Vania da Costa Machado
Renata Ovenhasen Albernaz
Universidade Federal de Pelotas
vaniacostam@gmail.comRESUMO
O presente trabalho é fruto das pesquisas iniciais realizadas em função do projeto de pesquisa desenvolvido no curso de mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), que tem por objetivo analisar as relações entre a história de vida de professores/pesquisadores e a memória institucional de universidades e, num sentido mais amplo, da vida científica brasileira, utilizando como estudo de caso a memória coletiva da FURG e a história de vida da professora Judith Cortesão, narrada a partir de seu arquivo pessoal e de relatos orais. Apresentamos alguns autores e pressupostos teóricos que embasam a pesquisa, buscando relacionar arquivos pessoais, histórias de vida de professores e memória institucional de universidades. Posteriormente, relatamos uma breve compilação da história de vida da professora Judith Cortesão, a partir das pesquisas efetuadas em seu arquivo pessoal e de entrevistas realizadas com um grupo de ex-alunos.
Palavras-chave: arquivos pessoais, memória institucional, história de vida, Maria Judith Zuzarte Cortesão, Universidade Federal do Rio Grande.
RESUMEN
Este trabajo es el resultado de la investigación inicial realizada para el proyecto de investigación desarrollado en el Máster en Memoria Social y Patrimonio Cultural de la Universidad Federal de Pelotas (UFPEL), cuyo objetivo es analizar la relación entre la historia de vida de los profesores/investigadores y la memoria institucional de las universidades y, en un sentido más amplio, de la vida científica brasileña, utilizando como caso de estudio la memoria colectiva de FURG y la historia de vida de la profesora Judith Cortesão, narrada a partir de sus archivos personales e informes orales. Presentamos algunos autores y presupuestos teóricos que fundamentan la investigación, intentando relacionar los archivos personales, historias de vida de los docentes y la memoria institucional de las universidades. Posteriormente, se presenta una breve compilación de la historia de vida de la profesora Judith Cortesão, basada en su archivo personal y entrevistas con un grupo de exalumnos.
Palabras clave: archivos personales, la memoria institucional, la historia de vida, Maria Judith Zuzarte Cortesão, Universidad Federal de Río Grande.
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Vania da Costa Machado y Renata Ovenhasen Albernaz (2015): “Memória coletiva em instituições universitárias e história de vida de seus titulares: a história da FURG pela ação docente/de pesquisa de seus atores – o caso de Judith Cortesão e a FURG”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 28 (abril-junio 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/02/furg.html
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto das pesquisas iniciais realizadas em função do projeto de pesquisa desenvolvido no curso de mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), que tem por objetivo analisar as relações entre a história de vida de professores/pesquisadores e a memória institucional de universidades e, num sentido mais amplo, da vida científica brasileira, utilizando como estudo de caso a memória coletiva da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a história de vida da professora e pesquisadora Dr.ª Maria Judith Zuzarte Cortesão, narrada a partir de seu arquivo pessoal e de relatos orais.
Integrando o Sistema de Bibliotecas da FURG, a Biblioteca Setorial de Pós-Graduação em Educação Ambiental Sala Verde Judith Cortesão, criada em 2006, abriga o acervo doado pela professora à Universidade. A partir do acervo disponível na biblioteca, de relatos de pessoas próximas a ela, de sua produção científica e de matérias em diferentes jornais e revistas, podemos ter uma dimensão da importância que teve a professora Judith Cortesão não só para a FURG, mas para o desenvolvimento da educação e da consciência ambiental no Brasil como um todo.
A partir daí, podemos perceber que a FURG foi imensamente privilegiada em ter em seu quadro docente alguém com tamanho conhecimento, sabedoria e dinamismo, que todos afirmaram, em seus relatos, serem seus pontos mais marcantes. Por outro lado, apesar de sua relevância para a instituição e para o movimento ambiental no Brasil, demonstrada pelos diversos prêmios e títulos que recebeu ao longo de sua vida, inclusive em âmbito internacional, a sua história de vida encontra-se tão superficialmente resumida em matérias de jornais e revistas e seus projetos e ações que engendrou enquanto docente do Mestrado de Educação Ambiental e consultora técnica do Museu Oceanográfico da FURG encontram-se de forma tão fragmentada nos documentos da instituição e dispersa na memória das pessoas que com ela conviveram.
A pesquisa justifica-se, então, pelo seu ineditismo acadêmico, já que a trajetória profissional da professora Dr.ª Judith Cortesão, a partir dos documentos que constituem o seu arquivo pessoal, ainda não foi explorada academicamente. Além disso, a pesquisa justifica-se, sobretudo, pelo significativo legado deixado pela professora Judith no campo da Educação Ambiental no Brasil como um todo e, de modo particular, na Universidade Federal do Rio Grande, durante o período em que atuou como professora visitante no Mestrado em Educação Ambiental dessa instituição.
A seguir apresentamos alguns autores e pressupostos teóricos que embasam esta pesquisa, buscando relacionar arquivos pessoais, histórias de vida de professores e memória institucional de universidades, utilizando como estudo de caso a memória coletiva da FURG e a história de vida da professora Judith Cortesão.
1 ARQUIVOS PESSOAIS E MEMÓRIA INSTITUCIONAL
Segundo Artières (1998), arquivar a nossa vida é uma “injunção social”, a vida em nossa sociedade atual exige que arquivemos documentos, sejam eles registros civis, contas, contratos, documentos que comprovem nossa formação ou nossa vida profissional, sob pena de não termos acesso aos nossos direitos civis e sermos excluídos dessa sociedade. Arquivar é também uma forma de preservar nossa identidade, nossa descendência, como no caso dos álbuns de família que, além da função de registro e preservação da memória familiar, também possuem a função de perpetuação e transmissão dessa memória. Conforme o autor, a “exigência do arquivamento de si não tem somente uma função ocasional. O indivíduo deve manter seus arquivos pessoais para ver sua identidade reconhecida [...] para recordar e tirar lições do passado, para preparar o futuro, mas sobretudo para existir no cotidiano” (ARTIÈRES, 1998, p. 14).
Arquivos pessoais são, também, o resultado de uma atividade profissional ou cultural específica de seu titular. Dessa forma, representam e registram as diversas funções sociais desempenhadas pelo seu produtor ao longo de sua trajetória. Na definição de Oliveira (2012), arquivos pessoais são
um conjunto de documentos produzidos, ou recebidos, e mantidos por uma pessoa física ao longo de sua vida e em decorrência de suas atividades e função social. Esses documentos, em qualquer forma ou suporte, representam a vida de seu titular, suas redes de relacionamento pessoal ou de negócios. Representam também o seu íntimo, suas obras etc. São, obviamente, registros de seu papel na sociedade, num sentido amplo. (OLIVEIRA, 2012, p. 33)
Todo arquivo pessoal corresponde a uma “vontade de guardar”, lançando mão do termo utilizado por Vianna, Lissovsky e Sá (1986). Mesmo que inicialmente tenha o caráter apenas de comprovação ou em razão de sua funcionalidade, a sua composição parte sempre de “uma intenção deliberada de reter e acumular” (HEYMANN, 1997, p. 62).
Prevalece a associação entre arquivo e história de vida. É ela que está na base da valorização generalizada dos documentos pessoais não apenas em empreendimentos acadêmicos de natureza histórica, mas, também, em projetos que visam à patrimonialização de trajetórias individuais. Muitos desses projetos investiram, nos últimos anos, na criação de instituições – fundações, institutos, memoriais – voltadas especificamente para a “preservação” da memória de uma figura pública. Nesse tipo de empreendimento, os arquivos pessoais ocupam sempre lugar de destaque: por meio do arquivo, preserva-se o personagem, sua atuação, seu ideário, enfim, seu “legado” (HEYMANN, 2009, p. 7).
Conforme afirma Heymann (2009, p. 1), os arquivos pessoais têm sido "valorizados pela historiografia e foco de crescente interesse do ponto de vista dos projetos institucionais que visam à valorização de trajetórias individuais", justamente porque são vistos "como os meios de acesso seguro ao passado, [...] funcionam como 'prova' das trajetórias às quais se busca associar o atributo da exemplaridade e da singularidade, fundamentais à construção da noção de legado". A partir da atribuição da noção de legado, essa memória, estritamente individual, passa a fazer parte da memória coletiva de um grupo social e a materialização dessa memória é dada através dos documentos e objetos que compõem esses arquivos.
Para Halbwachs (1990), a memória é sempre uma construção coletiva, pois, enquanto seres sociais, mesmo que outras pessoas não estejam fisicamente presentes, nunca estamos sós, e, consequentemente, tudo o que recordamos está permeado pelos grupos sociais dos quais fazemos parte e, por isso, nenhuma memória pode existir apartada da sociedade. A memória individual, segundo ele, existe, mas ela está enraizada dentro dos quadros sociais, sendo formada pela vivência de uma pessoa em diversos grupos ao mesmo tempo, uma combinação das memórias dos diferentes grupos dos quais ela sofre influência. Conforme o autor, pode-se dizer “que el individuo recuerda cuando asume el punto de vista del grupo y que la memoria del grupo se manifiesta y se realiza en las memorias individuales" (HALBWACHS, 2004, p. 11). Podemos dizer, então, que as memórias materializadas nos arquivos pessoais representam não só os papéis sociais desempenhados pelo seu produtor, nos diversos grupos aos quais pertenceu ao longo de sua vida, mas que também retratam a trajetória e a memória coletiva desses grupos sociais, a partir da percepção e da memória individual de um dos seus membros, o titular do acervo.
Dito de outra forma, entende-se que, na medida em que o sujeito recorda a partir dos lugares que ocupa nas instituições às quais pertence (trabalho, escola, associações, etc.), também a memória coletiva sobre essas instituições é construída e rememorada, a partir das lembranças e das trajetórias dos sujeitos que delas fazem ou fizeram parte.
Nesse sentido, os arquivos pessoais funcionariam como materializadores da memória de seus titulares, nos mais diversos papéis sociais que estes tenham desempenhado ao longo de suas trajetórias de vida, sendo como que a “cristalização de um momento ou situação de memória, sempre demarcado pela posição social relativa ocupada pelo indivíduo” (HEYMANN, 1997, p. 47, grifo do autor). Além disso, a sua institucionalização faz com que se atribua ao titular "uma constante re-significação (sic), fazendo com que a memória deste indivíduo ecoe ao longo dos tempos, ou seja, existe uma perpetuação do legado deixado por esta pessoa". (TOGNOLI; BARROS, 2011, p. 77).
Tratando-se especificamente de arquivos pessoais de professores e pesquisadores, estes documentos também abrigam a história da evolução e do desenvolvimento da ciência no Brasil, pois, conforme Campos (2012, p. 1), estes acervos são "repositórios não apenas da memória individual de seus titulares mas também da própria universidade e, por extensão, da vida científica brasileira, constituindo material de grande interesse para a História da Ciência e para outras áreas do conhecimento". Perpassam, dessa forma, a memória e o legado deixado por seus titulares, na medida em que esses documentos são imbuídos de valores científico e histórico, já que retratam o panorama cultural, científico, histórico de um determinado período. Em razão de tais características, esses acervos documentais privados passam a ser de interesse público, dado a sua relevância enquanto fontes de informação histórica e de memórias coletivas.
No Brasil, a universidade constitui-se no principal órgão de desenvolvimento de pesquisas e produção de conhecimento e, nesse âmbito, o papel dos professores e pesquisadores é de fundamental importância, pois são eles os principais responsáveis pela produção de pesquisas e pela concretização das atividades-fim da instituição. Nessa perspectiva, as trajetórias profissional e intelectual de professores e pesquisadores confundem-se com a trajetória da própria universidade, que, por sua vez, tem suas memórias constituídas a partir da atuação dos seus atores. Dessa forma, "arquivos pessoais de docentes e pesquisadores têm muito a dizer a respeito da produção da universidade como instituição" (SOUZA, 2005, p. 116), pois fornecem mais do que a memória dos seus titulares, sendo também portadores de parte da memória das instituições das quais estes fizeram parte.
Universidades e institutos de pesquisas vêm adotando iniciativas para adquirir arquivos pessoais de professores e pesquisadores, por perceberem nesses acervos todo o seu potencial memorial e histórico.
Em 2003, foi criada, através da Portaria 116/2003 do Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma Comissão Especial com a finalidade de desenvolver estudos e pesquisas a fim de elaborar uma proposta para uma Política Nacional de Preservação da Memória da Ciência e da Tecnologia. Dentre o amplo conjunto de bens materiais e simbólicos que constituem o patrimônio científico e tecnológico brasileiro (acervos institucionais, registros fonográficos e fotográficos, filmes, bibliotecas, obras raras, instrumentos de pesquisa, etc.), elencados por essa comissão, encontram-se os arquivos pessoais de pesquisadores e professores. (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2003).
No relatório apresentado pela comissão, consta o resultado da avaliação, realizada na época, das condições dos acervos históricos e do levantamento das iniciativas em curso com vistas a sua preservação. O panorama constatado, segundo o relatório, foi bastante preocupante. Salvo algumas exceções, prevaleciam largamente "o descaso e o desaviso. Poucas instituições cuidam seriamente de seus acervos". (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2003, p. 5). O relatório também chama a atenção para a responsabilidade de universidades, institutos de ciência e sociedades científicas na preservação de "documentos inestimáveis para o reconhecimento do trabalho de seus professores, pesquisadores, administradores e alunos" e para que "entidades, grupos e figuras de relevante papel na construção e na disseminação do saber brasileiro" não desapareçam "sem deixar vestígio palpável". (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2003, p. 6).
Arquivos pessoais são importantes fontes de representação de memórias, pois contribuem para que entendamos mais sobre a biografia de seus titulares e, no caso específico de arquivos pessoais de professores e pesquisadores, através de suas trajetórias é possível também reconstruir a memória das universidades, instituições de pesquisa, bem como, do desenvolvimento científico brasileiro, deixando de ter, dessa forma, uma conotação individual e passando a fazer parte de uma memória coletiva. Sob essa perspectiva, HEYMANN (2009, p. 1) destaca que esses acervos "são associados à categoria de patrimônio, e passam a ser vistos como material cuja preservação deve ser garantida em nome da memória da coletividade, seja local seja nacional".
É nesse contexto que se insere o arquivo pessoal da professora Dr.ª Maria Judith Zuzarte Cortesão, caracterizando-se como uma fonte extremamente importante enquanto materialização da memória do legado deixado pela professora à área de Educação Ambiental, bem como da memória coletiva da FURG e da pesquisa científica brasileira.
O arquivo pessoal da professora Judith Cortesão foi doado por sua titular à Universidade Federal do Rio Grande, antes de seu afastamento da instituição por motivo de doença, sendo institucionalizado e disponibilizado a partir da criação da Biblioteca Setorial de Pós-Graduação em Educação Ambiental Sala Verde Judith Cortesão, pelo Ato Executivo n° 031, emitido em 25 de agosto de 2006, sendo efetivamente inaugurada em 28 de maio de 2007. (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE, 2006).
Quando da sua doação, o acervo continha cerca de quatro mil itens (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE, 2005, p. 7), entre materiais bibliográficos, objetos pessoais e documentos de caráter pessoal e científico, que retratam as ações e a trajetória da ambientalista no desenvolvimento de diversas atividades como a docência, a pesquisa e a consultoria nos mais diversos campos nos quais atuou.
O acevo foi dividido em três categorias: acervo bibliográfico (livros, periódicos, teses, dissertações, CDs, DVDs, etc.), acervo arquivístico (correspondências, projetos, fotografias, relatórios, currículo, documentos pessoais, etc.) e objetos. A parte bibliográfica do acervo está organizada e disponível para a consulta pública na Biblioteca Sala Verde Judith Cortesão, já a parte arquivística encontra-se acondicionada em estantes e caixas em outro prédio da Universidade, em razão da falta de espaço na sala que abriga a biblioteca. Os objetos que compunham o acervo, juntamente com alguns documentos, foram doados ao Núcleo de Memória Engenheiro Francisco Martins Bastos da FURG (NUME), que por sua vez encaminhou os materiais ao Museu Oceanográfico da FURG, conforme documentação obtida no NUME (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE, 2008).
O acervo arquivístico de Judith Cortesão é composto por 194 pastas polionda, contendo uma diversa tipologia documental, sobre variados assuntos. Algumas pastas estão identificadas pelos assuntos que contêm como, por exemplo, Ecologia, Proteção e Conservação do Meio Ambiente, Dunas, Conservação da Natureza, Oceanografia, Parques Nacionais do Brasil, Recursos Costeiros, Poluição Lagoa dos Patos, Convenção Mundial do Direito do Mar, Código Florestal, Patrimônio da Humanidade, Patrimônio Histórico e Artístico, Recursos do Mar, Colônia de Pescadores, Pesca Artesanal, Conselho Nacional do Meio Ambiente, Fundação Nacional Pró-Memória, Amazônia, Santa Catarina, Mato Grosso, Pelotas, Fernando de Noronha, Mantiqueira, Pantanal, Parati/RJ, Condição Ambiental do Nordeste, Antártida, Brasil na Antártida, entre diversas outras.
Os documentos encontrados nas referidas pastas são muito diversos: estatutos, portarias, decretos, recortes de jornais e revistas, relatórios, textos científicos, correspondências, manuscritos de obras, poemas, projetos, questionários aplicados em projetos, diários de campo de alunos, confeccionados durante a disciplina de Educação Ambiental Marinha, do Mestrado de Educação Ambiental, planos de aula, ementas de disciplinas, diagnósticos de impactos ambientais, para citar alguns.
Além das pastas, o acervo também engloba dez caixas de papelão, não identificadas, que contêm materiais de diversos assuntos, inclusive documentos pessoais, como certidão de nascimento, cópia de passaporte, contracheques, cartões de visita, boletim de ocorrência, certificados como participante e palestrante em eventos, Curriculum Vitae, ficha funcional, relatórios de atividades, esquetes de programas de TV e vídeos, ofícios e declarações das diversas instituições das quais Judith foi colaboradora.
As pesquisas realizadas até o momento, em função do projeto de pesquisa desenvolvido, referem-se ao acervo arquivístico e bibliográfico da professora Judith e revelaram dados bastante interessantes sobre a trajetória da professora e pesquisadora, comprovando informações importantes como, por exemplo, seu currículo, com toda sua vasta formação acadêmica e as universidades onde estudou e lecionou, e também pudemos conhecer melhor a trajetória da professora Judith e entender a dimensão de sua importância, não só para a FURG, mas a para a pesquisa científica no Brasil e no mundo.
2 MARIA JUDITH ZUZARTE CORTESÃO
Maria Judith Zuzarte Cortesão foi uma ambientalista, pesquisadora e educadora reconhecida internacionalmente na área ambiental. Seu arquivo pessoal, doado por ela à FURG, guarda diversos documentos relativos à sua história de vida e às diversas ações e projetos que desenvolveu, permanecendo inexplorado até o momento.
Nascida em 30 de dezembro de 1914, na cidade do Porto, em Portugal, filha do historiador Jaime Zuzarte Cortesão, Judith morou em diversos países. Mudou-se, ainda jovem para Paris onde cursou graduação em Letras na Sorbonne. De volta ao seu país para dar continuidade aos seus estudos, Judith e sua família foram obrigadas a deixar Portugal, na década de 1930, em razão das perseguições sofridas por parte do governo ditatorial de António Salazar, mudando-se para Barcelona. Durante a Guerra Civil da Espanha, a família fugiu para a França, atravessando os Pirineus1 a pé. No final dos anos 30, quando regressa a Portugal, Judith e seu pai são presos pelo regime salazarista, mas conseguem fugir da prisão e, posteriormente, do país, regressando novamente à Espanha. Já durante a Segunda Guerra Mundial, no início dos anos 1940, a família se transfere para o Brasil, onde seu pai se dedica aos estudos sobre a história do país, passando a conviver com importantes intelectuais brasileiros, como Manuel Bandeira, Sérgio Buarque de Holanda, Cecília Meireles, entre outros. (M.G.F., 2011).
Aqui no Brasil, Judith Cortesão casou-se com Agostinho da Silva, com quem teve seis filhos, e morou no Rio de Janeiro, em Itatiaia, e em Santa Catarina. Já separada de Agostinho, morou também no Uruguai, quando foi novamente presa e torturada, sob a acusação de envolvimento com os guerrilheiros Tupamaros. Depois de sair do Uruguai, morou em diversos outros países, como Chile e Peru, estabelecendo-se no Brasil, no final dos anos 70, quando passou a dedicar-se mais diretamente ao ambientalismo. (MEDEIROS, 2007; M.G.F., 2011).
Judith, apesar de ter nascido em Portugal e morado em inúmeros países, considerava-se brasileira. Segundo entrevista concedida ao programa “Ação FURG” por Lauro Barcelos, diretor do Museu Oceanográfico da FURG e amigo muito próximo da professora, “se perguntassem a ela se era portuguesa ela dizia: não, sou brasileira. [...] Mas ‘peraí’ um pouquinho, com esse sotaque todo, como que acreditarão que és brasileira? E um dia ela me respondeu, ela disse o seguinte: a nação nunca pediu desculpas à família pelo que fizeram com o pai dela, então, a honra era ser brasileira. Aqui foi o lugar onde a Judith pode ajudar, contribuir de forma intensa” (AÇÃO..., 2014). Essa contribuição intensa levou-a a ser considerada como “a mais ativa ecologista do país” (SANTOS, 1999, p. 47) e a ser reconhecida como “a matriarca do ambiente” (M.G.F., 2011), “a primeira-dama da ecologia” (SANTOS, 1999, p. 47), a “matriarca da ecologia” (GONÇALVES, 1999, p. 60), “a guardiã da natureza” (MORRE..., 2007, p. 45) ou, até mesmo, “a verdadeira mãe natureza” (MEDEIROS, 2007, p. 34).
Conforme dados obtidos de seu Curriculum Vitae, documento que integra seu arquivo pessoal, Judith formou-se Doutora em Letras pela Université Paris-Sorbonne, em Medicina pela Universidad de la República Uruguay e Universitat de Barcelona, em Biologia, Climatologia e Antropologia, pela Universidad de la República Uruguay, em Meteorologia pelo Ministério de Defensa Nacional del Uruguay e em Biblioteconomia pela Biblioteca Nacional do Brasil. Especializou-se em Genética Humana e Leis Biofísicas da Reprodução Humana na Universidad de la República Uruguay, em Imunologia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em Neuro-endocrinologia no Hospital de Clínicas de Montevidéu e em Documentação Científica e Tecnológica no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Lecionou em diversas universidades, entre elas, Université Paris-Sorbonne, Université de Nanterre, Université de Caen, Universidade de Lisboa, de Aveiro, de Trás-os Montes, de Évora, do Porto e Universidade Federal do Rio Grande. Desenvolveu mais de trinta pesquisas nas áreas médica, ambiental, social e literária. Estudou quatorze línguas, dentre as quais, Russo, Chinês, Árabe, Grego, Esperanto e Linguística Indígena do Brasil (CORTESÃO, 1998).
Planejou o Centro de Informação e Formação de Médicos e Cirurgiões do Hospital de Doenças do Aparelho Locomotor de Brasília, da Rede hospitalar Sarah Kubitschek; foi diretora do Centro de Estudos Terra/Homem, vinculado à Fundação Pró-Memória e ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN). Apesar de sua vasta formação e variadas áreas de atuação, o foco principal de suas ações sempre esteve voltado para o meio ambiente. Foi coordenadora da Sub-Comissão do Meio Ambiente para a Constituinte e assessora da Divisão de Planejamento e Política Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, representando este Ministério em diversas comissões, dentre elas, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), Programa Antártico Brasileiro (PRO-ANTAR) e a Comissão Nacional para a Antártida (CONANTAR); representou o Brasil em diversas comissões internacionais, das quais podemos citar a Comissão do Patrimônio da Humanidade (Canadá), Comissão Internacional da Baleia (Japão), Comissão Internacional dos Oceanos (Rio de Janeiro), Convenção das Nações Unidas sobre a Poluição Marinha de Origem Terrestre (Kenya), Convenção das Nações Unidas para a Conservação de Espécies Animais Silvestres Migratórias (Genebra), além de ter representado, igualmente, outros países como Peru, Uruguai, Inglaterra e Portugal em diversos congressos (CORTESÃO, 1998).
Escreveu dezesseis livros, entre eles "Pantanal, Pantanais", "Juréia, a luta pela vida", "Mata Atlântica" e "Leis do mar para a comunidade", participou da elaboração de seis filmes, dentre os quais destacam-se "Taim", sobre a reserva ecológica gaúcha, "EMAS, Parque Nacional do Cerrado", "O último estuário" e "O mundo natural do cerrado"; participou das duas primeiras viagens brasileiras ao continente Antártico (1982 e 1983), como representante da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), do Ministério do Interior, oportunidade em que coordenou quarenta projetos de pesquisa (T.D.C., 1983, p. 10); foi consultora da Unesco e uma das criadoras do programa Globo Ecologia. Foi sócia-fundadora das ONGs SOS Mata Atlântica (São Paulo) e Instituto Acqua (Rio de Janeiro), da Sociedade de Arquivistas e Bibliotecários Portugueses (Lisboa), da Sociedade de Etologia do Uruguai, da Associação de Antropologia Médica (Brasília) e de cinco Associações para a Recuperação e Conservação do Ambiente - ARCAs, nas cidades de Brasília, Goiânia, Chapada dos Guimarães, Salvador e Rio Grande. (CORTESÃO, 1998).
Como reconhecimento por suas ações, recebeu diversos prêmios e distinções, entre eles: o 1º Prêmio Nacional de Museologia, pelo projeto do Museu Terra/Homem; Prêmio Nacional do Filme Científico por "Emas, Parque Nacional do Cerrado"; ganhou o título de Heroína Nacional, outorgado pelo Senado, em razão da sua participação na 1ª e 2ª viagens do Barão de Tefé à Antártida; o Prêmio Alvorada, do Governo do Distrito Federal por contribuir à cultura de Brasília; foi condecorada pela NASA (National Aeronautics and Space Administration) por sua dedicação ao intercâmbio científico internacional, recebendo uma medalha feita a partir de um metal trazido do espaço pela nave Columbia; recebeu o Prêmio Muriqui2 , da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em 2000, reconhecido como uma das mais importantes homenagens às ações ambientais no país; e a Ordem do Mérito Cultural 3, concedida em 2003, pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que homenageia personalidades e instituições voltadas à valorização da cultura. (CORTESÃO, 1998; GONÇALVES, 1999; M.G.F, 2011; MORRE..., 2007). Em 2004, no V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, ocorrido em Goiânia (GO), Judith também recebeu uma homenagem por sua trajetória de vida, sendo reconhecida como “Dama da diversidade e das ciências, que contribuiu para o Brasil de forma mais transdisciplinar” (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE, 2005, p. 5).
No inicio da década de 90, estabeleceu-se em Rio Grande, onde atuou como professora e pesquisadora na FURG. Em 07 de março de 1994 foi contratada pelo Departamento de Educação e Ciências do Comportamento (DEEC) como professora visitante do Mestrado em Educação Ambiental (MEA), a partir de solicitação realizada através do Ofício 009/94 da Sub-Reitoria de Ensino e Pesquisa ao então Reitor Carlos Rodolfo Brandão Hartmann (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE, 1994a, 1994b). Contrato esse que foi prorrogado, a pedido do Diretor do Museu Oceanográfico da FURG, Lauro Barcelos, até 06 de março de 1998, tendo em vista “que a professora prestou importantes serviços ao Museu e à FURG” (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE, 1995a, 1995b).
Em 05 de março de 1998, o Reitor Carlos Alberto Eiras Garcia, por meio do memorando do Gabinete do Reitor nº 035/98, solicita a permanência da professora Judith Cortesão na folha de pagamento da Universidade, mesmo após o fim do período de quatro anos como professora visitante, “devido ao grande número de atividades desenvolvidas por ela, não podendo as mesmas sofrer qualquer tipo de interrupção. Essa situação deverá perdurar até o momento de encontrarmos outra solução para o caso”. (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE, 1998).
A situação perdurou até 17 de abril de 2001, quando a professora foi excluída da folha de pagamento, em razão do posicionamento da Comissão de Auditoria da Secretaria Federal do Controle Interno, que determinou a imediata retirada da folha de pagamento da professora, por falta de amparo legal para sua permanência (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE, 2001).
Durante o período em que atuou na FURG, Judith Cortesão desenvolveu diversos projetos e pesquisas na Estação Ecológica do Taim, teve participação direta na criação do Museu Antártico e também prestou consultoria ao Museu Oceanográfico Professor Eliezer de Carvalho Rios e ao Eco-Museu da Ilha da Pólvora. Dentre os diversos projetos que desenvolveu, destacam-se: Projeto Asas Polares, que visava proteger áreas de população e reprodução de aves marinhas migratórias; Projeto de Educação Ambiental para a Primeira Infância; Programa Mar de Dentro, com o objetivo de despoluir e preservar as águas da Lagoa dos Patos e seus ecossistemas; Projeto Meninos do Mar, voltado para crianças e adolescentes carentes, promovendo oficinas profissionalizantes, que deu origem ao Centro de Convivência dos Meninos do Mar, que hoje integra o Complexo de Museus e Centros Associados da FURG; Projeto “Viva o mar, viva o povo que vive do mar!”, que propunha a alfabetização de pescadores a partir da vivência do próprio ambiente dos homens e mulheres pescadoras, que resultou em uma cartilha de alfabetização 4 e também em uma série para TV em treze episódios (VIVA..., 1996); exerceu importante contribuição na gestão e em ações com vistas a criação da Área de Preservação Ambiental (APA) da Lagoa Verde, situada à margem da rodovia ERS734, que liga a cidade do Rio Grande à praia do Cassino (BEHLING, 2007); participou de diversas expedições à localidade da Restinga, região que faz parte da Área IV da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (ELISEIRE JUNIOR, 1993; HELLEBRANDT, 1994; MATOS, 1993).
No ano de 2000, Judith Cortesão recebeu o título de Cidadã Honorária da Cidade do Rio Grande, concedido pela Câmara Municipal de Vereadores de Rio Grande 5.
Judith mostrou toda a grandeza da sua personalidade, quando a vi alegre como uma criança e agradecida ao receber o título de Cidadã Rio-grandina na Câmara Municipal de Rio Grande, num reconhecimento do trabalho e mais amplamente da pessoa Maria Judith Zuzarte Cortesão. (informação verbal)6 .
A professora Judith também teve uma importante participação na cidade de Ilópolis (RS), foi uma das responsáveis pela ativação do patrimônio histórico e cultural da cidade, que resultou na restauração do antigo Moinho Colonial Colognese e na construção do Museu do Pão (BEZERRA, 2009). Como forma de homenagear a professora Judith, a Prefeitura Municipal de Ilópolis consagrou-a madrinha da Escola Municipal Agrícola Florestal Ambiental, primeiro colégio brasileiro de Ensino Fundamental com enfoque ecológico. (SANTOS, 1999; CLARO, 2013).
Judith Cortesão ficou em Rio Grande até o ano de 2003, quando mudou-se para Genebra, na Suíça, onde veio a falecer no dia 26 de setembro de 2007, aos 92 anos de idade (M.G.F., 2011).
A partir dos depoimentos colhidos e descritos a seguir 7, pode-se perceber a importância do legado dos ensinamentos deixado pela professora, que vão muito além de conhecimentos acadêmicos:
A Judith era da grandeza de um Lutzemberger, de um Chico Mendes, de um Roessler, de um Gabeira, de uma Rachel Carson, de um Paul Watson. Sem exagero nenhum, foi um ator social que realmente fez a diferença como educadora e como protetora da natureza. Ela deixou um legado de décadas de ativismo e muitas orientações, e isso é que importa. Certamente ela não iria querer nenhum busto de bronze dedicado a ela. O sorriso que forma em nossos semblantes quando falamos daquela senhora portuguesa certamente seria visto por ela como um reconhecimento. Ela ficaria muito feliz com isto. (Daniel Porciuncula Prado, Doutor em Educação Ambiental e Historiador, ex-aluno).
O caráter irrequieto, a generosidade com todos, inclusive abrigando alunos em casa, as muitas histórias, a contagiante alegria, os projetos idealizados e os concretizados; os variados métodos de ensino e a lucidez para escolher entre tantos, o melhor para cada situação. Puxa vida! Foram tantos [ensinamentos]: viver intensamente e conferindo significado especial a cada ação; encontrar o melhor em cada pessoa; não guardar distância alguma entre si e seus alunos; pensar globalmente, mas valorizando cada pequeno detalhe das culturas locais; encontrar simetrias e para-simetrias nos acontecimentos; o cuidado, a consideração e o respeito com os outros, a partir de si mesmo; entre tantos outros. Acho que o maior ensinamento é que a vida deve ser vivida intensamente, de modo que a morte nos surpreenda em meio a planos e projetos, e não esperando por ela. (Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli, Mestre em Educação Ambiental, ex-aluna).
Devemos sempre estar dispostos a aprender e que na educação ambiental devemos sempre valorizar o belo e não fazer projetos partindo do feio, do destruído. Outro ensinamento é que o mundo é para ser conhecido através de viagens. (Luiz Carlos Rodrigues, Mestre em Educação Ambiental, foi orientando de Judith).
Uma pessoa para além da sua época. Adorava ouvi-la por horas. Admirável! Sua sabedoria e conhecimento de tantas coisas, um olhar do todo, me fascinavam. (Ingrid Oliveira Santos Costa, Mestre em Educação Ambiental, ex-aluna).
[Judith] Tinha uma capacidade muito grande de reunir as pessoas, ela reunia as pessoas em torno das ideias, dos pensamentos e dos sonhos... Ela deixou um legado, que é um legado intangível, que é o nosso pensamento. Eu não estou aqui falando só em memória, eu estou falando em nome de muitas pessoas, e é muito difícil falar, porque a Judith ela me ensinou a viver de uma forma positiva, de uma forma fraterna e jamais esquecer do outro, do próximo, então, o saber, na realidade, não era a coisa mais importante que ela almejava, que ela tratava, o mais importante era o servir. Nós fomos, os que tiveram o privilégio de conviver com aquela sábia, foram treinados a praticar o servir, algo que é, muitas vezes, esquecido no mundo em que vivemos, nós sempre pensamos mais em servir-nos, do que em servir ao próximo e a doutora dizia que não valia o saber, se não existir o servir. Para falar de seus títulos, até, talvez, ela nem ia ficar muito contente se a gente espichasse uma lista com todos os títulos acadêmicos da doutora ou com todos os prêmios e reconhecimentos... O mais importante é que ficou dentro de nós esse pensamento, essa intensidade de coisas boas que ela conseguiu meter dentro da nossa cabeça. [...] E essa homenagem que a nossa universidade faz hoje pra lembrar essa pessoa é da mais alta justiça, é uma homenagem correta e precisa. [...] Ela era um grande farol, ela era a mestra, ela era a sábia, ela tinha o poder de encantar, de aliviar [...] Uma pessoa que deixou a mais importante contribuição, que foi do pensamento e o pensamento que está dentro de nós, porque além de ela ser uma pessoa genial, ela conseguia semear no fundo do nosso pensamento. (informação verbal) 8.
Nas entrevistas realizadas até o momento, com ex-alunos da professora Judith Cortesão, pode-se perceber que ela foi uma figura marcante na vida dos sujeitos entrevistados, os relatos das memórias do período em que conviveram com a professora são extremamente vívidos e emocionados, compartilhados por todos os entrevistados.
Corroborando a ideia de Pierre Nora de que “a memória emerge de um grupo que ela une” (NORA, 1993, p. 9), o depoimento de um dos entrevistados deixa claro que a própria memória coletiva compartilhada em torno da professora Judith por esse grupo de ex-alunos é um laço de união para esse grupo: “nós que nos conhecemos com ela, até hoje temos admiração, os conhecimentos que a gente fez, né... Por quê? Porque foi ela que fez o cimento que uniu as pessoas, ela uniu com cimento nobre [...] compartilhamos de um pensamento, estamos unidos por um pensamento” (informação verbal)9 .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas realizadas até agora mostram que os arquivos pessoais são importantes fontes de representação de memórias, pois contribuem para que entendamos mais sobre a biografia de seus titulares e, no caso específico de arquivos pessoais de professores e pesquisadores, através de suas trajetórias é possível também resgatar a memória das universidades, instituições de pesquisa, bem como, do desenvolvimento científico brasileiro, deixando de ter, dessa forma, uma conotação individual e passando a fazer parte de uma memória coletiva.
Até o presente momento, através dos relatos dos entrevistados e da própria trajetória de vida da professora, traçada a partir dos documentos que compõem o seu acervo, podemos perceber que a professora foi uma figura ímpar e deixou um relevante legado para seus alunos.
As pesquisas nos documentos que compõem o arquivo pessoal da professora Judith Cortesão continuam a ser realizadas, uma vez que ainda não foi possível analisar a totalidade desses documentos. Além disso, deverão, ainda, ser empreendidas pesquisas no Arquivo Geral da FURG e realizadas entrevistas com outros sujeitos que conviveram com a professora, com a finalidade continuar a identificar as ações da professora Judith durante o período em que atuou como docente na FURG e a buscar indícios da importância dessas ações e do seu pensamento para os sujeitos que conviveram com ela e, de uma maneira mais geral, para a FURG. A partir daí, buscamos respostas às perguntas que norteiam a pesquisa: “O que a história de vida da professora Dr.ª Judith Cortesão, enquanto docente e pesquisadora da FURG, comunica acerca da memória institucional da Universidade FURG e da Educação Ambiental no Brasil e de que maneira pode ser constatada essa relação entre vida acadêmica de um ator científico/docente e a memória institucional universitária/científica?”.
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2 www.rbma.org.br/rbma/rbma_4_premio_muriqui.asp.
3 www.cultura.gov.br/ordem-do-merito-cultural-2003.
4 Informação obtida a partir de entrevista concedida por Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli, em 16 de janeiro de 2015.
5 Informação fornecida pelo Dr. Daniel Prado Porciúncula em entrevista realizada no dia 15 de janeiro de 2015, no entanto o entrevistado não soube precisar a data em que foi concedida a homenagem. Um requerimento foi enviado à Câmara Municipal de Rio Grande, solicitando cópia da ata de registro da sessão solene.
6 Informação obtida a partir de entrevista concedida por Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli, em 16 de janeiro de 2015.
7 Os depoimentos foram colhidos através de um questionário enviado por e-mail, para ex-alunos da professora Judith para que fossem expostos durante a “Exposição 100 Anos Judith Cortesão”, realizada entre os dias 09 a 12 de dezembro de 2014, no hall de entrada da Biblioteca Central da FURG. Além dos depoimentos, na ocasião foram expostos objetos pessoais da professora, fotografias, livros de sua autoria e outros documentos.
8 Discurso de Lauro Barcelos, diretor do Museu Oceanográfico da FURG, durante a abertura da “Exposição 100 Anos Judith Cortesão”, realizado em 09 de dezembro de 2014, no saguão da Biblioteca Central da FURG.
9 Ibid.
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