Katianny Gomes Santana Estival*
João Carlos de Pádua Andrade**
Solange Rodrigues dos Santos Corrêa***
Luiza Reis Teixeira****
Elcio Gustavo Benini*****
Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
ksgestival@uesc.brResumo: As comunidades indígenas do Sul da Bahia se encontram em condições de extrema vulnerabilidade econômica, social e ambiental. Entre as principais atividades que contribuem para a geração de renda dessas comunidades destaca-se o artesanato como potencial atividade econômica, de preservação cultural e socioambiental. Nesse contexto, este artigo teve como objetivo apresentar e discutir o processo de estruturação da Rede Indígena Solidária de Arte e de Artesanato no Brasil (RISADA), do projeto ao negócio social. Especificamente, buscou-se compreender as principais diferenças e potencialidades, na prática, entre projetos e negócios sociais. Para isso, esta pesquisa utilizou-se de pesquisa bibliográfica, documental, pesquisa-ação e de análise do de caso enquanto estratégicas de investigação. Com base nas análises das informações obtidas foi possível concluir que existem diferenças entre os projetos e os negócios sociais. A principal diferença reside na perspectiva da necessidade da existência de atividades comerciais que propiciem a geração de receitas e consequentemente do lucro, com a garantia do equilíbrio entre os custos e as receitas, da autossustentabilidade financeira e reinvestimento integral dos lucros para a potencialização dos impactos sociais. Entre os desafios se destaca a dificuldade de grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas, para a autossustentabilidade financeira dos negócios sociais, sem a existência de doações e/ou subsídios governamentais.
Palavras-chaves: negócios sociais, rede, artesanato, indígenas.
Proyectos sociales a las empresas sociales: un estudio de la Red Indígena Arte Solidaridad y Manualidades en Brasil
Resumen: Las comunidades indígenas del Sur de Bahía están en extrema vulnerabilidad económica, social y ambiental. Entre las principales actividades que contribuyen a la generación de ingresos en estas comunidades destacar la artesanía como actividad económica potencial, cultural y la conservación del medio ambiente. En este contexto, el presente artículo tiene como objetivo presentar y discutir el proceso de estructuración de la Red de Arte Solidario y manualidades indígenas en Brasil (Risas), mientras que el diseño y / o negocio social. En concreto, hemos tratado de entender las principales diferencias y potencial en la práctica entre los proyectos sociales y de negocios. Para ello, esta investigación utiliza la investigación, documental, bibliográfico de investigación-acción y el análisis del caso en la investigación estratégica. Con base en el análisis de la información obtenida, se concluyó que existen diferencias entre los proyectos y actividades de la Sociedad. La principal diferencia radica en la perspectiva de la necesidad de la existencia de actividades comerciales que proporcionan la generación de ingresos y por lo tanto las ganancias, con la garantía de equilibrio entre los costes e ingresos, la autosostenibilidad financiera y la plena reinversión de beneficios a los impactos sociales potenciales . Los desafíos que pone de manifiesto la dificultad de los grupos vulnerables, como las comunidades indígenas, para la autosostenibilidad financiera de su negocio, sin la existencia de subvenciones y / o subsidios del gobierno.
Palabras clave: Red social del asunto, la artesanía, indígenas.
Business and social project under discussion: a study of Indigenous Solidarity Network Arts and Crafts in Brazil
Abstract: The indigenous communities of Southern Bahia are in extreme economic vulnerability, social and environmental. Among the main activities that contribute to the generation of income in these communities highlight the craft as a potential economic activity, cultural and environmental preservation. In this context, this article aims to present and discuss the process of structuring the Art Solidarity Network and Indigenous Crafts in Brazil while design and / or social business. Specifically, we sought to understand the main differences and potential in practice between social projects and business. For this, this research used bibliographical research, documentary, action research and analysis of the case as strategic research. Based on the analysis of the information obtained it was concluded that there are differences between the projects and the Company's business. The main difference lies in the perspective of the need for the existence of commercial activities that provide income generation and consequently the profit, with the guarantee of balance between costs and revenues, financial self-sustainability and full reinvestment of profits to the potential social impacts . The challenges highlights the difficulty of vulnerable groups such as indigenous communities, for financial self-sustainability of its business, without the existence of grants and / or government subsidies.
Keywords: social business network, crafts, indigenous.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Katianny Gomes Santana Estival, João Carlos de Pádua Andrade, Solange Rodrigues dos Santos Corrêa, Luiza Reis Teixeira y Elcio Gustavo Benini (2017): “Dos projetos sociais aos negócios sociais: um estudo da Rede Indígena Solidária de Arte e de Artesanato no Brasil (RISADA)”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2017). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2017/03/risada.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1703risada
A região do Litoral Sul da Bahia, segundo o Programa do Governo Federal Territórios da Cidadania, compõe-se de 26 (vinte e seis) municípios, caracteriza-se como sendo um território urbano, seus núcleos, se estabelecem em Ilhéus e Itabuna. Do total de 26 (vinte e seis) municípios, somente quatro deles, que são Almadina, Itacaré, Maraú e Una, apresentam população rural superior a urbana (TERRITÓRIO LITORAL SUL BAHIA, 2012 apud ESTIVAL et al, 2013, p. 7) O mapa da região do Litoral Sul com a identificação dos municípios que integram o território é apresentado a seguir na figura 1.
A região do Litoral Sul da Bahia possui uma área total de 15.741,50 km2, possui 898.403 habitantes, sendo que deste total, 231.273 (25,74%) residem na área rural. Segundo a Coordenação do Programa Territórios da Cidadania, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio do Território é de 0,67, sendo abaixo da media nacional. A região divide-se em agricultores familiares (14.610), famílias assentadas (2.564), pescadores (2.743), comunidades quilombolas (11) e terras indígenas (2) (TERRITÓRIO LITORAL SUL BAHIA, 2012 apud ESTIVAL et al, 2013, p.7). A região foi conhecida por muito tempo como zona ou região cacaueira, por ter a sua economia com base no cultivo do cacau. A atividade já foi responsável pela geração do excedente econômico e principal fonte de trabalho no setor rural, o que gerou desdobramentos ainda presentes no ano de 2016/2017 nos setores secundário e terciário, assim como nos indicadores negativos da geração de emprego e renda (ESTIVAL, 2013).
A região Litoral Sul da Bahia, enfrenta desafios para desenvolver-se com sustentabilidade. O Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil (2011), desenvolvido pela FIOCRUZ e pela FASE, com apoio do Ministério da Saúde (Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador), as populações rurais do Brasil caracterizam-se pela intensa vulnerabilidade que se encontram em relação aos conflitos ambientais, sendo que os agricultores familiares e povos indígenas são os mais atingidos, representando 65% das populações atingidas. Esses conflitos em sua maior parte (65%) referem-se à ocupação do território e alteração no regime tradicional de uso da terra e tem como causa principal a irregularidade na demarcação de território tradicional e a alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, onde as populações mais afetadas são as comunidades tradicionais (pesqueiras, marisqueiras) e indígenas (FIOCRUZ, 2011 apud ESTIVAL et al, 2013, p.9).
As expectativas com relação à implantação do Complexo Porto Sul na região também reforçam as tensões socioambientais.
De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010) 817 mil brasileiros se autodeclararam indígenas, com concentração de 25% da população na região Nordeste e destes 7% no Estado da Bahia.
Mesmo historicamente e legalmente reconhecidos como os primeiros homens que habitaram a região, a ignorância e o preconceito da sociedade reforça os discursos distorcidos sobre a conduta e os direitos das comunidades indígenas, é nesse cenário em que a pobreza e a precária infraestrutura de acesso aos serviços básicos é problema comum as populações mais carentes, os indígenas como um grupo social onde a violência de todas as formas potencializa a exclusão, sofrem de uma forma acentuada em todas as esferas necessárias para o bem estar da vida: acesso à dignidade, liberdade, alimentação, educação, trabalho e saúde.
O IDH dos municípios do Litoral Sul da Bahia é em média 0,67, abaixo do índice médio do Brasil de 0,74, e o IDH nas zonas rurais indígenas é ainda mais baixo. Municípios rurais com 40% de comunidades indígenas e rurais como Una, apresentam IDH médio de 0,56 e 65% da população em situação de vulnerabilidade social (ATLASBRASIL, 2013).
Entre as comunidades indígenas atendidas pela ONG THydewa, a renda per capita é menor do que R$ 100 mensais, apesar de ainda não existirem estatísticas oficiais sobre esses dados, mas são validados através das informações coletadas no ano de 2015, nos trabalhos de campo juntos as comunidades indígenas da Bahia nas quais a Organização Não Governamental Thydewa atua (THYDEWA, 2015).
Com foco em potencializar o protagonismo dos indígenas de várias etnias da Bahia e de outros indígenas do Nordeste com foco no desenvolvimento de ações para melhoria da qualidade de vida e renda, foi formalizada, no ano de 2011, a Rede Indígena Solidária de Arte e de Artesanato (RISADA), com a cooperação da ONG Thydêwá e apoio de docente da Universidade Estadual de Santa Cruz.
Nesse contexto, este artigo teve como objetivo apresentar e discutir o processo de estruturação da RISADA enquanto projeto e/ou negócio social. Especificamente, buscou-se compreender as principais diferenças e potencialidades, na prática, entre projetos e negócios sociais. Para isso, esta pesquisa utilizou-se de pesquisa bibliográfica, documental, pesquisa-ação e de análise do de caso enquanto estratégicas de investigação.
Com efeito, as informações apresentadas foram coletadas por meio de observações e entrevistas diretas, realizadas no período de janeiro à agosto de 2015, em atividades de pesquisa-ação, na cidade de Ilhéus- Bahia, no distrito de Olivença, através da parceria de trabalho entre a Universidade Estadual de Santa Cruz e a Organização Não Governamental Thydewa, durante os encontros presenciais das comunidades indígenas integrantes da rede.
O conceito de negócios sociais é considerado como aquele no qual a razão de existir é direcionada pelos impactos sociais e não há geração de dividendos para terceiros, ou seja, todo o lucro gerado deverá ser reinvestido na ampliação dos impactos sociais propostos, na distribuição justa da renda e na melhoria da qualidade de vida dos participantes e comunidades envolvidas na construção, implantação e implementação dos negócios sociais (COMINI,FISHER; ASSAD, 2012).
Para Yunus, Moingeon, Lehmann-Ortega (2009) o negócios sociais não são caridade e a mentalidade gerencial deve ser semelhante a um negócio convencional, porém o objetivo é diferente de Na perspectiva de Muhammad Yunus, criador do microcrédito e do conceito de negócios sociais:
Um negócio social é um novo tipo de negócio...Um negócio social está fora do mundo que busca lucros. Seu objetivo é resolver um problema social utilizando métodos de negócios, inclusive criação e venda de produtos ou serviços (YUNUS, 2010, p.19).
Para Muhammad Yunus (2010, p.19 e 20), existem dois tipos de negócios sociais:
1) Uma empresa com receitas e despesas equilibradas, sem perdas e sem dividendos, que se dedica a resolver um problema social. Os proprietários são os investidores e reinvestem todos os lucros na expansão e melhoria do negócio.
2) Empresa com fins lucrativos de propriedade de pessoas pobres seja diretamente ou por intermédio de um fundo destinado a uma causa social predefinida. Os lucros aliviam a pobreza, a empresa está ajudando a resolver um problema social.
O negócio social é muito mais direcionado por uma causa do que pelo lucro, porém o lucro faz parte do processo da continuidade do negócio e ampliação da sua capacidade de agir em prol de seu propósito (MAGRETTA, 2002).
Na perspectiva de Baker (2013, p. 301) o negócio social passa por tópicos como responsabilidade social corporativa, educação, empreendedorismo, mudança climática e ambiental, investimentos e ajuda estrangeira, globalização, inovação, microcrédito e microfinanças, sustentabilidade, marketing transformacional, organizações voluntárias e de caridade e, bem-estar.
French (2013, p. 287) acredita que o desenvolvimento social, promovido por empresas com fins lucrativos, somente ocorre a partir de quatro elementos, a saber: revolução tecnológica, revolução em ciências comportamentais, demanda e consolidação das ciências gerenciais.
Apesar do objetivo de incorporar ferramentas e práticas da gestão convencional para otimizar a obtenção dos lucros com foco no reinvestimento para a potencialização dos impactos sociais, a proposta visa manter também a essência dos princípios da construção coletiva e cooperativa de modos alternativos de produção, onde haja maiores perspectivas de justiça, solidariedade e distribuição mais igualitária dos lucros nas cadeias de valores.
Um projeto pode ser definido como “um empreendimento temporário, planejado, executado e controlado, com o objetivo de criar um produto ou serviço” (PMI, 2004 apud Xavier; Chueri, 2008, p.18). A partir dessa perspectiva conceitual os projetos sociais têm as mesmas características com a diferença de que são implantados e implementados com o foco em gerar transformação social, solucionar e/ou minimizar problemas sociais, mas sem o compromisso da geração da autosustentabilidade financeira. Podem ser subsidiados por doações, captações de recursos via instituições de fomento, entre outras modalidades, sem o compromisso do reembolso dos valores obtidos para execução ou obtenção de resultados financeiros positivos.
Para Salamon (1994), a questão do Terceiro Setor se constitui numa “revolução associativa”:
“Desde os países desenvolvidos da América do Norte, Europa e Ásia até as sociedades em desenvolvimento da África, América Latina e do antigo bloco soviético, pessoas estão formando associações, fundações e instituições similares para a provisão de serviços humanitários, promover o desenvolvimento econômico de base, prevenir a degradação ambiental, proteger direitos civis e perseguir milhares de demandas que não eram atendidas ou eram deixadas de lado pelo Estado” (SALAMON, 1994, p. 109).
Um dos principais fatores da evolução dos projetos sociais e das ONGs no contexto do terceiro setor, no decorrer das últimas décadas, foi a grande dificuldade do setor público em implantar e gerir as políticas sociais. Além disso, o apoio do mercado através de financiamentos recebidos de empresas motivadas pela responsabilidade social consistiu num relevante fator para o crescimento do setor, bem como o envolvimento mais efetivo da sociedade civil nas ações sociais (SALAMON, 1994).
Um projeto social bem articulado tem maior probabilidade de alcançar o sucesso e as redes podem se constituir como alternativas para viabilizar a articulação dos projetos.
Segundo Xavier e Chueri (2008), as lições aprendidas com experiências anteriores e experiências trocadas entre os envolvidos no projeto contribuem para o amadurecimento desta habilidade. É de fundamental importância o alcance de articulação do projeto social, uma vez que este momento equivale ao relacionamento do projeto com outros projetos e atores, como a cooperação entre o Estado, a sociedade civil e as empresas. É nesse contexto que convênios e alianças podem ser estabelecidos, não apenas visando ao financiamento do projeto, mas a à garantia do cumprimento de seus objetivos atendendo efetivamente a à necessidade da situação abordada.
No âmbito do Estado, a cooperação e articulação de diversos atores sociais possibilitam a concretização de políticas públicas via projetos sociais.
A rede RISADA pode ser definida em sua origem como um projeto social integrado a Organização Não Governamental Thydêwá, que foi fundada no ano de 2002, através da aliança entre indígenas e não indígenas com o objetivo de:
[...] promover a consciência planetária, valendo-se do diálogo intercultural, da valorização da diversidade e das culturas e conhecimentos tradicionais; visando um desenvolvimento integral para todos em harmonia e paz (THYDEWA, 2015, s/p).
Desde a fundação até o ano de 2015 foram executadas ações e projetos com foco nas áreas de educação, tecnologias, artes, história, entre outras, com o financiamento e parcerias como Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o Ministério da Cultura do Brasil (MINC), a Caixa Econômica Federal (CEF), o Ministério da Educação do Brasil (MEC), o Banco do Nordeste (BNB), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT-BA), a Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República do Brasil (SPM-PR) a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia (SPM-BA), a Aliança Empreendedora, entre outros.
O trabalho da rede contempla o universo potencial de 50.000 indígenas, sendo que a fonte de renda principal de subsistência deles é através do acesso ao Programa Bolsa Família e aposentadorias, de acordo com informações da comunidade. Aproximadamente 1.000 indígenas dentre os beneficiários da Organização Não Governamental, possuem renda de um salário mínimo mensal, por atuarem em atividades profissionais remuneradas como professores, agentes de saúde ou serviços gerais para alguma prefeitura, entre os demais a renda média familiar mensal é inferior a um salário mínimo (THYDEWA, 2015).
De acordo com informações diretas dos representantes da RISADA, obtidas no mês de agosto de 2015, a maioria dos indígenas apontaram o comércio de artesanato como uma fonte de renda importante (90% dos participantes da rede), que ainda se encontra injustamente remunerada, com muitas dificuldades para a comercialização da produção. Mesmo assim, a produção e comercialização do artesanato resistem como uma das principais atividades econômicas das comunidades indígenas.
Até o mês de agosto de 2015, a rede RISADA realizou aproximadamente 10 (dez) vendas via comércio eletrônico e um número superior à 3.000 itens comercializados com êxito em eventos brasileiros, como feiras, congressos, nos quais as comunidades indígenas participam, um resultado bastante satisfatório. Contudo, a prática permitiu perceber que alguns aspectos precisam ser ampliados e fortalecidos. Especialmente a formação para a gestão da rede com autonomia, autogestão profissionalizada e a construção de um modelo de negócios para o comércio eletrônico da arte e artesanato indígena.
A RISADA. conta hoje com a participação de quatro etnias indígenas: os Tupinambás (Ilhéus-BAHIA), os Pataxó Hãhãhãe (Pau Brasil, Camacan e Itajú do Colônia – BAHIA), os Kariri-Xocó (Porto Real do Colégio – ALAGOAS) e com os Pankararu (Petrolândia, Jatobá e Tacaratu –PERNAMBUCO); e a partir do segundo semestre do ano de 2015 iniciou um processo de ampliação com a inclusão de mais quatro comunidades: Pataxó (da Aldeia Dois Irmãos (Prado - BAHIA) e da Aldeia Ribeirão (Porto Seguro) – BAHIA), os Karapoto (São Sebastião – ALAGOAS) e os Xokó (Porto da Folha –SERGIPE).
Na RISADA, vários indígenas com perfil de liderança para suas comunidades base, fizeram uma aliança interétnica para o comércio justo e solidário de seus produtos através da internet, visando melhores relações culturais e econômicas com brasileiros e estrangeiros, ao tempo que prezam a valorização da diversidade social e preservação ambiental.
Com base nas informações construídas pelos participantes da rede em seus encontros de cooperação e intercâmbio, dois desejos se constituem como foco do grupo:
1 – Fortalecimento das capacidades da rede RISADA.
2 – Criação de Fundos Rotativos Solidários para subsidiar empreendimentos de integrantes da rede e das comunidades.
É importante destacar que o tema Fundos Rotativos Solidários, denominação adotada nesse projeto, sempre surge como uma ação importante em momentos de discussão entre os integrantes da RISADA. Alguns indígenas apontam que muitas vezes os integrantes das comunidades esbarram no problema da falta de financiamento para pequenos projetos nos bancos “comuns”, ou mesmo dentro da própria comunidade. Muitos indígenas já vivenciaram mutirões comunitários de construção de cisternas ou de criatório de animais, uma experiência solidária que remonta às origens indígenas de vida em comunidade.
Os indígenas também tem apontado a vida em rede de Economia Solidária, como um caminho para sair do atual estado de miséria no qual se encontram e passar a ter uma vida digna. Portanto, o apoio para iniciar um fundo rotativo solidário já foi solicitado em momentos anteriores a Thydêwá.
Os indígenas envolvidos na rede e outros indígenas, bem como a Thydêwá, acreditam que a RISADA. pode promover melhorias para as comunidades indígenas envolvidas, e, logo, para outras também. Há a percepção de que os benefícios devem ser não só econômicos mas também, ampliados para a comunidade global, de forma a promover a coesão social, paz e preservação ambiental.
Os envolvidos diretamente para a concretização da proposta são compostos pelos representantes da ONG Thydewa (indígenas e não indígenas), indígenas artesãos, homens e mulheres, oriundos das 8 (oito) comunidades indígenas participantes da RISADA; professores da Universidade Estadual de Santa Cruz colaboradores na execução do projeto, totalizando 50 pessoas.
O público alvo indireto inclui os familiares dos artesãos indígenas participantes da rede; comunidades indígenas das quais são oriundos os artesãos participantes da RISADA; comunidades tradicionais da Região do Litoral Sul da Bahia, totalizando 300 indivíduos.
A RISADA como um negócio social, a RISADA SOCIAL tem como objetivo potencializar a Rede Indígena Solidária de Arte e Artesanato - RISADA na perspectiva dos negócios sociais, através da assessoria técnica, de gestão, intercâmbio dos saberes e conhecimentos tradicionais com foco na estruturação do negócio, captação de parceiros, investidores e geração de impacto econômico (aumento da comercialização e consequentemente da renda comunitária e individual) e socioambiental (melhoria da qualidade de vida e bem estar nas comunidades) para as comunidades indígenas alinhadas as perspectivas do comércio justo e solidário, com responsabilidade perante a vida e o meio ambiente.
A ideia de pensar a RISADA de um projeto para um negócio social surgiu devido a necessidade da garantia da independência e autossustentabilidade financeira da rede, ao mesmo tempo que haja garantia de que os lucros gerados serão reinvestidos para potencializar os impactos sociais da rede: melhoria da renda e qualidade de vida das famílias indígenas, preservação cultural, ambiental, investimento em educação, entre outros.
Para a implantação da proposta do negócio social o primeiro passo foi a construção do modelo do negócio social com a utilização da metodologia CANVAS (apresentação do modelo de negócios numa folha de papel), proposta no Brasil por Finocchio Junior (2013) para a construção do modelo de negócios e adaptada pelo Yunus Negócios Sociais Brasil (2015) para o segmento dos negócios sociais; foi realizada através do uso de metodologias participativas e com o subsídio das informações obtidas no estudo preliminar do mercado, a construção do modelo de negócio social da RISADA e o estabelecimento de indicadores de avaliação de impacto do negócio.
A construção do Canvas foi motivada durante a participação de docentes da Universidade Estadual de Santa Cruz e a ONG Thydewa na Maratona de Negócios Sociais do Sebrae, no ano de 2015, quando o projeto foi selecionado para receber assistência e consultoria com foco na estruturação do negócio social e também para concorrer a premiações.
A proposta de valor da RISADA SOCIAL contemplará o desenvolvimento do comércio eletrônico com a possibilidade de diálogo entre os artesãos indígenas e os clientes; a oferta de arte e artesanato original e com história agregada ao produto; possibilidade dos clientes contribuírem e participarem no apoio as causas socioambientais através da destinação de 10% dos recursos do processo da comercialização para o chamado fundo verde – com foco no reinvestimento em projetos de preservação e conservação ambiental; proposição de relações comerciais colaborativas, afetivas, justas e personalizadas.
A RISADA SOCIAL tem como indicadores de avaliação a meta do aumento da renda individual oriunda do comércio arte e artesanato de R$ 300,00 / mês (atuais) para R$ 1.000,00 / mês no período de 12 meses. O foco para o alcance dos resultados é integrar o trabalho cooperativo da rede a perspectiva de gestão profissional dos negócios sociais, com a consequência do impulso da produtividade, comercialização, geração de valor e melhoria da qualidade de vida.
O mercado consumidor identificado para alcance da RISADA SOCIAL são consumidores interessados em obter um artesanato com identidade, autenticidade, originalidade, história; consumidores interessados no exercício do consumo político, arte, artesanato colecionadores, pesquisadores de arte e artesanato indígena.
De acordo com Canclini (2006, p.70)
O consumo é visto não como uma mera possessão individual de objetos isolados, mas como apropriação coletiva, em relações de solidariedade e distinção com outros, de bens que proporcionam satisfações biológicas e simbólicas, que servem para enviar e receber mensagens.
Nessa perspectiva sobre a politização do consumo, o grupo terá como foco ampliar a participação nos canais de comunicação e distribuição para alcance de nichos de consumo que estejam relacionados em ações de defesa as causas das comunidades indígenas e tradicionais do Brasil e América Latina.
O modelo de receita planejado para o negócio é que 60% dessa seja oriunda da comercialização na plataforma de comércio eletrônico: RISADA.ORG; 30% de origem da comercialização direta via pessoa jurídica e 10% advindos de doações e subsídios/incentivos via captação de recursos, como estratégias de crowdfunding. Para atingir esse cenário planejado no período de 12 meses deverão ser realizados esforços de marketing e vendas, pois no modelo atual (out/2015): 50% da receita advém das vendas diretas (feiras, comércio local), 49% de doações, e apenas 1% via comércio eletrônico no site RISADA.ORG.
Os principais concorrentes na perspectiva de resolução do mesmo problema são as redes de comércio solidário de artesanato atuantes no Brasil: Solidarium, Asta, Mundaréu, Tucum, artesãos individuais. Com foco na mesma solução: artesãos individuais, mercados de artesanato, feiras, artesanato oriundo da China. E na competição pelo mesmo orçamento, grandes varejistas de móveis e artesanatos como Etna, Tok Stok.
É visualizado que alguns concorrentes também podem ser parceiros, através da adoção de estratégias cooperativas para ampliação dos canais de comercialização, acessar novos mercados e intercâmbio de conhecimentos.
5. CONCLUSÕES
Para que a Rede Indígena Solidária de Arte e Artesanato – RISADA se torne um negócio social, onde haja o equilíbrio entre o retorno financeiro, lucratividade e potencialização dos impactos sociais, são necessárias ações estruturadas para a implantação e a gestão do modelo de negócio.
A existência de uma rede de cooperação das comunidades indígenas ativa há mais de 3 (três) anos sinaliza uma força do grupo, com relação a persistência e os objetivos compartilhados para a ação.
Na perspectiva dos negócios sociais é identificada como uma fortaleza o processo histórico da RISADA que surgiu a partir da demanda das próprias comunidades indígenas para a construção coletiva de um negócio social com base em estratégias de solidariedade e cooperação. Também a existência da vocação produtiva e de comercialização do artesanato indígena em feiras e comércios regionais como Porto Seguro e Ilhéus, reforçam a competência para o exercício da atividade com potencial comercial.
A dependência atual (outubro de 2015) de 50% dos recursos para a sustentabilidade do negócio originárias de doações e subsídios, via aprovação de projetos em editais, sinaliza uma fraqueza e inviabiliza hoje a concretização da rede como um negócio social. Assim, limita-se a representatividade de um projeto social, com alto risco de ser inviabilizado em médio prazo caso não construa alternativas de modelo de receita com base na autossustentabilidade financeira.
As questões chaves para o impulso da rede como negócio social residem entorno da necessidade da identificação de parcerias estratégicas e mercados consumidores que sejam capazes de garantir a construção de ações efetivas para a sustentabilidade financeira. Questões que passaram a integrar o desafio de outras organizações não governamentais e de projetos sociais no Brasil, no contexto da redução dos investimentos não reembolsáveis e no surgimento de novas demandas por parte dos investidores (que também surgem em novos perfis), principalmente relacionadas a necessidade de comprovação de que os projetos apresentem indicadores que garantam a sobrevivência dos impactos sociais em médio e longo prazo, com a inclusão de estratégias para a autossustentabilidade econômica.
A partir das análises das informações obtidas no estudo de caso é possível concluir que existem diferenças fundamentais entre os projetos e os negócios sociais. A principal diferença reside na perspectiva da necessidade da existência de atividades comerciais que propiciem a geração de receitas e consequentemente do lucro, com a garantia do equilíbrio entre os custos e as receitas. No contexto dos negócios sociais o lucro deve ser reinvestido integralmente para a potencialização dos impactos sociais, como a geração de renda e qualidade de vida.
No âmbito de uma das principais instituições promotora das discussões e ações sobre negócios sociais no Brasil, o SEBRAE, o conceito e apoio aos negócios sociais difundido não contempla até o presente momento (outubro de 2015) diálogo e/ou parcerias com organizações e/ou grupos que não sejam caracterizados formalmente como empresas (SEBRAE, 2015).
Frente a este contexto surge uma questão chave ainda sem respostas no âmbito das discussões sobre projetos sociais rumo a negócios sociais que diz respeito a possibilidade ou impossibilidade do diálogo e construção colaborativa entre a economia solidária, o cooperativismo e os negócios sociais no Brasil.
Outro desafio diz respeito à capacidade e possibilidade de grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas, alcançarem o empoderamento econômico de forma autônoma, sem o fomento de subsídios externos, não reembolsáveis ou oriundos do microcrédito e políticas sociais de apoio ao desenvolvimento de vocações econômicas e atividades produtivas.
Para trabalhos futuros, os autores lançam o seguinte questionamento: Quais as potencialidades e ameaças dos negócios sociais no Brasil para que possibilitem de uma forma concreta a justiça social e a distribuição mais igualitária de renda entre as comunidades empobrecidas?
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** Professor Assistente do DCEC (Departamento de Ciências Econômicas) na Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail: jcpandrade@uesc.br.
*** Professora Adjunta do DCAC (Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis) na Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail: srscorrea@uesc.br
**** Professora Assistente do DCAC (Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis) na Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail:luizareisteixeira@gmail.com
*** Professor Adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Professor do Programa de Pós Graduação em Administração da UFMS. E-mail: elciobenini@yahoo.com.br
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