Pedro Jacob Rodrigues
Volgane Oliveira Carvalho
Instituto Camillo Filho
volganeoc@gmail.comRESUMO
Este trabalho tem como objetivo verificar a compatibilidade do crime de apropriação indébita tributária com o ordenamento jurídico brasileiro iniciado com a promulgação da Constituição de 1988. O estudo está fincado em uma base tríplice: a análise dos princípios, da lei e dos tratados internacionais. Em primeiro lugar verificar-se-á os princípios aplicáveis à matéria, mormente, a legalidade, a intervenção mínima e a lesividade, tanto sob o aspecto constitucional quanto sob a perspectiva penal. Em segundo lugar haverá a investigação das normas aplicáveis, especialmente a Lei nº 8.137/90, que disciplina os crimes contra a ordem tributária. Por fim, cabe contextualizar a questão sob a perspectiva dos documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, notoriamente, o Pacto de São José da Costa Rica. A pesquisa baseia-se no uso do método hipotético dedutivo e na técnica de revisão bibliográfica.
Palavras-chave: Princípio da Lesividade, Crimes contra a ordem tributária, Apropriação indébita tributária.
ABSTRACT
This thesis aims to verify the compatibility of the crime of tax appropriation with the brazilian legal system started with the promulgation of the Constitution of 1988. The study is based in a triple foundation: the analysis of the principles, of law and the international treaties. First check shall be the principles applicable to the matter, mainly, legality, minimum intervention and the harmfulness, both from the constitutional aspect and from a penal perspective. Second will be the investigation of the applicable rules, especially Law No. 8.137/90, which governs crimes against the tax system. Finally, we contextualize the issue from the perspective of international documents to which Brazil is a signatory, notably the Pact of São José da Costa Rica. The research is based on the use of deductive hypothetical method and technique of literature review.
Keywords: Principle of harmfulness. Crimes against the tax system. Tax appropriation.
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Pedro Jacob Rodrigues y Volgane Oliveira Carvalho (2015): “Transdiciplinariedade e interações normativas na contemporaneidade: uma nova visão do crime de apropriação indébita tributária”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 30 (octubre-diciembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/04/lesividade.html
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva analisar a Lei nº 8.137/90 quanto aos crimes contra a ordem tributária nela previstos, em especial aquele insculpido em seu artigo 2º, II. Pretende-se verificar se a previsão do crime batizado pela doutrina de apropriação indébita tributária está consoante com o ordenamento jurídico vigente, sob os vieses constitucional e penal.
Os delitos contra a ordem tributária há muito merecem os cuidados do legislador brasileiro, tendo como marco inicial a Lei nº 4.729/65 que definiu de forma inovadora hipóteses de sonegação fiscal como crimes. Posteriormente, a Lei nº 8.137/90 redefiniu os crimes de matriz tributária, no entanto, sem utilizar o nomen juris “sonegação fiscal”, contudo, tratava-se dos mesmos fatos previstos na norma anterior, de sorte que é possível compreender que a lei prévia foi tacitamente revogada.
Cabe agora analisar a Lei nº 8.137/90, sob o prisma da Constituição Federal de 1988 e dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, para que se possa verificar sua adequação ao ordenamento jurídico vigente.
A previsão da pena de prisão para o mero inadimplemento de uma obrigação tributária, somando-se à, cada vez maior, voracidade do Estado em arrecadar tributos, pode indicar que as tipificações da Lei nº 8.137/90 geram uma temerosa abertura de precedentes. O Estado tenta aumentar a arrecadação tributária pela intimidação e neste afã cuida de tornar efetiva a aplicação das sanções penais.
O Direito como instrumento de defesa contra o arbítrio estatal não pode olvidar tais questões. Desta feita, cabe investigar profundamente o delito nominado de apropriação indébita tributária, seja sob o prisma penal, seja sob a ótica constitucional.
1 DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
A Constituição escrita é fruto de uma evolução histórica iniciada com os movimentos liberais da Europa de meados do século XVIII. Tais movimentos enfatizaram o princípio da supremacia da lei e do parlamento afastando o prestígio da Constituição como norma vinculante. De forma contrária, nos Estados Unidos, devido a uma série de peculiaridades históricas, é reconhecido o valor normativo da Constituição como documento máximo da ordem jurídica. O caminho que os americanos arquitetaram para si teria sido o do equilíbrio dos poderes, precavendo-se contra as ambições hegemônicas do Congresso. Assim:
O valor normativo supremo da Constituição não surge, bem se vê, de pronto, como uma verdade autoevidente, mas é resultado de reflexões propiciadas pelo desenvolvimento da História e pelo empenho em aperfeiçoar os meios de controle do poder, em prol do aprimoramento dos suportes da convivência social e política. [...] O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantidas por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. (MENDES, BRANCO, 2011, p. 61).
A Constituição é, portanto, a norma jurídica fundamental que deve ser respeitada por todo o ordenamento jurídico, não podendo haver norma com ela incompatível, qualquer norma que não preencha esse requisito básico de compatibilidade com a Constituição Federal deve ser defenestrada do ordenamento jurídico.
Hans Kelsen (2006, p. 225-226) idealizador da Constituição como norma fundamental salientou: “A função desta norma fundamental é: fundamentar a validade objetiva de uma ordem jurídica positiva, isto é, das normas, postas através de atos de vontade humanos, de uma ordem coerciva globalmente eficaz [...]”. Contemplar a Constituição como norma fundamental, que deve ser observada por todo o ordenamento jurídico é uma das principais características do atual estágio do constitucionalismo e faz até mesmo parte do conceito de Constituição. Konrad Hesse (1998) a conceitua como ordem fundamental jurídica da coletividade, pois, visto que, a Constituição determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se a unidade política e as tarefas estatais a serem exercidas.
Pode-se ver que, nesse ponto, Hesse vai ao encontro das ideias de Hans Kelsen, assumindo a Constituição como ordem fundamental, no entanto acresce a expressão “da coletividade”, passando a ideia de que a Constituição é do povo. Mais: todas as garantias legais emanadas da Constituição são para o povo, para que este possa defender-se contra o arbítrio estatal. A doutrina brasileira contemporânea, por seu turno, define Constituição:
[...] como um conjunto de normas jurídicas supremas que estabelecem os fundamentos de organização do Estado e da Sociedade, dispondo e regulando a forma federativa de Estado, a forma e sistema de governo, o seu regime político, seus objetivos fundamentais, o modo de aquisição e exercício do poder; a composição, as competências e o funcionamento de seus órgãos, os limites de sua atuação e a responsabilidade de seus dirigentes, e fixando uma declaração de direitos e garantias fundamentais e as principais regras de convivência social (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 75).
Conceito que deixa claro se tratar a Constituição Federal de 1988 de uma Constituição “social”, “dirigente”, “compromissária”, “promissora” e “aberta ao futuro” (CUNHA JÚNIOR, 2013). Novamente, fica evidente a ideia de Constituição como norma jurídica fundamental, “suprema”; que fixa uma declaração de direitos e garantias fundamentais; provida de juridicidade e que devem ser obrigatoriamente seguidas, isso faz parte da própria ideia de supremacia constitucional.
A ideia de supremacia constitucional é inerente à própria noção de Constituição, desde que esta seja adotada como norma fundamental do ordenamento jurídico, tal qual o é no sistema romano, onde a Constituição é fundamento de validade para todas as outras normas.
Ainda sobre a ideia da supremacia constitucional é válido salientar que a congruência do ordenamento jurídico com a Constituição deve ser tanto formal quanto material. Formal, pois a própria Constituição prevê as etapas da gênese legislativa. Material, porque o conteúdo desses atos deve guardar completa congruência com os princípios estabelecidos no texto da Constituição Federal.
Não é possível falar de supremacia constitucional sem ressaltar também a ideia de força normativa da Constituição, do caráter obrigatório de suas disposições. Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2013, p. 194): “Vale dizer: as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado”.
Desta forma, fica claro, pelo exposto, que a Constituição foi a forma encontrada pelos povos para defender os seus direitos mais básicos e fundamentais, motivo pelo qual esta deve ser preservada, o que faz absolutamente necessário que esteja presente a ideia de supremacia constitucional.
1.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O SISTEMA PENAL
Os princípios são normas que prescrevem algo para ser efetivado da melhor forma possível, tendo em conta as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios seriam, portanto, mandatos de optimización1 que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes. Ao revés as regras, são normas que se acham submetidas à lógica do all-or-nothing 2, isto é, devem ser cumpridas, ou não. (FARIAS, 2000, p. 30).
Assinala Humberto Ávila (2014) que não cabe ao intérprete relativizar esses comandos, como se os princípios fossem normas descartáveis e, por isso, desprovidos de normatividade. Cabe-lhe, em vez disso, coerentemente respeitar a normatividade escolhida pela Constituição.
1.1.1 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é, antes de tudo, uma limitação ao poder punitivo estatal, diz-se, que o princípio da legalidade está intimamente ligado com o conceito de Estado de Direito, pois em um verdadeiro Estado de Direito, criado com a função de retirar o poder absoluto das mãos do soberano, exige-se a subordinação de todos perante a lei. Rogério Greco (2009) afirma ainda que além do controle de constitucionalidade das leis outro importante instrumento disponível na busca pela perfeita acomodação dos textos legais à norma fundamental é a chamada interpretação conforme à Constituição.
O princípio da legalidade está previsto no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal, que preceitua: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” (BRASIL, 2015, a). Tal norma foi capaz de estabelecer a positividade jurídico-penal, com a criação do crime (pela associação de uma pena qualquer a um ilícito qualquer). Nem sempre se percebe que o princípio da legalidade não apenas exclui as penas ilegais (função de garantia), porém ao mesmo tempo constitui a pena legal (função constitutiva) (BATISTA, 2007, p. 68).
Essa foi a grande contribuição do supramencionado princípio para o ordenamento jurídico-penal brasileiro. No entanto ainda há, sob o prisma de garantia individual, quatro funções em que se decompõe este princípio.
A primeira função refere-se à proibição da retroatividade da lei penal (nullum crime nnulla poena sine lege praevia)3 . O legislador constitucional apercebeu-se da importância desta função da legalidade, pois optou por prevê-la de maneira expressa na Constituição Federal de 1988: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
A segunda função refere-se à proibiçãoda criação de crimes e penas pelo costume (nullum crimen nulla poena sine lege scripta)4 . Nilo Batista (2007) afirma que a fonte de conhecimento imediata do Direito Penal é a lei, só a lei escrita, isto é, promulgada de acordo com as previsões constitucionais, pode criar crimes e penas, não o costume.
A terceira função diz respeito à vedaçãodo emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta) 5. Esta função justifica-se pelas mesmas razões da função anterior, se a a fonte de conhecimento imediata do Direito Penal é a lei, é claro que o uso da analogia é completamente inaplicável com o princípio da legalidade.
A quarta função recomenda a inexistência de incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa) 6. As normas que definem os crimes tem que dispor de clareza na significação de seus elementos. A lei deve ser taxativa. O princípio da reserva legal obriga que no tipo penal incriminador haja uma definição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada, portanto, com base em tal princípio, a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos.
O princípio da reserva legal implica a máxima determinação e taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, na elaboração das leis, que redija tipos penais com a máxima precisão de seus elementos, bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar a efetividade do princípio (GRECO, 2009, p. 97).
Logo, as tipificações deverão ser fechadas, taxativas. Tanto quando se trate do Poder Legislativo, ou seja, na elaboração das leis; quanto quando se trate do Poder Judiciário, na sua interpretação.
1.1.2 Princípio da intervenção mínima7
Este princípio também é conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima e constituir meio necessário para prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes (BITENCOURT, 2012).
Dessa forma, se esse bem puder ser tutelado por outras formas de controle social ou ser punido com sanções de ordem cível ou administrativa significa que sua criminalização é inadequada e irrazoável. Ou seja, se puder ser resolvido na esfera civil ou administrativa, são estas que devem ser empregadas. Assim, apenas quando todos os demais ramos do direito falharem em tutelar determinado bem jurídico, que possua relevância para a sociedade é que a repressão penal pode ser acionada, através da construção de normas incriminadoras.
Com o princípio da intervenção mínima se relacionam duas características do Direito Penal, a fragmentariedade e a subsidiariedade. A primeira diz respeito à própria função da pena que não é fazer justiça (pois, nesse caso, qualquer ofensa a bem jurídico deveria ser penalmente reprimida), mas sim evitar o crime. Nesse sentido, torna-se oportuno indagar a respeito da necessidade, da eficiência e da oportunidade da cominação de sanção penal para tal ou qual ofensa.
Constitui-se assim o direito penal como um sistema descontínuo de ilicitudes, bastando folhear a parte especial do Código Penal para percebê-lo. Supor que a legislação e a interpretação tenham como objetivo preencher suas lacunas e garantir-lhe uma totalidade é, como fira Navarrete, “falso em seus fundamentos e incorreto enquanto método interpretativo, seja do ângulo político-criminal, seja do ângulo científico”. Como ensina Bricola, a fragmentariedade se opõe a “uma visão onicompreensiva da tutela penal, e impõe uma seleção seja dos bens jurídicos ofendidos a proteger-se, seja das formas de ofensa. (BATISTA, 2007, p. 86).
A segunda característica, a subsidiariedade, pressupõe a fragmentariedade e considera o Direito Penal como remédio sancionador extremo, que deve ser ministrado apenas quando todos os outros remédios se revelem ineficientes; sua intervenção se dá “unicamente quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito” (BATISTA, 2007). Nilo Batista esclarece ainda melhor com ideias de Maurach:
Como ensina Maurach, não se justifica “aplicar um recurso mais grave quando se obtém o mesmo resultado através de um mais suave”seria tão absurdo e reprovável criminalizar infrações contratuais civis quanto cominar ao homicídio tão-só o pagamento das despesas funerárias. (BATISTA, 2007, p. 87).
Logo, depreende-se do esposado que, não se pode utilizar do Direito Penal quando o bem jurídico possa ser protegido por outros ramos do Direito, em especial o Civil e o Administrativo.
1.1.3 Princípio da lesividade
Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido, caso contrário, não se justificaria a repressão penal.A atuação do Estado-penal só se justificaria se houvesse efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que representasse, no mínimo, perigo real ao bem jurídico tutelado (BITENCOURT, 2012).
Nilo Batista explica que no Direito Penal, à conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se como signo do outro sujeito, no caso, o bem jurídico, este era objeto de proteção penal e foi ofendido pelo crime.
Só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não é simplesmente um comportamento pecaminoso ou imoral; [...] o direito penal só pode assegurar a ordem pacífica externa da sociedade, e além desse limite nem está legitimado nem é adequado para educação moral dos cidadãos. (ROXIN apud BATISTA, 2007, p. 91).
1.2 VEDAÇÃO DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA
Uma das principais conquistas civilizatórias da modernidade foi a vedação da prisão civil por dívida. A Constituição Federal de 1988 acolheu essa evolução humanística, no artigo 5º, LXVII, afastando, regra geral, a possibilidade de encarceramento do devedor. Descabendo qualquer confusão entre a prisão civil e a prisão penal, que é amplamente adotada, e consiste na resposta estatal à pratica de infração penal:
O inciso LXVII do art. 5º da Constituição prescreve que não haverá prisão civil por dívida. A prisão civil diferencia-se da prisão penal, na medida em que não consubstancia uma resposta estatal à pratica de infração penal, mas antes corresponde a um meio processual reforçado de coerção do inadimplente, posto à disposição do Estado para a execução da dívida. Não possui, portanto, natureza penal, destinando-se apenas a compelir o devedor a cumprir a obrigação contraída, persuadindo-o da ineficácia de qualquer resistência quanto à execução do débito. (MENDES, 2011, p. 635).
No entanto, apesar da previsão constitucional da prisão civil por dívida a Constituição Federal estabeleceu exceções, conforme depreende-se interpretação literal do texto constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; (BRASIL, 2015, a).
Percebe-se, pelo exposto, que em um primeiro momento, a Constituição Federal de 1988 previu duas exceções à proibição da prisão civil por dívida.
A prisão civil por dívida do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia é a única vigente no ordenamento brasileiro, e ainda assim, seu uso é restringido pelo próprio texto constitucional ao inadimplemento voluntário e inescusável. A prisão civil do depositário infiel foi expressamente prevista no ordenamento infraconstitucional no artigo 1.287 do Código Civil de 1916, e no artigo 652 do Código Civil de 2002. No entanto esta modalidade de prisão civil foi defenestrada do direito brasileiro a partir da adesão do país ao Pacto de São José da Costa Rica, que prevê:
Art. 7º Direito à Liberdade Pessoal [...] 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar [...] (BRASIL, 2015, c).
Logo, percebe-se que com a adesão às supramencionadas normas continentais, tornou-se impossível admitir no ordenamento jurídico a prisão civil do depositário infiel, já que o artigo 5º, §2º 8 da Constituição Federal afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais.
2 A LEI Nº 8.137/90 E OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
A Lei nº 8.137/90 é o diploma legal que define os crimes contra a ordem tributária,econômica e contra as relações de consumo. Para uma mais adequada sistematização do presente estudo fazem-se necessárias algumas informações acerca das origens dos cognominados “crimes de colarinho branco”.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS WHITE COLLAR CRIMES 9
As duas guerras mundiais, atrelados à crise dos Estados Unidos de 1929 deram novas feições à atividade econômica, que passou a ser menos liberal e exigir uma atuação maior do Estado. O enorme desenvolvimento econômico fez com que as grandes empresas americanas acabassem por adotar certas condutas inadequadas moralmente, lesivas, mas não criminosas, visto a ausência de tipificação específica, tais condutas eram desconhecidas e possuíam características sociológicas diversas daquelas já conhecidas, estigmatizadas e normalmente cometidas por pessoas de baixa renda.
Esse novo tipo de delinquência foi denominado por Edwin Hardin Sutherland, em 1939, de white collar crime, ou crimes de colarinho branco, no discurso intitulado The White Collar Criminal, proferido à Sociedade Americana de Sociologia, a que estariam afetas às classes sociais mais elevadas, e explica que o comportamento criminal dos business and professional men 10teria sido negligenciado das estatísticas oficiais (FLORES, 2015).
Sutherland publicou o livro White Collar Crime uma década após, nele documentou crimes perpetrados pelas 70 maiores empresas privadas americanas e 15 companhias de utilidade pública. Na ocasião conceituou tais crimes nos seguintes termos:
These violations of law by persons in the upper socio-economic class are, for convenience, called “white collar crimes.” This concept is not intended to be definitive, but merely to call attention to crimes which are not ordinarily included with in the scope of criminology. White collar crime maybe defined approximately as a crime committed by a person of respectability and high social status in the course of his occupation. [...] The significant thing about White collar crime is that is not associated with poverty or with social and personal pathologies which accompany poverty.11 (SUTHERLAND, 2015).
Sutherland entende tais violações como aquelas cometidas por pessoas que estão nos mais elevados estratos sociais. Ressalta, ainda, que o mais significante acerca dos crimes de colarinho branco é que estes não estão associados com a pobreza ou com patologias sociais e pessoais que acompanham a pobreza (MOTTA, 2015).
O conceito de Sutherland foi muito criticado em diversos pontos, em especial por dispor que o crime de colarinho branco era aquele cometido por pessoas de “elevada classe social” e de “grande respeitabilidade”, então vale transpor, novamente, a doutrina alienígena para conceituar os crimes de colarinho branco sob a ótica estatal do Departamento de Justiça americano, nas palavras de Cynthia Barnett (2015), que antes de expor o conceito esclarece que até hoje este vem sendo muito contestado e debatido pelos especialistas da comunidade:
[...] those ilegal acts which are characterized by deceit, concealment, or violation of trust and which are not dependent upon the application or thre at of physical force or violence. Individuals and organizations commit these acts to obtain money, property, or services; to avoid the payment or loss of money or services; or to secure personal or business advantage. 12
É fácil perceber que o conceito de crimes de colarinho branco proposto pelo Federal Bureau Investigation não faz qualquer menção do tipo de ocupação ou a posição socioeconômica do criminoso e ainda esclarece que esses crimes são cometidos para obter dinheiro, propriedade, ou serviços; para evitar o pagamento ou perda de dinheiro ou serviços; ou para assegurar vantagens pessoais ou comerciais.
Dentre os crimes de colarinho branco estão os crimes contra a ordem tributária, objeto do presente estudo. Importante salientar, de maneira breve, o tratamento que esses delitos vêm recebendo no decorrer dos anos.
Com a entrada em vigor da Lei nº 4.729/65 o sistema penal nacional passou a tratar, de maneira específica, sobre o enquadramento típico dos delitos que passaram a ser denominados de crimes de sonegação fiscal.Esse foi o momento do nascimento do embrião do debate, que ainda hoje se mantém entre os mais diversos doutrinadores nacionais e estrangeiros, acerca deste novo ramo do Direito Penal, qual seja, o do Direito Penal Tributário (BITENCOURT, 2014).
Posteriormente entrou em vigor a Lei nº 8.137/90, que disciplina nos seus artigos 1º, 2º e 3º os crimes contra a ordem tributária; regulando completamente aquilo que dantes era matéria da Lei nº 4.729/65. Mesmo que a lei não possa propriamente ser considerada como nova, é certo que ainda há diversas controvérsias acerca da sua interpretação e aplicação prática.
2.2 DA UTILIZAÇÃO DO DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO DE GERENCIAMENTO DO RISCO E OS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO
O sistema penal hodierno está marcado pelo que a doutrina, em especial, Silva Sánchez, convencionou denominar de administrativização do Direito Penal, isto significa a sua expansão sobre novos contextos, adentrando outras áreas do Direito. Isto não ocorre por obra do acaso, pelo contrário, tem relação íntima com o contexto social no qual o Direito Penal é produzido, está, portanto, vinculado ao modo de organização da sociedade (SANCHEZ, 2015). A organização social do Estado irá influenciar sobremaneira o desenvolvimento do próprio sistema penal, segundo Pierpaolo Bottini (2013, p. 20):
O modelo de organização social, estruturado sobre um sistema de produção econômica e sobre valores culturais e políticos, estabelece os mecanismos de exercício de poder com o objetivo de manter sua funcionalidade. Os instrumentos de controle social desenvolvidos em diversas esferas do relacionamento público e privado refletem a estrutura mencionada e são aplicados teleologicamente, com o escopo de conferir estabilidade aos valores eleitos como ratioessendi daquela organização. O direito penal e seus institutos caracterizam-se como mecanismos de controle social e, por isso, recebem os valores e cumprem os objetivos do modelo social em que se inserem, ainda que constituam um sistema estruturado e autônomo em relação a outros sistemas de regulação.
Nesse diapasão é necessária uma observação do contexto social para que haja uma adequada interpretação da norma penal. A sociedade atual é caracterizada como uma sociedade de risco13 , ou seja, fruto do desenvolvimento do modelo econômico que surge na Revolução Industrial, caracterizada pela livre concorrência mercadológica. A obstinação na inovação e o investimento em pesquisas científicas para propiciar tais inovações cria uma dinâmica peculiar, visto que a intensidade do progresso e da ciência não é acompanhada pela análise dos efeitos decorrentes da utilização destas novas tecnologias (BOTTINI, 2013. p. 25).
Entre esses riscos, Beck inclui os riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos, produzidos industrialmente, externalizados economicamente, individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e minimizados politicamente. Mais recentemente, incorporou também os riscos econômicos, como as quedas nos mercados financeiros internacionais. (GUIVANT, 2015).
Novas técnicas de produção são criadas, novos produtos são criados; no entanto, os instrumentos de avaliação e medição dos potenciais resultados da aplicação daqueles não acompanham esse desenvolvimento acelerado. Nesse momento surgem a incerteza e a insegurança, e o ser humano passa a lidar com o risco sob uma nova perspectiva. Este fenômeno afeta profundamente a construção dos institutos jurídicos, pois que tal qual falado no início deste tópico a organização social do Estado influencia sobremaneira o desenvolvimento do próprio sistema penal.
Com o surgimento de todas essas novas tecnologias, tornou-se importante parao Estado o gerenciamento de atividades potencialmente perigosas. De acordo com Bottini a análise do risco é a observação e sistematização de dados referentes a uma atividade, com o escopo de medir ou calcular seus efeitos sobre o entorno (BOTTINI, 2013). E aduz que a própria Constituição Federal estabelece, no seu artigo 225, IV, a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa lesão ao meio ambiente.
Ocorre que os meios usuais de contenção de riscos têm aparência de ineficácia já que os seus resultados positivos não são divulgados e, consequentemente há grande clamor social pelo controle penal dos riscos. A demanda popular por edição de leis penais apresenta hoje clara unanimidade e, por vezes, o direito penal parece ser movido pelos anseios populares. Pierpaolo Bottini ainda chama atenção para o paradoxo do risco, pois ao mesmo tempo que a sociedade demanda pela expansão do direito penal para se prevenir do risco, não postula pela ruptura do modelo produtivo que tem como fundamento básico o risco, logo:
Fica evidente a dificuldade do direito penal em cumprir sua missão de mecanismo de gestão de riscos. A ele é imposto o objetivo de contenção de atividades perigosas, mas, ao mesmo tempo, não pode levar a cabo sua tarefa por completo sob pena de perecimento das estruturas econômicas fundantes do sistema social contemporâneo. Os riscos não podem ser extirpados pelo direito penal que cumpre, em muitas situações o papel simbólico de apaziguar, por certo período, os anseios populares por mais segurança. (BOTTINI, 2014, p. 43).
Não é novidade falar que no Brasil, o Direito Penal é utilizado como instrumento da política, para fins eleitoreiros e apenas para apaziguar a ânsia popular por mais segurança. O cidadão acredita que os problemas sociais mais relevantes podem ser solucionados pela gênese normativa de leis penais e, dessa forma, pressiona o legislador a editar leis que possam lhes trazer uma maior sensação de segurança, no intuito de evitar o risco.
Dessa forma o legislador começa a valer-se de uma função ilegítima do Direito Penal, qual seja, a sua função simbólica, que utiliza-se do medo e da sensação de insegurança da população. Neste cenário o legislador abre mão do real objetivo do Direito Penal para dizer aquilo o que a população deseja ouvir.
O que importa, para a função simbólica, é manter um nível de tranquilidade na opinião pública, fundado na impressão de que o legislador se encontra em sintonia com as preocupações que emanam da sociedade. Criam-se, assim, novos tipos penais, incrementam-se penas, restringem-se direitos sem que, substancialmente, tais opções representem perspectivas de mudança no quadro que determinou a alteração (ou criação) legislativa. (SIDI, 2015).
O legislador passa, portanto, a ampliar a proteção penal a bens jurídicos supraindividuais, e a considerar o delito mesmo sem haver lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Pode-se conceituar os crimes de perigo abstrato nos seguintes termos:
O tipo de perigo abstrato é a técnica utilizada pelo legislador para atribuir a qualidade de crime a determinadas condutas, independentemente da produção de um resultado naturalístico. Trata-se de prescrição normativa cuja completude se restringe à conduta, ao comportamento descrito no tipo, sem nenhuma referência aos efeitos exteriores do ato, ao contrário do que se ocorre com os delitos de lesão ou de perigo concreto.
Pelo exposto, percebe-se que a sociedade do risco tem forte tendência à criminalização de esferas ou de zonas prévias pela crescente utilização de crimes de perigo abstrato, que, por sua própria natureza, afiguram-se voltados à antecipação da tutela penal.
Do exposto, depreende-se que, diferentemente dos delitos de perigo concreto – que, inclusive, tiveram sua adequação e eficiência questionados diante da necessidade de proteção de bens supraindividuais – e, momento dos de dano, a tipificação de perigo abstrato implica em evidente adiantamento da zona ou esfera de proteção penal a fases significativamente anteriores à efetiva lesão ao bem jurídico, motivo por que se pune a simples realização de determinada conduta imaginada perigosa, ainda que inexista a configuração de um efetivo perigo ao bem jurídico. (CARNEIRO, 2015).
A tipificação dos crimes de perigo abstrato importa em evidente aumento da esfera de proteção do Direito Penal, alargando sua área de atuação de maneira nunca antes imaginada, não só no sentido da previsão de uma grande quantidade de delitos, mas também alarga-se a atuação do direito penal para antes mesmo de o crime ter ocorrido, o que a doutrina convencionou chamar de teoria da antecipação:
Éste es elpunto de partida de la llamada teoria de la anticipación: la perspectiva de la determinación del injusto se proyecta sobre los futuros delitos cuya comissión por parte de la preganización se teme (es decir, las infracciones instrumentales para los fines últimos de la organización, que son cometidas en su marco). 14 (MELIÁ, 2008, p. 35).
Desta forma, é possível entender o porquê da massificação dos delitos de perigo abstrato no Direito Penal. O perigo abstrato representa o sintoma mais nítido da expansão do Direito Penal, na ânsia por fazer frente aos temores que acompanham o desenvolvimento científico e econômico da atualidade (BOTTINI, 2013). Esta nova configuração do Direito Penal pode terminar por desrespeitar as garantias penais liberais, construídas e consolidadas no decorrer da história.
2.3 DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA
Os crimes tributários praticados por particulares são objetos dos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 que mereceram o batismo pela doutrina com o nomen juris de sonegação fiscal, que é conceituada como:
Em sentido fiscal, a sonegação, em princípio, designa a evasão do tributo por meio de artifícios ou manejos dolosos do contribuinte. Quer significar, pois, a falta de pagamento do tributo devido, ou a subtração ao pagamento do tributo, mediante o emprego de meios utilizados com esse objetivo. Desse modo, a sonegação não implica numa falta de pagamento involuntária ou decorrente da falta de recursos, mas no emprego de meios para se furtar a esse pagamento. (SILVA, 2008, p. 1.328).
É comum que os crimes tributários sejam praticados mediante falsidade material ou ideológica e isto se apresenta de maneira quase alternada nos incisos do artigo 1º. O legislador utilizou-se de verbos tais quais: “fraudar”, “falsificar”, “elaborar”, “omitir” para tipificar tais condutas. Os tipos supramencionados, entretanto, constituem crimes materiais, sendo necessária a produção de resultado para que atinjam a consumação 15.
Já os tipos previstos no artigo 2º da Lei nº 8.137/90 são crimes de mesma natureza dos tipos previstos no artigo 1º, com a diferença de que os incisos do artigo 2º preveem crimes formais, de forma que é prescindível a produção do resultado naturalístico para a consumação do delito, também se utilizando, de maneira quase alternada, de falsidade material ou ideológica, com exceção do inciso II:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: [...] Art. 2º Constitui crime da mesma natureza: [...] II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; (BRASIL, 2015, d).
Note-se que neste inciso não há uso de fraude, ardil, ou qualquer tipo de falsificação para a consumação do delito, logo a doutrina passou a criticar o nomen juris dado, pois que, sem estes atributos não poderia se tratar de sonegação, desta forma a doutrina surgiu com novo nomen juris, qual seja: apropriação indébita tributária.
Dá-se quando o substituto, ao realizar um pagamento ao contribuinte, procede à retenção do tributo devido por este último, porque a lei assim lhe determina, mas deixa de cumprir a obrigação de repassar tal montante aos cofres públicos. Ou seja, retém do contribuinte em nome do Fisco e se apropria dos valores em vez de dar-lhe a destinação legal. Também ocorrerá quando a regra matriz de substituição tributária determine que o substituto exija do contribuinte o montante do tributo para repassar aos cofres públicos e deixe de ser feito tal repasse. (PAULSEN, 2014, p. 686-687).
Logo, consiste na conduta de não repassar ao fisco o valor do tributo descontado ou cobrado do contribuinte. O verbo nuclear é deixar de recolher. Consuma-se com o não recolhimento do tributo ao fisco dentro do prazo previsto na legislação tributária para tanto, e independentemente de qualquer resultado ulterior. Lovatto (2008, p. 127) exemplifica: “Ao efetuar a venda, o contribuinte-industrial tem o dever de cobrar o IPI. Cobra, então, o valor da mercadoria mais o valor do IPI. Este valor cobrado deve ser recolhido no prazo legal aos cofres públicos sob pena de incidir o inciso”.
No exemplo, se o industrial deixar de recolher ao fisco o valor cobrado a título de Imposto sobre Produtos Industrializados, incidirá em tal tipo. Outro exemplo cabível refere-se ao Imposto de Renda retido na fonte:
Assim, a hipótese do tributo cobrado ocorre, v.g., no pagamento de salario ou honorários de determinados valores, quando a norma obriga a pessoa jurídica que efetua o pagamento a reter a parte correspondente ao imposto de renda (IR), dando-lhe a responsabilidade não só de efetuar o desconto correspondente, mas de proceder ao recolhimento do valor aos cofres públicos. Trata-se de situação fático-jurídica em que o tributo deve ser descontado e o responsável pela obrigação tem o dever de abater do valor a pagar a importância correspondente ao tributo. (LOVATTO, 2008, p. 127).
2.4 O BEM JURÍDICO TUTELADO NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Antes de mais nada faz-se importante salientar a diferença entre infração tributária e crime contra a ordem tributária já que o Direito Penal é a ultima ratiodo sistema, pois que limita-se a punir apenas as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais fundamentais para a sociedade. Por isso também que o Direito Penal é regido por uma série de princípios que limitam o exercício do poder punitivo estatal, já que a resposta do Direito Penal, sua ação sobre um infrator é muito drástica e danosa.
São essas características que transformam o Penal em ramo autônomo do Direito, e autorizam deduzir que o crime tributário (infração penal) pode e deve ser diferenciado do ilícito tributário (infração tributária), e que essa diferenciação deve ser orientada em dois sentidos: o delito tributário deve representar uma ofensa a um bem jurídico relevante para a sociedade, e não uma mera infração das normas tributárias, como o é para a caracterização da infração tributária, ora, se o Direito Penal tem como função a proteção subsidiária dos bens jurídicos mais importantes para a coletividade, não se pode admitir a criminalização de condutas constitutivas de mera infração de dever (BITTENCOURT, 2014, p. 28-29).
Em segundo lugar, apesar de a antijuridicidade ser uma categoria sistemática transversal, comum a todos os ramos do Direito, o delito tributário atende a princípios e regras de imputação específicos, propriamente penais, logo a constatação da responsabilidade penal objetiva e subjetiva e a declaração de culpabilidade constituem pressupostos necessários e irrenunciáveis para a aplicação da pena.
Logo, devemos concluir que, se os crimes contra a ordem tributária são autônomos é porque eles representam comportamentos que afetam a um bem jurídico digno de proteção penal, não são meras infrações à norma tributária.
Quanto ao bem jurídico protegido nos crimes contra a ordem tributária é um tema controverso, de acordo com Martínez Buján-Perez citado por Bitencourt (2014), existem duas vertentes básicas que divergem sobre o objeto jurídico de proteção penal no âmbito dos delitos fiscais: de um lado encontram-se as posturas patrimonialistas e, de outro lado, as funcionais.
As posturas patrimonialistas defendem, o entendimento de que o objeto jurídico nos crimes tributários é o patrimônio da Fazenda Pública, também referido pela doutrina como erário público e arrecadação tributária. A postura majoritária tanto na doutrina e jurisprudência alemãs, em relação ao delito de fraude fiscale na doutrina e jurisprudência espanholas é a mesma (BITENCOURT, 2014). Acerca da postura patrimonialista é válido trazer à lume o entendimento de Armando Giorgetti quanto ao objeto jurídico da sonegação fiscal, denominada por ele de Evasión tributária:
Así como en todo acto o hecho humano siempre hay un objeto conceitual inevitablemente aquél se vincula, también en la acción ilícita prevista por la disposición fiscal, además de un sujeto activo que la realiza o, de todos os modos, de la cuallo responsabiliza la ley, existe un objeto jurídico de la evasión. Y desde el momento que el bien más evidente e imediato que suporta el daño económico de la trasgresión es el patrimônio común de la colectividad, administrado por el ente público - que el precepto fiscal, juntamente com las outras leyes del Estado, tutela y protege -, de ello se deduce que el objeto jurídico o lo que também si elle denominarse bien jurídico, prejudicado por la acción ilícita del agente, será el patrimônio mismo de la colectividad, cuya gestión tiene a su cargo el ente que aplica el impuesto; de donde resulta que enel ente mismo radica el interésen determinar y en exigir el tributo para los fines de utilidade común; interés que ha sido lesionado por el comportamento antijurídico del agente. De esto se desprende, entonces que el objeto substancial específico de laevasión tributaria es, desde un punto de vista patrimonial, el monto del tributo pagado al fisco, al cualen diversas formas se le sustrae una fonte de ingresos.[...] 16. (LOVATTO, 2008, p. 94-95)
Persiste, ainda, a importância em admitir o pagamento do tributo como seu objeto substancial específico para fins de caracterização penal da conduta. Importante, por fim, trazer à lume a outra corrente doutrinal. aquela que admite a vertente das posturas funcionais do objeto jurídico de proteção penal no âmbito dos delitos fiscais.
As posturas funcionais, sem embargo, rejeitam a concepção patrimonialista, e sustentam que o objeto jurídico protegido nos delitos fiscais está diretamente vinculado às funções que deve cumprir o tributo no âmbito de uma determinada sociedade. Esse entendimento pode ser, contudo, questionado pela sua inegável abstração e generalidade, uma vez que as funções desempenhadas pelos tributos, como o custeio e financiamento das atividades institucionais do Estado e das prestações sociais, somente podem ser atingidas de forma mediata pelas ações criminosas individualmente cometidas. (BITENCOURT, 2014, p. 35)
A partir desse entendimento, emerge como mais vigorosa e aceitável a posição da doutrina dominante no Brasil, Alemanha e Espanha. Assim, há que se reconhecer a existência de posturas patrimonialistassobre o objeto jurídico de proteção penal no âmbito dos delitos fiscais, uma vez que os crimes tributários atingem diretamente a administração do erário, prejudicando a arrecadação de tributos e a gestão dos gastos públicos.
Ainda de acordo com Cezar Bitencourt (2014, p. 36) essa realidade tangível pode ser demonstrada no curso da instrução criminal para efeito de atribuição de responsabilidade penal e aplicação de pena, e que, inegavelmente atinge o bem jurídico ordem tributária.
Diante desse entendimento, é possível afirmar que a ordem tributária é obem jurídico protegido diante das condutas incriminadas pela Lei n. 8.137/90, e que o objeto jurídico dessa proteção consiste, materialmente, no patrimônio administrado pela Fazenda Pública na sua faceta de ingressos e gastos públicos. Essa compreensão não implica, contudo, negar a importância das funções desempenhadas pelos tributos nas sociedades modernas; apenas evidencia que, apesar de sua inegável transcendência para a coletividade, as funções dos tributos não podem ser identificadas como o objeto de proteção imediata pelas normas instituidoras dos crimes tributários, inclusive porque ditas funções não possuem relevância direta sobre o tipo objetivo e o tipo subjetivo dos delitos fiscais, tais como se apresentam tipificados nas distintas legislações.
As funções desempenhadas pelos tributos representam o fundamento da incriminação daquelas condutas que prejudicam significativamente o patrimônio administrado pela Fazenda Pública, é por isso que se justifica a proteção da ordem tributária enquanto bem jurídico.
2.5 DAS FUNÇÕES DA PENA
A pena, no Direito brasileiro, tem que ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime17 . Nesse sentido, a sanção penal deve reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuros ilícitos. A teoria absoluta defende a tese da retribuição e a teoria relativa defende a tese da prevenção.
Segundo a tese retributiva, a pena tem um fim em si mesma, o infrator tem que sofrer algum mal que possa “compensar” o ilícito que cometeu. A característica essencial das teorias absolutas consiste em conceber a pena como um mal, um castigo, uma retribuição ao mal causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, como fim em si mesma, ou seja, não como meio para o alcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fato passado.
De acordo com a tese preventiva a pena teria como função a prevenção de futuros delitos, fundamentando-se na prevenção geral (negativa e positiva) e na prevenção específica (negativa e positiva), Rogério Greco (2009). A prevenção geral negativa, também conhecida como prevenção por intimidação consiste na ideia de que a pena aplicada ao autor da infração penal reflita junto à sociedade, de forma que as pessoas tomem aquilo como exemplo e sejam inibidas da prática de crimes.
A prevenção geral positiva procura infundir na consciência da população a necessidade de respeito a determinados valores. A prevenção específica negativa determina que aquele que praticou a infração penal deve ser segregado, preso, encarcerado, para que, dessa forma, suas ações possam ser neutralizadas.
A prevenção específica positiva engloba o caráter socializador da pena, para que o agente, individualmente, pense nas consequências da punição e seja inibido de cometer outros delitos (GRECO, 2009, p. 490). Posteriormente surgiram novas teorias que pretendiam agrupar em um conceito único os fins da pena, estas são as teorias mistas ou unificadoras da pena. Entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e complexo fenômeno que é a pena (BITENCOURT, 2012)
Conforme De Toledo y Ubieto, citado por Cezar Roberto Bitencourt (2012), essas teorias partem do princípio de que os fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal são demasiado complexos para que possam ser abrangidos pela unidimensionalidade das teorias absolutas ou relativas das penas.
Essas teorias centralizam a finalidade do Direito Penal na ideia de prevenção. De acordo com Quintero Olivares, igualmente referido por Bitencourt (2012), a retribuição, em suas bases teóricas, seja através da culpabilidade ou da proporcionalidade (ou de ambas ao mesmo tempo), desempenha um papel apenas limitador (máximo e mínimo) das exigências de prevenção. Pode perceber-se, pela análise do Código Penal, a adoção das teorias mistas ou unificadoras da pena, já que conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime.
2.6 MEDIDAS DESPENALIZADORAS: REGULARIZAÇÃO FISCAL E SEUS EFEITOS
As medidas despenalizadoras aplicáveis aos crimes contra a ordem tributária são institutos análogos àqueles previstos na parte geral do Código Penal, nos artigos 15 e 16, quais sejam: desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior; pois que tem como finalidade motivar o autor do crime a reparar aquele dano causado à sociedade e em troca ter extinta a punibilidade daquele crime por ele cometido.
A diferença básica entre as medidas despenalizadoras aplicadas aos crimes contra a ordem tributária e as medidas previstas na parte geral do Código Penal é que estas não isentam necessariamente o réu de pena. É o caso da desistência voluntária e do arrependimento eficaz previstos no artigo 15 do Código Penal18 .
Depreende-se do artigo que, se o infrator causar qualquer dano, responderá por este, só não será responsabilizado na hipótese de não haver causado dano algum. Válido destacar como se dá a aplicação prática destes institutos, primeiramente da desistência voluntária:
Se o agente, agindo com dolo de matar, depois de lesionar a vítima, interrompeu voluntariamente os atos de execução, só responderá pelo crime do art. 129 do Código Penal, ficando afastada a tentativa de homicídio; se agia com animus furandi (dolo de subtrair) ao penetrar na residência da vítima e, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução, porque sensibilizado, percebe que a proprietária daquela residência era parecida com sua falecida mãe, somente responderá, segundo a maioria, por violação de domicílio, e não por tentativa de furto. (GRECO, 2009, p. 273).
Dessa forma o agente não será punido por tentativa de furto, mas apenas por aquilo que efetivamente cometeu, pois que deixou de prosseguir em sua ação criminosa voluntariamente, sem esgotar todos os meios que tinha à sua disposição para chegar à consumação do crime, desistindo, voluntariamente de atingir esse resultado.
Já no arrependimento eficaz o agente esgota todos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, no entanto arrepende-se e atua em sentido contrário, de forma a evitar o resultado que pretendia. É importante destacar este caso, pois este é o único caso na legislação penal brasileira em que pode acontecer a efetiva extinção de punibilidade daquele crime que o agente chegou a cometer:
Podemos citar o exemplo clássico daquele que, depois de uma discussão no interior de um barco, lança seu desafeto ao mar, tendo conhecimento de que este último não sabe nadar, querendo causar sua morte por afogamento. Neste caso, o agente fez tudo aquilo que podia para conseguir o resultado morte: lançou ao mar a vítima que não sabia nadar. No entanto, após esgotar os atos que entendia como suficientes e necessários à consumação da infração penal, arrependido, resolveu salvar a vítima, não permitindo que ela morresse. Se a vítima sair ilesa do ataque o agente não responderá por absolutamente nada; se, entretanto, sofrer alguma lesão, esta será atribuída ao agente. (GRECO, 2009, p. 274).
Dessa forma o agente pode vir a ter extinta a sua punibilidade, mas apenas se dano algum houver sido causado à vítima, se esta sair ilesa do ataque. O Código Penal prevê também, em sua parte geral, no artigo 1619 , a figura do arrependimento posterior. O arrependimento posterior é considerado uma causa geral de diminuição de pena, logo, se o agente houvesse cometido um furto e, antes do recebimento da denúncia, por ato voluntário, reparasse o dano, poderia se valer do instituto do arrependimento posterior, de forma a minorar a pena de um a dois terços.
Se o agente restituir a coisa ou reparar o dano após o recebimento da denúncia a ele seria aplicada a circunstância atenuante elencada na alínea b do inciso III do artigo 65 do Código Penal. De maneira diversa do que ocorre nas medidas previstas na parte geral do Código Penal as medidas despenalizadoras aplicáveis aos crimes contra a ordem tributária têm por interesse primordial preservar a arrecadação de tributos pelo Estado:
Através da regularização fiscal, alcança-se uma dupla finalidade: possibilita ao Estado a arrecadação de ingresso de fontes impositivas ocultas (que de outro modo não seriam descobertas) e facilita o retorno do contribuinte à legalidade, que terá oportunidade de continua contribuindo com a arrecadação fiscal regularmente. (BITENCOURT, 2014, p. 83).
Por regularização fiscal deve entender-se pagamento da dívida tributária ou o início de seu parcelamento, nos termos e condições legais, respectivamente extinguindo-se a punibilidade do crime ou suspendendo-se a pretensão punitiva do Estado, beneficiando todos os participantes do crime.
A principal forma de regularização fiscal é o pagamento do tributo e de seus acessórios, esta forma de regularização já estava prevista desde o advento da Lei nº 8.137/90; o artigo que fazia tal previsão chegou a ser revogado em 1991, mas voltou a vigorar com o artigo 34 da Lei nº 9.249/95, que previa a extinção de punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90 desde que o agente pagasse o tributo antes do recebimento da denúncia.
Em 2003, com o advento da Lei 9.664 deixou de haver qualquer estipulação temporal para o pagamento do tributo, dessa forma, após o advento desta lei, o panorama jurídico ficou mais favorável ao acusado, que poderia se beneficiar da extinção de punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo (BITENCOURT, MONTEIRO, 2014).
Há também outra forma de regularização fiscal, esta é efetuada pelo parcelamento do débito fiscal. Em 2000 foi editada a Lei nº 9.964, que criou o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), abrangendo os crimes tributários praticados por agentes cujas empresas aderissem ao aludido programa, para a regularização do pagamento de débitos tributários com vencimento até 29 de fevereiro de 2000.
Determinava a lei que seria suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 durante o período em que a pessoa jurídica estivesse incluída no REFIS. Seguindo esta possibilidade de regularização fiscal adveio a Lei nº 10.684/2003, que previu a possibilidade de parcelamento dos débitos junto à Receita Federal ou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, suspendendo, da mesma forma que a lei anterior, a pretensão punitiva do Estado (BITENCOURT, MONTEIRO, 2014).
A forma ainda mais benéfica de parcelamento teve sua gênese com a Lei nº 11.941/2009, que instituiu nova modalidade de parcelamento incluindo todos os débitos citados no parágrafo anterior, mesmo que a empresa já houvesse sido excluída dos respectivos programas e parcelamentos, incidindo dessa forma sobre fatos anteriores a sua vigência, e abrangendo ainda uma série de outros tributos (BITENCOURT, MONTEIRO, 2014).
Essa lei ainda beneficiou o infrator visto que não estabeleceu prazo para que a regularização fiscal possa operar efeitos, suspendendo a pretensão punitiva do Estado. Nestes termos, ainda que o parcelamento seja concedido após o recebimento da denúncia permanecerá o condão de operar efeitos, suspendendo a pretensão punitiva do Estado.
3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, II DA LEI Nº 8.137/90
Tal qual já foi abordado no tópico relativo à evolução histórica dos crimes contra a ordem tributária, as figuras tipificadas pela Lei nº 8.137/90 como “crimes contra a ordem tributária” foram inicialmente previstos na Lei nº 4.729/64 sob o nomen juris de sonegação fiscal por trazerem presentes as noções de falsidade:
[...] pois os tipos arrolados nessas leis referiam-se a “declaração falsa”, “elementos inexatos”, “alteração de faturas ou documentos”, “documentos graciosos” etc., que costumam aparecer como elementos conceituais dos crimes de falsidade. (AMARO, 2014, p.491).
Logo, inseria-se, como elemento dos tipos penais, a intenção de eximir-se do pagamento de tributos, ou o propósito de fraudar a Fazenda Pública, ou o objetivo de obter deduções de tributos, ainda de acordo com o supramencionado doutrinador (AMARO, 2014).
A Lei nº 8.137/90 deu disciplina penal mais ampla à matéria, alargando ainda mais a lista dos fatos típicos que passou a denominar, genericamente, de “crimes contra a ordem tributária”, dispostos em dois extensos róis de incisos disciplinados pelos arts. 1º e 2º da supramencionada lei.
O artigo 1º disciplina os crimes contra a ordem tributária cuja conduta é a de suprimir ou reduzir tributo mediante práticas artificiosas, sem as quais o crime não se perfaz (ainda que o tributo seja efetivamente suprimido). O artigo 2º, porém contempla os crimes contra a ordem tributária formais, que prescindem, portanto, da efetividade do resultado lesivo (AMARO, 2014).
Dentro deste rol do artigo 2º encontra-se o objeto do presente trabalho, qual seja, o seu inciso II que tipifica o crime de “apropriação indébita tributária”, que constitui crime contra a ordem tributária deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
A partir de uma rápida leitura no supramencionado dispositivo de lei poder perceber-se que este se trata de norma penal em branco, pois esta remete a outro dispositivo a especificação da matéria de proibição20 . É o que ocorre, de modo geral, no âmbito dos crimes contra a ordem tributária:
No âmbito dos crimes contra a ordem tributária os elementos normativos estão intrinsecamente vinculados a conceitos normativos relacionados com as normas do Direito Tributário, de modo que sempre será necessário buscar, naquele ramo do Direito, as informações para entendimento do alcance do tipo penal, mas sem perder de vista que o núcleo essencial da conduta incriminada é estabelecido pelo legislador penal. (BITENCOURT, 2014, p. 39).
O inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.137/90 não é exceção, pois utiliza expressões tais quais: “no prazo legal”, “na qualidade de sujeito passivo de obrigação”, etc. Remetendo para o ramo do Direito Tributário o núcleo essencial da conduta punível. Logo, é necessário determinar o significado jurídico dos elementos normativos do tipo e realizar, em cada caso concreto, um juízo de subsunção também de tipo normativo, para decidir se a conduta praticada pelo agente representa ou não o desvalor da ação plasmado na norma incriminadora.
Ademais, na medida em que é necessário recorrer à legislação tributária para identificar o significado jurídico daqueles elementos e determinar, em suma, os limites da tipicidade, pode-se afirmar que os crimes contra a ordem tributária constituem autênticas normas penais em branco. (BITENCOURT, 2014, p. 39-40)
No que tange ao delito de apropriação indébita tributária pode perceber-se que a própria descrição do crime permanece indefinida, seu conteúdo é incompleto e exige a complementação da norma tributária para definir até mesmo quem seria o sujeito ativo do crime já que a lei determina que é aquele que está “na qualidade de sujeito passivo da obrigação”; exige também complementação pela norma tributária para definir quando se daria a sua consumação devido à expressão “no prazo legal”.
Logo, o núcleo essencial da conduta punível não está descrito no preceito primário da norma penal incriminadora, violando desta forma o princípio constitucional de legalidade (artigo 5º, II e XXXIX, da CF/88), do mandamento de reserva legal (artigo 22, I) e do princípio da tipicidade estrita (artigo 1º do CP). Importante observar também que a sanção penal é uma medida de restrição da dignidade humana, que só deve ser empregado quando outros ramos do Direito falharam em cumprir tais funções, por isso se faz importante o princípio da intervenção mínima.
Quando se fala em crimes de perigo abstrato torna-se ainda mais importante observar o supramencionado princípio, pois, quando os crimes de perigo abstrato são utilizados sem que haja uma exigência de natureza político-criminal, apenas pela dificuldade de incriminar comportamentos que atentam contra bens jurídicos sem contornos claramente definidos, estar-se-á violando o princípio da intervenção mínima (BOTTINI, 2013).
Também não se pode utilizar do Direito Penal apenas pelo simples fato de outras áreas do Direito, tais quais Direito Civil e Direito Administrativo estarem defasados, ou encontrarem dificuldades para fazer frente aos novos riscos por mera ausência de estrutura estatal. Especialmente quanto ao Direito Administrativo:
No entanto, cabe ressaltar que no contexto social de risco, a ineficácia dos meios menos gravosos de controle social é patente em diversos campos, especialmente naqueles em que vigoram as novas tecnologias [...] o direito administrativo encontra dificuldades para fazer frente aos novos riscos diante da ausência de estrutura estatal para empreender a fiscalização das atividades que, somada à burocratização e à corrupção, levam este instrumento de controle a um crescente descrédito. [...] A dificuldade dos demais meios de controle social em lidar com os novos riscos termina por transferir ao direito penal a tarefa de sua gestão, o que nem sempre é adequado, útil e racional. Acaba-se por impingir ao poder punitivo do estado uma função de pedagogia social, de socialização, de civilização, que enseja uma expansão desmesurada, fora dos patamares mínimos pretendidos por um modelo de Estado Democrático de Direito. (BOTTINI, 2013, p. 158-159).
E não poderia ser diferente, já que o Direito Penal se justifica exatamente por ser a ultima ratio, mesmo diante da falha de outros instrumentos de controle de riscos, o Direito penal não tem o escopo de proteger os bens jurídicos tutelados de todos os ataques possíveis.
O contexto social atual, por ser dinâmico e estar fundado na criação e aceitação de riscos como elementos integrante da organização, tem a exposição de bens jurídicos a perigo como um fenômeno natural. O direito penal não pode atuar sobre toda e qualquer periculosidade, sob pena de macular o modo de produção e a estrutura política e social. O risco integra o cotidiano e sua supressão por complexo não é possível. (BOTTINI, 2013, p. 159)
Quando a conduta típica não representar um ataque violento que ameace a estabilidade social, sua sanção afetará o princípio da fragmentariedade:
O princípio da fragmentariedade apresenta uma função pragmática. Ao reduzir a incidência da norma penal apenas a ataques intoleráveis confere uma simbologia e uma solenidade ao direito criminal que não se verifica nos outros meios de controle social. A limitação do número de atividades desvaloradas penalmente decorre da intensa rejeição social à sua prática. Este fenômeno reforça o respeito norma, independentemente da quantidade ou da qualidade da pena. Por outro lado, a ampliação excessiva de condutas criminalizadas, verificada na produção legislativa atual, banaliza a política criminal, enfraquece seu potencial de prevenção positiva e negativa. O direito penal perde em autoridade e em eficiência, pois falha em sua missão de indicar e atuar apenas diante de lesões ou ameaças graves aos interesses necessários para a estabilização social. (BOTTINI, 2013, p. 159).
Logo, é possível observar que o princípio da intervenção mínima resta sobremaneira prejudicado quando o legislador criminaliza determinadas condutas sem observar qualquer critério jurídico, em especial critérios de política criminal, muitas vezes legislando por motivos meramente populistas.
Parcela da doutrina entende pela total incompatibilidade dos crimes de perigo abstrato com o sistema penal brasileiro tendo em vista a matriz constitucional adotada, em especial, o princípio da lesividade pois os crimes de perigo abstrato não exigem um dano efetivo nem perigo real para qualquer bem jurídico, seria a total ausência de lesividade. Nesse sentido, Bitencourt (2014, p. 59):
Por essa razão, são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Em outros termos, o legislador deve abster-se de tipificar como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo, colocar em perigo concreto o bem jurídico protegido pela norma penal. Sem afetar o bem jurídico, no mínimo, colocando-o em risco efetivo, não há infração penal.
Logo, depreende-se que o princípio da lesividade tem como função limitar o jus puniendi estatal, tanto na esfera do Poder Legislativo, ao elaborar as leis, quanto na esfera do Poder Judiciário, ao aplicá-las.
Por isso, os crimes de perigo abstrato tem sua constitucionalidade ameaçada, em especial os delitos do artigo 2º da Lei nº 8.137/90, por serem delitos formais e não dependerem de resultado para sua consumação, dentre estes, aquele previsto no inciso II é ainda mais delicado, pois além de ser um crime de perigo abstrato formal, não exige qualquer conduta do autor, mas apenas sua omissão, logo, a previsão desta conduta como crime é extremamente frágil. Nesse sentido, Luciano Amaro (2014, p. 492):
A antiga figura de “apropriação indébita” foi redesenhada por esse diploma legal, tornando-se ainda mais frágil sua sustentação à vista da vedação da prisão por dívida. A definição legal do crime é “Deixar de recolher no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo de obrigação que deveria recolher aos cofres públicos” (art. 2º, II).
Apropriação indébita nos termos do artigo 168 do Código Penal é: “Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou detenção” (BRASIL, 2015, c); na situação sub examine não há que se falar em apropriação indébita, pois que o dinheiro pertence ao contribuinte, seria logicamente impossível apropriar-se de algo que já lhe pertence. Hugo de Brito Machado (2014, p. 504) analisa a situação:
Não se diga que o não pagamento do IPI, ou do imposto de renda retido na fonte, ou de contribuição de seguridade social descontadas de empregados, correspondem à apropriação indébita, definida no art. 168 do Código Penal. O contribuinte não se apropria, porque o dinheiro lhe pertence, e não ao Fisco, que é simplesmente credor.
E exemplifica:
No IPI o sujeito passivo da relação obrigacional tributária é o comerciante, o industrial ou o produtor, nos termos do art. 51 do CTN. O que este recebe de quem adquire seus produtos é o preço destes. Há, entre o comerciante, industrial ou produtor e seu cliente, que lhe compra os produtos, uma relação jurídica de direito comercial, que não se confunde com a relação jurídica de tributação. Tanto assim é que, se o comprador não paga, nem por isto deixa o contribuinte de ser devedor do tributo. (MACHADO, 2014, p. 504).
Então surge um questionamento: poderia o legislador definir como crime uma situação que corresponde a simples inadimplemento do dever de pagar? Para responder a essa é necessário socorrer-se do texto Constitucional, que no seu artigo 5º, LXVII preleciona: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (BRASIL 2015, a).
Já existindo, inclusive, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto de São José da Costa Rica tratando sobre essa temática, tal qual mencionado no início dessa pesquisa. Aquele prevendo que ninguém poderia ser preso apenas por descumprir obrigação contratual; e este dispondo que ninguém deve ser detido por dívida, exceto no caso de inadimplemento de obrigação alimentar.
O STF já se manifestou no sentido oposto, admitindo a validade da norma que define como crime o não pagamento de tributo. Baseou esse entendimento dispondo que a prisão cominada seria uma prisão penal, e não uma prisão civil; entendimento este completamente desvencilhado da moderna hermenêutica constitucional o que configuraria uma visão extremamente formalista do Direito. O elemento literal é absolutamente insuficiente na interpretação jurídica e especialmente na interpretação da Constituição:
Não se diga que a vedação constitucional, porque se reporta apenas à prisão civil, não se opõe à lei ordinária que define como crime o inadimplemento de dívida, para reprimi-lo com pena prisional conflite com a norma da Constituição que proíbe a prisão por dívida. Há, na verdade, evidente antinomia entre a norma da Constituição que proíbe a prisão por dívida que aquela da lei ordinária que define como crime o inadimplemento de dívida, para viabilizar, dessa forma, a aplicação da pena prisional ao devedor inadimplente. (MACHADO, 2014, p. 506)
A divisão dos ramos da Ciência Jurídica, deve ser meramente acadêmica, posto que o Direito é uno e indivisível. O reconhecimento das posturas patrimonialistas implica na adoção como objeto substancial específico o próprio crédito tributário:
A lei, ao determinar o pagamento do crédito, como forma de extinção da punibilidade e o parcelamento como meio de suspensão da pretensão punitiva, demonstra cabalmente que o bem jurídico tutelado, pelas normas retro citadas, não é o Sistema Tributário Nacional mas sim o crédito tributário. [...] Logo, as normas jurídicas acima citadas, sob a ótica das suas hipóteses de extinção de punibilidade e suspensão de pretensão punitiva não vieram para punir o fato típico cometido pelo contribuinte, mas sim para garantir o recebimento das receitas devidas aos entes da Federação. (CARVALHO, 2011, p. 268).
Depreende-se que o legislador tenta garantir o crédito tributário com a penalização de conduta de mero inadimplemento deste. Maior prova disso são as próprias medidas despenalizadoras trabalhadas nesta pesquisa, que preveem a extinção da punibilidade pelo adimplemento, ou até mesmo pelo mero parcelamento do crédito tributário.
As medidas despenalizadoras impossibilitam por completo que a pena atinja os seus objetivos, pois que, se uma das funções da pena é a prevenção, que pressupõe que o autor do delito deixe de praticar determinada conduta por temer a pena que porventura possa ser aplicada caso descoberto o delito por ele perpetrado; essa função resta inutilizada, pois que o indivíduo não temerá a aplicação da pena sobre si, pois se descoberto, pode simplesmente pagar o montante devido ao Fisco ou mesmo parcelá-lo. De modo que o crime sempre compensará. Segundo Ives Gandra da Silva Martins (1995, p. 27):
Os nossos legisladores pecam pela irracionalidade. Encontra-se, nas leis de Lipt-Ishtar, Shulgi, Manu, Hamurabi, T`ang, mais lógica, consideradas as peculiaridades da época, do que em muitas leis brasileiras e, certamente, na lei 8.137/90, primor de incoerência legislativa.
E conclui que a política de criminalização tributária é insensata, ilógica, irracional e preconceituosa (MARTINS, 1995). Enquanto esta política de criminalização tributária não for alterada o contribuinte deverá abrigar-se nos princípios constitucionais da legalidade, da intervenção mínima e da lesividade, princípios tão arduamente conquistados e caros ao estado democrático de direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho analisou a Lei nº 8.137/90 no que diz respeito aos crimes contra a ordem tributária nela previstos, em especial o delito de apropriação indébita tributária, insculpido em seu artigo 2º, II. A matéria, apesar de ser objeto de tratamento jurídico, tendo como marco inicial a Lei nº 4.769/65 que definiu de forma inovadora hipóteses de sonegação fiscal como crimes, é pouco explorado pela doutrina nacional.
O objetivo deste trabalho foi analisar a Lei nº 8.137/90 sob o prisma da Constituição Federal de 1988 e do Pacto de São José da Costa Rica para verificar sua adequação ao ordenamento jurídico brasileiro.
A primeira conclusão foi que o crime de apropriação indébita tributária é incompatível com diversos princípios constitucionais insculpidos na Constituição Federal de 1988, em especial, é incompatível com o princípio da legalidade, com o princípio da intervenção mínima e com o princípio da lesividade.
Passou-se, então, a analisar a compatibilidade do crime de apropriação indébita tributária com o Pacto de São José da Costa Rica concluindo-se que tornou-se impossível admitir no ordenamento jurídico brasileiro a prisão do autor do crime de apropriação indébita tributária, por tratar-se, na realidade, de prisão civil por dívida, não devendo prosperar, dessa forma, a famigerada divisão entre Direito Civil e Direito Penal para justificar a prisão civil do devedor de impostos.
Chegou-se, portanto, à inexorável conclusão pela inconstitucionalidade do artigo 2º, II da Lei nº 8.137/90, por sua total incompatibilidade com o sistema jurídico brasileiro, seja pelo viés principiológico, seja por causa dos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é signatária.
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2 Tudo ou nada (tradução dos autores).
3 Não há crime nem pena, sem lei anterior queosdefina (tradução dos autores).
4 Não há crime, nem pena, sem lei escrita (tradução dos autores).
5Não há crime, nem pena, sem lei estrita (tradução dos autores).
6Não há crime, nem pena, sem lei certa (tradução dos autores).
7 Outros autores preferemchamá-lo de princípio da fragmentariedade ou princípio da subsidiariedade.
8 Vale recordar que esta disposição constitucinal deu ensejo a grande celeuma doutrinária e jurisprudencial acerca do status normativo dos tratados e das convenções internacionais de direitos humanos, contudo, não é foco do presente trabalho analisá-la. Vale ressaltar apenas que a linha adotada doravante é aquela que reconhece a supralegalidade dos tratados e convenções que versem sobre direitos humanos, por entender que esta é a interpretação mais consistente. Os trartados e convenções internacionais sobre direitos humanos são, desta forma, hierarquicamente inferiores à Constituição e superiores à legislação ordinária.
9 Crimes de colarinhobranco (traduçãodos autores).
10 Profissionais e homens de negócios (tradução dos autores).
11Tais violações da lei po rpessoas da classe socioeconômica superior são, por conveniência, chamados “crimes de colarinho branco”. Este conceito não se destina a ser definitivo, mas apenas chamar a atenção para crimes que não são ormalmente incluídos no âmbito da criminologia. Crime de colarinho branco pode ser definido aproximadamente como um crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e de alto status social no decurso da sua atividade profissional. [...] A coisa significativa sobre os crimes de colarinho branco é que estes não estão associados com a pobreza ou com patologias sociais e pessoais que acompanham a pobreza. (tradução dos autores).
12 Esses atos ilegais que são caracterizados por engano, dissimulação ou violação da confiança não dependem da aplicação ou ameaça de força física ou violência. Indivíduos e organizações que cometem esses atos para obter dinheiro, propriedades ou serviços; para evitar o pagamento ou perda de dinheiro ou serviços ou para assegurar vantagens pessoais ou negociais (tradução dos autores).
13Conceito criado por Ulrich Beck no livro “A Sociedade de Risco”.
14 Este é o ponto de partida da chamada teoria da antecipação, a perspectiva da determinação do injusto se projeta sobre os futuros delitos cuja comissão, pelos temores de organização (ou seja, infrações instrumentais para os objetivos finais da organização que estão empenhados em sua estrutura) (tradução dos autores).
15 Nesse sentido o verbete da Súmula Vinculante nº 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. (BRASIL, 2015, e).
16 Assim como em todo ato ou fato humano há sempre um objeto conceitual inevitavelmente a que se vincula, também na ação ilícita prevista pela disposição fiscal, ademais de um sujeito ativo que a realiza, ou de todo modo, da qual o responzabiliza a lei, existe um objeto jurídico da evasão. E desde o momento em que o bem mais evidente e imediato que suporta o dano econômico da transgressão é o patrimônio comum da coletividade, administrado pelo ente publico – que o preceito fiscal, juntamente com as outras leis do Estado, tutela e protege-, dele se deduz que o objeto jurídico também se denomina bem jurídico, prejudicado pela ação ilícita do agente, será o patrimônio da coletividade, cuja gestão cabe ao ente que aplica o imposto; de onde resulta que no mesmo radica o interesse em determinar e em exigir o tributo para os fins de utilidade comum; interesse que foi lesionado pelo comportamento antijurídico do agente. Disso se depreende, então, que o objeto substancial e específico da evasão tributária é, desde um ponto de vista patrimonial, o montante do tributo pago ao fisco, ao qual, em diversas formas é subtraída sua fonte de ingresso […] (tradução dos autores).
17 Art. 59 O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: [...] (BRASIL, 2015, c).
18 Art. 15 O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
19 Art. 16 Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
20 Almério Júnior (2015) conceitua norma penal em branco: As normas penais em branco são lex imperfectas (Binding), pois determinam integralmente somente a sanção, sendo que o preceito, descrito de modo impreciso, remete-se a outra disposição legal para a sua complementação.
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