Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


RELAÇÃO ENTRE DESIGN GRÁFICO E FARMÁCIA: OBSERVAÇÃO DOS ANÚNCIOS DE MEDICAMENTOS DA REVISTA CARAS Y CARETAS (BUENOS AIRES, 1900-1930)

Autores e infomación del artículo

Paula Garcia Lima

Francisca Ferreira Michelon

Universidade Federal de Pelotas

paulaglima@gmail.com

Resumo
O presente texto é oriundo de investigações feitas em missão de estudos na cidade de Buenos Aires quando da realização de dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas. Nesta ocasião foram observados os anúncios de medicamentos veiculados na revista Caras Y Caretas, fundada naquela cidade no ano de 1898, sendo que as edições contempladas pelo estudo foram aquelas que circularam no período de 1900 à 1930. O intuito foi angariar material que fornecesse subsídios comparativos às peças que estavam sendo estudadas no Brasil para enriquecer a discussão da relação entre design gráfico e farmácia naquele contexto. Assim o artigo a seguir aborda a parte da pesquisa que se debruçou no entendimento desta relação de forma específica ao que foi analisado no referido veículo e no contexto da capital argentina por meio de revisão bibliográfica de autores locais e triagem de anúncios de medicamentos.

Palavras-Chave: design gráfico, farmácia, anúncios de medicamentos, revista Caras y Caretas, Buenos Aires.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Paula Garcia Lima y Francisca Ferreira Michelon (2015): “Relação entre design gráfico e farmácia: observação dos anúncios de medicamentos da revista Caras y Caretas (Buenos Aires, 1900-1930)”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 30 (octubre-diciembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/04/farmacia.html


 

O presente texto tem por objetivo, como o próprio título explicita, ampliar a compreensão das relações existentes entre design gráfico e o campo da farmácia, através de pesquisa realizada em missão de estudos na cidade de Buenos Aires. Nesta investigação foi feita revisão bibliográfica sobre a temática e uma triagem de anúncios de medicamentos presentes na revista Caras y Caretas, com o objetivo de verificar a existência de semelhanças ou não com as peças gráficas relacionadas aos medicamentos do laboratório do Parque Souza Soares.
A escolha da revista Caras y Caretas, fundada em 1898 por Eustaquio Pellicer e Bartolomé Mitre y Vedia, deve-se, primeiramente, ao fato de ter sido uma revista em circulação na cidade de Buenos Aires no período estudado (1900 até 1930) e de ter consistido na primeira publicação ilustrada que, em pouco tempo, alcançou um prestígio sem precedentes e grande parcela da população, face às publicações anteriores, às quais tiveram caráter mais efêmero (SZIR, 2010, p. 02 e p. 27). A revista em questão reflete a importância alcançada através de sua comercialização e circulação até os dias atuais. Ainda, sobre a revista Caras y Caretas, Szir (Idem, p.5) pondera que esta foi uma das grandes responsáveis pela expansão de periódicos ilustrados na Argentina em finais do século XIX e início do século XX. A autora, discorrendo sobre o êxito deste periódico, diz que :

En 1904 el periódico que había iniciado su publicación con 15.000 ejemplares alcanzó una tirada de 80.700 y llegó en 1910 a 110.700. Dirigida por el escritor José S. Álvarez - Fray Mocho -, el dibujante Manuel Mayol y el mismo Pellicer, la revista se autodefinió como Semanario Festivo, Literario, Artístico y de Actualidades y se identificaba a sí misma con el género del magazine. Se vinculaba así a un tipo de publicación periódica de carácter moderno nacido en Estados Unidos hacia 1895, que resultó expresión temprana de la cultura de masas alcanzando regularmente a un público amplio de clases media y popular urbanas en un contexto social y geográfico extenso. (SZIR, 2010, p. 27).1

Através das edições analisadas pode-se perceber que se trata de uma revista de variedades que se assemelha aos conteúdos abarcados pelos almanaques como, por exemplo, dos almanaques editados pelo Parque Souza Soares, os quais serão apresentados em parte do capítulo 3.  O conteúdo da revista Caras y Caretas é formado por contos, poesias, caricaturas e demais ilutrações, notícias, fotografias, reproduções de obras artísiticas, publicidade ilustrada e, no caso da primeira edição do ano, na primeira semana de janeiro, calendários para o ano. A autora Szir (2010, p. 02 e p. 27) destaca que a revista Caras y Caretas foi uma revista que, em seu surgimento, caracterizava-se por mesclar aspectos satíricos, culturais, literários e de atualidade. 
A aparição e aumento da circulação das revistas ilustradas estava relacionado ao surgimento de um novo mercado de bens de consumo diários que dependem em grande medida da publicidade. No caso da revista Caras y Caretas, sua grande circulação fez com que ela incorporasse um número cada vez maior de anúncios publicitários que exploravam a visualidade, possibilitando uma diminuição do seu preço de venda. (SZIR, 2010, p. p. 27-28)
Era uma revista com considerável número de páginas, o que se torna impresionante pelo fato de que era uma publicação de periodicidade semanal. Ainda foi possível detectar que a primeira edição do mês de janeiro parece ser uma edição especial, com maior número de páginas e calendário, como uma espécie de almanaque para o ano em questão. A edição de janeiro de 1913 possui 276 páginas, a mais extensa com a qual deparou-se na investigação. Porém, nos anos de 1914 e 1915 percebeu-se um menor número de páginas nas edições, o que pode ser um reflexo da 1ª Guerra Mundial e de suas consequências como a recessão e os problemas financeiros.
Tendo em vista o grande número de edições da Revista Caras y Caretas que teriam de ser analisadas entre os anos de 1900 e 1930, definiu-se fazer a análise por amostragem, através da apreciação da primeira edição da revista de quatro em quatro meses. Para tanto foram definidos para análise a primeira edição dos meses de janeiro, maio e setembro. Assim, ao final foram totalizadas 90 revistas apreciadas. A justificativa para tal procedimento, além do imenso número de revistas que teriam de ser analisadas, encontra-se no fato de que a publicidade era um trabalho muito caro, logo, ela se mantinha durante muito tempo para que pudessem ser aproveitados o mesmo fotolito e, assim, não ter de contratar novamente o serviço de um profissional.
Tal aspecto tornou desnecessário pesquisar todos os meses, pois as chances de encontrar algo diferente diminuíram potencialmente. Importante destacar que esta afirmação foi comprovada na análise, onde se observou que muitos anúncios permanecem iguais, mesmo no decorrer de muitos anos.
Para a pesquisa em Buenos Aires partiu-se da mesma hipótese que norteou o trabalho desenvolvido no Brasil, de que mesmo antes da existência de profissionais denominados designers, já havia a produção de peças gráficas que contemplam a definição desta área profissional. Com base nisto é que se buscou traçar um pouco da história desta atividade na Argentina, mais especificamente em Buenos Aires.
Partilhando de outro entendimento aqui adotado – de que o design gráfico é um importante integrante da cultura visual das sociedades que funciona como suporte de memória e auxilia na construção do imaginário – encontrou-se uma afirmação interessante. Barros et al. (1999, p.242), ao se debruçarem acerca da relação dos meios gráficos com a cidade de Buenos Aires, colocam que estes são veículos que informam, ilustram e opinam acerca das transformações na vida das pessoas, construindo novos atores sociais e novas formas de relações entre eles, constituindo parte do imaginário da cidade, no caso da capital portenha, um imaginário de grande cidade. Interessante destacar o verbo “opinar” colocado como uma das ações dos meios gráficos, definindo-os como meios atuantes e não passivos, enaltecendo-os no interior da dinâmica das sociedades.  De acordo com os autores (Idem, p.243), através dos meios gráficos pode-se depreender dois tipos de fenômenos: o que se refere em específico à ideologia do meio e o que se refere ao estilo discursivo da época. Sobre este último fenômeno, acredita-se que ele tem uma grande influência na construção do imaginário do período em que circulou e do imaginário que futuramente poderá se construir sobre o mesmo.
Sobre este tema, Borrini (2006, p.12 e 15), refletindo de forma específica sobre a publicidade, considera que esta atividade funciona como testemunho e registro dos avanços tecnológicos da humanidade e, dentre as coisas mais fascinantes da publicidade, está a sua capacidade de durar mais que o produto que anuncia, resistindo ao tempo e se mantendo na lembrança dos espectadores. Ainda segundo o autor, os anúncios fazem parte da memória coletiva de uma dada sociedade.
Acima falou-se em publicidade, no entanto, esclarece-se que, quando se menciona esta atividade, entende-se que nela está presente, também, o design gráfico, como o campo responsável pelas soluções visuais. Enfocado no meio gráfico, Artundo (2008, p.11) pondera que as características de um meio visual podem fornecer dados importantes para compreensão de um periódico e dos projetos intelectuais nele engendrados, por exemplo.
Na busca da história do design gráfico na Argentina não foi encontrada bibliografia específica para esta temática e, fazendo a procura, foram encontrados textos que trazem alguns dados que se circunscrevem dentro da área pesquisada e os quais se buscará apresentar, ilustrando alguns dos aspectos levantados com a imagens obtidas na pesquisa nas fontes primárias. A pesquisa bibliográfica traz informações de veículos diversos, no entanto, a pesquisa documental se restringiu, basicamente, a revista Caras y Caretas.
Em consonância ao que foi tratado no percurso das peças gráficas no item 1.2, nos anos de 1800, surgem em Buenos Aires os primeiros periódicos, os quais abordavam temas em pauta no momento, que eram as ciências naturais, a medicina, a farmácia e assuntos afins. Nestes periódicos já era possível encontrar publicidade de produtos ou serviços relacionados aos assuntos citados acima. Assim, além da existência de um trabalho de diagramação de periódicos, outra comprovação da existência de trabalhos gráficos, é o campo de diagramação de anúncios para propaganda (CIGNOLI, 1948, p.66).
Cignoli (1948, p.66-71), em seu artigo trabalha sobre os primeiros periódicos bonaerenses: Telégrafo Mercantil, Rural, Político – Económico e Historiógrafo del Rio de la Plata  (abril de 1801 a outubro de 1802); Semanario de Agricultura, Industria y Comercio  (setembro de 1802 a fevereiro de 1807); Correo de Comercio (março de 1810 a abril de 1811);  Gaceta de Buenos Aires (junho de 1810 a setembro de 1821), o com maior tempo de circulação dentre os citados neste parágrafo; e El Argos de Buenos Aires (maio de 1821 a dezembro de 1825). Além destes o autor ainda menciona outros 38 periódicos surgidos na Buenos Aires colonial, que circularam entre os anos de 1812 e 1822, comprovando uma intensa atividade periodista que, por sua vez, exigia profissionais das artes gráficas.
Neste período, a linguagem encontrada nas peças gráficas estava relacionada com a etapa romântica positivista do século XIX, na qual foi estabelecido um modelo estilístico hegemônico, um estilo doutrinário, ligado a razões políticas e ideológicas, que minou as possibilidades concedidas pelo suporte gráfico. Os jornais do período, por exemplo, apresentavam uma mancha gráfica homogênea, com colunas e cuja organização não apresenta soluções de continuidade, em uma mescla de notícias, editoriais e anúncios publicitários (BARROS et al., 1999, p.243). Mesmo em alguns anos à frente, esta característica pôde ser observada no registro de anúncios de medicamentos presentes nas revistas Caras y Caretas dos anos compreendidos entre 1900 e 1930. Por vezes, os anúncios parecem fazer parte da notícia ou do conteúdo abordado na página.
Em seu trabalho dedicado à imprensa periódica argentina no período de 1862 a 1885, a autora Ojeda (2010, p.117) ao se referir à década de 1870, diz que o país argentino e a cidade de Buenos Aires estavam em pleno capitalismo, atrelando toda atividade à lógica de mercadoria, buscando cada vez mais competência e funcionalidade. Já nesta época a autora aborda a utilização do design como recurso para converter o produto em mercadoria, dotado de funcionalidade e estética, características, segundo ela, observáveis na imprensa periódica, como, por exemplo, através da sua comunicação visual. A função dos periódicos deixa de ser apenas comunicar notícias e passa, também, a ter a função de vender, preocupando-se em “como dizer” as coisas. Isto abre caminho para a comunicação visual, que lança mão de uma série de recursos gráficos e linguísticos. Esta atividade, em um período que experimentava a massificação e a heterogeneidade do público, desempenha papel fundamental, uma vez que deve ser passível de atingir os mais diferentes públicos, desde os leitores até os semi-alfabetizados.
O jornal La Nación Argentina (1862-1869), fundado por Bartolomé Mitre, transforma-se e dá origem ao La Nación. A mudança de nome marca, também, uma mudança de postura do periódico, que repercute em sua visualidade, à qual passa a ser pautada em uma maior organização dos conteúdos, diferenciando conteúdo redacional dos anúncios publicitários. A publicidade deveria sustentar o periódico, logo, este deveria atingir um público maior e, para isto, apostou-se no apelo visual através de imagens e do emprego de recursos gráficos mais complexos. Estas características se constituíram como elementos básicos para o modelo de diagramação que se estabeleceu no início do século XX e que se manteve por largos anos, sofrendo modificações significativas somente quando da aparição dos sistemas informáticos (OJEDA, 2010, p. 118-119).
Os conteúdos passaram a ser hierarquizados, porém, não do ponto de vista formal, mas de localização no periódico; sendo as páginas iniciais do mesmo as de maior importância. Ojeda (2010, p.120) comenta que nos periódicos analisados em seu trabalho, era comum a existência de espaços e localizações fixas para cada tipo de conteúdo e que os anúncios, além de se manterem mais ou menos nos mesmos locais, repetiam-se exatamente iguais em edições de dias diferentes. Havia, inclusive, a repetição de páginas idênticas, para que se pudesse aproveitar a caixa do dia anterior como pré-molde, na qual só se modificava a data. A observação feita pela autora, referente a edições de finais do século XIX, pôde-se notar na revista Caras y Caretas das três primeiras décadas do século XX, de cujas edições fez-se o registro dos anúncios de medicamentos. Nestas, foi possível averiguar a existência de espaços fixos destinados a determinados temas e a repetição de anúncios com a mesma diagramação ao longo de anos!
A necessidade de sustentar-se através de anúncios publicitários, fez com que estes crescessem em quantidade nos periódicos. Esta maior quantidade, somada à necessidade de otimização de espaços e de atrair o público, fez com a linguagem visual se desenvolvesse ao longo das décadas do final do século XIX. Passou-se a utilizar um maior número de imagens, tanto nas notícias, quanto nos anúncios, auxiliando a quebrar a monotonia das páginas (OJEDA, 2010, p.122). Sobre o uso de imagens, a autora faz a seguinte observação acerca do La Nación Argentina e, posteriormente, La Nación:

Si observamos ahora el orden cronológico en que cada tipo de ilustración fue apareciendo en el periódico encontramos el siguiente recorrido: 1º) Elementos organizativos: líneas, recuadros, orlas  y clisés, llegados con los paquetes de tipos (desde 1862); 2º) Mapas (1865); 3º). Croquis y planos (1876); 4º) Esquemas ilustrativos de movimientos, razonamientos y estructuras (1885); 5º) Ilustraciones imitativas en las unidades redaccionales (Dibujos 1894 y luego fotos en 1902); 6º) Caricaturas (1902) y 7º) Historietas (1920) 2. (OJEDA, 2010, p.123)

A ocorrência de transformações e evoluções em termos de linguagem visual, somado à constatação de Ojeda (2010, p.123) de que houve a construção de uma identidade visual do La Nación, com a utilização de tipografias diferentes que foram se mantendo para identificar o nome do mesmo e suas diferentes seções e a instauração, no ano de 1870, de um departamento tipográfico, dedicado à composição das páginas, indicam a existência de profissionais desempenhando atividades que hoje se entende serem da competência de designers gráficos.
O trabalho, do ponto de vista tipográfico, não se desenvolvia com preocupações de legibilidade, uma vez que em função do alto custo do papel, os espaços tinham de ser muito bem aproveitados e, assim, algumas vezes eram utilizadas fontes de tamanho muito pequeno (OJEDA, 2010, p.123). A questão da economia de papel pôde-se observar, não do ponto de vista do uso de letras pequenas, mas de aproveitamento de todos espaços possíveis, na diagramação da revista Caras y Caretas do período que configura o recorte temporal deste trabalho. A observação de Ojeda, inserida no século XIX, permite apontar que a mesma se manteve no século XX, pois em uma das edições analisadas do periódico em questão encontrou-se um anúncio disposto no que seria a margem lateral da revista. O fato de ser um local não usual, pode ter sido um recurso para chamar a atenção do leitor, no entanto, acreditou-se ter sido pela questão de aproveitamento de papel.
Indo além do campo editorial e aproximando-se de produtos design ligados a medicamentos, encontrou-se que nas últimas décadas do século XIX, em função da crescente industrialização e a consequente expansão e diversificação dos bens industriais, os fabricantes passaram a se preocupar com a questão da identificação de seus produtos e, além, da fabricação dos mesmos, começaram a investir na sua rotulagem, agregando a marca da empresa produtora (OJEDA, 2010, p.126). Tal processo é demonstrativo do que Revilla (2003, p.9) e Cignoli (1947, p. VII-VIII) observam em seus trabalhos, de que neste período, apareceram muitos medicamentos renomados falsificados, através da atividade de traficantes, logo, os fabricantes originais passaram a atentar para formas de diferenciar e autenticar os seus produtos.
Estes acontecimentos ampliam ainda mais o trabalho dos profissionais relacionados às artes gráficas, uma vez que estende o seu campo de atuação ao projeto de marcas das empresas e produtos. Na Argentina, segundo Ojeda (2010, p.129), o primeiro produto a registrar sua marca foi a bebida Hesperidina, no ano de 1876, tendo sido o grande precursor no uso da publicidade como forma de propagar não só as características do produto como, também, as características do seu recipiente e de seu rótulo como garantia de autenticidade . O registro de marcas e a ênfase na legitimidade dos produtos levou a buscas de estilos gráficos e argumentais que enfatizassem o produto como algo único (Idem, p.126). 
Esta busca por estilos únicos e a necessidade de propagandear os produtos em função da diversificação dos bens de consumo devem ter sido alguns dos aspectos responsáveis pelo surgimento de locais destinados a este tipo de atividade, no caso, as agências de publicidade. De acordo com Borrini (2006, p.13), foi no ano de 1898 que nasceu a primeira agência publicitária da Argentina, fundada pelo austríaco Juan Ravenscroft, a partir da venda de espaços para propagandas em estações e vagões nas linhas ferroviárias.
O estilo gráfico hegemônico presente na Buenos Aires do século XIX, que estava ligado a questões políticas, começa a se alterar ao adentrar no século XX. Para Barros et al. (1999, p.243-244) a primeira mudança significativa deu-se com a aparição do primeiro periódico que não explicitava a política, o La Razón no ano de 1905. A transição de estilos gráficos deu-se lentamente, e começou a ser percebida em outros jornais que foram surgindo, como La Gaceta de Buenos Aires, La Nación e La Prensa. Outro aspecto que se destacava nestes periódicos era o então predomínio da fotografia como recurso visual para as imagens ilustrativas.
O maior desprendimento com compromissos políticos dos meios gráficos permitiu maior criatividade, através de jogos gráficos, tipográficos e verbais mais livres, os quais se aproximaram do estilo gráfico dos grandes jornais norte americanos que, então, começaram a colocar em xeque a seriedade presente na imprensa britânica. O periódico La Nación, por exemplo, em finais do século XIX, era seguidor dos modelos gráficos europeus, pois estes, na Argentina, associavam-se à seriedade. Este periódico aplicou jogos gráficos e tipográficos com maior liberdade, muito discretamente e tardiamente (OJEDA, 2010, p.129).
Dentre as transformações gráficas que podem ser observadas com relação ao período romântico positivista tem-se o crescimento de layouts assimétricos e a presença de títulos e fotografias (retratos individuais, grupais, paisagísticos e instantâneos que registravam os acontecimentos sociais) que, dependendo da importância, chegavam a ocupar toda extensão das colunas. A primazia por uma diagramação com ênfase na importância do acontecimento justifica as alterações gráficas e o desejo de atrair esteticamente o leitor (BARROS et al., 1999, p.244-245).
Estas alterações, segundo os autores, apareceram de forma mais contida nos jornais e de forma mais explícita nas revistas como na Caras y Caretas e El Mundo Argentino, nas quais são notórios múltiplos jogos tipográficos, ornamentos e imagens como ilustrações e fotografias. (BARROS et al., 1999, p.244-245). No caso da revista Caras y Caretas, na análise dos anúncios de medicamentos, pôde-se observar que se tratava de um periódico com forte apelo visual, através da grande utilização de ilustrações e fotografias, conforme mostram as figuras 01 e 02. Cabe ressaltar que essa comparação entre revistas e jornais, se feita nos dias de hoje, também revela que há uma maior liberdade gráfica na diagramação das primeiras com relação aos segundos.
Em termos tipográficos, conforme Ojeda (2010, p.129), ainda no século XIX já era possível perceber o uso de variações de letras como forma de obter pregnância visual. Tornou-se um recurso recorrente mesclar fontes com e sem serifas e de diferentes tamanhos, desempenhando não só a função textual, mas, também, de imagem. A autora menciona que uma variação muito usada foi a repetição de uma mesma frase, criando uma textura que atraía a atenção do leitor por criar um ritmo particular. Este tipo de solução pôde-se encontrar em anúncios dos primeiros anos do século XX, nas edições da revista Caras y Caretas.
Esta era uma forma de criar “imagens” através do método tipográfico de impressão, sem ter que recorrer às pedras litográficas que possibilitavam a inclusão de ilustrações nas composições, que deviam constituir um método de impressão mais caro, além de requerer um profissional específico – um ilustrador – que também deveria constituir um custo a mais para o anunciante. Segundo Ojeda (2010, p.131) os primeiros anúncios com ilustrações remontam ao século XIX e eram provenientes de produtos importados, cujas matrizes tinham a mesma origem, ou seja, em princípios, não havia produção de matrizes na Argentina. Elemento que pode auxiliar a comprovar isto e, ainda, sugerir que a produção de matrizes na Argentina não era muito grande, também no século XX, é o fato de se ter registrado anúncios com textos em outros idiomas que não em espanhol. No entanto, este fato sugere uma hipótese, uma vez que através desta imagem também se pode supor que o texto em outro idioma, em um dos casos encontrados em alemão, pode ser uma forma de enaltecer o produto, no sentido de importado como sinônimo de qualidade.
Estima-se que as primeiras matrizes de ilustrações produzidas no país tenham sido de caricaturas ligadas a Enrique Stein, responsável por muitas imagens da imprensa bonaerense. Inicialmente, até mais ou menos a década de 1880, estas imagens referiam-se ao produto de forma genérica, ou seja, referiam-se ao tipo de produto e não ao produto de forma particular. Posteriormente a isso, as imagens passaram a se referir especificamente aos produtos através de imagens bastante figurativas e realistas, característica enfatizada quando se pode recorrer a reprodução fotográfica (OJEDA, 2010, p.132). Tais constatações foram observadas nos anúncios medicamentos das três primeiras décadas do século XX que foram registrados na pesquisa. Foi comum encontrar anúncios com ilustrações figurativas de pessoas e/ou do frasco do medicamento e, alguns, com a utilização de fotografias.
A maior liberdade gráfica e as características da modernidade, de acordo com Barros et al. (1999, p.245-246), enfatizam-se pela grande presença de reclames publicitários de design cuidadoso. No início de século XX, os anúncios caracterizam-se por enfatizar as benfeitorias que os produtos, já com identificação específica, proporcionavam. No caso dos anúncios que se observou nas revistas Caras y Caretas, foi possível notar que os medicamentos eram, muitas vezes, anunciados como atuantes para muitos fins, desde à gota até melhorar o funcionamento dos rins e coração. Este aspecto é ressaltado por Borrini (2006, p.11), afirmando que os medicamentos eram anunciados como infalíveis e milagrosos.
Os anúncios de medicamentos, um dos grandes protagonistas nos meios gráficos do período, prometiam a cura de males, conforme mencionado no parágrafo acima. Para citar um exemplo, em um dos anúncios registrados, a palavra “cura” aparece várias vezes e em destaque. No entanto, por muitas vezes, estes anúncios chegavam a ser um pouco de mau gosto, já que o que estava em jogo era a saúde das pessoas e, segundo Borrini (2006, p.286), foram os reclames de medicamentos que deram início à tendência sensacionalista. Era comum encontrar imagens de pessoas em estado deplorável (com exageros para parecer em mau estado, bastante despenteada) que, depois de tomar o medicamento, assume uma aparência saudável.
Os benefícios prometidos nos anúncios eram enfatizados textualmente e, aos poucos, foram sendo incorporadas retóricas visuais que começaram, também paulatinamente, a usar elementos gráficos com certa continuidade, de forma a identificar as diferentes tipologias de produtos. Foi se tornando crescente o uso de elementos visuais como quadros, ilustrações e tipografia atuando como elemento ilustrativo nas composições gráficas (OJEDA, 2010, p.127-128).
Segundo Ojeda (2010, p.134), no final do século XIX, os anúncios de publicidade, de design primoroso, funcionavam como um espaço em que os recursos gráficos eram experimentados e, mais adiante, aplicados a outras peças gráficas como jornais e revistas. Dentre estes recursos são enfatizados a utilização de linhas e ornamentos, funções organizativas e informativas da imagem, articulação integral entre texto e imagem e uso da tipografia como imagem.  Os aspectos elencados, do ponto de vista adotado, contemplam a definição que se tem de design gráfico, agregando pertinência à postura de se considerar estas peças como tal. A autora citada ainda declara que as inúmeras inovações utilizadas nos anúncios continuaram a ser experimentadas ao longo do século XX – onde se insere o período deste estudo – e por este motivo este tipo de objeto trouxe grandes contribuições para o fortalecimento da percepção, da informação e da persuasão dos receptores (Idem, p.135).
Assim, buscou-se, através deste texto, estabelecer ligações que proporcionassem uma compreensão das relações existentes entre os grandes campos que circundam este trabalho: o design gráfico e a farmácia. Através de alguns indícios sobre a história do design gráfico na Argentina, foi possível averiguar a existência de atividades gráficas, as quais intentou-se ilustrar com exemplos e alguns dados mais direcionados dentro do enfoque  da indústria farmacêutica. Através da tentativa de traçar um percurso relacional entre estes dois campos e somado a constatação da autora Ojeda, colocada no parágrafo acima, fortificou-se o entendimento de que o design gráfico é um importante suporte de memória que traz consigo muitas informações acerca dos contextos com os quais se relacionou.

Referências
ARTUNDO, Patricia. Arte en revistas – Publicaciones culturales em la Argentina 1900-1950. Rosario: Beatriz Viterbo, 2008.

BARROS, Claudia López; FERNÁNDEZ, José Luis; PETRIS, José Luis. La ciudad y la prensa: los medios gráficos frente a las transformaciones de Buenos Aires. In: GUTMAN, Margarida; REESE, Thomas (orgs.). Buenos Aires 1910: el imaginário para uma gran capital. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires Sociedad de Economia Mixta, 1999. p.241-253.

BORRINI, Alberto. El siglo de la publicidad: homenaje a la publicidad gráfica argentina. Buenos Aires: Atlántida, 2006.

CIGNOLI, Dr. Francisco. Historia de la Asociacion Farmacéutica y Bioquímica Argentina 1856-1946. Buenos Aires: Editorial Mireya, 1947.

_________. La publicidad medico-farmaceutica y de asuntos afines a traves de los primeros periódicos bonaerenses. Revista Farmaceutica, Buenos Aires, t.89, n. 2 e 3, p.66-76, 1948.

OJEDA, Alejandra V. Del reclame a la publicidad: transición a la modernidad publicitaria en la prensa periódica Argentina. El caso “La Nación” 1862-1885. Disponível em:  <http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&cd=5&ved=0CCcQFjAE&. Acesso em: 19 jul. 2010.

REVILLA, Raul Alberto. Academia Nacional de Farmacia y Bioquímica. Conferencia de incorporación del Académico Correspondiente. 13 de novembro de 2003.

SZIR, Sandra M. De la cultura impresa a la cultura de lo visible. Las publicaciones periódicas ilustradas en Buenos Aires en el Siglo XIX. Colección Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://www.bn.gov.ar/descargas.d.ossier2_3.pdf>.  Acesso em: 27 jun. 2010.

1 “Em 1904, o jornal tinha começado a sua publicação, com 15.000 exemplares chegou a uma tiragem de 80 700 e chegou em 1910 a 110.700. Dirigida pelo escritor Joseph S. Alvares - Fray Mocho – o desenhista Manuel Mayol e o mesmo Pellicer, a revista se autodefiniu como Semanário Festivo, Literário, Artístico e de Atualidades e se identificava a si mesma com o gênero do magazine. Vinculava-se a um tipo de publicação periódica de caráter moderno nascido nos Estados Unidos em 1895, resultando em uma expressão antecipada da cultura de massa alcançando regularmente um amplo público das classes média e popular urbana e um contexto social e geográfico extenso.” (T.A.)

2 “Se observarmos agora a ordem cronológica em que cada tipo de ilustração foi aparecendo no periódico encontramos o seguinte percurso: 1) elementos organizacionais: as linhas, bordas, fitas e clichês, chegados com os pacotes de tipos (desde 1862), 2) Mapas ( 1865), 3 º). Esboços e desenhos (1876) 4 º) Esquemas ilustrativos de movimentos, argumentos e estruturas (1885); 5) Ilustrações imitativas nas unidades  redacionais (desenhos 1894 e em seguida fotos em 1902), 6 º) Caricaturas (1902) e 7) e história em quadrinhos ( 1920).” (T.A.)


Recibido: 24/08/2015 Aceptado: 26/10/2015 Publicado: Octubre de 2015

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