Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


INTERSETORIALIDADE COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS: O BH CIDADANIA

Autores e infomación del artículo

Beny Pereira Alves

Centro Universitário UNA

pbeny67@yahoo.com.br

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de realizar uma reflexão teórica a partir de autores que debatem sobre os princípios da intersetorialidade relacionando essa discussão à sua importância na gestão de políticas públicas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em Minas Gerais-MG, Brasil, em especial o modelo de gestão BH Cidadania. Esse programa tem a função de articular as ações já existentes das diversas políticas públicas do município, favorecendo a articulação intersetorial e a otimização das ações, potencializando as intervenções direcionadas para o público residente em áreas socialmente críticas. Conta para sua gestão com uma Comissão de Coordenação Local (CCL), composta por gerentes e coordenadores da rede de serviços públicos que atendem à área do Programa.       

Palavras-chave: Intersetorialidade, Políticas Públicas, Programa BH Cidadania.

ABSTRACT

This article aims to perform a theoretical reflection from authors who debate the principles of intersectoral this discussion relating to its importance in public policy management of the Municipality of Belo Horizonte ( PBH) , in Minas Gerais , Minas Gerais , Brazil, especially the BH Citizenship management model . This program has the articular function the existing shares of the various public policies of the city , promoting inter-agency coordination and optimization of the actions , enhancing interventions targeted at the general public resident in socially critical areas. Account for its management with a Local Coordination Committee ( LCC) , made up of managers and coordinators of public service network that meet the program area.

Key words: Intersectoriality, Public Policy, BH Citizenship Program.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Beny Pereira Alves (2015): “Intersetorialidade como instrumento de gestão em políticas públicas: o BH Cidadania”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 29 (julio-septiembre 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/03/intersetorialidade.html


INTRODUÇÃO    

Uma das formas buscadas pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para implantar políticas sociais e urbanas com mais eficiência na utilização de recursos e eficácia no atendimento ao público mais vulnerável, ao mesmo tempo contar com a participação destes no processo decisório, foi a criação do Programa BH Cidadania, concebido como uma estratégia de inclusão social das famílias moradoras em áreas socialmente críticas, o qual busca garantir mais resolutividade e acessibilidade dos bens e serviços públicos a essa população.
O BH Cidadania, ao levar para as áreas socialmente críticas do município o planejamento e a execução dos serviços sociais e urbanos, propõe-se a desenvolver ações mais assertivas para a inclusão social das famílias e comunidade, entendendo que a inclusão social não está apenas relacionada à renda e/ou carência de bens e serviços básicos, mas também ao acesso a direitos de cidadania, esportes, cultura, segurança alimentar, saúde, educação, assistência social, entre outros.
A proposta desse modelo de gestão é uma atuação de forma articulada, cooperativa, coordenada, com clareza de cada um dos participantes sobre sua função e sua participação do planejamento à execução. Em cada um dos núcleos BH Cidadania implantados é formada uma Comissão de Coordenação Local (CCL) do programa, composta de gerentes e coordenadores dos serviços, governamentais ou não, que integram a área delimitada para atuação. Essa comissão é organizada pelos coordenadores dos Centros de Referência da Assistência Social (BRASIL, 2005).
Autores como Bignetti (2011), Inojosa (2004), Bronzo (2007), Faria (2011a) e outros debatem sobre a intersetorialidade, mas não é possível estabelecer uma receita de como fazer isso na prática. O que se tem são apenas princípios, orientações e diretrizes que indicam que a intersetorialidade pode potencializar uma política pública. Em um contexto de necessidades de propostas inovadoras direcionadas para um público de alta vulnerabilidade social, é de suma importância o pleno funcionamento de uma instância em que ações intersetoriais municipais busquem o desenvolvimento local.

INTERSETORIALIDADE: UM CONCEITO EM DEBATE

As políticas sociais brasileiras surgiram no início do século XX, sob a perspectiva de enfrentar questões sociais emergentes, possibilitando acesso a serviços sociais, entretanto, de forma fragmentada e sobreposta.
O caráter seletivo das políticas sociais, focalizado e fragmentado requer a reformulação do sistema de proteção social brasileiro, como direito social, visando às categorias que não estavam incluídas no mercado de trabalho e/ou à política de assistência social.
Tradicionalmente, as políticas sociais no Brasil vêm sendo submetidas à política econômica. Daí que um conceito como a intersetorialidade, que ressurgiu a partir dos paradigmas do processo produtivo, alcance também as políticas sociais. Porém, foi com a Constituição de 1988 (BRASIL, 2000) que se iniciou sua institucionalização a partir de diretrizes como descentralização, articulação, integralidade, participação social e, principalmente, direitos sociais.
Na Constituição legitimou-se um padrão de proteção social abrangente e redistributivo com base na seguridade social. Esta “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade” (BRASIL, 2000, art. 194), assegurando os direitos à saúde como “direito de todos e dever do Estado” (art. 196), à Previdência Social “de caráter contributivo e de filiação obrigatória” (art. 201) e à assistência social que “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição” (art. 203).
Essas diretrizes constitucionais fomentaram a busca por inovações na área social, entre elas os princípios da intersetorialidade entre as políticas sociais como forma possível de enfrentamento da exclusão social, entendida como um fator multifacetado e multicausal, que inclui dimensões econômicas, sociais e culturais.
            Essas inovações sociais são definidas por Bignetti (2011, p. 4) como:

[…] o resultado do conhecimento aplicado à necessidades sociais através da participação e da cooperação de todos os atores envolvidos, gerando soluções novas e duradouras para grupos sociais, comunidades ou para a sociedade em geral.

Embora a intersetorialidade esteja presente no conceito de inovação social como um princípio e uma prática fundamental para o possível enfrentamento à exclusão, é ainda objeto de estudo de diversos autores, como Inojosa (2001, p. 103). Ela aborda o risco de faltar ao conceito a eficiência e a abrangência necessários para se tornar efetivo:

[…] a crítica ao prefixo “inter” é que ele poderia significar apenas a proximidade de saberes isolados, sem daí gerar novas articulações. Isso ocorreu com a ideia de equipe multiprofissional, que pretendia a articulação de vários saberes profissionais para a solução de um mesmo problema, mas que, na prática, se limitou, na maioria das vezes, a reunir diferentes profissionais num mesmo lugar ou com o mesmo objeto, sem que o diálogo prosperasse.

Bronzo (2007, p. 1) ressalta a intersetorialidade como “uma questão desafiadora, sendo apropriada por gestores e acadêmicos de forma diversa, sem clareza suficiente sobre o que essa concepção significa”. Mas enfatiza que há suficiente consenso na literatura de que tais concepções acenam para um conjunto de inovações no âmbito da gestão pública:

[…] em um contexto no qual os sistemas técnicos especializados e as estruturas fortemente hierarquizadas e verticais são confrontados com novos objetivos e demandas políticas e sociais, novas temáticas e problemas de novos segmentos da população, que exigem uma remodelagem das velhas estruturas organizacionais, novas respostas das quais a intersetorialidade é apenas uma das alternativas possíveis.

Para a autora, a perspectiva de “integralidade” que a intersetorialidade expressa é uma estratégia necessária para compor políticas sociais adequadas para enfrentar a pobreza e a exclusão social. As políticas sociais reunidas num mesmo lugar com o mesmo objeto, sem a “visão integral” do objeto seria apenas articulação, necessária, mas que por si só não promove a intersetorialidade.
Já Faria, ao tratar sobre os desafios da intersetorialidade (2011b, p. 47), opina que essa “visão integrada” da autora pode “ser produzida a partir de uma atuação menos insulada e mais cooperativa das agências governamentais”, o que ele denomina de “coordenação intragovernamental”. Esta é definida por ele como “a articulação de várias organizações estatais, de um mesmo nível de governo, para a produção coordenada de bens e serviços sociais (FARIA, 2011b, p. 47)”. O autor justifica essa necessidade de coordenação, especialmente questões relacionadas à cidadania, participação e avaliação pública por resultado, considerando a ampliação de diversos fatores relacionados a própria expansão e complexificação das estruturas estatais.               
Percebe-se que por diferentes formas os diversos autores aqui mencionados entendem a intersetorialidade como um princípio que se concretiza por meio do diálogo, mas para além dele é necessário romper com uma visão unitária, vista a complexidade do social que é apresentada pela sociedade na qual é imprescindível a cooperação e/ou articulação entre as agências governamentais.
Esses aspectos demonstram a complexidade das relações sociais e políticas na implementação das políticas públicas, especialmente as políticas sociais e a necessidade de uma gestão intersetorial que proporcione mais eficácia e eficiência no funcionamento do papel do Estado.
A intersetorialidade surge como um novo paradigma de gestão das políticas sociais, diante do esgotamento de cada um dos diferentes setores: saúde, educação, habitação, assistência social, esportes, cultura e lazer, de dar conta das complexidades das recentes expressões das questões sociais.
Cada política tem seu interesse e prática, ou seja, a setorialidade tem sua importância, com seu domínio temático, porém é fundamental a articulação entre setores das várias organizações estatais, cada uma com seu domínio, pensando na complexidade do todo, produzindo coordenadamente bens e serviços sociais.
Sposati (2006, p. 137), ao analisar a intersetorialidade, defende que esta tem “dimensões e que precisam ser combinadas, a setorial e a intersetorial, como dever do Estado e direito de cidadania”. Segundo ela, é necessário que a intersetorialidade sempre seja “corretiva de irracionalidades” entre pessoal, funções ou gastos sobrepostos, pois é um “mecanismo racionalizador da ação”, sendo uma estratégia de gestão institucional que busca mais qualidade, por permitir ultrapassar limites que ocorreriam na abordagem somente setorial (SPOSATI, 2006, p. 137).
A segmentação é que precisa ser rompida, a partir da integralidade, como menciona Bronzo (2007), e que necessita de uma coordenação, como proposto por Faria (2011a), para que proporcione práticas intersetoriais que assegurem o acesso e a efetivação de direitos sociais.
Dessa forma, contrapondo-se a uma perspectiva setorial nas políticas sociais, entender a intersetorialidade significa envolver ações integradas e cooperativas de distintos setores no atendimento à população, pensadas em sua realidade concreta, de modo a evidenciar suas condições de vida. Ou, nas palavras de Inojosa (2001, p. 105), “criar uma nova dinâmica para o aparato governamental, com base territorial e populacional”.
Na Política Nacional de Assistência Social, implantada em 2004, foi normatizada a tipificação dos serviços da assistência social (BRASIL, 2009), propiciando a articulação intersetorial por meio do diálogo da política de assistência social com as demais políticas. Isso requer a articulação entre os múltiplos saberes.
A articulação intersetorial possibilita mais efetividade dos serviços com a integração das ações institucionais, além de facilitar o acesso da população a serviços, especialmente aquela que se encontra em situação de mais vulnerabilidade social.
É seguindo essa diretiva nacional que a PBH tem buscado formas de gestão do social consideradas inovadoras a fim de promover uma cidade mais inclusiva, priorizando a intersetorialidade.

O DESENVOLVIMENTO LOCAL COMO ALVO DA INTERSETORIALIDADE

Segundo Martins, Vaz e Caldas (2010, p. 565), “no Brasil, a valorização do local como instância privilegiada para planejar e executar políticas públicas de desenvolvimento remonta aos anos 1970”, embora não fosse uma prática recorrente devido ao alto grau centralizador e autoritário do Estado na época. Os autores também informam que o local apresenta vários significados, comportando as diferentes dimensões em que se exerce a cidadania e proporciona condições de criar espaços de interação entre cidadãos, recuperando a iniciativa e autonomia na gestão do que é público.
Algumas décadas atrás, a sociedade brasileira caracterizava-se por uma capital e algumas cidades, com uma população, em sua grande maioria, composta de camponeses (DOWBOR, 2008). Era compreensível, então, que as decisões significativas fossem tomadas no “centro” do país. Essa realidade, entretanto, mudou:

A realidade simples que hoje se descobre é que a maioria das ações que concernem às nossas necessidades do dia-a-dia, como a criação e gestão das escolas, à organização das redes comerciais e financeiras, à criação das infraestruturas locais, à preservação do meio ambiente, à política cultural, e tantas outras, podem ser resolvidas localmente, e não necessitam de intervenção de instâncias centrais de governo, que tendem a burocratizar o processo (DOWBOR, 2008, p. 7).

Essa inovação advém da complexidade dos problemas que temos que enfrentar, o que para Dowbor (2008) é o da dramática polarização entre ricos e pobres e “dificulta que seja governado”. Assim, o autor salienta que aproximar o poder de decisão e de controle sobre os processos de desenvolvimento, das pessoas que arcarão com o benefício ou prejuízo, constitui uma boa política administrativa.  Porém, ressalta que:

O processo negociado é mais lento, sem dúvida, mas quando se chega a uma decisão é uma decisão que envolve efetivamente quem decide na área, coisa que não acontece com “planos” de origem técnica, que dormem na paz nas gavetas (DOWBOR, 2008, p. 24).

Ou seja, o desenvolvimento local pode se dar em pequenas unidades territoriais e/ou em grupos e o município pode constituir um espaço privilegiado de intervenção concentrada e articulada de diferentes instâncias, como “núcleo catalisador” das iniciativas e base para o desenvolvimento local.
Sendo assim, ao voltar o olhar para o município de Belo Horizonte, na perspectiva aqui apresentada podem-se vislumbrar possibilidades de desenvolvimento local a partir de intervenção articulada e participativa na gestão das políticas sociais, decorrentes de práticas intersetoriais.
No local, como em casos específicos de espaços delimitados geograficamente, têm-se políticas sociais das diversas áreas, tais como educação, saúde, assistência social, cultura, esportes e outras, além das não governamentais.
As políticas sociais podem se tornar instâncias de articulação intersetorial como modelo de gestão do social, que proporcione melhoria das condições de vida, igualdade social, direitos de cidadania em um processo de inclusão social.
Nessa diretiva, a PBH cria o modelo de gestão intersetorial, o BH Cidadania.

BH CIDADANIA COMO MODELO DE GESTÃO INTERSETORIAL DAS POLÍTICAS SOCIAIS

A Constituição vigente, promulgada em 1988, confronta-se com a herança de um sistema de proteção social com alto grau de centralização federal. Ela determina a jurisdição governativa de cada esfera de governo: federal, estadual e municipal e as que são de competência compartilhada entre elas e a autonomia que cada um possui para propor inovações na gestão pública (SILVA, 2005, p. 26).
Essa descentralização está diretamente referida aos princípios da democratização e da participação que, no caso das políticas sociais, visa a garantir mais justiça e equidade, universalização dos serviços, democratização das informações, participação dos cidadãos e a possibilidade do controle social sobre as ações sociais.
No texto constitucional é privilegiado o “local” como ponto central das ações sociais e demarcada uma nova ordem na sociedade brasileira, a partir do momento em que à sociedade é garantido o direito de participar na formulação e controle das políticas sociais, o que altera as tradicionais relações entre sociedade e Estado.
Essa diretiva levou os municípios a criarem formas de implantar políticas sociais com eficiência na utilização de recursos e eficácia no atendimento ao público-alvo. 
Para isso, buscou-se ampliar a cobertura do público atingido com mais equidade e da mesma forma ampliar a participação da comunidade na gestão dos serviços. Menicucci (2002, p.11) enfatiza que, “frente ao desafio de enfrentar a questão social, a descentralização permitiu o desenvolvimento de formas inovadoras e criativas na sua implementação e gestão”. Daí que, de acordo com a autora, vem ganhando força a proposta de integração das políticas sociais a partir de uma articulação intersetorial no desenho, implementação e gestão das políticas sociais. 
É nessa direção que, em 2000, visando organizar seu arranjo institucional com uma perspectiva intersetorial, criando instrumentos de integração das políticas sociais e urbanas, é elaborada e aprovada uma reforma administrativa na PBH, Lei 8.146, de 29/12/2000, implantada em 2001.
A reforma baseou-se em um novo marco legal, político e institucional, buscando reorganizar as funções e as formas de gestão entre os níveis central e regional, visando oferecer mais eficácia e equidade na formulação e execução de políticas sociais e urbanas.
Com a reforma administrativa a PBH reorganizou sua estrutura político-institucional, definindo as competências e funções a serem descentralizadas e assumidas pelo nível regional, assim como aquelas que seriam rearticuladas e fortalecidas no núcleo central.
Tornaram-se duas instâncias fortalecidas em suas funções, de acordo com Santa Rosa (2001, p. 9): a) formulação, coordenação e acompanhamento no nível central; b) gestão, execução, implementação e acompanhamento no nível territorial.
A reforma criou cinco secretarias no nível central de governo, entre elas a Secretaria de Coordenação Municipal de Políticas Sociais (SCOMPS), responsável por planejar, implantar e monitorar as políticas na área social do município. A essa Secretaria foram ligadas sete Secretarias temáticas da área social: Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Esportes, Abastecimento e Direitos de Cidadania (SANTA ROSA, 2001).
Santa Rosa (2001, p. 9) analisa essa nova estrutura descentralizada e intersetorial como fator fundamental à inclusão, já que:

A reorganização das Administrações Regionais em Secretarias de Coordenação da Gestão Regional busca garantir a gestão territorializada da prestação de serviços e a equivalência política similar às demais secretarias de coordenação da política municipal. A transferência de poder político e institucional para estas instâncias por meio de aparato técnico, funcional e financeiro próprios, necessário à gestão dos serviços sociais e urbanos sob a ótica territorial, é fator fundamental para uma maior aproximação das necessidades e à participação dos cidadãos.

Nesse contexto, a autora informa que foi elaborado e implementado o Programa BH Cidadania, em 2002, como modelo de gestão, baseado em quatro princípios fundamentais: a participação popular, a descentralização, a articulação e a integração intersetorial, buscando inverter a lógica setorial e fragmentada dos diversos programas da área social da PBH.
O Programa BH Cidadania, palco da intersetorialidade, focaliza a família e a comunidade como receptora das suas ações, entendendo que a inclusão social não está relacionada apenas à questão da renda, mas a diversos fatores, de acordo com Ferreira e Amaral (2001, p. 20);

[...] a inclusão social não está relacionada apenas à in(suficiência) de renda ou escassez de bens, mercadorias e serviços para satisfação das necessidades básicas, mas, também, na promoção do acesso à segurança, justiça, cidadania e representação política, sendo este o principal objetivo do programa.

Com essas diretrizes a gestão do BH Cidadania ficou estruturada em quatro níveis de governo (BELO HORIZONTE, 2003a):

  • Nível Geral/Político – Colegiado de Coordenação Geral

Composição: pela SCOMPS, Secretarias Temáticas, Secretarias de Gestão Regional, Secretarias Sociais.
Atividades:

    • articular no nível central as diretrizes e metas do programa;
    • realizar reuniões periódicas de avaliação das diretrizes, ações e metas do programa.
  • Nível Regional/Gerencial – Colegiado de Coordenação Regional

Composição: Secretaria de Gestão Regional, Secretarias Sociais.
Atividades:

    • Participar das avaliações periódicas no nível político;
    • articular no nível regional as gerências setoriais e equipes técnicas;
    • avaliar e monitorar a implementação do programa regional e localmente;
    • rever as diretrizes das políticas e ações setoriais a partir das especificidades regionais e locais, conjuntamente com o nível técnico. 
  • Nível Local – Colegiado de Coordenação Local

Composição: equipe de coordenação da rede de serviços que compõe a área.
Atividades:

    • Avaliar estratégias de atendimento em conjunto com a rede de serviços local e regional;
    • construir/mobilizar rede de apoio/serviços municipais local/regional para atendimento das famílias-alvo;
    • acompanhar, em conjunto com a rede de serviços local e de coordenação regional, o indivíduo em cada um dos serviços prestados;
    • acompanhar a situação da família durante o período de atendimento de seus membros em situação de vulnerabilidade;
    • construir/disponibilizar informações sistematizadas sobre situação de entrada/ permanência/saída dos indivíduos das famílias-alvo do Programa BH Cidadania;
    • realizar/participar de reuniões de avaliação das ações em conjunto com as equipes operacionais local e de coordenação regional.
  • Nível Técnico – Grupo Técnico de Assessoria e Monitoramento

Composição: SCOMPS, representantes das Secretarias Temáticas e das       Secretarias Regionais.
Atividades:

  • Assessorar e monitorar a implementação das ações do programa no núcleos implantados;
  • rever as diretrizes das políticas setoriais dos programas e ações a partir de sua implementação;
  • definir parâmetros e indicadores de avaliação e monitoramento de cada ação do programa;
  • elaborar projeto de expansão do programa.

Para melhor compreensão, elaborou-se um organograma da estrutura administrativa da Prefeitura de Belo Horizonte, na época (BELO HORIZONTE, 2000).

Assim, o nível central, a Secretaria Municipal de Política Social, é o responsável pelo planejamento e acompanhamento.
O nível regional, composto pelas nove regionais (Norte, Sul, Leste, Oeste, Centro Sul, Noroeste, Nordeste, Pampulha e Venda Nova) de Belo Horizonte, é responsável por acompanhar e fornecer infraestrutura aos locais para execução. É composto de gerentes e coordenadores das políticas sociais e urbanas no nível de cada uma das nove regionais.
O nível local localiza-se nas comunidades onde o programa é implantado e é composto de gerentes e coordenadores dos serviços locais, formando a CCL do programa. É responsável pelo planejamento e execução das ações no território, com suporte das regionais e acompanhamento técnico do nível central.
O grupo técnico localiza-se na Secretaria Municipal de Políticas Sociais, no nível central, e é responsável por assessorar e acompanhar as ações desenvolvidas nos locais.
Na época de sua implantação, em 2002, as áreas selecionadas já contavam com alguns serviços, tais como saúde (centros de saúde, saúde da família) e educação fundamental.
Ao implantar o BH Cidadania esse Programa passou a agregar outros serviços das outras secretarias temáticas, como o Núcleo de Apoio à Família (NAF), Oficinas de Arte e Cultura, Oficinas de Esporte, Agente Jovem, Casa de Brincar, Grupos de Sociabilidade e de Convivência e Cursos de Qualificação profissional.
O programa passou a ser estruturado também em cinco eixos estratégicos de atuação (BELO HORIZONTE, 2003a):
 

  • Direito à educação: com a implantação do BH Cidadania, reafirma a proposta de escola plural e seu grande desafio é garantir o acesso e a permanência escolar, priorizando os que nunca frequentaram a escola ou a abandonaram. Ênfase também na educação infantil e educação para jovens e adultos.
  • Direito à saúde: as áreas do BH Cidadania coincidem com as áreas detectadas pela Secretaria Municipal de Saúde como áreas de risco elevado e muito elevado e foram preferencialmente escolhidas para a implantação do Programa Saúde da Família, cuja equipe trabalha com as ações de prevenção, promoção e assistência à saúde nas áreas delimitadas. Além disso, diversas ações são intensificadas, como o Programa de Combate à Criança que Chia, à Desnutrição, grupos de atendimento. Há mais investimento nas ações de prevenção, buscando promover mudanças nos hábitos das famílias.
  • Inclusão produtiva: buscando construir a autonomia das famílias, prevê ações de qualificação e/ou requalificação profissional, incentivo a pequenos negócios e à organização de cooperativas de produção e encaminhamento ao mercado de trabalho.
  • Sociabilidade: busca estimular, induzir ou promover a convivência comunitária a partir das ações de cultura, esporte, educação e assistência social. Pretende-se adequar os espaços públicos existentes e novas construções para abrigar atividades de lazer, esporte, cultura e inclusão digital.
  • Transferência de renda: as principais ações são o Bolsa Escola (em 2003 passou a compor o Bolsa Família - BF - na integração dos benefícios) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes de acordo com critérios predeterminados. Atualmente o BPC e o BF são os dois maiores programas de transferência de renda da política nacional de assistência social (BRASIL, 2005).

Foram selecionadas nove áreas no município de Belo Horizonte para implantação desse modelo de gestão, definidas como áreas-piloto de grande vulnerabilidade social, identificadas a partir de diversos indicadores sociais, entre eles o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU - 1994 1 o Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS)2 e o Mapa da Exclusão Social  de 2000 3,  detectando-se as áreas do município de mais vulnerabilidade social, como mostra a FIG. 2.

Essa estrutura administrativa foi modificada em 2005 em uma nova reforma, tentando adaptar a reforma de 2001. Mudou-se a estrutura, principalmente na área social, transformando-se a SCOMPS em Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS) e retirando a da Educação, da Saúde e da Cultura de sua vinculação, como relata Mourão (2011, p. 13). Destaca-se que "a justificativa apresentada para tal alteração pautou-se, basicamente, no caso da Secretaria da Educação e da Saúde, por questões orçamentárias". Estas, estando vinculadas à SCOMPS, constituíam a maior dificuldade nas execuções administrativas, enquanto a Cultura tornou-se Fundação para que tivesse mais facilidade na captação de recursos externos. O autor acrescenta:

Como alternativa para manter na administração o princípio da intersetorialidade no modelo de gestão das políticas sociais, criou-se a Câmara Intersetorial de Políticas Sociais (CIPS), sob a coordenação da SMPS. Neste novo formato, a CIPS passou, em teoria, a ser a instância reguladora dos programas e ações implementadas (ou em elaboração) e responsável pelo consequente monitoramento (MOURÃO, 2011, p. 13).

Percebe-se que mesmo a Educação e Saúde tornando-se secretarias plenas ou se posicionando no mesmo nível da SMPS, foram necessários arranjos para que se mantivessem os quatro princípios da reforma anterior. 
A intersetorialidade foi garantida no planejamento das políticas sociais, como demonstra a criação da CIPS no nível central, composta pelos secretários das sete secretarias da área social, como na primeira reforma, ficando a coordenação na responsabilidade da SMPS. O nível regional e o local mantiveram essa mesma diretriz.
A partir dessa estrutura planejou-se a expansão, sendo que em 2006 foram  implantados mais seis núcleos de BH Cidadania. Atualmente, em 2014, o município conta com 33 núcleos em funcionamento.
Em todo território onde se implanta o BH Cidadania, conjuntamente implanta-se um Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), sendo este a "porta de entrada" para o programa.

O CRAS COMO "PORTA DE ENTRADA" DO BH CIDADANIA

No CRAS as famílias são acolhidas, cadastradas, orientadas e encaminhadas, de acordo com as demandas, para a rede de serviços socioassistenciais vinculados à Secretaria Municipal de Adjunta de Assistência Social (SMAAS), tais como: Casa do Brincar, Socialização Infanto-Juvenil, Projovem Adolescente, Grupos de Convivência para Idosos, Oficinas de Reflexão, Grupos Socioeducativos, entre outros.
Esses serviços têm como objetivo promover o fortalecimento de vínculos da família como espaço de referência e proteção de seus membros e oferecer serviços que contribuam para a convivência, socialização e acolhimento daquelas, cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos.
É importante ressaltar que, apesar do CRAS ser um equipamento específico da política de Assistência Social implantada no município e que segue diretrizes do governo federal, suas ações fazem parte do escopo do BH Cidadania e muitas vezes são confundidas com o próprio programa. Seguindo esse pensamento, Corrêa e Magalhães (2004, p. 5) descrevem que a política de Assistência Social foi bastante impactada pelo princípio de descentralização empregado pela reforma administrativa. Praticamente todos os seus serviços eram centralizados.
O nível local, como citado, por meio da CCL, está entre os quatro níveis de governo, responsável pela execução do programa no território.
A CCL é a instância gestora do Programa BH Cidadania. Sua função é propor, planejar, articular e executar ações coletivas intersetoriais nos territórios onde é implantado o programa.
Tem o desafio de articular saberes e poderes, a fim de gerar resultados integrados no combate à exclusão social, promovendo o desenvolvimento local, como citado, comportando as diferentes dimensões em que se exerce a cidadania, a partir de espaços de interação entre cidadãos. E no caso também das instâncias político-administrativas, recuperando a iniciativa e autonomia na gestão do que é público.
Essa instância tem a proposta de ser, como denominado por Dowbor (2008), o “núcleo catalisador” das iniciativas e base para o desenvolvimento local. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A gestão intersetorial ainda é uma construção em debate, que apresenta muitos desafios na articulação de saberes, experiência e poderes, para alcançar resultados integrados, e não justapostos.
Estas e outras questões, como diagnósticos atualizados e a participação social, trazem desafios a uma prática verdadeiramente intersetorial.
Por isso, é fundamental estar sempre com um olhar atento para a prática, para não se evocar o erro de adotar uma proposta supostamente inovadora, mas com práticas de fato conservadoras.
O debate teórico dos autores mostra um campo ainda em construção, assim como na prática de instituições públicas como a PBH. Desde a implantação em 2002 sofreu reformas e ajustes para se adaptar a uma nova forma de gerir política pública.
É preciso avançar nesse debate, tanto teórico quanto prático, para que a articulação intersetorial possibilite mais efetividade dos serviços com a integração das ações institucionais, além de facilitar o acesso da população a serviços, especialmente aquela que se encontra em situação de mais vulnerabilidade social.

 

REFERÊNCIAS

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1               Índice de qualidade de vida (IQVU) 1994; representa numericamente a qualidade de vida que determinada "região" oferece à sua população residente. Serve de instrumento para que o poder público oriente o investimento na área social (BELO HORIZONTE, 2003b).

2            Índice de vulnerabilidade social (IVS); visa a identificar a vulnerabilidade à saúde a que está submetido um grupo de indivíduos que reside em áreas urbanas delimitadas por setores censitários (BELO HORIZONTE, 2003b).

3              Mapa da exclusão social (2000) - demonstra o Índice de vulnerabilidade social (IVS); visa a dimensionar o acesso da população a cinco "dimensões de cidadania": ambiental, cultural, econômica, jurídica e segurança de sobrevivência; possui como base territorial as unidades de planejamento (BELO HORIZONTE, 2003b).


Recibido: 30/06/2015 Aceptado: 19/08/2015 Publicado: Agosto de 2015

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