Rosana Ramos de Souza
Glez Rodrigues Freitas
Universidade Federal do Oeste do Pará
rgr-rosa@hotmail.comPara citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Rosana Ramos de Souza y Glez Rodrigues Freitas (2015): “MOREIRA, Antônio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Orgs.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 29 (julio-septiembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/03/multiculturalismo.html
Esta obra foi organizada por Antônio Flávio Barbosa Moreira (Universidade Católica de Petrópolis) e Vera Maria Candau (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), os quais já possuem outras obras tratando das temáticas de currículo, cultura e formação de professores, e é composta por oito capítulos escritos por pesquisadores da educação que abordam as discussões sobre a prática pedagógica referente as questões multiculturais presentes na prática pedagógica escolar. Os autores apresentam ao longo dos capítulos a socialização de estudos, princípios norteadores e procedimentos pedagógicos com vistas a analisar questões a respeito do multiculturalismo presentes no contexto escolar.
Este livro foi organizado com objetivo de compreender como ocorrem as relações étnico-raciais, de gênero, sexualidade, religião, cultura juvenil e saberes, na prática pedagógica, sob a perspectiva do gestor, dos professores e alunos de escolas públicas, trazendo como importante contribuição, a ampliação e aprofundamento desse debate em bases teóricas. Ou seja, a proposta do livro é de discutir aspectos teóricos e práticos do multiculturalismo que podem dar bases mais crítica para a formação de professores.
Para atingir o objetivo proposto, a obra está organizada da seguinte maneira: capítulo um: Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica; capítulo dois: Reflexões sobre o currículo e identidade: implicações para a prática pedagógica; capítulo três, a questão racial na escola: desafios colocados pela implementação da Lei 10.639/03; capítulo quatro: Gênero na sala de aula: a questão do desempenho escolar; capítulo cinco: Sexualidades em sala de aula: discurso, desejo e teoria queer; capítulo seis: Ogan, adósu òjè, ègbónmi e ekedi – O Candomblé também está na escola. Mas como? Capítulo sete, Identidades culturais e juvenis e escola: arenas de conflitos e possibilidades; capítulo oito: Conhecimento escolar, cultura e poder: desafios para o campo do currículo em “tempo pós”.
Os autores de modo geral constataram a partir de estudos sobre diferentes questões referentes a identidade, raça, gênero, sexualidade, religião, cultura juvenil e saberes, que configuram-se em representações hegemônicas na nossa sociedade contemporânea, diversos preconceitos e atos discriminatórios presentes nos discursos e práticas pedagógicas em sala de aula, revelando-se uma “tendência padronizadora e homogeneizadora da escola” (p.16).Identificou ainda que, a partir do acompanhamento dos sujeitos que não se adequam a esse padrão monocultural,, problemas na aprendizagem devido a recusa, medo e vergonha de se expressar, problemas na socialização com colegas, na relação professor/aluno, percebendo, portanto, a escola como “um espaço de cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões e conflitos” (p. 15). No capítulo um: “Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica”, Vera Maria Candau, discute, a ausência da cultura popular no currículos escolares e a ênfase de uma cultural erudita associada a determinada classe social. Enfatiza inúmeros trabalhos com diferentes abordagens que elucida o caráter padronizador da escola. Em seguida, resgata a formação histórica do Brasil marcada pela “eliminação física do ‘outro’ ou por sua escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade” (p.17). Destaca ainda a autora, que a inserção do tema Pluralidade Cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais representou uma conquista não pacífica dos movimentos sociais. Após esta contextualização a autora apresentado três abordagens do multiculturalismo: assimilacionista, o diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, defendendo a interculturalidade, perspectiva que implica a aceitação da interrelação entre diferentes grupos culturais; sua permanente renovação pelo processo de hibridização das culturas e a vinculação entre questões de diferença e desigualdade. Por fim, parte do pressuposto que a diferença se encontra na base dos processos educativos, e sugere possibilidades pedagógicas para o desenvolvimento de uma educação intercultural na escola.
No capítulo dois: “Reflexões sobre currículo e identidade: implicações para a prática pedagógica”, Antonio Flávio Moreira e Michelle Januário Câmara, apresentam o enfoque da questão da identidade como objeto de estudo para teoria social, educação e política, argumentando com base nos estudos culturais, que identidade é um processo de criação de sentido pelos grupos e indivíduos e se associa diretamente com a diferença: “o que somos se define em relação a que não somos” (p.43). E ao professor, cabe a compreensão de que as diferenças são construídas socialmente, e subjacentes a elas, se encontram as relações de poder. Neste aspecto, os autores, apresentam possíveis formas de lidar com essas questões no cotidiano da escola, levando para a sala de aula, a discussão sobre as diversas concepções de identidade e diferença diante das constantes modificações na economia, política, cultura e relações com a prática do cotidiano. Por fim, os autores propõem algumas alternativas a serem trabalhadas em sala de aula que podem contribuir para a (re)construção das visões de raça, gênero e sexualidade dos alunos, mostrando a possibilidade de envolvê-los nestas discussões com a intenção de desafiar representações hegemônicas.
No capítulo três: “A questão racial na escola: desafios colocados pela implementação da Lei 10.639/03”, Nila Lino Gomes, discute a efetivação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de história da África e de cultura afro-brasileira nos currículos da escola básica. Uma medida de ação afirmativa que retira estas discussões do campo da transversalidade, beirando o descompromisso e inserindo-a como obrigação legal. Esta lei apresenta como objetivo central a correção de desigualdades, construção de oportunidades iguais para grupos sociais e étnico-raciais, tendo em vista que o racismo e a desinformação sobre a ascendência africana no Brasil constituem obstáculos à formação de uma consciência coletiva, que tenha como eixo de ação política, uma sociedade mais justa e igualitária. A autora, a partir de uma visão crítica dessa proposta, destaca os aspectos positivos da nova legislação, no entanto, alerta, também para os necessários cuidados em sua implementação ao ponderar que, como toda proposta de construção política, a ação afirmativa deve ser acompanhada, avaliada e aperfeiçoada
No quarto capítulo, “Gênero na sala de aula: a questão do desempenho escolar”, Marília Pinto de Carvalho, analisa a relação entre gênero e educação, a partir da percepção utilizados por professoras de ensino fundamental para avaliar o desempenho de meninos e meninas. Na primeira parte a autora define que “gênero não é sinônimo de mulheres, seja professores ou alunas, mas inclui homens, mulheres e também símbolos ligados à feminilidade e masculinidade” (p.90). Na segunda parte a autora apresenta diversos dados sobre a prevalência da escolaridade feminina na escola sob a masculina e aponta como causa de abandono escolar masculino a pobreza e o mercado de trabalho. Enquanto a permanência do gênero feminino na escola está associado “a uma percepção positiva da escola como espaço de socialização, de liberdade e de realização pessoal em face de seu confinamento em casa” (p.98). A autora aponta que a falta de critérios de avaliação claros na escola faz com que as professoras recorram a repertórios baseados nos valores de métodos subjetivos, marcados pelo preconceito de gênero, evidentes nos diversos exemplos apontados pela autora, quando para o professor, o menino bom aluno é aquele descrito como “bem-humorado”, “engraçado”, “curioso”, “danado fora da sala de aula”, e meninas são apontadas como boas alunas por serem caladas e não questionadoras. Por fim, esse texto aborda que é impossível enfrentar os problemas centrais da educação brasileira hoje sem uma adequada apropriação do conceito de gênero.
No capítulo cinco: “Sexualidades em sala de aula: discurso, desejo e teoria do quer”, Luiz Paulo Moita Lopes, abordando o tema da sexualidade, discute a ausência de debates sobre este tema na escola, enfatizando que para a escola, os corpos entram em sala de aula sem desejos, dessexualizados, e coloca que fomos treinados na educação, a ignorar o corpo e seus prazeres. No entanto, no cotidiano do aluno através da mídia o apelo sexual em campanhas publicitárias é fortemente difundido para venda de produtos. O autor comenta a destradicionalização da vida social, apontada por sociólogos, onde questões da vida privada passam a ser discutidas veementes no centro da vida pública. Ainda que os professores, como efeito de sua formação, evitem levantar questões sobre a sexualidade e homossexualidade, os alunos, travestis, gays ou lésbicas, como resultado das práticas sociais em que vivem, trazem para a sala de aula estas discussões através das músicas, conversas paralelas, recreio, vocabulário. No entanto, nem todo professor sente-se à vontade para falar do assunto “além de muitos insistirem que essa é uma questão da vida privada, muitos outros temem ter seus desejos sexuais revelados ao poderem ser classificados quanto à sua opção sexual O autor, portanto, em seu texto, oferece-nos a possibilidade de compreender as sexualidades para além das políticas da diferença e propõe que a escola seja um lugar de recriar e politizar a vida social, de compreender a necessidade de não separar cognição e corpo.
No capítulo seis: “Ogan, adósu, òjé, ègbónmi e ekedi – O candomblé também está na escola. Mas como?”, Stela Guedes Caputo,explorando a temática das crianças frequentadoras do candomblé, dedica este texto aos professores que enfrentam diversas dificuldades ao lidar com esta questão no ambiente escolar. Através de acompanhamentos de alguns destes alunos a autora identificou exemplos de jovens que, no terreiro, manifestam orgulho de sua cultura, do sentimento de pertencimento ao candomblé e de seu ritual, sendo que a situação modifica-se ao chegar à escola. Devido algumas destas serem discriminadas por professores e colegas, o que se confirma pelas entrevistas e observações realizadas pela autora, como por exemplo, um aluno de quatro anos ser chamado de “filho do diabo” pela professora, ou para fugir do preconceito, um outro aluno afirmar ser da religião católica. A autora, ilustra que na entrevista com os professores quando questionados se tinham conhecimento de alunos do candomblé na escola responderam: “Não temos crianças com estes problemas”. “Se tivesse tiraria da cabeça de qualquer aluno essa ideia de macumba”. A autora conclui que as crianças de candomblé frequentam escolas como qualquer crianças, mas “não são vistas”, “não existem” e “quando existem” são encaradas como um problema a ser resolvido. Stella Caputo alerta para o "silenciamento" a que são submetidos esses estudantes, com consequências devastadoras para sua autoestima.
No capítulo sete: “Identidades culturais juvenis e escola: arenas de conflitos e possibilidades”, Paulo Carrano, ao analisar a situação de incomunicabilidade entre a instituição escolar e seus sujeitos escolares e da relativização da instituição como espaço de formação, discute a importância das culturas juvenis, destacando seu potencial criativo na reformulação das escolas e dos currículos. O autor afirma que a baixa sinergia entre professores e alunos “reside na ignorância da instituição escolar e professores sobre o espaços culturais e simbólicos nas quais os jovens estão imersos”. O autor enfatiza a expansão da escolaridade aos jovens, mas apresenta também o déficit de investimentos na formação de agentes escolares, estrutura física e tecnológica das escolas e universidades e muitas vezes os currículos escolares se apresentam desconexos da realidade dos jovens. Nos tópicos posteriores, o autor discute sobre os elementos essenciais na formação da identidade pessoal e coletiva dos jovens e a construção do universo cultural e simbólico. Realça a ausência de discussão sobre os meios de comunicação em massa, mídias alternativas e as mercadorias juvenis ambiente escolar e propõe à escola, como instituição formadora, incentivar hábitos, valores críticos e participativos, para atuar com o propósito de construir uma unidade social em uma sociedade marcada por diferenças e desigualdades, trabalhando com as experiências prévias dos jovens alunos e reformulando currículos de modo que se reorganizem espaços e tempos de compartilhamento de saberes, bem como se ampliem a experiência social pública e o direito de todos às riquezas simbólicas e materiais da sociedade, principalmente para classes populares onde a escola é o único espaço a proporcionar o acesso a esses bens.
No capítulo oito: “Conhecimento escolar, cultura e poder: desafios para o campo do currículo em “tempos pós””, Carmen Teresa Gabriel, aborda a importância da discussão do conhecimento escolar, a partir da análise do termo cultura fomentado e enraizado nos espaços e documentos escolares e a partir dos conceitos de Stuart Hall (1997), o qual discute os termos centralidade “substantiva” e “peso epistemológico” da cultura abarcando os aspectos de ordem societária e cotidiana. A autora sustenta ainda que o processo de hibridação dos discursos sobre conhecimento, cultura, poder e currículo favorece questões críticas pós-modernas e pós-estruturalistas e aponta as discussões sobre identidade e diferença a partir das perspectivas: relativistas e construcionistas, potencializando os aspectos políticos e epistemológicos da interface conhecimento e cultura, sem que se abra mão da crença na escola pública como importante espaço político.
Concordamos com a obra que há uma relação intrínseca entre educação e cultura(s) pois, não existe educação que não esteja imersa na cultura da humanidade. E que o que parece consensual é a necessidade de se repensar a educação escolar para que possa oferecer espaços e tempos de ensino-aprendizagem significativos e desafiantes para os contextos sociopolíticos e culturais atuais e as inquietudes de crianças e jovens (p. 13).
Atualmente, esta consciência do caráter homogeneizador e monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a consciência da necessidade de romper com esta realidade e construir práticas educativas em que a questão da diferença e do multiculturalismo se façam cada vez mais presentes (p. 15). Neste contexto, é fundamental que os docentes venham a descobrir a importância das questões do multiculturalismo para a construção de uma verdadeira escola inclusiva e que promova a igualdade preservando as diferenças individuais para a construção de uma escola verdadeiramente democrática.
O valor e a relevância das questões tratadas nesta obra, estão não só na diversidade de enfoques e na riqueza conceitual apresentada, como também na possibilidade de conhecer experiências práticas que tratam da questão multicultural, nos desafiando a refletir e a nos posicionar, tornando-se leitura indispensável a pesquisadores desta temática, professores e estudantes de pedagogia e outras licenciaturas, possibilitando uma postura mais crítica diante da diversidade cultural, sobretudo no contexto escolar.
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