Danieli Veleda Moura
Andreisa Damo
Universidade Federal do Rio Grande
danieliveledamoura@yahoo.com.brResumo: A Educação Ambiental tem um papel decisivo na sociedade atual em que a crescente desumanização produz um paradoxo frente ao grau de civilização que atingimos. Seu caráter decisivo, como aspecto essencial da transformação social, é redirecionar o rumo de desenvolvimento da humanidade, devolvendo ao ser humano a sua essência criativa em que este se realiza, pelo trabalho, produzindo a história de acordo com suas reais necessidades e não a favor de interesses voltados a reproduzir o status quo. No desafio de promover a produção de uma sociedade sustentável, a Educação Ambiental emancipadora, que valoriza a natureza realizadora do ser humano em seus aspectos mais essenciais e totais, ao invés de fragmentar sua experiência no mundo como mercadoria de trabalho alienado, é profundamente necessária, para produzir compreensão crítica de mundo e sustentar a superação das contradições cada vez mais extremas e desafiadoras que nos provocam enquanto sociedade e humanidade.
Palavras-chave: Educação Emancipadora, Modo de Produção Capitalista, Contradições, Escola, Luta de Classes.
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Danieli Veleda Moura y Andreisa Damo (2015): “A educação ambiental emancipadora na sociedade em conflito: educar para a sustentabilidade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, n. 28 (abril-junio 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2015/01/educacion-emancipadora.html
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A sociedade vigente vem se estruturando por meio de um conjunto de relações produtivas que geram profunda desumanização e alienação da essência humana criativa e realizadora. Quanto mais nos detemos a analisar as relações dos seres humanos com a natureza e a sociedade, em qualquer de seus âmbitos, tanto mais nos convencemos que essas relações apresentam um caráter especial e marcante do papel da Educação Ambiental em suas práticas cotidianas. Temos compreendido que há uma quase enfermidade1 nessas relações, motivadas, em boa parte, pela escassez de projetos políticos pedagógicos que reconheçam nos seres humanos a possibilidade de aprender e se educar com práticas ditas “humanas”.
Nós seres humanos nos constituímos através de nossa essência realizadora, em que, pela criatividade do trabalho, fazemos o mundo e nos fazemos. A Educação Ambiental emancipadora liberta-nos para a realização de nosso potencial criativo, ao dar-nos a possibilidade de construir a história, ao contrário de sermos arrastados por ela e suas forças de relações.
Neste sentido, os projetos políticos pedagógicos precisam estar voltados à emancipação humana para que possam criar condições reais de sustentabilidade do Planeta, o que implica a garantia paradoxal de convivência de “conflitos harmoniosos” entre as práticas existentes na sociedade.
Por conflito, como Gadotti (1989), entendemos que é o momento quando as contradições 2 existentes no interior de uma sociedade rompem os laços orgânicos que as mantinham em equilíbrio. Este rompimento é necessário para produzir uma nova forma e conteúdo de relações sociais. Assim, compreendemos que a sociedade produz-se no equilíbrio de forças contrárias. Na natureza, essas contradições (a relação entre polos opostos) se apresentam como conflitos que buscam resolver contradições que se organizam dentro de um momento histórico no qual, embora seja conflitivo, necessita ser harmonioso em seus resultados.
Deste modo, os conflitos produzem o movimento necessário à transformação social, e a harmonia organiza estes conflitos para uma direção planejada, com base na compreensão das reais demandas da humanidade. Os “conflitos harmoniosos” impulsionam a sociedade para uma forma e conteúdo em que suas contradições deixem de expor de forma tão urgente a necessidade de mudança radical, como hoje exigem.
A sociedade em que vivemos, alicerçada na aristocracia do dinheiro e na dominação arbitrária da vida humana pelas leis de mercado não é ambientalmente sustentável. Suas relações, por serem contrárias ao desenvolvimento integral dos seres humanos, seguem o curso da alienação e da consequente desumanização, e assim, expressam contradições que, embora cada vez mais contundentes, são sagazmente manejadas pelo capital em sua capacidade de metamorfosear-se.
Essas contradições precisam ser resolvidas, e a Educação Ambiental tem um papel fundamental neste processo, sem a qual a transformação social não se sustenta. Nenhuma mudança radical na ordem como se estrutura a sociedade poderá manter-se sem que as pessoas compreendam sua necessidade e atuem de forma consciente, crítica e coletiva, para a superação das contradições que atuam na produção e reprodução dessa ordem.
Este artigo tem por objetivo refletir acerca do papel da Educação Ambiental na sociedade em processo de transformação para a sustentabilidade, e discutir algumas ideias que necessitam ser melhor compreendidas para que possamos romper definitivamente com a Educação da elite, coordenada com a produção e reprodução das relações vigentes, de forma a produzir uma Educação completamente nova, desligada de quaisquer preceitos reformistas, em que a essência humana seja valorizada, através de práticas que possam superar as contradições vigentes e reverter a alienação e a desumanização em curso.
O PAPEL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EMANCIPADORA FRENTE ÀS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE VIGENTE
Uma leitura dialética da história nos remete a estágios críticos que constituem a ante-sala de saltos sociais, precedidos, geralmente, por estágios mais ou menos longos, em que o espírito e a própria vida social parecem languescer na autocomplacência (ESTÉVEZ, 2009, p. 19).
Mediado por uma extrema habilidade de persistir na história, enquanto debate-se em violentas contradições, o modo de produção capitalista provoca e produz para si próprio terreno fértil à transformação social. É preciso que estejamos atentos para compreender as implicações “do movimento social e (como um reflexo dele) do movimento das ideias em uma época de oposições e contrastes” (ESTÉVEZ, 2009, p. 20).
Como analisa Estévez (2009, p. 19-20):
Hoje a humanidade vive uma época crítica, talvez com mais dramaticidade que em nenhum momento histórico anterior. Isso se deve ao fato de que os pares dialéticos que sustentam a espiral do movimento social expressam com virulência sua essência contraditória – sejam estes ‘trabalho e capital’, ‘cultura e ignorância’, ‘natureza e sociedade’. O caráter cada vez mais unipolar do mundo não esfuma, pelo contrário, delineia os contornos dos opostos.
As contradições, os conflitos, as lutas dialéticas travadas na realidade não devem ser encaradas como um abismo histórico, mas como potência para a transformação social, desde que os coletivos compreendam os conflitos, assumam posição de sujeito e entendam a necessidade da mudança radical. “Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e o seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e as suas circunstâncias” (FREIRE, 1979, p. 30).
O desafio da Educação Ambiental na sociedade mergulhada em contradições, seja qual for o seu lugar de prática (espaços formais, informais e não formais, mas especialmente a escola, onde a garantia de Instituição legitima a reprodução do ideário conservador), precisa expressar projetos político-pedagógicos pautados na formação integral dos sujeitos, e não a mera formatação/treinamento de habilidades para suprir as demandas mercadológicas do trabalho alienado.
Seu desafio também é o de contribuir para a produção necessária de um novo ser humano, que possa ser o protagonista da sociedade sustentável, tendo como característica a sensibilidade de relacionar-se com o mundo integralmente, como totalidade - que o mundo e ele próprio o são - a partir de um sentido criador, “capaz de enfrentar os enormes desafios do desenvolvimento nas condições desfavoráveis de um mundo cada vez mais globalizado e mais unipolar” (ESTÉVEZ, 2009, p. 25).
A Educação Ambiental emancipadora tem por objetivo provocar nos seres humanos, cada vez mais alienados e desumanizados pelas relações sociais degradantes hoje praticadas em sociedade e com a natureza, o despertar e atentar dos sentidos (os cinco natos, mais a vontade, o conhecimento e a emoção), para a compreensão crítica de mundo, reconectando a unidade de seu fazer com o seu pensar, e resgatando sua natureza realizadora, como sujeito das transformações sociais - impulsionadas estas, pelas contradições de cada sociedade – que fazem a história.
Isso só poderá ser concretamente realizado para além da utopia, que surge como alternativa frente a uma sociedade em conflito, a partir de uma Educação Ambiental emancipadora que tenha por princípio:
um programa efetivo de educação estética, capaz de promover ações direcionadas ao desenvolvimento do homem como totalidade, como única forma de resgatar-se a sensibilidade humana na época da irracionalidade das tecnologias produtivas, educativas e do conforto (ESTÉVEZ, 2009, p. 25).
Quando uma sociedade passa a apresentar possibilidades de outras práticas, impedindo a mesma direção dos costumes e das tradições e, mesmo assim, é constrangida ao uso da violência simbólica da repressão para manter-se, dizemos que está em conflito. É nesse momento que, para citar um espaço formalizado de educação, a Escola, como aparelho dessa repressão, alimenta a manutenção de práticas alienadas e alienantes que reproduzem a sociedade vigente.
Conforme Gadotti, educar em uma sociedade em conflito “é uma tarefa de partido, isto é, não se educa realmente aquele que ignora o momento político em que vive aquele que pensa estar alheio ao conflito que o cerca” (1989, p. 75). Com isso, queremos dizer que a Escola não pode se fazer de neutra: ou educa a favor da sociedade sustentável ou contra ela.
A Escola, como promotora de espaços de sistematização e organização de saberes e práticas precisa romper os laços orgânicos que a mantém presa a antigas práticas dos mesmos costumes e tradições, evitando perpetuar o conservadorismo reacionário que aborda os conflitos e as contradições de nossa sociedade apenas no nível da aparência, ao invés de encará-los a partir de sua essência.
Nessa direção, não ficaremos submetidos às imposições de políticas ditas ambientais, sem um questionamento básico do por que elas vêm sendo desenvolvidas de forma tão frágil, o que não contribui para a formação social e individual dos sujeitos do processo, tendo em vista que não está na pauta da educação conservadora a sustentabilidade. Temos compreendido que a Educação, para lidar com a situação ambiental precisa começar chamando atenção ao fato de que essa questão tem uma dimensão política no que se refere às transformações sociais.
A Escola precisa, assim, constituir-se num espaço privilegiado para a produção de saberes imprescindíveis que facilitem a disponibilidade de conhecimentos emancipadores sobre a necessidade de produzirmos um ambiente sustentável de relações em sociedade e com a natureza, mostrando que é possível desenvolvermos conhecimentos mais específicos e eficazes acerca das relações que vivenciamos, principalmente quando estas, para serem transformadas, exigem a decisão por implementar mudanças radicais na forma como fazemos e nos relacionamos com o mundo.
A ideologia dominante faz com que a Educação/Educação Ambiental peque em seus objetivos, ao produzir e reproduzir as várias formas de “falsa consciência” que representam as relações alienadas de produção. Deste modo, acaba por nos internalizar compreensões fragmentadas e apolitizadas de mundo, como se fossem expressão natural dos nossos objetivos e desejos. Nesse sentido é que Marx em A Ideologia Alemã diz que:
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é poder material dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante.
A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido à classe que domina (MARX, 2002, p. 48).
Para Marx, assim como também entendemos, os pensamentos predominantes em determinado período histórico são a expressão ideal das relações materiais influenciadoras da sociedade. Logo, a representação social predominante é a expressão da ideologia da classe dominante e de sua dominação (2002, p. 48).
Apropriando-nos dos ensinamentos de Mészáros em A Teoria da Alienação em Marx, compreendemos que “nenhuma pessoa em sã consciência negaria que a educação está, hoje, em crise” (2006, p. 273). Os reflexos dessa crise podem ser sentidos em nosso cotidiano pela forma como a produção de nossa existência vêm sendo desenvolvida em sociedade.
Porém, dizer que a Educação está em crise não é suficiente, é preciso compreender qual a natureza dessa crise, já que ela não é apenas da Educação enquanto Instituição, mas da estrutura social da qual faz parte e, portanto, também da Educação Ambiental. Porém, essa compreensão está longe de tornar-se senso comum.
A classe dominante tem se mantido a partir de uma aparente “normalidade social” e utiliza-se dos aparelhos ideológicos do Estado3 , como a Educação/Escola, para disseminar a forma acrítica, ingênua de pensar o mundo, a fim de manter seu status, desumanizando os processos educacionais de modo a perpetuar a sociedade para poucos.
É nesse sentido que dizemos que os processos educativos vêm protelando a sociedade vigente, na medida em que não avançam por não desvelarem as contradições existentes no mundo e as possibilidades de mudanças realmente radicais da realidade.
A Educação revolucionária, emancipadora, que engendra desvelar as contradições vigentes, para que possamos produzir uma sociedade sustentável, vem sendo ofuscada pela educação reacionária (dominante) que esconde as contradições sociais existentes na sociedade de classes. Temos clareza, portanto, que a luta de classes é o ponto-chave para uma Educação Libertadora da sensibilidade humana, preconizada pelo campo da Educação Ambiental Crítica.
Se é a luta de classes o ponto fundamental para a transformação, as classes dominantes passam a lutar incessantemente para fazer parecer que todo esse contexto não passe de puro e simples fatalismo. A ideologia da classe dominante confunde – propositadamente - até mesmo as relações sociais, que são fruto da consciência, com leis da natureza, para justificar suas práticas arbitrárias, como é a competição dos seres humanos por uma promessa (que é falácia) de ascensão social, inspirada grotescamente na vitória do mais forte. A Educação da classe dominante escamoteia, assim, o real foco da desigualdade social que está na concentração da propriedade privada dos meios de produção.
As contradições da sociedade vigente, sua situação de conflito, indicam-nos que a realidade social, ou seja, o ambiente em que vivemos está a exigir de nós novas práticas que transcendam as relações sociais de produção alienadas.
Frente à necessidade de romper com o paradigma do capital, temos compreendido que um dos principais pontos a serem levantados para o processo de transformação refere-se à formação de educadores e especificamente educadores ambientais, uma vez que as práticas educativas que vêm sendo desenvolvidas têm demonstrado a fragilidade da formação desses profissionais no que se refere ao enfrentamento das contradições socioambientais.
Nessa luta em defesa das reais demandas da humanidade, na produção coletiva de uma sociedade sustentável, precisamos estar preparados politicamente para fazer a leitura, a mais correta possível, do mundo, a fim de sermos capazes de em comunhão fornecer respostas conscientes e consistentes (em conteúdo e prática) ao que realmente seja necessário ao ambiente em seu todo.
A realidade social, e os processos educativos no interior desta, clamam por profissionais aptos a atender à formação integral dos seres humanos, o que pode ser traduzido em uma consciência crítica que proporcione uma Educação contextualizada, participativa, de preparo para a convivência numa sociedade democrática e não a consciência ingênua que orienta práticas conservadoras de educação voltadas à venda da força de trabalho e à obediência cega aos ditames da sociedade classista.
Destacamos, portanto, o papel das Instituições formadoras de educadores, em especial as Universidades que precisam assumir um papel revolucionário, um compromisso a favor das necessidades humanas, buscando voltar-se ao desenvolvimento de condições adequadas para a formação de cidadãos críticos, de modo que esses possam, como diz Minasi (2005), nomear, identificar e desenvolver etapas iniciais para transformar as fontes de sua opressão.
No caminho para a produção coletiva de um ambiente saudável para todos, a sociedade sustentável, esse convite à criticidade e à participação cidadã precisa ganhar espaço para além das Universidades. Porém, a formação de educadores não pode continuar sendo realizada de forma desvinculada do desenvolvimento humano em sua totalidade, para que se evitem projetos mantenedores do status quo.
Do mesmo modo que cabe à Universidade a formação de educadores críticos, à Escola cabe - enquanto instituição formadora - o papel de proporcionar o conhecimento emancipador, oferecendo condições adequadas de cidadania a todos, de modo que os sujeitos sejam capazes de intervir na realidade, estabelecendo prioridades e definindo as reais necessidades para que possamos subverter a ordem social estabelecida - sustentável apenas a si própria -, na direção de outra qualitativamente diferente.
Mas, no entanto, os conhecimentos organizados e sistematizados por quem se lança na luta por outro mundo possível e necessário - seja nos espaços formais ou não formais de Educação -, não têm conseguido imprimir um processo de mudança social mais radical frente aos dilemas que o modo de produção capitalista tem criado para a humanidade, devido às artimanhas utilizadas pelo capital para perpetuar sua reprodução na história, e à sua habilidade de moldar-se, ou seja, metamorfosear-se conforme muda a sociedade.
No caminhar revolucionário, a fim de romper com a educação da classe dominante, os projetos de ensino e aprendizagem precisam conseguir, com suas práticas, sustentar um papel transformador da sociedade, sem deixar-se aderir às metamorfoses do capital nem adotar práticas obsoletas, que desviam o foco das lutas sociais, da real essência dos problemas ambientais e das relações sociais aí estabelecidas, ainda que travestidas de “boas intenções”.
Práticas frágeis em seus conteúdos e objetivos não conseguem ser práticas sociais inovadoras e por isso são incentivadas pelo capital. Enquanto estamos presos à ideologia reproduzida pela lógica do capital, compreendemos somente o imediato, ficamos na aparência das questões socioambientais, sem adentrar na essência dos problemas, e, assim, tudo tende a permanecer tal como está.
Enquanto isso, o capital não fica parado, mas sofre metamorfoses de modo a fechar toda e qualquer possibilidade de brechas para a mudança e isso ocorre também dentro das Universidades, na formação desses profissionais que formarão outras pessoas.
Isso nos remete à questão da superprodução de intelectuais, no qual Mészáros, em A Teoria da Alienação em Marx (2006), diz:
Na época de Gramsci, a superprodução de intelectuais, por ele observada, devia-se principalmente “às necessidades políticas da classe dominante fundamental”. A situação é hoje muito diferente. A causa principal da superprodução intelectual é hoje econômica, e não política; na verdade, ela existe a despeito da instabilidade política à qual está necessariamente associada.
Essa é uma questão muito importante, porque revela os limites dentro do quais o capitalismo é capaz de dominar suas contradições (p. 276).
Desse modo, temos entendido: para que o processo de aprendizagem, ou seja, de conhecimento, seja voltado ao atendimento das necessidades humanas é preciso reivindicar uma nova Educação que se contrapõe à dominante. Para tanto, é preciso romper com as formas de internalização alienantes dos sentidos humanos e consolidadas a favor do capital pela própria Educação.
A Educação emancipadora, revolucionária, pressupõe ter clareza que, não é a consciência que determina a vida, mas o contrário. No processo alienado, ingênuo, de conhecimento, a consciência pode ser erroneamente apreendida como entidade autônoma, dissociada dessas práticas, mediante o processo de inversão, que ajuda a torná-la natural e a-histórica, de modo que passamos a naturalizar as relações insustentáveis estabelecidas nessa sociedade (CORAZZA, 2008).
A ideologia aparece como consciência invertida4 , pois as ideias que produzimos da realidade são, na verdade, resultado das condições materiais de produção de nossa existência, que nos alienam ao grau ingênuo da consciência, quando percebemos somente o aparente e não conseguimos adentrar o essencial. As condições materiais, isto é, a realidade social é histórica, ao contrário das ideias que não são históricas, pois estão invertidas na consciência.
É por isso que não podemos dar crédito à possibilidade de transformação da sociedade quando simplesmente se combatem as falsas ideias com ideias verdadeiras, já que as ilusões sociais estão ancoradas em contradições reais, de modo que somente pela atividade prática de transformar as contradições concretas é que se podem abolir as ilusões. Portanto, uma análise materialista dialética da ideologia é inseparável de uma política revolucionária de Educação.
É preciso partir das relações sociais para entender como e porque os seres humanos agem e pensam de determinadas maneiras, sendo capazes de atribuir sentido a tais relações, de conservá-las ou de transformá-las. Precisamos compreender as relações sociais como processos históricos, que produzem determinados seres humanos, em condições determinadas. É mister entender como estes seres humanos contextualizados criam os meios e as formas de sua existência social, econômica, política e cultural, e como reproduzem ou transformam essa existência.
Por isso afirmamos que a história é práxis, é o real, isto é, o movimento pelo qual os seres humanos em condições que nem sempre foram escolhidas por eles legitimam um modo social por meio de instituições determinadas, como a Escola. Ao fazer isso, produzem ideias, representações sociais, pelas quais procuram explicar e compreender suas vidas individuais, sociais e espirituais.
O problema está em que essas ideias e representações tendem a esconder o modo real como nossas relações sociais estão sendo produzidas; isso reflete as formas sociais de exploração econômica e a dominação política existente.
Para Marx, essa limitação do intelecto político é a expressão teórica da perspectiva de uma classe, a burguesa, já que a transformação na Educação implica a descoberta, por parte da classe trabalhadora, de que a classe proprietária é a responsável fundamental pelos males sociais. Sendo assim, para a manutenção do status quo é que os remédios aos problemas ambientais são quase sempre relacionados a medidas reformistas e não revolucionárias.
Por esse motivo é que temos a convicção de que a sociedade só se transforma pela luta de classes. Limitar o processo de transformação da Educação à lógica capitalista significa abrir mão da sua transformação em nível qualitativo, por melhores que sejam as intenções daqueles que a empreenderam.
Portanto, para o desenvolvimento de um processo significativamente diferente é preciso romper com a lógica do capital por ser ela irreformável do ponto de vista das necessidades humanas, já que a Educação, no atual modelo societário, tem servido como instrumento de internalização da lógica de mercado nos indivíduos.
Para Mészáros (2006), a complexidade educacional nessa sociedade é “responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores no interior da qual os indivíduos definem seus próprios objetivos e fins específicos” (p. 265-266).
Assim é que, estando ou não ligados às Instituições formais de Educação, os seres humanos vêm sendo induzidos à aceitação dos princípios que mantêm a estrutura política-econômica-social dominante. Mészáros em Educação Para Além do Capital escreve:
Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou ‘consenso’ quanto for capaz; a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (MÉSZÁROS, 2005, p. 45).
Diante disso, vemos que também o Estado atua para manter a aparência de que tudo está em ordem, mantendo assim os interesses da classe dominante, ao organizar as condições materiais para que possamos ter acesso ao conhecimento permitido, já que, como pensou Marx, as ideias dominantes em uma determinada época são as da classe dominante.
Mas, apesar das inúmeras estratégias e mecanismos utilizados pela classe proprietária para propagar sua ideologia, no nível do indivíduo pensante, produzem-se concepções de mundo não somente reacionárias, como também libertadoras. Gramsci em uma passagem de sua obra Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, assim como também se posiciona em Os Intelectuais Orgânicos e a Organização da Cultura nos diz que todo ser humano contribui de alguma forma para a formação de uma concepção de mundo predominante que se revela na manutenção ou na transformação da estrutura social vigente:
Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção intelectual – o Homo Faber não pode ser separado do Homo sapiens. Além disso, fora do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um ‘filósofo’, um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção do mundo, tem uma linha consciente de conduta moral, e, portanto contribui para manter ou mudar a concepção do mundo, isto é, para estimular novas formas de pensamento (p. 11, 1989).
Transpomos essa compreensão de Gramsci para a questão da Educação, afirmando que ela não pode ser reduzida a questões escolares. Ela precisa apresentar como propriedade principal as condições necessárias para assegurar o direito aos seres humanos a aprendizagens imprescindíveis para o desenvolvimento de suas capacidades, já que as relações sociais, ambientais, políticas e econômicas que caracterizam o mundo moderno requerem respostas inovadoras e diferenciadas.
Porém, é sabido que qualquer política a ser implantada nacionalmente exige não só vontade, mas determinação política do poder executivo de realizar. Exige também sensibilidade (no sentido do maior aguçamento possível dos nossos sentidos) ante as demandas sociais/educacionais. É preciso compreender que não é a pura e simples existência de leis e políticas públicas que garantem a nossa cidadania, mas a unidade da teoria dessas na prática social.
Nesse processo, a Educação tem um papel fundamental para a elaboração de estratégias adequadas para transformar as condições objetivas de reprodução social como também para a mudança radical no que diz respeito à consciência dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social diversa da existente. Para isso, é fundamental a unidade da universalização da Educação e do trabalho como atividades humanas auto-realizadoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não sendo possível que escapemos da resignação provocada pelo modelo educacional da sociedade capitalista apenas com reformas, ratificamos nosso pensamento de que somente o rompimento com a lógica do capital pode dar fim ao processo de internalização de valores e sentimentos permitidos pela classe dos proprietários. É preciso, pois, que busquemos romper com esse modo de produção, trabalhando a partir de suas próprias contradições.
Para que esse processo possa ocorrer, é de fundamental importância entender as implicações da Educação quando esta adere organicamente às concepções da classe trabalhadora, ou da proprietária. Quando nos referimos à classe dominante/dominada, opressora/oprimida, a ênfase pretendida é atentar para a razão de que nossa luta precisa ser direcionada à busca da sociedade sem classes, tendo em vista o objetivo primordial de atender às necessidades humanas, e não simplesmente os interesses do capital, como preponderantemente acontece nessa sociedade.
Toda e qualquer possibilidade de nossa produção existencial como indivíduos sociais está ligada às condições materiais como produzimos nossa própria vida, e nesse processo de conhecimento da realidade que nos condiciona, é fundamental rompermos com a internalização alienadora dos conhecimentos permitidos pela classe dominante, que ocorre por meio das relações sociais naturalizadas pelos aparelhos ideológicos (instituições, como a Escola e a Universidade) e o Estado.
Esse processo de internalização provoca a inversão do princípio da Educação, uma vez que o conhecimento - elemento essencial de emancipação humana - é internalizado por nós de forma a apenas favorecer os objetivos reificados pelo capital. É preciso, pois, tornar consciente esse processo de conhecimento, seja nos espaços formais ou não de Educação, para que as relações sociais não sejam reificadas.
Esse processo de conhecimento precisa ser consciente justamente porque do modo como a Educação se encontra, os potenciais de emancipação dos seres humanos, a possibilidade de serem protagonistas da história estão sendo desenvolvidos de maneira oposta, devido à transformação da vida humana em mero objeto de troca, para a supremacia da minoria próspera que compõe a classe proprietária. Parafraseando o título da obra de Noam Chomsky (1997), a classe trabalhadora precisa tornar-se inquieta à estrutura social dominante, por meio da luta de classes.
É preciso que desenvolvamos a capacidade de reinventar as aprendizagens inovadoras e emancipadoras dos sentidos humanos, para criarmos mecanismos que nos possibilitem reconhecer no outro um sujeito de potencialidades. Essas são exigências da realidade que são especialmente significativas em nossa formação enquanto educadores, se realmente queremos a transformação da sociedade.
Divulgar o conhecimento alternativo, aquele que pode organizar a prática transformadora dos sujeitos explorados e desumanizados pelas relações do capital, é papel da Educação emancipadora. Uma Educação que congregue valores, práticas e ideias compatíveis com o desenvolvimento humano integral, que não meramente fazer-nos mercadorias. Educação revolucionária que, na sociedade opressora em conflito, vê terreno fértil à mudança radical para a sociedade sustentável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CORAZZA, Vera (2008). Categorias do Materialismo Histórico: Ideologia. Porto Alegre: UFRGS/FACED. Trabalho não publicado, produzido como requisito parcial à avaliação da disciplina Seminário Avançado: Introdução à Pesquisa Materialista Dialética, ministrada pelo Professor Dr. Augusto Nibaldo Silva Triviños.
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GADOTTI, Moacir (1989). Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 9. ed. Editora Cortez. São Paulo.
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2 Numa concepção leninista, a dialética é o estudo da contradição na própria essência dos fenômenos. A dialética parte do princípio de que existem no interior de todo e qualquer objeto, processo ou fenômeno da natureza e da sociedade, elementos que se contradizem, divergências entre o velho e o novo, o que desagrega e o que desenvolve, entre o que morre e o que nasce, que constituem o conteúdo interno do processo de desenvolvimento dos fenômenos e suas perpétuas transformações. A contradição é, assim, uma categoria filosófica da dialética materialista, expressa nos fenômenos por meio de tendências contrárias que, tanto constituem o fenômeno, quanto se excluem uma à outra dentro do fenômeno, por meio da realização de uma lei essencial da dialética materialista: a Lei da unidade e luta dos contrários - unidade (constituem o fenômeno); luta (divergência entre os contrários dialéticos, que caracterizam a contradição e possibilitam o movimento de desenvolvimento dos fenômenos, que nunca são estáticos, mas estão em constante transformação) – As contradições dialéticas possibilitam o movimento dos fenômenos, são, portanto, a mola propulsora para as transformações. As contradições existem tanto na realidade objetiva (o que é material), quanto na realidade subjetiva (as percepções, o pensamento, as representações, a os conceitos elaborados no nível da consciência, daquilo que é refletido da realidade objetiva). Investigar as contradições existentes nos fenômenos naturais e sociais, e aquelas existentes no pensamento humano, possibilita compreender da forma mais aprofundada possível estes fenômenos, buscando a sua essência, sem permanecer no nível da superficialidade.
3 Termo utilizado por Althusser (1985) para designar os elementos que contribuem para a divulgação/reprodução da ideologia dominante, que, por serem elementos integrantes da estrutura social, tornam a ideologia fortemente atrelada a esta estrutura. Althusser entende a estrutura social capitalista como totalidade orgânica articulada em níveis ou instâncias. Dessa forma, através de uma concepção estruturalista de sociedade, o autor sugere que os aparelhos ideológicos constituem um dos elementos essenciais à coesão da estrutura social capitalista, já que por meio deles faz-se o contato direto dos sujeitos sociais com a ideologia dominante. Esta ideologia perpassa todas as esferas sociais, a exemplo da política, economia, educação, religião, cultura, e seus aparelhos de divulgação são a escola, a igreja, os meios midiáticos, a família, e o próprio Estado.
4 A compreensão que temos da realidade aparece como consciência invertida porque a compreensão não é da realidade, mas da ideia que se faz da realidade. Logo, a realidade não se apresenta como ela é e, assim, só vejo forma e não o conteúdo, somente a aparência e não a essência. Por isso, é que dizemos que a compreensão da realidade aparece ideologicamente como consciência invertida.
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