Fagno da Silva Soares
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
Júlio César Suzuki
Universidade de São Paulo
fagno@ifma.edu.brResumo: O presente artigo, utiliza-se da metodologia da história oral para acessar as narrativas de trabalhadores submetidos ao trabalho escravo contemporâneo na Pré-Amazônia Maranhense, buscando compreender as diferentes formas de resistência, bem como, o universo experienciado destes sujeitos históricos. Enfatizando a importância da história oral na (re)construção de um fazer historiográfico não positivista e de sua estreita relação com o panteão da história do tempo presente.
Palavras-chave: História oral, Trabalho Escravo, Tempo Presente.
Abstract: This article, we use the oral history methodology to access the accounts of workers submitted to slave labor in contemporary Pré-Amazônia Maranhense, trying to understand the different forms of resistance as well, the universe experienced these historical subjects. Emphasizing the importance of oral history in the (re)construction of a historiographical do not positivist and its close relationship with the pantheon of the history of this time.
Keywords: Oral History. Slave Work. Present Time.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Fagno da Silva Soares y Júlio César Suzuki (2015): “Homens de esparta do tempo presente. História oral de trabalhadores escravizados na Pré-Amazônia Maranhense”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 30 (octubre-diciembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/04/historia-oral.html
Introdução
O presente artigo, narra alguns fragmentos de memórias de herois muitas vezes anônimos da Pré-Amazônia Maranhense, que assim como os guerreiros de Esparta, descrito por Homero no período clássico da história grega, tiverem que lutar para continuarem vivos. Eis os homens de Esparta do tempo presente, que com destemor saem em busca de trabalho e dignidade na Amazônia e encontram um mar de exploração. Sem, contudo, saberem nadar neste mar, muitos sucumbem em suas águas, outros, no entanto, as conhecem tão bem que voltam para salvar seus companheiros. Como foi o caso dito por um de nosso narradores, que afirma ter fugido e retornado para salvar um amigo “depois que eu fugi da fazenda voltei para buscar o meu amigo Nego, que estava doente de malária [...] fomos caçados como animais pelos jagunços, mas conseguimos escapar”. 1 O relato acima, repleto de atitudes corajosas nos possibilitou compreender a importância do fazer-se forte frente às agruras próprias de sua atividade laboriosa e das intempéres a que são submetidos. E neste enlevo, nosso sujeito histórico, vocifera bravatadamente “eu nunca carreguei uma desfeita, nunca deixei o cara beber o sangue de um meu, olhe que são 33 irmãos espalhados pra me vingar.” 2 Assim, nosso narrador confaz uma quase épica narrativa ancorada no misto entre memória e imaginação, história e ficção.3
Homens de Esparta na Amazônia Brasileira
Os homens de Esparta, corajosos guerreiros que não temem qualquer batalha, embrutecidos pela dureza do labor a que são submetidos nas carvoarias, com a lassidão dos corpos enegrecidos pelo carvão e os pulmões já antracosiados 4 lutam para continuarem vivos e suportarem as fortes dores na coluna, fadiga muscular ou miastenia, cefaleia, fraqueza generalizada motivada pela carência nutricional e vitamínica como a ausência de vitamina C e falta de potássio e magnésio, podendo ocasionar desde uma simples cãibra até levar a óbito. Somam-se a isto, a baixa imunidade, doenças músculo-esqueléticas e cardiovasculares, aumento da pressão arterial e outras descritas por nossos narradores.
Um de nossos entrevistados, por motivos de foro íntimo, optou por não revelar sua identidade, adotando o nome fictício de Carvoeiro, para quem o trabalho na carvoaria é muito “penoso, de sol a chuva passando fome com o corpo fraco só para enriquecer os outros. Não aguentava mais viver daquele jeito, eu ia morrer [...] os gatos procuram trabalhadores jovens sem nenhum preparo, basta ter um bom porte físico e saúde para aguentar o serviço”.5 Este narrador, que ora adjetivamos de homem de Esparta, dar provas da crueza dos dias que passara escravizado em carvoarias, fazendas e garimpos na Amazônia Brasileira. Em geral os “carvoeiros trabalham 24 horas por dia em condições subumanas, queimando a sola dos pés e cuspindo os pulmões para fora de tanto tossir, vendendo barato e comprando caro”. 6
Em seus exemplos lembrados através de suas memórias, mesmo depois de mortos, suas histórias continuarão vivas como nos disse A. S. Carvoeiro, ao relacionar sua história de dor a de um colega que foi brutalmente assassinado em um latifúndiono Estado do Pará, “lembro-me de um amigo que foi morto,era muito honesto, [...] jamais esquecerei a forma como fui tratado, posso não saber ler e escrever, mais sou um ser humano e mereço respeito”. 7 Relatos como este não são raros entre os trabalhadores que entrevistamos, nesta pesquisa.
Nesse contexto, historiador é aquele que, no afã por desvelar histórias, visto que a vida rompe com as barreiras ancoradas no passado, que assim como Durval “está longe de estar morto e acabado, passado que é parte do próprio presente. No rio, como na história, águas passadas movem moinhos e destinos”, 8 sobretudo, as soerguidas pelas memórias, que quando problematizadas pela metodologia da história oral traz a lume outras histórias. Assim, a metodologia da história oral e suas possíveis relações com o tempo presente fazem parte do cerne do debate seguinte.
Sobre o uso das fontes orais, reiteramos que, a tradição oral, remonta os tempos da Grécia Antiga, como aponta Jorge Lozano para quem,
Desde la época de las guerras Médicas – y Tucídides – quin relata las del Peloponeso - se han utilizado los testimonios orales de los actores o los testigos de ciertos hechos o eventos sociales que despertaron interes, siempre bajo um espíritu critico. No solo se consultaban los documentos escritos accesibles, sino que também se buscan evidencias de tipo pernonal transmitidas oralmente, pues las sociedades antiguas eran iletradas y analfabetas.9
Diante disto, sabemos que o uso do testemunho oral é tão antigo, quanto a história de Heródoto, diferentemente a história oral desenvolveu-se somente a partir da Segunda Guerra Mundial, tendo como lócus fundador a Universidade de Columbia, Nova York, a primeira a formalizar um projeto de história oral, enquanto metodologia acadêmica. Sobre a sua gênese, o pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy assevera que “ela combinou três funções complementares: registrar relatos, divulgar experiências relevantes e estabelecer vínculos com o imediato urbano, promovendo assim um incentivo à história local e imediata”. 10Deste modo, a história oral nasce na academia com indeléveis dileções com a micro-história, assim como a história do tempo presente11 com a função quase que salvacionista das memórias dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial como já descrito anteriormente.
Já tradição oral como fonte histórica perdeu força,12 sobretudo, com o discurso positivista do século XIX e abordagem rankiana que vigoraram durante muito tempo, que só o documento escrito tem validade histórica. Superados os percalços erigiram-se como metodologia entre antropólogos, sociólogos e mais recentemente, entre os historiadores.
Neste ensejo, compreendemos que ninguém melhor do que a Associação Brasileira de História Oral para nos informar acerca das origens da moderna história oral, destacando que a
[...] gravação de entrevistas com testemunhas da história teve início na década de 1950, após a invenção do gravador à fita, na Europa, nos EUA e no México. A partir dos anos 1970, as técnicas da história oral difundiram-se bastante e ampliou-se o intercâmbio entre os que a praticavam. Foram criados programas de história oral em diversos países e editados livros e revistas especializados na matéria. Os anos 1990 assistiram à consolidação da história oral no meio acadêmico e à criação, além da ABHO, em 1994, da International Oral History Association [IOHA], em 1996.13
Para além do que afirma Verena que “o trabalho com a história oral consiste na gravação de entrevistas de caráter histórico e documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos, conjunturas, movimentos instituições e modos de vida da história contemporânea”,14 que de outro modo, não seria possível. Assim sendo, a história oral “[...] permite o resgistro de testemunhos e o acesso a histórias dentro da história”,15 atestando sua riqueza e alcance metodológico, ao que parece está em franco crescimento.
Sabemos, pois, que atualmente a história oral atingiu status quo e consagração entre os historiadores que dedicam suas análises ao tempo presente. A gênese da história oral nas terras tupiniquins data dos anos 70, mas só em meados da década de 90 alargou-se sua utilização enquanto metodologia de pesquisa, onde cada depoente é em certa medida um legítimo guardião de memórias capaz de torná-las coletivas as suas memórias individuais. Como são os griots, antigos contadores de histórias nas comunidades africanas.
Podemos exemplificar a bem sucedida experiência do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil/Fundação Getúlio Vargas CPDOC/FGV criado nos anos 70, inspirado na proposta da Oral History Program da Columbia University de 1948. Arregimentados esforços de estudiosos e pesquisadores das ciências humanas e sociais de diversas partes do Brasil, especialmente do sudeste, puderam criar em 1994 a Associação Brasileira de História Oral - ABHO que realiza sazonalmente encontros regionais e nacionais a cada dois anos. Atualmente, constitue-se em um fórum aglutinador de debates e experiências em história oral realizadas em academias, instituições privadas e comunitárias em todo país.
Concomitantemente a criação da ABHO cresceu exponencialmente o número de programas, pesquisas e publicações que se utilizam da metodologia da história oral, bem como o considerável aumento de participantes nos eventos realizados pelas instituições. São provas cabais da credibilidade que esta metodologia tem auferido junto a profissionais de diversas áreas ao longo dos anos. Destacamos ainda que, apesar do apreço que temos à história oral, assim como outros estudiosos, reconhecemos que a sua denominação é um tanto equivocada, visto que, em vez de relacionar às fontes, adjetiva a história; 16 por outro lado, foi com os historiadores que ele constituiu uma rede de profissionais, que imbuídos do devir historiográfico, perfazem um todo cada vez mais elaborado de sua metodologia.
De acordo com a literatura estudada, podemos elencar algumas proposições sobre a história oral enquanto metodologia e sua subjetividade que “apesar de seu uso crescer a cada dia, ainda existem muitos preconceitos e árduas críticas contra esse método: o entrevistado pode ter uma falha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar e mentir”.17 Embora consagrada, os praticantes da história oral costumeiramente são convocados a ratificar seus aspectos metodológicos relacionados à memória. Quanto a esta relação, os historiadores, assinalaram uma constatação na confraria da ABHO, sublinhando que, “[...] mas isso faz da história oral uma fonte não fidedigna para o pesquisador?”18 Deste modo, o “[...] o principal alvo dessas críticas era a memória não ser confiável como fonte histórica, porque era distorcida pela deterioração física e pela nostalgia”19 do entrevistado que possa fazê-lo idealizar o passado. Porém, essa ‘não confiabilidade da memória’ pode ser encarada como um recurso e não como um problema. Destarte a história oral e o estudo da memória têm demonstrado força teórica na superação destas e de outras críticas.
É de domínio do historiador oral a importância dos ‘apoios de memória’, como fotos, objetos e outras coisas que podem ajudar na reconstituição do passado e que os lapsos de memória são menos preocupantes que as omissões da história ‘oficial’.20 Outro aspecto bem marcante da oralidade é a sobrecarga de subjetividade que, em tese, deve ser considerada uma potencialidade, pois somos sujeitos e objetos no âmbito da pesquisa. Tal como Durval para quem “[...] se o sujeito produz o objeto, este também define o sujeito”21 defendemos que na história oral somos sujeitos ao questionar, problematizar objetos, ao ouvir, registrar e ser observado, questionado e interpretado pelo outro. Deve-se, portanto, examiná-la praticando-a criticamente para acesso à história pelo avesso. Desta forma, Mercedes Vilanova aconselha que revisitemos com muitas audições “lãs fuentes orales debemos escucharla sen estéreo como la música, con registros diferentes para cada oído.”. 22
Visto nestes termos, reverberamos a assertiva de uma das maiores autoridades no assunto, Paul Thompson aponta que as fontes orais não devem ser utilizadas como tapa-burracos ou mero complemento aos documentos escritos, lançando o questionamento, “quão fidedigna é a evidência da história oral? [...] podem de fato transmitir informação ‘fidedigna’, tratá-las simplesmente ‘como um documento a mais’ é ignorar o valor extraordinário que possuem como testemunho subjetivo, falado. 23
Assim, na perspectiva de Paul Thompson a utilização das fontes orais enriquece sobremaneira a história, visto que tomam como objeto de estudo as narrativas orais dos sujeitos históricos que além de testemunharem a história, viveram-na. Existem, entretanto, pesquisadores que ainda acreditam que os documentos escritos são “mais confiáveis” do que as fontes orais. Vale ressaltar que, corriqueiramente, tais documentos não passam de transmissões de relatos orais escritos por homens, sendo, desse modo, susceptível às mesmas ‘falhas’. Seria pretensioso de nossa parte, pensarmos o documento como verdade e a história seu estatuto. Destarte, segundo o historiógrafo inglês Edward Carr, nenhum documento histórico é de “[...] nos dizer mais do que aquilo que o autor pensava, o que ele pensava que havia acontecido queria que os outros pensassem que ele pensava, ou mesmo apenas o que ele próprio pensava pensar. Nada disso significa alguma coisa, até que o historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o”.24
Embora muitos estudiosos afirmem que as fontes orais são tendenciosas, colocando-nas em xeque, defendemos que toda fonte carrega em si uma carga de parcialidade. Mesmo os documentos tidos como oficiais pelos positivistas trazem consigo a intencionalidade de seus produtores. Logo, podemos presumir que os documentos escritos legam marcas dos que o produzem e têm os mesmos problemas que as fontes orais, podendo estas serem tão fidedignas quanto qualquer documento escrito. Ainda nestes termos, fazemos uso da reflexão do sociólogo austríaco Michael Pollak para quem a memória é
é socialmente construída, é óbvio que toda documentação também o é [...] não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral [...] A crítica da fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve [...] ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual ela se apresenta [...] apesar de terem uma forma sui generis.25
De qualquer modo, todo documento é passível de críticas. Parafraseando obtusamente o historiador Durval Muniz, os textos escritos chegam até nós, como rins sem néfrons, corpos sem órgãos, falas sem sentimentos, dores sem gritos e voz sem emoções. 26Logo, um documento nada mais é do que a ponta de um imenso iceberg, onde o mais importante está na parte submersa, por isso somos forçados a mergulhar por entre grutas e blocos de gelo flutuantes que se desprendem do iceberg para entendermos as origens e o contexto do fabrico de um documento. Vejamos a indagação de Bosi acerca dos marcos cronológicos, sobretudo as datas, sob as quais lança o seguinte questionamento:
Mas o que são datas? Datas são pontas de icebergs. O navegador que singra a imensidão do mar bendiz a presença dessas pontas emersas, sólidos geométricos, cubos e cilindros de gelo visíveis a olho nu e a grandes distâncias. Sem essas balizas naturais, que cintilam até sob a luz noturna das estrelas, como evitar que a nau se espedace de encontro às massas submersas que não se vêem? [...] Datas são pontos de luz sem os quais a densidade acumulada dos eventos pelos séculos dos séculos causaria um tal negrume que seria impossível sequer vislumbrar no opaco dos tempos os vultos dos personagens e as órbitas desenhadas pelas suas ações. A memória carece de nomes e de números. A memória carece de numes.27
A esse respeito, tomemos o caso do colaborador Sr. Antônio Gomes que não reconhece datas, só lembranças demarcadas por sofrimentos, o tempo para ele refere-se a todos os dias que esteve em cativeiro. Já outro narrador, ao comentar acerca dos primeiros contatos com a escravização contemporânea, Antonio Filho, 37 anos, hoje assessor jurídico e secretário executivo do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Báscaran – CDVDH/CB, 28 nos informou que seu primeiro trabalho no Centro foi exercendo a função de pedreiro, mas quando perguntado sobre a data do ocorrido foi taxativo, “[...] eu sou ruim de datas”. 29Diante disso, valhemos nos de Norbert Elias para quem “o tempo não se deixa, ver, tocar, ouvir, saborear, nem respirar como um odor” 30e por esse motivo nossos narradores tomados de sentimentos não conseguem demarcar o seu tempo, o que não alija ou mutila o relevo de um estudo histórico rubricado, graças à “capacidade da memória de transitar livremente entre os diversos tempos”. 31 Ao comentar acerca dos maus-tratos que sofreu Carvoeiro, com os olhos cheios de esperança, mãos calejadas e unhas enegrecidas pelo carvão narrou fragmentos de sua vida, numa cena quase indescritível, que transcrevemos aqui, ipsis litteris, um pequeno, porém contundente trecho “fui humilhado várias vezes, me senti a pior pessoa do mundo, como um pássaro na gaiola, sem direito a nada, como uma máquina só para o trabalho”. 32Ao final da entrevista, ele nós indicou outros potenciais entrevistados, deste modo, foram às fontes que tracejaram o caminho deste pesquisador a cada entrevista realizada.
Adensamos a isso, o fato que muito do que temos de história construída por documentos escritos, não passa de histórias dos algozes, escamodeadora dos vencidos. O escrito, já fora oral e antes de sê-lo, era mental, processado pelos interesses eminentemente pessoais, traduz-se para o escrito só o que lhes convêm. Assim, “[...] o moleiro nos chega escrito pelo inquisidor”,33 e a história da escravização pelos documentos produzidos pelos geralmente pelos escravocratas. Para Aróstegui entre outras possibilidades a história oral nos serve “[...] para a análise das ‘outras histórias’, daquelas histórias de que raras vezes se ocupa a historiografia acadêmica”. 34 Eis a história, da qual despretensiosamente acreditamos fazer.
É sabido que, tal como a documentação escrita tem seus lapsos, falseamentos, polifonias e entrelinhas, a oralidade também possui imprecisões. Porém, Barros nos afirma que a história oral “[...] têm ocupado a maior parte da prática historiográfica até os dias de hoje [...]”35 Rompendo com a ditadura positivista do documento, qualquer texto pode ser considerado uma fonte para o historiador do século XXI, como afirma o historiador Barros, ao dizer que, “[...] o diário de uma jovem desconhecida, uma obra de alta literatura ou da literatura de cordel, as atas de reunião de clube, as notícias de jornal, as propagandas de uma revista, as letras de música, ou até mesmo uma simples receita de bolo [...]”36
Não há mais limites de fontes para aos historiadores do século XXI, pois os diferentes documentos os levam diretamente ao contato com o problema a ser investigado. Atentemos à afirmação de Pierre Nora no tocante à história e memória. Nos termos desse autor “[...] a história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais [...]”37 e “[...] a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente [...]”38 Para tanto, preocupar-se com a preservação da memória é salutar em tempos que parece sucumbi-la, torna-se justificável o afã dos historiadores, em reconstruir, problematizar e preservar histórias e memórias de anônimos. Logo, a memória é platô da história.
Neste enlevo, o historiador medievalista francês Jacques Le Goff afirma que a função do historiador com a “[...] memória é para libertação [...], salvar o passado para servir ao presente e ao futuro [...]”39 Portanto, o historiador de abordagem oral desempenha na sociedade um papel peculiar de “[...] impedir que a história seja somente história”, 40 comprovando sua indissociabilidade com a memória, ou seja, com o passado. Seguindo os rastros deixados por conspícuos historiadores, bem como os indícios insuflados por nossos colaboradores, podemos asseverar que se todo documento porta certa intencionalidade, não diferente, são as fontes orais que também devem ser sovadas. A esse respeito, Le Goff aponta que,
O documento não é inócuo. É antes de qualquer coisa o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz deve ser em primeiro lugar analisado desmistificando o seu significado aparente. O documento é monumento. 41
A partir da proposição supracitada, podemos depreender que todo documento se constitui em monumento para servir à posteridade com status de ‘lugar de memória’ como muitas estátuas e bustos espalhados nas praças pelo Brasil afora. Estes signos da memória histórica chegam até nós, por vezes travestidos de um sentido que não o original, daí a intrínseca necessidade de destrinchá-los ou até como diz o autor ‘decompô-los e desmontá-los’, para compreendê-los no contexto em que foram forjados. Como reitera mais adiante Le Goff “[...] resulta dos esforços das sociedades históricas para impor ao futuro, voluntária ou involuntariamente, determinada imagem de si próprias”. 42Imagens estas que não correspondem a realidade, mas de certo modo parte desta realidade pode ser compreendida e representada por estes documentos quando historicamente analisados.
Para fugir das armadilhas teórico-metodológicas a que todo documento nos impõe é preciso esquadrinhá-lo histórico e arqueologicamente como assevera a historiadora Jóina Borges como uma espécie de operação historiográfica de decifração para quem
todo documento histórico é, portanto, criado, urdido na trama teórico-metodológica do historiador. Dessa forma, a história também é arqueologia, pois qualquer documento em história é uma espécie de artefato: alguém o fabricou e deu-lhe significado, assim como alguém o resignificou, o leu.43
Despretensiosamente a história oral confere aos indivíduos narradores de suas memórias ostatus quode sujeitos históricos, assim sendo, para Paul Thompson, esta metodologia é capaz, entre outras coisas, de “poder devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras” 44 ser o protagonista de sua história, uma‘história de baixo para cima’ tão comum a metodologia da história oral. Deste modo, ao optar por tal metodologia, sobretudo o historiador, assevera Thompson, requer atributos
[...] essenciais que o entrevistador bem sucedido deve possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar. Quem não consegue parar de falar, nem resistirá tentação de discordar do informante, ou de lhe impor suas próprias idéias, irá obter informações que, ou são inúteis, ou positivamente enganosas. 45
Portamos alguns destes atributos presentes na fala do autor, de modo que as entrevistas foram pautadas na ‘arte de saber ouvir’ e na confiança construída desde os primeiros contatos intermediados pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Báscaran – CDVDH/CB, facilitaram para que as entrevistas em tom espontâneo tornassem lócus privilegiado de nossa pesquisa. Nos registros de nosso diário de campo temos anotações que vão desde as interrupções, suspiros sôfregos e coléricos até risos e lágrimas. Pois, acreditamos que não se faz história oral sem projeto, procedimentos e trato com a subjetividade, deste modo munimo-nos da carta de cessão entregue no momento da entrevista e na pós-entrevista [transcrito] e roteiro não-diretivo consentido, informado com tópicos-guia. Durante a transcrição realizamos uma atenta audição e formatamos um quadro tematizado de relatos orais divididos em arquivos por tema, a exemplo, pasta sobre aliciamento, castigos, fugas, saudades da família e etc.
Durante a análise das entrevistas fez-se uma leitura vertical do conjunto sistemático das entrevistas, buscando apreender o global de cada fala, seguida por uma leitura horizontal, alinhavando o côncavo-convexo dos testemunhos, de modo a formatar um quadro de categorias. E por fim, procedeu-se a análise das interpretações com fundamentação em autores por categoria, a revelia dos enquadramentos disciplinares advogados por alguns historiadores. Assim pudemos, apreender na prática, a acuidade com que devem ser tratadas as fontes orais e por isso valemo-nos do que afirmou Janaina Amado para quem
pessoas [...] não são papéis. Conservar com os vivos implica, por parte do historiador, uma parcela muito maior de responsabilidade compromisso, pois tudo aquilo que escrever ou disser, não apenas lançará luz sobre as pessoas e personagens históricos [como acontece como quando o diálogo é com os mortos], mas trará consequências imediatas para as existências dos informantes e seus círculos familiares, sociais e profissionais [...] 46
Munimo-nos deste zelo para a realização das entrevistas, que como sabemos é um trabalho minucioso que vai dos primeiros contatos até a devolutiva da transição ao colaborador, que em nosso caso não hesitaram quanto à autorização do uso da entrevista, no entanto, o uso das imagens dos colaboradores não foi consensual. Neste sentido, reivindicam outras possibilidades de leitura de suas falas, afinal, não se trata de mortos, tampouco são seres inanimados. Apesar das tensões, todo esse processo construiu-se do modo mais ético possível. Comungamos com a historiadora Verena, para quem,historiar memórias “[...] não é simplesmente sair com um gravador em punho, algumas perguntas na cabeça e entrevistar aqueles que cruzam o nosso caminho, dispostos a falar um pouco sobre suas vidas”. 47 Não se faz história oral por osmose. São elementos subjetivos de difícil trato científico, há que se ter um arcabouço teórico e metodológico para fazê-la. Lidar com a oralidade de pessoas que vivenciam e/ou vivenciaram, como sublinha Fenelon, é [...] trazer à tona outras histórias e outros olhares sobre o passado”,48 geralmente traumáticas. Para isso é preciso dispor de vários relatos que permitam cruzá-los como afirma Gwyn Prins, “testis unus, testis nullus”,49 não para validar ou desqualificar, mas para complementá-los e, assim melhor compreendê-los. Conferindo portanto, maior confiança metodológica aos nossos pares.
Ora, seguir o caminho da história oral neste caso, é bem mais que pertinente, contudo optamos em não corrigir ao pé da escuta, ou seja, ipsis litteris os termos durante o processo de transcrição, respeitando o universo vocabular e léxico dos narradores sem caricaturar ou mudar o sentido pela busca do equilíbrio, apesar de difícil, entre o oral e o escrito, do contrário seria uma forma sub-reptícia de fazer ciência, menoscabando atores, autores e leitores da pesquisa.
Entendemos que a história oral, além de explorar as relações entre história e memória, extrapola seus limites e tem assento na pesquisa de campo, sem a qual não se faz história oral. Neste sentido, em Portelli nos foi possível definir a história oral para além da metodologia, como arte do indivíduo a sua imprescindível relação com o trabalho de campo. O autor nos informa que a história oral
[...] é uma ciência e arte do indivíduo. Embora diga respeito– assim como a sociologia e a antropologia – a padrões culturais,estruturas sociais e processos históricos, visa aprofundá-los, em essência,por meio de conversas com pessoas sobre a experiência e a memória individuais e ainda por meio do impacto que estas tiveram na vida década uma. Portanto, apesar de o trabalho de campo ser importante para todas as ciências sociais, a história oral é, por definição, impossível sem ele.50
Nesses termos, para Aróstegui a “história oral foi aplicada comumente para a análise das outras histórias, daquelas histórias de que raras vezes se ocupa a historiografia acadêmica”. 51 Ao evocar as lembranças do passado, somos tomados por sentimentos em fervura que no dizer de Paul Thompson “a maioria das pessoas conserva algumas lembranças que, quando recuperadas, liberam sentimentos poderosos”.52 Com lembranças perpassadas de fortes sentimentos como as narradas pelo Carvoeiro, jovem, casado, pai de três filhos, dono de uma saúde e vigor físico invejável. Ainda carrega muitos ressentimentos do período que trabalhou na carvoaria em Açailândia-MA, destes falaremos no capítulo 3.
Noutros termos, a ideia de que as suas lembranças são comuns aos demais trabalhadores com quem convivia na época é algo marcante na memória do Sr. Antônio Gomes, vulgo Bola 90 53 e enfatizada pela educadora social do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Báscaran – CDVDH/CB, Brígida Rocha. É interessante perceber que “o ato de lembrar é individual, entretanto, as lembranças estão relacionadas com o grupo social do qual fazemos parte ou ao qual julgamos pertencer”.54 No bojo desse processo, conferimos, portanto, que para além de uma técnica, a história oral prova-nos ser um excelente instrumento metodológico e não uma disciplina, criticada pelo uso da expressão ‘história oral’, dada a sua estreita e direta relação com o panteão da história do tempo presente. E assim consolida-se a cada pesquisa que envolve a sua utilização em qualquer campo do saber, o status de cientificidade. Logo, a história do tempo presente, “perspectiva temporal por excelência da história oral, é legítima como objeto da pesquisa e da reflexão históricas”55 e também por esta razão vem ganhando um crescente número de adeptos e ampliando o seu arsenal metodológico, provando-nos ser um importante instrumento de pesquisa para os historiadores especialista no tempo presente.
Acerca da autoria nos estudos de história oral, José Carlos Bom Meihy em entrevista concedida à Revista Carta Capital, quando indagado, responde que se trata de
um trabalho feito em colaboração. Duas partes se completam na produção de resultados que geram um documento. O trabalho começa com o narrador estimulado a contar. O ouvinte, além de animar a conversa, deve ser o ‘tradutor’ da fala. Por sua vez, o texto só tem sentido se for autorizado para publicação e uso. Há, portanto, fases de controle: quem fala, quem transcreve, a autorização, que pode ser total ou parcial, mas é sempre negociada, e a publicação. Juridicamente, o responsável pelo projeto é o autor, pois se responsabiliza e se beneficia com o produto final. 56
Seguindo os passos deste autor, pudemos compreender que a autoria em história oral pertence ao pesquisador que, subscrevendo-a, responde público e juridicamente suas ressonâncias, o que em hipótese alguma desmerece o protagonista da narrativa, o narrador, sem o qual não se faz história oral. A próposito disso, podemos medrar que por outro lado, a história não pertence a quem a fabrica, ou seja, ao historiador, mas à sociedade. Ainda na mesma entrevista o autor destaca que a história oral conquistou definitivamente o seu lugar não só na academia, como em outros espaços não-formais enquanto metodologia interdisciplinar e não como campo do conhecimento. Do contrário teríamos uma antropologia oral ou até mesmo uma sociologia oral, o que não convém.
Ainda sobre a história oral, o pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy afirma ser uma “prática de apreensão de narrativas [...]”57 que objetiva “[...] promover análises de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio imediato”. 58A história oral está para o tempo presente assim como o marxismo está para os excluídos, dando voz aos silenciados e evidenciando os esquecidos da história. Para Etienne François, a história oral privilegia o “[...] cotidiano e a vida privada [...]” 59valoriza a historicidade local e regional da “[...] história vista de baixo [...]”60ou seja, das “[...] visões subjetivas e os percursos individuais [...] numa perspectiva decididamente micro-histórica”.61 Deste modo, os autores supracitados nos ajudaram a compreender o modus operandi da história oral.
Destacamos que embora haja uma inegável preponderância das fontes orais em nosso estudo, amealhadas a estas temos as fontes escritas, que detém importante papel neste estudo. Diante disto, valemo-nos da assertiva do historiador Prins quando nos alerta que o diálogo os diferentes tipos de fontes constitui um desafio ao historiador, para não estabelecer uma relação de força entre elas, mas como complementaridades. Assim para o autor, a
questão é que o relacionamento entre as fontes escritas e orais não é aquele da prima-dona e de sua substituta na ópera: quando a estrela não pode cantar, aparece a substituta: quando a escrita falha, a tradição sobe ao palco. Isso está errado. As fontes orais corrigem as outras perspectivas, assim como as outras perspectivas as corrigem. 62
Deste modo, amealhadas as fontes orais as escritas nos apontou uma ligeira aproximação aos estudos antropológicos, motivado, sobretudo, pela temática aqui em questão. Assim sendo, a história oral e a história social perfazem um belo casamento, celebrando o feeling existente entre elas, nos permitiu perceber como os testemunhos orais tornam-se histórias individuais que retratam na verdade uma história muito maior, a história entretecida por milhares de brasileiros escravizados pela Amazônia afora.
À guisa da exemplificação, buscamos a acuidade intelectual de Alessandro Portelli no livro Biografia di una città,63 ao narrar a história de Terni, realiza um estudo micro-histórico das entrevistas realizadas e destaca, sobretudo, as subjetividades como elemento precioso das fontes orais que lhe dão um caráter humanizado e carregado de emoções, desejos e sonhos. Embora a obra tenha como recorte temporal 150 anos, e narra a história de uma cidade com cem mil habitantes, a metodologia é ancorada em uma abordagem micro-histórica das fontes orais, pois a história oral não se confaz no recorte temporal ou espacial, tampouco no número de entrevistados, mas, nas abordagens dada a estes e, sobretudo, na escolha e tratamento das fontes. Por isso, este estudo foi construído e perspectivamente ancorado nas bases da história oral. Desde modo, a temática nos levou às fontes e esta nos impôs a abordagem e metodologia a serem aplicadas, apesar da aparente dissonância, são perfeitamente sinérgicas. Em suma, para que um estudo seja de história oral, dependerá não só das fontes, mas do olhar que o historiador lança junto às fontes que intenta dialogar, uma espécie de microscópio da história capaz de produzir um zoom que evidencie indícios aparentemente invisíveis aos demais historiadores através da oralidade, como este que propomos.
Entendemos que as trajetórias individuais privilegiam combates singulares que servem, entre outras coisas, para endossar situações coletivas, ou seja, o estudo do macro pelo micro. Assim como fez Ginzburg ao analisar detidamente a trajetória do moleiro friulano Menocchio um ilustre desconhecido, imortalizado pelas mãos do historiador, expoente da micro-história enquanto prática historiográfica, a obra O Queijo e os Vermes, 64 representa o nascimento italiano desta corrente. Deste modo, a trajetória de vida dos nossos sujeitos históricos inscritos territorialmente na Pré-Amazônia Maranhense, saiu do ostracismo que tanto estorvou sua completa e irreversível alforria.
Dialogando com outras abordagens de pesquisa, a história oral “[...] mesmo tendo nascido exilada”65 ampliou seu campo de ação com vista à dinâmica do tempo presente, ganhando novos adeptos e possibilitando que as vozes de outros atores sociais multipliquem-se, assim como as técnicas específicas e procedimentos metodológicos ímpares dessa metodologia. De fato, é crescente o número de pesquisas e publicações em história oral no Brasil, o que evidencia sua forte presença nas pesquisas acadêmicas no país, afirma que a história do tempo presente “[...] perspectiva temporal por excelência da história oral, é legítima como objeto de pesquisa e da reflexão histórica”,66 cabendo ao historiador que lida com a oralidade “[...] buscar contribuições de outros campos do saber como a filosofia de Henry Bérgson sobre a memória e a teoria sociológica de Maurice Halbwachs e Pierre Bourdieu ou mesmo da teoria psicanalítica de Freud”.67 Já para Roger Chartier “o historiador do tempo presente é contemporâneo de seu objeto [...]”68 dividindo com os que fazem a história e analisando as fontes no calor dos fatos, uma história em processo, assim a história oral é por excellence metodologia da história do tempo presente.
Considerações Finais
Parafraseando Ginzburg, reduzir a escala de observação também é transformar numa dissertação aquilo que poderia ter sido uma simples nota de rodapé de um texto monográfico, 69 é do episódico e conjectural que os historiadores oralistas fazem a história distanciando-se dos perigos de uma história generalizante ou simplista. Assim, a história oral rompe com a ideia de que a redução da escala de observação só é possível, quando fazemos biografias ou estudamos pequenos vilarejos ou comunidades. Isso já foi superado, tais análises hoje podem ser consideradas precipitadas, visto que a história oral se constrói a partir do recorte temático de um evento circunscrito historicamente, como o caso em estudo e da escolha e abordagem das fontes e não da espacialidade em estudo ou menos da entrevista de dois ou três sujeitos históricos, e sim de um conjunto concatenado de ações metodologicamente articuladas que propõe um zoom nas fontes orais, como em uma fotografia,70 buscando os detalhes que só com uma lupa de detetives podemos enxergar e, por conseguinte, devassá-las esmeradamente.
Portanto, ‘abaixo as explicações generalizantes’, pois acreditamos que a partir de um indício de pequenos fatos podemos responder a questões de ordem e interesses mais gerais, como o que propomos aqui, compreender a escravização contemporânea em na Pré-Amazônia Maranhense a partir do relato de nossos colaboradores. Diante do exposto, vemos nas entrevistas realizadas com José Alves, José Gomes e Carvoeiro a oportunidade de fazê-las numa perspectiva analítica, acreditando assim captar indícios de como esses sujeitos foram sendo inseridos nas práticas de escravização contemporânea na Amazônia, desnudando seus percursos.
Assim, nos termos de Chartier ao tratar sobre a história do tempo presente, preconiza que o profissional da história ao eleger este recorte temporal tende a potencializar sua pesquisa, uma vez que, “compartilhando com aqueles cuja história ele narra, as mesmas categorias essenciais, as mesmas referências fundamentais”,71 o pesquisador passa ser o único “que pode superar a descontinuidade fundamental que costuma existir entre o aparato intelectual, afetivo e psíquico do historiador e dos homens e mulheres cuja história ele escreve”. 72 Eis mais um desafio do fazer historiográfico, uma quase tarefa hercúlea e mestra do historiador a de assim como Walter Benjamin “escovar a história a contrapelo”73 e à revelia dos escamoteadores, que do sótão tripudiam em cima dos que jazem ainda no porão da história. Estes homens de Esparta da Amazônia Maranhense não são e nunca foram escravos, mas escravizados pelo vil sistema capitalista que sobrepuja o ser pelo ter.
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2 GOMES. Antonio. Idem.
3 Em outros trechos, o narrador não poupou autoelogios a sua bravura e, sobretudo, as práticas notadamente de solidariedade aos companheiros, isto se explica, como táticas e estratégias de sobrevivência que interpretamos à luz de CERTEAU [1994], somado ao nosso entendimento de que em história oral mais importante do que identificar os devaneios de um narrador, é buscar as motivações destes, como expressos por AMADO [1995] e MEIHY [2005].
4 Antracose é doença causada pelo acúmulo de partículas de carvão nos pulmões, geralmente observada em populações de grandes centros urbanos ou de áreas poluídas a exemplo do Piquiá, além de fumantes ou trabalhadores de carvoarias. Caracteriza-se por uma lesão pulmonar, podendo causar fibrose pulmonar e em casos mais graves levar a óbito. O excesso de ferro armazenado no organismo pode gerar graves patologias em outros órgaõs como rins e coração.
5 CARVOEIRO, A.S. Entrevista concedida a Fagno da Silva Soares. Açailândia. 24. mar., 2012.
6LE BRETON, Binka. Vidas roubadas - a escravidão moderna na Amazônia brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.21.
7 CARVOEIRO, A.S. Entrevista concedida a Fagno da Silva Soares. Açailândia. 24. mar., 2012.
8ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. ensaios de teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007, p. 33.
9 LOZANO, Jorge Aceves. História oral. Ciudad del México: Amacalli Editores, 1993, p.7.
10 MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5. ed. revis. e ampl. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p. 22.
11 CALDAS, Alberto Lins. Oralidade, texto e história: para ler a história oral. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
12VANSINA, Jan. La tradición oral. 2. ed. Barcelona: Editorial Labor, 1968.
13 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL, Rio de Janeiro; 2012. Disponível em: <http://www.abho.com.br>Acesso em: 06 de jan. 2012.
14 ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro; FGV, 2004, p.77.
15 ALBERTI, Verena. Histórias dentro da história. In: Carla Bassanezi Pinsky. [Org.]. Fontes históricas. 1 ed. SãoPaulo: Contexto, 2005, v. 1, p. 155.
1 6FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. [orgs.] Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 8a ed. 2006, p. xii.
17 VI ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL, São Paulo, Anais eletrônicos. USP, 2002. ABHO: Disponível em: http://www.abho.com.br/anais/anaisusp.html.Acesso em: 19 de ago. 2006.
18 Idem.
19THOMSON, Alistair; FRISCH, Michael e HAMILTON, Paula. “Os Debates sobre Memória e História: alguns aspectos internacionais” In.: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 8a ed. 2006, p. 66.
20BARROS, 2004. Passim.
21 ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 32.
22VILANOVA, M. “La historia sin adjetivos com fuentes orales y la historia del presente”. In: História Oral, Associação Brasileira de História Oral, São Paulo, junho de 1998, nº 1, p. 36.
23THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p. 138.
24 HUGHES, Warrington Marnie. 50 grandes pensadores da história. SP; Contexto, 2002.
25POLLAK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, 1992, pp. 207-208.
26 ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 232.
27 BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto [org.] Tempo e história. São Paulo: Cia das Letras. 1992, pp. 19-32.
28O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Báscaran, com sede em Açailândia- MA, é uma organização não governamental destinada à defesa dos direitos humanos, fundada na segunda metade da década de 90, tendo como principio norteador ‘a defesa da vida onde for mais ameaçada e os direitos humanos onde forem mais desrespeitados, com atenção privilegiada aos mais pobres e explorados’. Além de grassar no combate pela erradicação do trabalho escravizante no Maranhão Contemporâneo, conta com um vasto campo de atuação, tornando-se uma referência no encaminhamento de denúncias de trabalho escravizante para além da Pré-Amazônia Maranhense, com cursos de promoção de ações culturais, valorização do protagonismo juvenil e na formação de agentes comunitários e culturais. Suas ações demandam a formação de uma rede de parceiros; Manos Unidas, Catholic Relief Services - CRS,Vale, Fundação Vale, SESI, SENAC, SEBRAE, ONG REPÓRTER BRASIL, SECTAM, dentre outros. Para mais informações: www.cdvdhacai.org.br
29FILHO, Antonio José Ferreira. Entrevista concedida a Fagno da Silva Soares. Açailândia. 24. fev., 2012.
30 ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 7.
31AMADO, Janaína. O grande mentiroso: tradição, veracidade e imaginação em história oral. História, UNESP, São Paulo, n.14, 1995, p. 132.
32 CARVOEIRO, A.S. Entrevista concedida a Fagno da Silva Soares. Açailândia. 24. mar., 2012.
33 ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 232.
34 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica – teoria e método. Bauru: EDUSC, 2006, p. 228.
35BARROS, 2004, p.133.
36Idem, p. 134.
37 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Revista Projeto História – História e Cultura. PUC-SP, n 17. 1998, p. 09.
38 Idem.
39LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. trad. Bernado Leitão [et. al.]. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2003, p. 47.
40 NORA, op. cit., p. 09.
41LE GOFF, 2003, pp. 547-548.
42Ibid., p.103.
43BORGES, Jóina Freitas. Sob os areais, histórias de vida. In.: CASTELO BRANCO, Julinete Vieira. SOLON. Daniel Vasconcelos. [Org.] Histórias em poliedros: cidade, cultura e memória. Teresina: EDUFPI, 2008, p. 93.
44SHARPE, J. A História vista de baixo. In: BURKE, P. [Org.]. Escrita da História: novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Edunesp. 1992. p. 22.
45THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p. 254.
46AMADO, Janaína. A culpa nossa de cada dia: ética e história oral. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduação em História, n.º 15, São Paulo, abr., 1997, p. 146.
47 ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005, p.29.
48 FENELON Déa [Org.]. Cidades. Pesquisa em História. Programa de Estudos de Pós Graduados da PUC/SP. São Paulo: Olho Da Água. 2000, p. 09.
49 [Uma só testemunha não é uma testemunha]. PRINS, Gwyn. História oral In.: BURKE, Peter [Org.]. A escrita da história: novas perspectivas.Trad. Magda Lopes. São Paulo: Edunesp, 1992, p. 171.
50PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética na história Oral. In: Projeto História - Ética e História Oral. São Paulo: 1997, p.17.
51 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica – teoria e método. Bauru: EDUSC, 2006, p. 228.
52 THOMPSON, P.1992, p. 205.
53 Cognome que lhe foi dado por seus companheiros durante a labuta no roço de juquira, para adjetivá-lo como indivíduo forte e corajoso.
54NASCIMENTO, Francisco Alcides. Fios da Memória: histórias do rádio. In.: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. NASCIMENTO. Francisco Alcides. PINHEIRO, Áurea da Paz. [Org.] Histórias: cultura, sociedade, cidades. Recife: Bagaço, 2005, p. 05.
55FERREIRA; AMADO, [orgs.] 2006, p. xv.
56 MEIHY, José Carlos Sebe Bom. A Vez da história oral. Revista Carta Capital. São Paulo: Editora Confiança Ltda, ano 17, n. 664, set. 2011, pp. 72-73.
57 MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 17.
58MEIHY, Ibid., 2005, p. 17.
59Ibid., p. 04.
60 Idem.
61 Idem.
62PRINS, Gwyn. História Oral. In.: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p.166.
63 PORTELLI, Alessandro. Biografia di una città. Torino: Giulio Einaudi Editores, 1985.
64 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os vermes. São Paulo: Cia das Letras, 1986.
65 MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
66FERREIRA, Marieta de Morais. AMADO, Janaína. [orgs.] Usos & abusos da história oral. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
67CHARTIER. Roger. A visão do historiador modernista. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. [coords.]. Usos &abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, pp. 215-219.
68 Idem, pp. 215-219.
69 “[...] transformar num livro aquilo que poderia ter sido uma simples nota de rodapé numa hipotética monografia sobre a Reforma protestante no Friul”. GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro falso e fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 264.
70LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, pp. 133-161.
71Idem, p. 216.
72 Idem, pp. 215-219.
73 BENJAMIM, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.225.
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