Zaqueu Luiz Bobato
Fernando Fernandes
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil
zaqueudegeo@gmail.comRESUMO: Este artigo apresenta como os agricultores que habitam a área da Bacia Hidrográfica do rio “Barro Branco” no município de Prudentópolis no Estado do Paraná, entendem os processos geomorfológicos e as geoformas em seus contextos locais de vivência. Num primeiro momento, evidencia-se a sistematização teórica acerca do conhecimento científico com o vernacular dos agricultores. Na sequência, traz-se para reflexão, os resultados que foram obtidos nas pesquisas de campo, realizadas no ano de 2014. Por fim, são apresentadas as considerações finais da pesquisa.
PALAVRAS CHAVE: Saberes Tradicionais, Processos Geormofológicos, Geoformas.
THE TRADITIONAL KNOWLEDGE OF THE COUNTRYSIDE MAN ABOUT GEOMORPHOLOGIC PROCESSES AND ITS FORMS: A DIAGNOSTIC ON THE HYDROGRAFIC BASIN OF THE “BARRO BRANCO” RIVER IN THE CITY OF PRUDENTÓPOLIS – PARANÁ
ABSTRACT: This paper features how the farmers that inhabit the “Barro Branco” river’s basin area on the city of Prudentópolis in the State of Paraná conceive the geomorphologic processes and the geoforms on their living space. In a first moment, it is showed the theoretical about the scientific knowledge within the vernacular farmers. Following that, it is brought to reflection the results that were obtained on the field research, made in the year of 2014. In the end, the final considerations of the research are shown.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Zaqueu Luiz Bobato y Fernando Fernandes (2015): “Os saberes tradicionais do homem do campo sobre os processos geomorfológicos e suas formas: diagnóstico na bacia hidrográfica do rio “Barro Branco” município de Prudentópolis-Paraná”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 30 (octubre-diciembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/04/geoformas.html
INTRODUÇÃO
Tratando do homem do campo, o qual interessa o presente estudo, ele modifica a paisagem tida como natural de acordo com sua necessidade. Destaca-se que em muitos casos ocorre uma relação de interdependência entre o homem e a paisagem transformada. O homem, de acordo com a sua capacidade econômica, e, consequentemente disponibilidade técnica e até mesmo influência cultural, condiciona as práticas produtivas os sistemas agrícolas os sistemas aquáticos e também a formação sócio-territorial (FERNANDES, 2013; FERNANDES & PINTO, 2012).
Escobar (2005) apresenta que as comunidades locais constroem a natureza de formas impressionantemente diferentes das formas modernas dominantes: eles designam, e, portanto, utilizam os ambientes naturais de maneiras muito particulares, utilizando uma quantidade de prática – significativamente diferentes – de pensar, relacionar-se, construir e experimentar o biológico e o natural. Essa forma de apropriação do meio é analisada como um sistema, no caso, um sistema agrário, no qual, não podemos compreendê-lo isoladamente. Caracteriza-se também pelo tipo de instrumento e de energia utilizado para transformar o ecossistema, estando diretamente ligadas as características sociais do momento (MAZOYER & ROUDART, 1993). Um exemplo são as práticas de agricultores que usam da força humana pra a realização de serviços, sendo o único investimento o uso agrícola da área, outros, usam da força animal na realização dos serviços, tendo como investimentos a utilização de alguns insumos. Em outros casos, há agricultores que usam de recursos tecnológicos avançados na produção agrícola (BRAGAGNOLO, apud, PEREIRA; CRUZ, 1994).
Ao tratarmos de elementos físicos da paisagem de estudo (Bacia Hidrográfica do Rio Barro Branco), listamos que, a área encontra-se sob a unidade morfoestrutural da Bacia Sedimentar do Paraná e morfoescultural do Segundo Planalto Paranaense (MINEROPAR, 2006). As subunidades morfoesculturais as quais fazem parte da área pertencem, em parte, ao Planalto de Ponta Grossa e Planalto de Irati.
A paisagem apresenta dissecação média, tendo classes de declividade predominante inferior a 6%, o relevo possui gradiente de 220 metros e formas de relevo com topos alongados e isolados, vertentes côncavas e vales em forma de “U”, são feições modeladas sob rochas da formação Teresina (MINEROPAR, 2006). Encontra-se esculpido na faixa de rochas Paleozóicas e apresenta-se no Paraná, como um planalto modelado em estruturas monoclinais, sub-horizontais, mergulhando para o Oeste. Tem seus limites entre a escarpa Devoniana (prancha 1D) a Leste, onde as altitudes médias de cimeira estão entre 1100 a 1200m e, a Oeste, com a escarpa arenito-basáltica ou Triássico-Jurássico (prancha 1E) onde, em suas proximidades as altitudes variam entre 350 e 1200 metros s.n.m” (SANTOS et al, 2006).
São particularidades geoecológicas (cobertura vegetal), geomorfológicas (forma de vertente, comprimento de vertente, feições), topográficas (declividade), pedológicas (profundidade do solo, composição) das áreas as que funcionam como condicionantes na sua apropriação, onde para Mazoier & Roudart (1993) ao se considerar a paisagem como dinâmica no tempo e no espaço, a realidade atual de uma área é fruto de toda uma relação histórica de uso. Na área, há condicionantes estruturais, como, topos de morros que possuem mais resistência a agentes modeladores, enquanto que, as menos resistentes, proporcionam a existência, principalmente, de fundo de vales. A área é rica em desníveis topográficos, tendo mudanças estruturais assinaladas nas rupturas de níveis como as cachoeiras (FERNANDES, 2013).
Em virtude de características da paisagem e da relação da população com esta, ao longo do processo histórico social, ocorreu adaptações às condições naturais, decorrente de limitações geomórficas locais que não podiam ser rompidas. Outro fator foi a ausência de tecnologias para o momento histórico e a realidade vigente. Assim, foram sendo criadas novas formas de sobrevivência na paisagem, predominando a transformação desta em função da prática agrícola de uso do solo.
As paisagens dessas áreas são decorrentes, em partes, da transformação de um ecossistema para um sistema agrário, tendo modificações em diversos substratos, principalmente, pedológicos e biológicos. O resultado é certa simplificação do sistema e também alteração da área, tem-se nova dinâmica a qual pode resultar em processos de degradação e alteração do ambiente natural (FERNANDES, 2013).
No que tange aos procedimentos utilizados para elaboração deste artigo, destaca-se que foram realizadas entrevistas (semiestruturadas) com os sujeitos que residem e se apropriam da área, ou, que dela se relacionam. Salienta-se que ocorreram um total de 4 coleta de informações. O tipo de amostragem foi a não probabilística por tipicidade. Os dados para a pesquisa foram oriundos de moradores que pudessem repassar a informação da propriedade em análise, e que tivessem uma estreita relação com a paisagem, assim, identificando o conhecimento vernacular dos produtores locais no entendimento do ambiente.
Priorizaram-se nas entrevistas as perguntas direcionadas aos processos geomorfológicos e a classificação do relevo usadas na área, bem como, as transformações que ocorreram ao longo dos anos e as inserções de novos meios de realizar o trabalho agrícola, no caso, a mecanização da agricultura atrelada à adaptação das técnicas em função do relevo.
A escolha da área deu-se em função da existência de elementos geomorfológicos representativos (áreas acima de 30% de declividade, aspectos acidentados do relevo), e, produção agrícola voltada para a subsistência (característica típica das comunidades de sistema faxinal, ou, que teve em sua origem o sistema).
Ressalta-se que o estudo em questão, tem o objetivo de identificar como os sujeitos agricultores entendem os processos geomorfológicos (erosão e deposição) e a classificação das feições do relevo, bem como, apresentar os processos geomorfológicos classificados pelos agricultores a partir da identificação do conhecimento local sobre as características e atributos utilizados na classificação do relevo.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
Ao se tratar da compreensão de características atuais de uma área, devemos levar em conta a história de ocupação a que esta foi submetida, bem como, os elementos transformadores da paisagem que a essa foi posta. Nesse sentido, é valido esboçar alguns elementos do Paraná tradicional, que compreende em parte, áreas dos sistemas tradicionais, ou seja, os faxinais da região Centro Sul e Sudeste do Paraná. A paisagem local faz parte da região compreendida como Paraná Tradicional, que, caracteriza-se pelo número reduzido de grandes proprietários e o grande número de pequenas propriedades (HAURESKO; MOTEKA, 2008).
Faxinal1 é um sistema de uso das terras (MARQUES, 2004) onde se desenvolvem práticas agrícolas em que há uma relação com o ambiente biótico e abiótico e também com o seu lugar. Diversas pesquisas (MARQUES, 2004; CAMPIGOTO, 2008; HAURESKO, 2011; NERONE 2000) apontam que, as comunidades tradicionais se apropriam do ambiente em que vivem, estabelecendo uma forma particular de se relacionar, diferenciando da vida tida como moderna. Na área de estudo, expõem-se que, o sistema produtivo agrário existente, o qual configura a paisagem local, apresenta-se como condizente a capacidade de suporte do agroecossistema. Se este não o fora, haveria a inserção de novas formas de apropriação da paisagem rural. Aponta-se que na área, existem elementos de uma nova organização sociocultural. Assim, a agricultura familiar vem fundando pequenos módulos rurais, e estes vêm se adaptando aos processos socioeconômicos globais.
A paisagem de estudo é um Geossistema subtropical de floresta ombrófila mista, caracterizada pela presença de espécies como Araucária angustifólia. Quanto a geologia,pertence ao grupo geológico “passa dois” da bacia sedimentar paranaense, sub-bacia do rio Papanduva em Prudentópolis-PR. Nesse sentido, temos diferentes feições geomorfológicas em cada paisagem, muitas com características acidentadas e outras suaves. Na área de estudo, um exemplo, são os divisores de água que são caracterizados por topos de morros de origem geológica atrelada as rochas magmáticas da formação Serra Geral.
A paisagem típica da Bacia Hidrográfica do Rio Barro Branco é formada por vertentes com direção Sudeste/Noroeste, de base geológica, formada por diques de diabásio (formação Serra Geral). O uso do solo está atrelado ao cultivo de milho, feijão, arroz, além de fumo nas áreas mais planas, também pequenas glebas de vegetação exótica. A Área é rica em desníveis topográficos, os quais são responsáveis em parte pelas rupturas de níveis (corredeiras e cachoeiras). Esses desníveis assinalam, na maior parte das vezes, no substrato fluvial, mudanças estruturais locais.
As propriedades são encontradas de forma dispersa na bacia, ocupando os interflúvios. Nas áreas de maior declividade (acima de 30) ocorrem principalmente o cultivo de feijão, milho e arroz, não ocorrendo o plantio de tabaco. Essas propriedades rurais situam-se ao longo das vertentes (terço superior, médio e inferior), estando principalmente na porção média da bacia e ao longo do vale fluvial. São ambientes de transição geológica (topo com rochas da formação serra geral e terço médio e inferior da vertente com rochas da formação Terezinha) tendo integralmente cultivo de espécies agrícolas de subsistência.
As vertentes na porção superior, jusante e divisores de água, caracterizam-se pelas áreas de menor declividade, possuem cultivos das mesmas espécies citadas, diferenciando-se pelas práticas e técnicas usadas, as quais tem em maior peso, o uso de implementos agrícolas motorizados. A região é caracterizada pela relação dos sujeitos agricultores e os elementos geofísicos existentes. As práticas e técnicas agrícolas na paisagem da Bacia Hidrográfica do rio “Barro Branco” e as formas geomorfológicas, se complementam com as atividades ali existentes. O relevo local é configurado por tipologias geomorfológicas (declividades, formas de vertente, etc.) as quais, são frequentemente apropriadas pelos agricultores para o cultivo, principalmente, agrícolas. Por vez, estes usam de técnicas e práticas que são repassadas de geração em geração aliadas as consideradas modernas, perfazendo um hibridismo.
TECENDO INFORMAÇÕES SOBRE A PAISAGEM LOCAL: O AGRICULTOR E OS ELEMENTOS GEOMÓRFICOS
No presente artigo, é levada em conta uma paisagem onde a sua apropriação é feita por agricultores da comunidade que estabelecem práticas agrícolas. É importante salientar que a paisagem atual é um histórico de uso, em meio às características do ambiente, onde predomina uma agricultura que possui integração comercial da produção com o mercado local, em que o excedente é vendido nos comércios regionais por meio de cooperativas e associações rurais de agricultores.
Compreende-se que esta paisagem agrícola faz parte de outros sistemas, tanto biofísico, como econômico/cultural, assim, as transformações em escala temporal que ocorreram e que vem a ocorrer na esfera local, regional, nacional, e internacional, são em partes, responsáveis pela modificação do quadro paisagístico da área. Um exemplo é a modernização da agricultura.
A paisagem de estudo é um Geossistema subtropical de floresta ombrófila mista de araucárias, e grupo geológico “passa dois” da bacia sedimentar paranaense, sub-bacia do rio Papanduva em Prudentópolis-PR. Nesse sentido, temos diferentes feições geomorfológicas em cada paisagem, muitas com características acidentadas e outras suaves. Na área de estudo, um exemplo, são os divisores de água que são caracterizados por topos de morros de origem geológica atrelada as rochas magmáticas da formação Serra Geral.
As áreas subtropicais, onde se localiza a bacia de estudo, devido as suas características morfoesculturadoras, bem como, a concentração de períodos ao longo do ano com alto índice pluviométrico, tende a ocorrer alto poder erosivo das chuvas, dado os solos pouco coesos e com pouca cobertura vegetal, o que é bastante nítido na área de estudo (FERNANDES; PINTO, 2012; FERNANDES, 2013).
Elucida-se que o manejo agrícola dos solos pode ser considerado como um importante agente de aceleração da morfoesculturação, nesse sentido, a geomorfologia busca compreender a ocorrência dos processos morfogenéticos e a atuação destes nas diferentes formas da paisagem, o que vem ao caso, é que a formas são influenciadas e influem na sua própria dinâmica, onde cada processo morfogenético acontece distintamente. Quanto às formas, são resultadas da evolução do relevo e resultam nesta. Nesse contexto, os aspectos geormofológicos da paisagem estão intimamente ligados a ocorrência dos processos morfogenéticos, tanto em paisagem natural, como, antropizada. Pensando nisso, esses aspectos são encontrados distintamente em cada paisagem, estando relacionados aos seus processos e fatores formadores, como a atuação dos agentes modeladores.
O quadro 01 apresenta certo detalhamento de uma porção da paisagem da área, o qual é base para o entendimento das formas do relevo em função da espacialização das técnicas e práticas feitas pelos agricultores locais, onde a formação, bem como, as características geomórficas, são avistadas, cada qual com uma prática e cultivo diferente, seja por declividade, pedregosidade da área, influência fluvial, ou mesmo, ferramentas tecnológicas de uso agrícola.
Ao avaliar as formas de manejo do solo, é preciso considerar que, as técnicas empregadas, são, em grande parte, em função das características topo-morfológicas da área. Assim, nos segmentos de vertente mais declivosas (> 20%), predominam práticas atreladas ao sistema de coivara, e o uso de tração animal, dado o fato, que, não são passíveis de mecanização.
As formas de utilização destas áreas, associadas às condições climáticas, vêm implicando na constante formação e evolução de linhas de erosão-drenagem. A cada ano, o preparo do solo – aração - elimina-as superficialmente. As linhas de erosão podem estar interligadas à própria dinâmica das vertentes, mas não se pode negar a sua forte relação ao uso de instrumentos agrícolas tradicionais, que abrem cicatrizes ao largo das vertentes.
Em setores de vertentes menos declivosas (formas côncavo-retilíneas), tais práticas são desenvolvidas com auxílio de algum maquinário, como o trator e os seus implementos, e no uso de agroquímicos para o controle de plantas invasoras. Mais uma vez, o relevo é um fator determinante no preparo do solo, associado à condição econômica do agricultor e à resistência no uso de técnicas “modernas” (Dados das Entrevistas, 2014).
As culturas agrícolas com maior expressão, tanto em área, quanto em produção, e que caracterizam a área deste estudo são: milho e feijão, que são culturas de ciclo curto, aproximadamente quatro (4) meses, cujo período de plantio está entre meados de Outubro e início de Novembro. É importante destacar que em muitos casos, a preparação do solo é realizada em setembro, com a concentração dos eventos pluviométricos na região.
O volume de precipitação varia de acordo com os meses do ano. No estudo em questão, foi levado em conta dados de 2012, onde os meses que apresentaram maiores índices pluviométricos foram Fevereiro (± 271 mm), Julho (± 311,5 mm), e Agosto (± 314,5 mm).
A área de maior declividade ± acima de 30% é o setor convexo/retilíneo o qual se configura pela presença de Cambissolos, algumas áreas de Argissolos e principalmente os Neossolos. Nesta porção são encontrados os solos naturalmente mais rasos da encosta (exceto o Argissolo) e também os que possuem menor profundidade de horizontes orgânicos (FERNANDES, 2013, p. 66).
Apresenta-se que os sujeitos distinguem o relevo local de acordo com as suas necessidades, que por vez, resultam em uma espacialização dos cultivos agrícolas, bem como, as práticas e técnicas usadas ao longo das áreas. Necessariamente, cada cultura agrícola em meio às técnicas, também possui uma forma específica de transformação do solo.
A pedopaisagem apresenta-se em constante transformação, desde os tipos de cultivos, e, principalmente, as técnicas. Considera-se que nesta área tem-se a atuação de técnicas tradicionais atrelada a técnicas modernas. Em virtude de uma relação do sujeito agricultor com a paisagem, tem-se uso de diferentes técnicas de acordo com a morfologia da vertente, e também um conhecimento das características da área.
A área possui características peculiares podendo ser compreendida como uma típica paisagem de sistema agrário híbrido (técnicas e prática agrícolas tradicionais e modernas) com aspectos da topografia (declividade) e pedologia (profundidade e distribuição dos solos na encosta) local que funcionam como elementos influenciadores na forma de uso e ocupação da área.
Uma dessas características é a ocorrência de “pedras ferro” (diabásio) da formação Serra Geral, estando vinculadas as áreas de maior declividade “áreas de pirambeira”. Nessas áreas, o cultivo é manual, ou, auxiliado por tração animal. Nas áreas planas não há presença de tais rochas, uma vez que detalhando a geomorfologia local, ou são área de colúvios, ou, mesmo de formação de rochas sedimentares (ENTREVISTA, 2014).
Quanto à morfologia, esta se relaciona com a distribuição das culturas e às formas do relevo, ou seja, pode haver uma espacialização das culturas e técnicas em função dos aspectos físicos da área.
As principais técnicas de preparo do solo, (aração com tração animal) e plantio, expressam uma forma de adaptação as condições geográficas, áreas declivosas e solos rasos – Litólicos. As práticas agrícolas empregam desde os equipamentos manuais como uso de enxadas e foices, aos tracionados por cavalos, como o arado, grade e o riscador até o emprego esporádico do trator.
Como resposta negativa da utilização intensificada de técnicas antigas e modernas, que são usadas a fim de suprir necessidades de crescimento econômico, essas provocam a formação e a evolução de processos geomórficos – linhas e sulcos erosivos, quase sempre acompanhando as linhas de circulação dos equipamentos de tração animal, via de regra, no sentido da vertente, facilitando o escoamento das águas após as chuvas. Esclarece-se que processo erosivo pode ser, tanto, pela consequência natural da dinâmica geomórfica, como, estando ligados à ocorrência das chuvas sobre solos submetidos às técnicas e ao calendário agrícola. Aponta-se que os agricultores bem conhecem o processo como trabalham, evitando tais ocorrências, ao passo que compreendem que a fertilidade do solo é influenciável pela “terra lavada” (escoamento superficial). Em áreas de maior declividade incidem linhas de drenagem, muitas atreladas à própria dinâmica da vertente, e outras, colocadas pelos agricultores sendo decorrentes das próprias práticas e técnicas agrícolas adotadas. A maior parte está ligada a encostas com contornos côncavos com cultivos de culturas anuais onde existe revolvimento do solo (ENTREVISTAS, 2014).
As práticas agrícolas ocorrem no mês de outubro, quando se faz a preparação da terra para o plantio. Isto implica no revolvimento do perfil cultural, o solo, aproximadamente 20 cm. A preparação do solo consiste em atear fogo para queima do material residual “palhada” do ano anterior. Posteriormente, faz-se a aração com o uso de tração animal: abrem-se os sulcos onde se faz o plantio das sementes. Em escala local há “limitações” no uso e ocupação do solo, dado pela geomorfologia (processo erosivo significativo, formação de linhas preferenciais de escoamento superficial) pedologia (solos rasos e presença de rochas na superfície) e topografia (declividade acentuada).
Quanto às técnicas agrícolas, o controle das ervas invasoras é realizado com produtos químicos, não havendo necessidade de capina, embora em alguns setores da vertente seja usado a capina, o qual acarreta em um revolvimento do solo.
O agricultor espacializa os usos em função da morfologia local, sabe este, a disposição ao longo da vertente, das áreas que compreende as “canhadas”, “caída” e as “Barrocas ou Peral” (formas locais, estas ligadas a terços específicos da vertente). O agricultor apresenta a ocorrência de incisões lineares em algumas áreas da vertente.
Em se tratando da porção do terço médio da vertente, é um trecho com declividade (quadro2). Apresenta classes de Argissolo e Cambissolo, tendo perfis de solo com profundidades inferiores aos do terço superior. Dada a declividade mais acentuada de ± 20 a 30%, essa área apresenta-se com cultivos de feijão e milho, efetuados com uso de ferramentas manuais e tracionados por cavalos. A atuação de processos erosivos parece se destacar na forma de erosão laminar e também da formação de sulcos e ravinas, tendo que estas incisões configuram-se com formas mais alongadas e aprofundadas ao longo da vertente e do aumento da declividade.
Em avaliação de campo com auxílio de classificação morfológica de perfil (FERNANDES, 2013), define-se que no terço superior, bem como, no terço inferior, encontram- se o Nitossolos, Cambissolos e Neossolos, sendo estes, solos jovens em relação ao do terço médio, o qual se apresenta classes de Argissolos.
Para o agricultor, é no setor médio, definido como o de melhor área na produção do arroz, o qual não se desenvolve como o esperado nos demais setores. O Argissolo apresenta maior teor de argila que o Nitossolo, e, nesse sentido, é compreendido como um “solo fino” (FERNANDES, 2013; ENTREVISTAS, 2014). Já o Cambissolo e Neossolo, que são compostos por teores a mais de silte, bem como, areia, este é denominado pelos agricultores de “solo grosso”. Em maiores detalhes, durante o ano produtivo é considerada a terra fina, no caso, o Argissolo2 , como um solo que permite a planta resistir mais a estiagem.
Os solos da área são usados de acordo com as características morfológicas (declividade, profundidade) assim, as pedopaisagens que foram individualizadas pelo processo de pedogênese e também dos usos humanos, apresentam-se em constante transformação, desde os tipos de cultivos e principalmente as técnicas. Em virtude de uma relação do sujeito agricultor com a paisagem, tem-se uso de diferentes técnicas de acordo com a morfologia da vertente e também um conhecimento das características da área.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa buscou apresentar um viés para etnogeomorfologia, que, como a etnopedologia, pode ser considerada uma abordagem etnoecológica, onde os estudos etnocientíficos são os que procuram compreender as comunidades com cultura própria que se relacionam com os elementos do ambiente e com o próprio território e lugar em que vivem.
O entendimento da percepção dos produtores rurais sobre a dinâmica de seu ambiente, e principalmente do relevo e da relação com os solos, é imprescindível para a valoração do sujeito agricultor, também base para discussão de políticas de ordenamento territorial. Com este estudo, identificou-se que o entendimento dos processos formadores do relevo, ligados a sua forma, são de grande importância para o correto manejo das áreas as quais são de necessidades dos agricultores.
Em relação ao levantamento sobre as práticas agrícolas na área estudada, cabe ressaltar que de acordo com as entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa - moradores, agricultores, ex-faxinalenses - é razoável entender e conceituar a área de estudo, como sendo, uma típica paisagem de sistema agrário do tipo híbrido, uma vez que se coadunam técnicas e prática agrícolas tradicionais e modernas (FLORIANI, et al. 2011).
Na área, os condicionantes estruturais caracterizam os processos morfogenéticos; as formas topográficas estão ligadas a litologia sedimentar, declives acentuados, colúvios instáveis de maiores declividades (ligadas às áreas de transição litológica de regolito espesso com perfis de solo acima de 1,5 m) e estáveis nas demais.
As características predominantes são de uma “agricultura familiar com produção de subsistência” pelo modelo tradicional de relacionamento com a paisagem, mas, atualmente, também se inserem no quadro de modernização das formas de produção, com o uso de insumos agrícolas e produção voltada à grande empresa fumageira.
Aponta-se que este artigo está sendo apresentado, como um material primário para novas pesquisas na área voltada às questões dos conhecimentos vernaculares, e, principalmente, na relação dos sujeitos agricultores com as geoformas locais, pois, acredita-se que a etnociência é fundamental para a compreensão das comunidades tradicionais, bem como, para fazer valer as pesquisas, ou seja, para que elas não sejam apenas científicas para os interessados em ciência, mas sim, etnocientíficas ao fazer valer o conhecimento tradicional.
REFERÊNCIAS
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ESCOBAR, A. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-desenvolvimento? In: LANDER ,E. (org) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. CLACSO. Colección SurSur, Ciudad Autônoma de Buenos Aires/AR, 2005. p. 133-168. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/pt/Escobar.rtf>. Acesso em 10 de junho de 2015.
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FLORIANI, N. et al.. Modelos híbridos de agricultura em um faxinal paranaense: confluência de imaginários e de saberes sobre paisagens. Geografia (Rio Claro. Impresso), v. 36, p. 221-236, 2011.
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2 Argissolos considerados como bem drenados a moderadamente drenados e os Nitossolos como bem drenado (MANUAL TÉCNICO EM PEDOLOGIA, 2007).
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