Sharlene Keila Schlindwein
Historiadora, mestranda em Sociedade, Cultura e Fronteira pela UNIOESTE. Bolsista CAPES
shashakeila@hotmail.comResumo
A Estrada do colono é uma via que passa dentro do Parque Nacional do Iguaçu ligando Capanema a Serranópolis. Fechada em 1986, foi o motivo de vários conflitos entre os moradores das duas cidades e a Polícia Federal.
Sendo sempre alvo dos discursos políticos e ambientalistas, este trabalho pretende diversificar este olhar, buscando compreender a importância que a população do município de Capanema visa a Estrada do Colono, e como a luta pela reabertura desta passou a ser uma peça importante na identidade deste município.
Intercalando história oral e documentos escritos, visa-se identificar a importância da memória coletiva dentro de uma comunidade e como esta pode interferir para a identidade da mesma.
Capanema é uma cidade pequena e pacata, que tem no discurso dos moradores, a Reabertura da Estrada do Colono uma esperança para o progresso de sua cidade.
Palavras-Chaves: Estrada do Colono, Reabertura, Identidade.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Sharlene Keila Schlindwein (2016): “A estrada do colono no imaginário da população de Capanema”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/capanema.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-capanema
1. INTRODUÇÃO
O estado do Paraná esta situado na região Sul do Brasil, e sua colonização deu-se em etapas. Embora a emancipação do estado tenha ocorrido em 1853, a ocupação e colonização do mesmo ficou restrito durante muito tempo somente a região Leste.
O olhar dos governantes iriam se voltar à região Oeste somente por volta de 1880, com a preocupação de uma invasão Paraguaia e/ou argentina no território Brasileiro. Desta forma, em 1889, inaugura-se a Colônia Militar de Foz Do Iguaçu, sendo que por este nome respondia todo o território a margem do Rio Paraná até Guarapuava.
Já a região Sudoeste tem um longo histórico de conflitos internos, somente em 1916 os estados de Santa Catarina e Paraná entraram em acordo sobre seus limites, que em sua região contestada passou por conflitos entre posseiros e fazendeiros, em decorrência da posse da terra. Este tipo de revoltas com origem em posse de terras e fraude de documentações foi bastante notório nas regiões no entorno do Parque Nacional do Iguaçu.
Por se tratar de uma região de fronteira internacional, o governo brasileiro incentivou a migração interna para que com o assentamento de população nacional, pudesse de fato se efetivar os limites do país. Assim, vários colonos do Rio Grande do Sul vieram com suas famílias, em busca de uma vida melhor. Assentaram-se, principalmente, na região que circunda o atual Parque Nacional do Iguaçu, derrubando a mata e se instalando a muito custo, baseando-se na agricultura de subsistência nestas terras.
O município de Capanema foi desmembrado de Cleveland, primeiro posto avançado do Sudoeste, pela Lei Estadual nº 790, em 1951 e já em 14 de Dezembro do ano seguinte foi elevado à categoria de município.
Capanema tem como limite Norte os municípios de Capitão Leônidas Marques, Matelândia e Serranópolis do Iguaçu. Entre o último e Capanema está situado o Rio Iguaçu e o Parque Nacional do Iguaçu. Segundo Ricobom (2001, p. 17)
O Parque é hoje, um fragmento da biosfera, onde está conservada a última e mais importante amostra viável da Floresta Estacional Semidecidual (Selva Misionera) e da Floresta Ombrófila Mista (Floresta de Araucária), bem como da transição entre as mesmas.
O PNI 1 foi criado em 1939, numa extensão de 3.300ha doados pelo Estado do Paraná e, de acordo com Seixas (2012, p. 76) o mesmo foi expandido 1942, sendonecessárioà desapropriação de terrenos da colônia de São João.
Posteriormente, na década de 1960, duas colônias foram erroneamente fundadas também em território do Parque: São José e Santo Alberto e entre 1972 e 1980 Seixas(2012, p. 125) explica que as terras foram doadas pelo Governo Federal para a empresa que deveria ter construído uma estrada de ferro na região. Esta empresa passando por algumas dificuldades financeiras, loteou essa faixa de terra junto ao PNI e começou a vender aos colonos oriundos do RS que estavam em busca de novos espaços para viver e plantar, mas destes colonos, pouquíssimos se preocuparam em registrar as terras em cartório.
Em 1930 o Governo Federal decidiu reaver o território já que a empresa não cumpriu com o contrato, não tendo feito a estrada de ferro. Ocorreram às desapropriações e o realojamento das famílias que ali moravam, com trâmites correndo ainda hoje na justiça em busca de indenizações destas terras.
Capanema e Serranópolis do Iguaçu estão ligadas não só pelo PNI, mas também pela Estrada do Colono, uma estrada de 17,6km2 de extensão, pavimentada com cascalho, que corta a floresta de “ponta a ponta”. Sendo considerada a via mais rápida da região Sul do país ao Oeste paranaense e ao estado do Mato Grosso do Sul.
Wachowicz citado por Dallo(1999, p.89) afirma que “Os primórdios do atual traçado do Caminho do Colono se perdem no tempo”, todavia sua mais antiga utilização foi pela Coluna Gaúcha. A qual tomou essa rota para se encontrar em Foz do Iguaçu com a coluna Paulista, e assim formar em 1924 um movimento muito marcante na a história do país: a Coluna Prestes.
Assim, visto é que a Estrada do Colono é ainda mais antiga do que o próprio Parque Nacional do Iguaçu.
2. O CAMINHO DO COLONO E CAPANEMA
‘Caminho do Colono a vida passa por aqui’ foi o slogan da campanha pela reabertura da estrada durante vários anos.
E não à toa a cidade usa essas palavras, essa estrada foi o principal fluxo de pessoas da região sudeste a oeste e, sem a estrada para se deslocar de Capanema ao município de Medianeira, é necessário dar a volta em torno do PNI, acarretando uma viagem de 130 km a mais.
Além da via fácil de movimentação, a estrada também era importante para a economia da cidade, propiciando movimento na economia com a passagem de centenas de pessoas diariamente. Com base nisso, é importante ressaltar que Capanema é uma cidade pequena e em zona fronteiriça com a Argentina, fazendo divisa com a também pequena cidade de Andresito. Diferente de Foz do Iguaçu que faz fronteira com cidades de grandes portes e que geram um grande fluxo de mercadorias e de pessoas.
Para Viola (1987, p. 02), a década de 1970 foi marcada, entre outras coisas, pelo despertar da consciência ecológica no mundo. No Brasil o Presidente Geisel pressionado por organizações internacionais, cria em 1974 a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA).
O movimento ecológico acabou passando por transformações se tornando uma ecopolítica. Viola (1987, p. 21) afirma que “Desde Janeiro de 1986 existe intensa movimentação no ecologismo na perspectiva de intervenção no processo Constituinte.” No meio desta onda verde temos nesse mesmo ano o fechamento da Estrada do Colono por meio de uma Ação Civil Pública à pedido de ONG’S ambientalistas (BONASSA 2004, p. 14). Esse pedido se deu, por conta que o Plano Rodoviário Estadual do Paraná de 1980 previa o asfaltamento da estrada.
O fechamento da estrada teve o desacordo da população ribeirinha desde o principio.
Durante muitos anos o processo ficou tramitando na justiça, sendo passado de uma instancia a outra. Sendo o começo dos conflitos em maio de 1997, neste ano a AIPOPEC3 pediu a suspenção da liminar que garantia o fechamento da estrada e não só apoio como também organizou a primeira ocupação da estrada pela comunidade civil.
Segundo fonte audiovisual4 (Mai, 1997) a ocupação contava com aproximadamente cinco mil pessoas da comunidade de Capanema. Essas pessoas ficaram acampadas na barranca do Rio por alguns dias. Após missa ecumênica e pronunciamento das autoridades fizeram a travessia do Rio na balsa Lídia Teresinha de Andreis 5, com o objetivo de se encontrarem com a comunidade de Serranópolis do Iguaçu no meio da estrada para promover um abraço ecológico, como símbolo de respeito ao PNI e à própria estrada.
De acordo com Dallo (1999, p. 123), a comunidade ficou acampada no porto Moisés Lupion até o dia três de junho, sendo que, a partir do dia 11 de junho, iniciou-se novamente tráfego de veículos na estrada. Isso ocorreu, ainda segundo Dallo, pois o Juiz Paim Falcão, no dia 27 de maio, derrubou a liminar que mantinha a estrada fechada. Em 10 de julho à decisão é suspensa e, desde então, o caminho do colono passa a funcionar na ilegalidade.
A próxima ação da comunidade ocorreu no dia da árvore do mesmo ano, 20 de setembro. Todos os estudantes do munícipio de Capanema foram levados ao porto para que cada um plantasse uma árvore, e seguindo o discurso das autoridades ali presentes aprendessem a importância da mata ciliar no rio, e, mais ainda a importância da conservação da natureza.
Uma das bandeiras mais difundidas pelas lideranças nos movimentos da abertura da Estrada do colono é a educação ambiental, que durante algum tempo, foi adotada dentro das escolas municipais.
Os conflitos com a polícia começam alguns anos mais tarde, no dia 13 de junho de 2001, foi colocada em prática uma grande operação para o fechamento da estrada. Menciona o senhor Maia 6 (2012):
[...] foi de manhã, por volta das 9 horas, entrou a federal lá em Serranópolis e chegou duas vans da federal, com placa de Brasília distrito federal, daqui pra lá. [...] quando eu vim pra cá buscar o outro, nós retornemos lá, fomos tudo preso, nós ser preso lá, levaram pra cima do barranco e prenderam, e dai tomaram conta da balsa.
A Polícia Federal fez a apreensão dos balseiros e, no mesmo dia, explodiram a balsa dentro do Rio Iguaçu, fato assistido por vários capanemenses revoltados.
A discussão sobre a estrada se tornou frequente nas mídias, sendo apoiada ou repudiada por vários políticos. Dentro das escolas e também em todas as mesas de bares da cidade se tornou frequente esse debate. Cartazes e adesivos pedindo a reabertura da estrada se mostram uma bandeira frequente na cidade.
O último enfrentamento da polícia com a população da cidade foi a mais violenta, deixando vinte e dois feridos em Outubro de 2003.
Segundo Candido e Lima (2007, p.05) o Parque sofreu neste momento a sua segunda invasão pela população dos dois municípios que, com ferramentas precárias, delimitaram os contornos da estrada, enquanto uma comissão7 trazia uma balsa clandestina para a cidade.
A Polícia Federal foi novamente à cidade de Capanema, para fazer a apreensão da balsa. Paralelamente, a população moveu a balsa para o centro da cidade, para que ela fosse tombada como monumento histórico.
Como forma de protesto pela apreensão policial a comunidade ficou esperando a chegada dos oficias em torno da balsa, chegando ao extremo de um homem, o senhor Darci Nunemak se acorrentar em cima da balsa.
A população passou a jogar pedras na polícia e em suas viaturas, junto aos gritos ofensivos, como resposta os policiais revidaram com bombas de efeitos moral e balas de borracha a fim de dispersar população.
A população não dispersou como esperado e os policiais federais recuaram, apreendendo a balsa no dia seguinte, como lembra Nunemak 8 (2012).
Eu acorrentado, quando era 8 horas, 8:15h da noite, eles vieram pra me prender, e dai o povo não deixou, dai 8:30h eu sai da balsa, dai começou o tumulto, a polícia, ou não sei quem que era, jogando bomba no povo de helicóptero, eles com arma e tudo e de manhã acabaram levando nossa balsa embora.
3. HISTÓRIA E MEMÓRIA
A história é a ciência do homem no tempo. Esse é uma das definições mais conhecidas da disciplina histórica, mas se a história esta intimamente ligada com o passar do tempo e mais especificamente com as realizações humanas neste passar do tempo, então a história esta preocupada com a memória da humanidade.
Para Le Goff (1996, p. 476) “[...] a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades [...]”. Não é à toa que a história foi uma ferramenta ideológica do estado-nação construindo uma identidade coletiva que unisse uma população dentro de um determinado território.
Assim estudar as memórias e identificar os suportes que as mantem presente na população, nos permitem identificar a real importância deste caminho para esta comunidade.
Para Pollack citando Halbwachs (1992, p.2).
A memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.
Desta forma a memória quando coletiva, pode se tornar agente formador da identidade de um determinado grupo ou ainda de um sujeito. A memória é uma representação dos acontecimentos reais que o sujeito escolheu eleger ou codificar para ele mesmo.
A memória é um fenômeno construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero dizer que os modos de construção podem tanto ser conscientes como inconscientes. O que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização. (Pollack. 1992, p. 4)
Nesse sentido Pesavento nos contribui.
No domínio da representação, as coisas ditas, pensadas e expressas tem um outro sentido além daquele manifesto. Enquanto representação do real, o imaginário é sempre referencia a um “outro” ausente. O imaginário enuncia, se reporta e evoca outra cosias não explicita e não presente. (1995, p.15).
É necessário então buscar entender o atrativo que uma simples estrada de chão tem a um povo, não somente em discursos postos por políticos ou economicistas. Quais representações a população faz desta estrada, e quais são as diferentes representação existente dentro do mesmo grupo.
Parece evidente que a Estrada tem um lugar fixo no imaginário da população de diferentes formas, procurar compreender os fios que constroem esse imaginário, quais memórias foram selecionadas por cada grupo social são objetivos a serem buscados para compreender o problema complexo da Estrada do colono, e compreender porque a população se predispõe a conflitos morais e até físicos com a polícia em “defesa” de uma trilha de pouco mais de 17km.
“Mas imagens e discursos sobre o real não são exatamente o real ou, em outras palavras, não são expressões literais da realidade, como um fiel espelho.” (Pesavento, 1995, p. 15), as falas de um sujeito nunca estão postas só, suas memórias foram selecionadas e seu discurso permeia uma imagem que ele quer transmitir ao mundo sobre si mesmo, o sujeito esta preso em um emaranhado de associações, e seu pensamento, sua fala, e de novo, suas memórias, estão pautadas em variadas leituras.
Se assimilarmos aqui a identidade social à imagem de si, para si e para os outros, há um elemento dessas definições que necessariamente escapa ao indivíduo e, por extensão, ao grupo, e este elemento, obviamente, é o Outro. Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociações, de transformação em função dos outros. A Construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros. (Pollack. 1992, p. 5)
Nesse sentido não basta estudar a representação, a memória e o imaginário por si só, é necessário conhecer a realidade em que este sujeito esta posto e as suas leituras, tal qual Ginzburg faz a reconstrução da trajetória de Menocchio 9, entendendo o recorte em que este está inserido, as sutilezas das suas representações, da mesma forma a comunidade capanemense deve ser tratada.
Afirma Pollack (1992, p. 5) que “se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais”, desta forma é possível que a própria memória do conflito se torne uma disputa pela identidade do sujeito como pertencente ao grupo, ou seja a cidade que margeia a Estrada. Neste aspecto, quanto a construção da identidade social tendo como referência a Estrada do colono há varias hipóteses, que devem ser analisadas com pesquisas orais na comunidade, mas torna-se claro que para compreender a Estrada do Colono no imaginário da localidade, é necessário entender a genealogia da própria comunidade.
O Imaginário é, pois, representação, evocação, simulação, sentido e significado, jogo de espelhos onde o “verdadeiro” e o aparente se mesclam, estranha composição onde a metade visível evoca qualquer coisa de ausente e difícil de perceber. Persegui-lo como objeto de estudo é desvendar um segredo, é buscar um significado oculto, encontrar a chave para desfazer a representação do ser e parecer. (Pesavento, 1995, p. 24).
Os dois munícipios tem localização bastante distintas, Serranópolis situa-se ao longo da BR 277, bastante movimentada, e entre cidades de grande porte, Foz do Iguaçu, Medianeira e Cascavel enquanto Capanema como já dito esta no “ponto final” do estado fazendo divisa somente com a Argentina. Apesar de suas economias serem agrárias, o município de Capanema vem ao longo dos anos investindo na agricultura familiar e sobretudo vem se tornando uma referência na agricultura orgânica.
Desta forma a importância da estrada do colono dentro da identidade coletiva foi procurada dentro do discurso de algumas pessoas da comunidade, sendo elas bastantes diferentes entre si. Foram colhidas quatro entrevistas, sendo os sujeitos: a senhora Vera Steffens, enfermeira e esposa do ex-prefeito Valter Steffens. Senhor Darci Numack, mecânico, militante bastante ativo nas invasões do PNI. Senhor Marcelino Ampessan, vereador, dono da primeira balsa de Capanema, político ativo na abertura da estrada por meios legais, e por último o senhor Abelino Maia, vendedor de caldo de cana e antigo balseiro.
Também em audiovisual um trabalho de alunos do Ensino Médio da Escola Estadual Rocha Pombo, do munícipio de Capanema com entrevistas de pessoas que tinham comércios na região do Porto Moisés Lupion, onde funcionava a balsa.
Assim sendo, este trabalho tem o recorte unicamente da população de Capanema. Para tanto, utilizou-se os métodos da história oral, tendo como fontes primárias entrevistas concedidas por moradores da cidade, registrados de forma audiovisual. Também foram utilizados como fontes secundárias livros e teses.
Para Meihy (2000, p. 24) “A história oral responde à necessidade de preenchimento de espaços capazes de dar sentido a uma cultura explicativa dos atos sociais vistos pelas pessoas que herdam os dilemas e as benesses da vida no presente.” A história oral é um campo privilegiado para se trabalhar a história presente, pois dá oportunidades às pessoas comuns, que também são sujeitos históricos, de expressar o seu ponto de vista, seguindo, para tanto, uma metodologia específica para esse tipo de fonte.
A respeito desse “novo tipo” de fonte, que vem sendo debatido já algum tempo afirma Le Goff (1996, p.540)
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos.
Mas ao mesmo tempo Meihy (2000, p.30) trás ainda outro aspecto:
Há situações também em que, [...] se busca fazer uma “outra história” que tenha sua gênese diferenciada do conjunto estabelecido oficialmente. [...] Assim, em vez de consagradas figuras do poder, outros “rebeldes” ou “bandidos sociais”, assumiriam postos de relevância.
A duas situações são relevantes, pois além de não existir nenhum trabalho escrito sobre esse tema com o recorte específico a população de Capanema. As matérias que passam nos jornais, ou mesmo o discurso dentro das academias, frisam mais à discussão política e ambiental da estrada, deixando de lado os anseios e desejos das populações, que são as mais impactadas com as decisões tomadas pelos líderes políticos.
Quanto a isto afirmam (AMADO e FERREIRA, 2002, p. 78):
Há uma última dimensão em que os campos da história e da memória se entrelaçam, uma dimensão em que a história oral tem tido especial importância, não tanto por seus produtos, mas mais por seus processos: pelo envolvimento maior na recuperação e na reapropriação do passado que a historia oral possibilita.
A história oral vem se firmando como uma importante peça para a construção da memória coletiva e do próprio passado destas comunidades menores, da identificação destes agentes históricos que a história oficial tende a deixar de lado.
Ainda para Le Goff (1996, p.477) “[...] a memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro.”.
4. CAPANEMENSES, IDENTIDADE E O CAMINHO DO COLONO
Capanema é uma cidade que, segundo o IBGE em 2010 contava com 18.526 habitantes10 , e de acordo com seus moradores, bastante pacata. A Luta pela abertura da estrada do colono já passa de uma geração para outra, e torna-se uma marca na história do município.
O jornalista Palmar (2006, p. 184) conta que:
[...]durante meu trabalho em Capanema, a ação policial para o fechamento da estrada era tema obrigatório das conversas e a sua reabertura fazia parte das plataformas eleitorais. Casos de mobilização e violência, como os acontecimentos de 2001 e 2003, fazem parte da história da região.
Assim como o jornalista, qualquer pessoa de fora da cidade que parar para conversar com um capanemense, provavelmente entrará nessa temática. Nas redes sociais o assunto também não deixa de perder o vigor, sendo que a página intitulada Estrada do Colono Reabertura Já 11, no site facebook.com conta com mais de 3000 seguidores, em sua maioria, moradores ou exs moradores da cidade. Em época de eleições também é comum ver adesivos em carros com dizeres: “quer o meu voto, então reabertura da estada do colono”.
A luta pela abertura da estrada já se tornou parte da identidade dos moradores dessa cidade. É um ponto comum que muitos capanemenses concordem com a importância da estrada, demonstrando o seu orgulho em relação à comunidade e aos seus atos “heróicos”. Tornou-se um símbolo subjetivo dentro da cidade, que hora é mais ou menos explorado pelo poder politico. É possível perceber que pessoas de diferentes classes sociais dentro da cidade concordam em dizer que a cidade está economicamente estagnada pelo fechamento da estrada.
É interessante notar que a estrada do colono passou a ser a cima de tudo um conflito político-ideológico. Os ambientalistas dizem que a comunidade é em geral vítima do discurso político, como visto na página 05. A comunidade por sua vez chama os ambientalistas de “eco-chatos” e protestam afirmando que estes não conhecem de fato a região. Alguns políticos compram esta briga como é o caso, há algum tempo, do Deputado Assis Couto que está defendendo um projeto para que estrada possa abrir em moldes de uma estrada parque.
Além de todos os discursos e conflitos, quando falam da estrada e do PNI, os moradores também mostram um carinho ao relembrar seus tempos áureos, como a cidade crescia, e os benefícios que a estrada trazia para a comunidade.
Quando eu fazia faculdade era por ali que eu passava, porque na época os ônibus passavam por ali [...], e a gente curtia aquela viagem de ônibus, passava às 6 horas da manhã e depois passava a balsa (STEFFNS, 2012) 12.
Lembra também o balseiro, seu Abelino Maia13 (2012):
Os que trabalhavam na balsa tinham seu salarinho, os que não trabalhavam tinham seus barraquinhos, suas vendas de frutas, tinha dois restaures fortes, essa aqui mesmo [falando da esposa] era uma que vendia frutas.
E depois:
Nossa cidade cresceu enquanto ficou aberto [a estrada], esses tempos atrás tinha ficado aberto por três ou quatro anos, e daí nossa cidade evoluiu, cresceu, [...] teve mais aumento de emprego, [...] gente vindo de fora achando que Capanema ia ser uma cidade melhor, assim pacata pro trabalho e tudo, hoje o jovem [...] A maioria tá indo embora, porque tem que estudar, porque não tem um estudo bom em Capanema, não tem trabalho bom em Capanema também. Daí o povo tem que ir embora pra outra cidade procurar vida melhor pra eles14 . (NUNEMAK, 2012).
O discurso da população quanto à abertura da estrada, sempre trás dois pontos em comum. Num primeiro momento o uso da BR 469, que passa dentro do PNI até as Cataratas do Iguaçu, este fato faz com que as pessoas alimentem certo ódio de Foz do Iguaçu por poder usufruir de uma estrada assim, enquanto Capanema não pode.
Nós fomos pra visitar as Cataratas [...] e eu me neguei, eu não queria fazer o passeio do Macuco, [...] eu falei “não! se vocês quiserem vocês vão, eu vou sentar aqui que eu vou esperar, eu não vou! Você acha que eu vou fazer um passeio, que eu vou entrar no Parque que eu vou navegar se lá em Capanema jogaram bomba na gente, fizeram da gente como se nós fossemos bandidos”15 . (STEFFNS, 2012).
E o segundo ponto importante no discurso da população é o paralelo que se faz com a Argentina. O país vizinho faz continuidade ao PNI, e lá este também é atravessado por uma estrada de cascalho, que liga duas regiões bem próximas as do caminho do colono, na Argentina a estrada funciona normalmente, tendo uma guarita no meio da estrada com um guarda-parque para eventualidades com transeuntes.
Para a população capanemense a reabertura da estrada tornou-se discurso comum, mas além do carinho já citado, além dos motivos econômicos que vêm com o movimento na região a partir da abertura da estrada, também existe um lado de preocupação com o ambiente vindo deles.
No discurso da população fica claro que estes não acreditam que a estrada prejudique de forma alguma a fauna e a flora do PNI, e todos são unanimes em dizer que nunca viram nenhum animal perdido cruzando a estrada. Creem que, com a possibilidade de acesso a natureza, a comunidade cuidaria ainda mais da mata.
E ainda num terceiro ponto em geral se mostram indignados com o modo que a Policia Federal achou para impossibilitar a balsa Lídia Teresinha de Andreis, como fica explicito na fala do senhor Maia16 (2010):
Uma coisa assim que marcou bastante pra nós, o negocio de explodir a balsa, [...] do lado de lá onde nós atracava com a balsa, jogava um farelo de pão enchia de peixe, e não só lambari, mas aqueles peixes mais graúdos também. E eles fazer aquela explosão da balsa ali... Matar aqueles peixinhos, milhões de peixe. Eles querem ser os defensores da natureza e foi os que vieram a prejudicar a natureza. Hoje aquela barca tá lá no fundo da água, queira ou não prejudica, vai contaminando.
É fácil observar como essa temática é importante dentro da comunidade, realmente podendo eleger líderes políticos. Todo capanemense se vê cidadão enquanto militante pela estrada, isto é uma marca dentro da identidade desta comunidade.
Por motivos variáveis, seja a economia, a proteção ambiental, a preocupação de acesso rápido a grandes centros, entre outros, a população entende que para a cidade deles seria de grande importância a reabertura da estrada, e pode-se notar que se sentem comunidade quando falam da luta pela reabertura da Estrada do Colono.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Oeste Paranaense vive em sintonia com o PNI, já que este faz parte da história da região, tendo maior ou menor impacto em determinado lugares. Um desses é o município de Capanema, que fazia ligação com Serranópolis pela Estrada do Colono, uma estrada que passa pelo meio do PNI.
A muitos anos esta estrada vem sendo alvo de conflitos, já que está legalmente fechada desde 1986, e passou por inúmeros intentos de reabertura pela população dos dois municípios, chegando a ficar aberta ilegalmente de 1997 à 2001.
Do embate entre a Polícia Federal e a população também surgiram cicatrizes na população, como o desgosto por outras regiões que podem utilizar o PNI, o olhar negativo sobre as autoridades, principalmente o IBAMA e por fim o sentimento de injustiça. Estas marcas tornaram a história de luta da população, talvez até um mito para a cidade.
Este trabalho aborda a identificação da comunidade entre si com a Estrada do Colono, e a importância que esta estrada toma, no mínimo no imaginário da população de Capanema, e como a memória desta luta é importante para a identidade da população.
Através de entrevistas pode-se notar que a estrada, na visão dos moradores trás inúmeras vantagens para a população e para o PNI, portanto apesar da questão econômica do município, não é só a ela que os entrevistados se referem.
De fato, não se abrange o discurso politico e nem as questões ambientais aqui, dando preferencia para as pessoas que são afetadas pelos resultados destes.
A compreensão da identidade da população passa sutilmente por qualquer estrangeiro que por ventura passe pela cidade, como os relatos vem a afirmar a temática da estrada do colono é constante e “obrigatória” para qualquer pessoa que queira conhecer a cidade.
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STEFFENS, V. Entrevista concedida a Sharlene Keila Schlindwein referente à estrada do colono. Capanema, 31 Dez. 2012.
1 Parque Nacional do Iguaçu doravante PNI
2 As fontes diferem sobre seu tamanho exato, aqui adota a mesma metragem do Livro A Estrada do Colono a luta de um povo do autor Luciano Dallo, por ser a mais difundida entre a população de Capanema.
3 Associação de Integração Comunitária pró- Estrada do Colono
4 Arquivo Pessoal da Autora
5 DALLO, L. Estrada do Colono luta de um povo, 1999.
6 Acervo pessoal da autora
7 As pessoas se referem somente a uma comissão, ninguém sabe ou quer dizer nomes das pessoas envolvidas com a liderança deste movimento.
8 Acervo pessoal da autora.
9 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
10 CF. Portal IBGE. In: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=410450#. Consultado em: 10 Jun. 2013.
11 CF. Comunidade Estrada do Colono Reabertura Já. In: https://www.facebook.com/EstradaDoColonoReaberturaJa?ref=ts&fref=ts. Consultado em: 10 Jan. 2015.
12 Acervo pessoal da autora.
13 Acervo pessoal da autora.
14 Acervo pessoal da autora.
15 Acervo pessoal da autora.
16 Acervo pessoal da autora.
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