (caranguejeiro da sede de São João da Ponta).
               Sobre o contexto da cadeia produtiva, o trâmite do bem entre os vários atravessadores, chegando à ponta da cadeia produtiva até a mesa do consumidor final. O bem assume uma série de incrementos no valor, o menor valor pago é para o pescador, o principal ator da cadeia produtiva e o mais desvalorizado entre os sujeitos sociais que nessa atuam.
Ocorre latente exploração do trabalho do pescador, as ações de capacitação aos pescadores não são percebidas pelos atravessadores como ações boas para os trabalhadores ligados a esses agentes econômicos e algumas vezes afugentam quem vêm desenvolver esse tipo de atividade para demonstrar domínio e força sobre os trabalhadores e o território. Nesse sentido pescador relata...“Lembro da tua primeira vinda aqui para fazer o curso do caranguejo e o jeito dos atravessadores na porta da escola, lá da comunidade do porto grande, ficaram inquietos, indo e vindo de moto, querendo saber quem tu eras e o que estavas fazendo ali. Até que uma senhora levantou e  disse do que se tratava e três atravessadores foram embora. Mas um ficou, esse atrapalhou bastante o curso, interrompendo o andamento e dizendo para os pescadores que aquilo não daria certo e que não era para eles que era conversa fiada do estado. Graças a nós todos e ao trabalho feito na resexs as coisas melhoraram ” (Caranguejeiro da comunidade São Francisco em São João da Ponta).
               Sobre a disparidade existente e que se acentua nos municípios produtores e a crescente exploração do trabalhador que necessita aumentar o número de horas de trabalho no mangue para aumentar a produção e auferir melhor renda. Estando sujeito a riscos e agravos a saúde, pois o desgaste físico é maior.
Além disso, os mantimentos listados na Tabela 01 refletem que a dieta alimentar dos trabalhadores possui valor nutricional baixo, concentram-se na proteína da conserva sardinha em óleo ou carne sendo complementado pela farinha que é o carboidrato. Misturada com água forma uma massa, conhecida pelos pescadores como “chibé” que é servido em porções ao longo do dia.
Ainda sobre os mantimentos, aquisição se dá através do estabelecimento das relações de proximidade vizinhança e parentesco, pois os comércios locais vendem os produtos para serem pagos ao final do mês e condicionam certo aumento nos valores dos produtos e assim narrado pelo pescador... “Quando eu posso compro no dinheiro os mantimentos, por que tem mercearia aqui no interior que mete a mão (fala do preço) e aumenta o valor do produto em uns 20%. Já não basta a exploração do patrão, os ferimentos que sofremos no mangue, o preço baixo do produto aqui e ainda o comércio que quer lucrar em cima de nós. Não sei onde isso vai parar, será que para um dia?” (caranguejeiro de São Francisco em São João da Ponta).
Outros pontos descritos na Tabela são a utilização de álcool e fumo pelos pescadores artesanais de caranguejo com vista a dopar o corpo e sentir menos a rusticidade do mangue. O uso contínuo desses produtos gera consequências danosas à qualidade de vida do trabalhador. E o pescador descreve... “É cada vez pior a situação do caranguejeiro, não se vê nessa nova geração de homens um que não fume cigarro, é uma febre esse vício e faz muito mal para saúde. O pior é que aqueles que fumam também bebem cachaça e o que se vê no mangue é que ficou estranho e raro encontrar pescador de caranguejo da nova geração, limpo sem um pingo de álcool ou fumo na cara. O que mais mexe comigo é saber que as pessoas não combatem mais o vício, baixaram a guarda, mesmo sabendo que não é certo! Precisamos nos unir e pensar numa forma de combate para esse mal.” (caranguejeiro da sede de São João da Ponta).
Além do óleo diesel que é usado pelos entrevistados como repelente de inseto, os danos à saúde desses trabalhadores são iminentes devido à possibilidade de intoxicação e outras doenças que podem acometer esses atores sociais.
               Quanto aos documentos de cidadania civil, 73% do universo masculino afirmam ter os documentos pessoais, como, Certidão de Nascimento, RG e CPF, 40% desses afirmam ter o registro geral da atividade da pesca – RGP.
A realidade da reserva extrativista de São João da Ponta é diferente das demais do estado do Pará, uma vez que o quantitativo de pescadores artesanais de caranguejo que possuem os documentos pessoais é alto.
Sobre a importância dos documentos pessoais pescador relata...“São muito importantes esses documentos, com eles posso ter crédito, tirar minha carteira de pescador, matricular meus filhos na escola, consultar o médico aqui do posto e votar. A vida de quem tem é melhor, me sinto pessoa direita e trabalhadora”(Caranguejeiro da sede de São João da Ponta)
Sobre o Registro Geral da atividade da Pesca – RGP, emitido pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, parece baixo se analisado de forma direta, mas ao ser analisado no contexto geral da pesca artesanal do caranguejo no Pará, estima-se que 70% dos pescadores de caranguejo paraenses não possuem o documento (VERGARA FILHO, 2014).
 Portanto, configura-se como fato importante o acesso de 40% dos pescadores entrevistados ao documento que legitima a atividade nessa profissão.
Sobre a importância desse documento profissional pescador explica: “Nem sabia o que era o RGP, a carteira de pescador e nem para que servia, quando o Ministério veio aqui em São João da Ponta na resexs, a Dra. Cáritas (representante do MPA no Pará naquela época) explicou direitinho o que seria, a importância do documento, os direitos, garantias e deveres que teríamos ao ter essa carteirinha. Fiquei motivado, tirei e já entregaram. Vai que o ministério nos escute e que venha o seguro defeso para o caranguejeiro aqueles que já tiverem esse documento serão beneficiados. Então é importante ter o RGP, representa que o pescador trabalha nessa profissão e está regularizado. O melhor é deixar claro que não aceitamos participar de safadeza e roubalheira com o dinheiro do defeso que vemos pela televisão vários casos aqui no Pará, vê lá em Salvaterra – Marajó, tem mais pescador cadastrado no ministério recebendo defeso que habitantes na cidade, isso é crime, é desleal com quem precisa”. (caranguejeiro da sede de São João da Ponta).
               Porém não é fácil retirar o RGP, para tanto os pescadores necessitam de RG, CPF, comprovante de residência e um e-mail ou telefone. Para que os pescadores tenham os documentos acima é necessária à emissão da certidão de nascimento, esse documento ainda é pouco valorizado no universo rural e grande número de pessoas não possui este documento importante.
Outro fato que dificulta a emissão do RGP é que a Superintendência do Ministério da Pesca e Aquicultura- MPA atende aos pescadores na capital do estado, Belém. Isso compreende deslocamento até a cidade, fato que gera custos adicionais para pescadores que ficam em diferentes e distantes municípios, muitos com necessidade de utilizar diferentes e não tão acessíveis meios de transporte. Outro fator não menos importante é que muitos não gostam de “andar em cidade grande”, muitos se perdem e outros têm medo de se perder.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesca artesanal do caranguejo-uçá (U. Cordatus) é uma das principais ocupações da região nordeste do Pará, hoje se estima que atue quantitativo superior a onze mil trabalhadores do mangue no litoral paraense, a cumprir importantes funções sociais, econômicas e produtivas nos municípios.
O setor econômico de boa parte do nordeste do Pará recebe os benefícios oriundos da pesca artesanal que ainda constitui-se no segmento do setor pesqueiro o qual é invisível no estado do Pará para aplicação e execução de políticas públicas que contemple boa parte dessa população marginalizada e excluída.
 Há de serem observados os predicados desta fatia do setor pesqueiro que é uma das principais fontes de ocupação de mão-de-obra, alimentos e renda para um grande contingente da população estadual, particularmente, no universo campesino.
 São inúmeros os fatores que tem dificultado o desenvolvimento da atividade como aescoar o produto, os baixos preços pagos na base, aproximação fatal com os patrões de pesca que fulminam boa parte da mão de obra dessa cadeia produtiva. As dificuldades para emissão da RGP pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, acesso aos documentos da vida civil, custo de produção que corroe a renda mensal, os agravos à saúde e os riscos de atuar em uma cadeia produtiva que para desenvolver atividade é necessário investir em determinado período do ano mais de 50% do custo em mantimentos para levar ao mangue e alguns desses, como o álcool e cigarro, podem afetar o  bem estar físico e psíquico dos trabalhadores.
A nova técnica de utilização de basquetas trouxe esperança de valorização desse trabalho tão sacrificante, diminuindo a dependência dos atravessores e aumentando o valor do produto, oportunizando melhorias na vida do caranguejeiro.

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Fontes:

(Seu João) João de Lima Coelho, 51 anos, pescador artesanal de caranguejo, morador da sede do município de São João da Ponta - Pará. Entrevista concedida ao autor em 08 de Dezembro de 2014.

(Valdo) Manuel da Costa Almeida, 34 anos, pescador artesanal de caranguejo, morador da comunidade São Francisco, município de São João da Ponta - Pará. Entrevista concedida ao autor em 8 de Dezembro de 2014.

(Vanilson) Vanilson Fernandes Barbosa, 32 anos, pescador artesanal de caranguejo, morador da comunidade Porto Grande, município de São João da Ponta - Pará. Entrevista concedida ao autor em 07 de Junho de 2014.

(Vergara) Waldemar Londres Vergara Filho, 56 anos, Biólogo – gestor da Resexs São João da Ponta. Entrevista concedida ao autor em 07 de Novembro de 2014.

(Vitaca) Adinaldo Moura Chagas, pescador artesanal de caranguejo, morador da comunidade São Francisco, município de São João da Ponta - Pará. Entrevista concedida ao autor em 8 de Dezembro de 2014.  

(Siriboia) Pescador artesanal, morador da sede do município de São João da Ponta - Pará. Entrevista concedida ao autor em 8 de Dezembro de 2014.


Recibido: 21/12/2015 Aceptado: 22/02/2016 Publicado: Febrero de 2016

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