Leandro Otávio da Silva*
Guilherme Henrique da Silva Inácio**
Edima Aranha Silva***
Universidade federal de Mato Grosso do Sul/CPTL, Brasil
le.otávio@hotmail.comResumo
As técnicas são frutos de uma temporalidade, frutos de um momento histórico, desenvolvidas para se enquadrarem sob certos contextos e aplicações, e servirem a um propósito. Ao se analisar a história do desenvolvimento das cidades e da técnica, ainda que de forma breve, é possível notar que elas serviram sempre a alguém, com algum interesse. Nessa perspectiva, propôs-se trabalhar com diferentes espaços produzidos por diferentes apropriações técnicas, que resultam em um espaço urbano fragmentado, porém articulado. Ainda que de forma breve, este trabalho almejou servir de inspiração para novas análises, em relação às diferentes apropriações do espaço três-lagoense.
Palavras-chave: Técnica, Produção do espaço, Trabalho, Espaço Urbano.
Resumen
Las técnicas son el resultado de una temporalidad, fruto de un momento histórico, desarrollado para ajustarse en ciertos contextos y aplicaciones, y servir a un propósito. Al analizar la historia del desarrollo de las ciudades y de la técnica, aunque sea brevemente, se puede ver que servían siempre alguien con cierto interés. En esta perspectiva, se propuso para trabajar con diferentes espacios producidos por diferentes técnicas de créditos, lo que resulta en un espacio urbano fragmentado, pero articulado. Aunque sea brevemente, este trabajo anhelado servir como inspiración para nuevas análisis, en relación con diferentes asignaciones de espacio de la ciudad de Tres Lagoas.
Palabras clave: Técnica; Producción de espacio; trabajo; El espacio urbano.
Abstract
The techniques are the result of a temporality, fruit of a historical moment, developed to fit in certain contexts and applications, and serve a purpose. When analyzing the history of the development of cities and technique, albeit briefly, you can see that they served always someone with some interest. In this perspective, it was proposed to work with different spaces produced by different techniques appropriations, resulting in a fragmented urban space, but articulated. Even if briefly, this work longed provide inspiration for further analysis, in relation to different allocations of space in the city of Três Lagoas.
Keywords: Technical; Production space; Work; urban space.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Leandro Otávio da Silva, Guilherme Henrique da Silva Inácio y Edima Aranha Silva (2016): “Técnica mediadora de interesses: possibilidades de análises em Três Lagoas/MS”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (agosto 2016). En línea: https://www.eumed.net/rev/caribe/2016/08/tecnica.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CARIBE-2016-08-tecnica
INTRODUÇÃO
A cidade tal qual como fenômeno industrial surgiu muito tempo antes da indústria, local onde se materializa o modo de produção capitalista, e tal qual como antigamente, a mesma continua sendo um lugar de reprodução de desigualdades, visto que a organização espacial urbana segue a lógica capitalista, qual seja, desigual e combinada. Nesse sentido, objetivou de modo sucinto, por meio de uma abordagem histórica, revelar as diferentes capacidades tecnológicas técnicas, e reproduções de trabalhos que atuam em sincronia e diacronias na cidade de Três Lagoas/MS (Ver Figura 1), no processo de territorialização do capital industrial.
Destarte, este trabalho visa também refletir o entendimento que se tem acerca dos conceitos de técnica, tecnologia e globalização. Para tanto, os textos usados para construção deste artigo são frutos das discussões dispostas durante a disciplina “Geografia, Trabalho e Meio Ambiente” ministrada pelo professor Dr. Marcelino de Andrade Gonçalves, no PPGEO, Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFMS campus Três Lagoas.
As técnicas são frutos de uma temporalidade e de um momento histórico, desenvolvidas para se enquadrarem sob certos contextos e aplicações, e servirem a um propósito (NASCIMENTO, 2010). Ao se analisar a história, ainda que de forma breve, é possível notar que elas serviram sempre a alguém, com algum interesse.
Todavia a técnica é mediadora da relação sociedade e natureza, então nos cabe dizer que a técnica é o fio condutor da evolução da sociedade enquanto dominadora da natureza, ou usurpadora da natureza. Nas palavras de Nascimento (2010, p. 16) “a técnica caracteriza o processo de construção da essência do trabalho humano”.
Ora, se a técnica é mediadora da relação homem e natureza e de instrumentos pelos quais os homens utilizaram-na para dominar a natureza, concebe-se que a técnica é um importante meio de investigação do passado humano, sendo que para Nascimento (2010, p. 17) “os estudos da técnica revelam as relações travadas entre homem e a natureza nas diferentes épocas”.
Nesse aspecto é evidente que ler a história das técnicas é vislumbrar os instrumentos pelos quais o homem usou/construiu para dominar a natureza, e, portanto, Nascimento (2010, p. 17) “caracteriza o processo de construção da essência do trabalho humano”, e mais que isso, ela é produtora do espaço, visto que “[...] As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 2006a, p. 16), de uma forma que:
Assim empiricizamos o tempo, tornando-o material, e desse modo o assimilamos ao espaço, que não existe sem a materialidade. A técnicaentra aqui como um traço de união, historicamente e epistemologicamente. As técnicas, de um lado, dão-nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham. Então, essa empiricização pode ser a base de uma sistematização, solidária com as características de cada época. Ao longo da história, as técnicas se dão como sistemas, diferentemente caracterizadas (SANTOS, 2006a, p. 33). Grifos do autor.
É válido ressaltar que a constituição espacial se pauta por meio de uma disposição e integração entre um sistema de objetos e um sistema de ações, e no aspecto do objeto as técnicas se fazem presentes de uma forma contundente, todavia, já estão presentes por natureza ao se considerar sua capacidade de temporalidade, entretanto, ao considerarmos seu papel em relação aos objetos presentes no espaço a técnica eleva seu papel de constituidora das relações sócio-espaço-temporais, de forma que:
O espaço é formado de objetos técnicos. O espaço do trabalho contém técnicas que nele permanecem como autorizações para fazer isto ou aquilo, desta ou daquela forma, neste ou aquele ritmo, segundo esta ou outra sucessão. Tudo isso é tempo. O espaço distância é também modulado pelas técnicas que comandam a tipologia e a funcionalidade dos deslocamentos. O trabalho supõe o lugar, a distância supõe a extensão; o processo produtivo direto é adequado ao lugar, a circulação é adequada à extensão. Essas duas manifestações do espaço geográfico unem-se, assim, através dessas duas manifestações no uso do tempo [...] As técnicas participam na produção da percepção do espaço, e também da percepção do tempo, tanto por sua existência física, que marca as sensações diante da velocidade, como pelo seu imaginário. Esse imaginário tem uma forte base empírica. O espaço se impõe através das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de ‘viver bem’ (SANTOS, 2006a, p. 34).
Nesse contexto, a técnica é, segundo Santos (2006a), produtora do espaço e como condicionante, o processo de produção espacial torna o tempo algo concreto, perceptível ao deixar suas marcas registradas no espaço, ou seja, se materializam por meio das ações dos sujeitos.
Por meio da percepção, se pode notar os diferentes espaços sendo produzidos, de uma forma que, se observamos a escala local três-lagoense a segmentação espacial é grande, a começar pela própria característica do espaço urbano ser articulado e fragmentado, como nos ensina Corrêa (1989). O que significa dizer que a fragmentação ocorre pela diferenciação e capacidade de se produzir esse ou aquele espaço. Nesse caso, a técnica é uma condicionante para diferenciar espaços dentro de uma mesma cidade, com reflexos expressivos no próprio trabalho e na grande influência que a cidade sofre do processo da globalização. Nessa perspectiva, Três Lagoas se conecta com o global, ou seja, tem-se a glocalização.
Prova disso são valores de solo urbano, bem como salários, principalmente após a cidade se integrar a lógica global: ao estar em articulação com o mundo por meio de indústrias, que se instalaram na cidade, com o discurso da geração de emprego e como garantia do “desenvolvimento” da cidade de Três Lagoas/MS, transformando assim, a cidade em um misto de fábula e de perversidade aos melhores pressupostos de Milton Santos (2006b).
Entendendo a fábula, na concepção da literatura, como algo relativamente agradável. Fato é que a técnica é potencializada pela tecnologia, de maneira que Nascimento (2010, p. 28) em concordância com Vieira Pinto, “considera a tecnologia como a teoria, a ciência, estudo e discussão da técnica”, e ainda:
A tecnologia aparece como conhecimento científico das operações, num “estudo sistemático dos instrumentos, das ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos ramos da técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos, dos materiais e da energia empregada (NASCIMENTO, 2010, p. 28).
Assim como a técnica, a tecnologia é característica exclusivamente humana, e a tecnologia consiste na ciência da técnica.
Já para Chauí apud Nascimento (2010, p. 30).
A técnica consiste num conhecimento empírico, que através da observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre os fenômenos. Enquanto a tecnologia segue o caminho inverso, consistindo num saber teórico que se aplica praticamente.
Nessa acepção, a autora considera tecnologia uma forma mais aprimorada do saber técnico.
Por fim, a autora considera que:
A tecnologia é entendida como o conhecimento científico transformado em técnica, que potencializa a possibilidade de produção de novos conhecimentos científicos, assumindo a condição de “afirmação prática do desejo de controle que subjaz ao se fazer ciência e pressupõe ação, transformação; é plena de ciência, mas é, também, técnica”, enquanto instrumento cientificizado de intervenção no real (NASCIMENTO, 2010, p. 30).
Todavia o que realmente se observa é a própria perversidade, sem menosprezar toda a cientificidade por trás da tecnologia e toda a gama de dominação e articulações que são permitidas. Em contrapartida, o que se manifesta é um cenário caótico em certos períodos, uma vez que a cidade não se estruturou para comportar esse novo modo de vida “global” (ARANHA-SILVA, 2010), pois a população ainda é apegada às raízes rurais e é possível encontrar sitiantes com suas carroças pela cidade, em contraposição aos caminhões transportando matéria prima para as indústrias, assim como, a produção obtida por meio do uso da tecnologia. Por outro lado, se observa o impacto negativo que esse processo de industrialização trouxe para a cidade, tais como a falta de oferta de serviços públicos essenciais bem como da infraestrutura, posto que, houve o aumento da demanda decorrente do crescimento populacional, promovendo a segmentação socioespacial e a diferenciação do trabalho, cuja aplicação das técnicas moldaram o espaço urbano três-lagoense, cuja lógica pré-concebida atende ao capital e valoriza certas áreas.
O desenvolvimento das cidades, segundo Spósito (1989), se baseou em um acúmulo de técnicas que permitiram ao homem deixar de ser um nômade e se assentar em aldeias, em que o fogo já era uma técnica dominada, e somada aos conhecimentos de domesticação de animais, a semente para a ascensão da vida nas cidades foi plantada, a qual nasceu como fruto de uma divisão social do trabalho.
Com base em Moreira (2006) compreende-se que técnicas são formas de se investigar o passado, donde podemos observar seja em ferramentas, modos de construções seja em organizações com resquícios de como a sociedade se organizava. Muito mais do que isso, a técnica desponta como uma mediadora na relação do homem com a natureza. Ainda de uma forma mais clara “[...] a técnica é, no sentido mais geral, qualquer coisa criada propositalmente por seres humanos, contraste com aquilo que resulta da obra da natureza” (GILES, 1993 apud VENTURI, 2006, p.71).
A técnica se mostra ainda como uma característica peculiar ao próprio homem, sendo que Moreira (2006) indica que ela é obra própria do homem, cujo significado é ditado pelo conjunto do social, ou seja, o seu contexto de utilização é que ditará sua construção e utilização.
Nessa dimensão interpreta-se a cidade como palco, locus onde a dinâmica da urbanização se revela pela técnica produzindo um cotidiano muitas vezes permeado pela indiferença. Portanto, admite-se que a técnica explica o espaço, a cidade em si, e esta pode explicar a sociedade em sua indiferença ou em sua indignação (SOUZA & IWAKE, 2004, p. 01)
Evidente que ao analisarmos retroativamente as cidades, na perspectiva de Spósito (1989), as técnicas são fundamentais para compreender sua organização, de forma que as primeiras cidades se organizam a partir da dominação de certas técnicas, as quais geraram também, as primeiras formas de dominação.
Com uma grande reclusão no modo de vida urbano durante a Idade Média, as cidades que sobreviveram na Idade Média foram as maiores e as cidades episcopais (SPÓSITO, 1989), as quais em termos de organização técnica e de trabalho são passíveis de análises acerca do arranjo e sua organização.
Essas cidades possuíam mosteiros, pequenas igrejas ou centros de formações religiosos, sua administração ficava a cargo do clero, em que a divisão do trabalho era nítida, e o emprego das técnicas tornava-o quase autossustentável, desde a produção agrícola, base para produzir alimentos, hóstias, bebidas, alimento primário para animais, até o comércio nas tabernas administradas pelos monges e seus conhecimentos em fermentação, ervas medicinais, bem como arrecadação por suas obras, frutos de conhecimentos técnicos, restritos é claro a própria Igreja como instituição. Pela visão religiosa fortemente católica, o trabalho era divino, e enobrecia o homem, e partindo como exemplo, os mosteiros seguiam uma estrutura considerada ideal:
[...] em que além da área destinada ao exercício religioso, acomodações para monges permanentes e visitantes, biblioteca, área para jardinagem, são previstas áreas para galinheiro; frangos e gansos; cercado para gansos; ganadaria; ateliê de artesãos; moinhos; fornos; forno de cal; silo de cereais para cerveja; estábulo de éguas prenhas e de potros e alojamento do cuidador; jardim de ervas medicinais; sementeria e horto; jardim de ervas medicinais. De fato, essa estrutura física clarifica a importância do trabalho não só para os ajudantes seculares, mas principalmente para os monges, que dentro da área de domínio do mosteiro possuíam uma quase auto-suficiência alimentar e técnica (MOREIRA, 2010, p. 52).
Técnica e trabalho estão interligados, são indissociáveis - “[...] É por intermédio das técnicas que o homem, no trabalho, realiza essa união entre espaço e tempo. Segundo K. Horning (1992, p. 50), toda técnica esconde, de alguma forma, uma teoria do tempo”. (apud SANTOS, 2006b, p. 33) - de uma maneira a técnica é uma atividade peculiar do homem, sendo o homem criando ela e dela se recriando, assim sendo a técnica como o instrumento de mudança do homem, e o homem, ele próprio, sendo mudado pela técnica.
Dessa forma, o trabalho é o resultado da apropriação da natureza pelas técnicas e tornando a mediação que o homem realiza sobre a natureza, sendo que o mesmo deve ser compreendido como fator de diferenciação do homem em relação aos diversos animais, por sua capacidade teleológica, preconcepção, visto que o homem tem a capacidade de prever, criar prognósticos com base em suas necessidades.
Assim, o trabalho com base em Lima (2014), ao ter como referência a concepção de Marx, traduz que este é de uma vertente dupla: em um momento se mostra como fator determinante para liberação do homem, liberação de sua forma alienada perante a natureza, para assim ser transformado em ser social; entretanto, da mesma forma esse trabalho pode ser entendido como contexto social, como sendo historicamente criado pelo modo de produção capitalista.
Lima (2014) menciona que o homem enquanto ser social surge da relação ontológica do trabalho, em que o trabalho mediante relações com a natureza, com atuação das técnicas acaba por efetuar tal condição, no papel em que o homem se transforma, transforma os outros e o natural:
[...] Pelo trabalho o ser humano domina a natureza e se apropria parcialmente dela. O trabalho não pertence à natureza. Ele chega a ser ‘contra a natureza’ em dois sentidos; enquanto labor existe esforço e disciplina – modifica a natureza em torno do homem e dentro do homem. O trabalho torna-se uma necessidade. Os sentidos são cultivados e apurados pelo trabalho. As necessidades mudam e são cultivadas porque o trabalho as modifica, apresentando-lhes novos bens. Assim o homem emerge da natureza, sem poder separar dela. O prazer reconcilia o homem com seu fundamento, a natureza (LEFEBVRE, 1978, p. 28 apud LIMA, 2014, p. 21)
Ao analisarmos o papel propiciado pelo trabalho, e mediado pelas técnicas após Revolução Industrial, período em que houve avanços significativos quanto aos interesses, condições e técnicas, vemos que as cidades ganharam ainda mais importância1 , ao crescerem desordenadamente, sem um planejamento prévio (HOBSBAWN, 1996), evidenciando que as cidades eram associadas a cortiços, bem como sua má qualidade em termos ambientais.
Semelhanças se conservam desde a época da consolidação da Revolução Industrial e seu modo de implantação, visando interesses de uma única classe, uma vez que cidades cresciam sem planejamento e sem controle, sem preocupações com as classes menos favorecidas economicamente e sua saúde, salubridade, planejamento, permitindo uma análise comparativa, por exemplo, em Três Lagoas, cuja cidade teve um crescimento vertiginoso e sem um planejamento adequado.
Esses elementos ocasionaram a fragmentação urbana, no sentido de uma multiplicidade de bairros, com características variadas, o que pode retribuir a utilização variada do espaço urbano, elencando diversas técnicas empregadas na cidade, desde regiões centrais com certo planejamento, e estruturas mais elaboradas, passando por bairros segregados por opção, os quais se observam uma característica da técnica mais aprimorada, no quesito planejamento.
A (re)estruturação, requalificação, (re)centralização de uma cidade pode ocorrer simultaneamente devido o seu processo de expansão, o que torna o território urbano mais complexo, fragmentado e a interação social se dá por meio das relações interpessoais e coletivas (ARANHA-SILVA, 2010, p. 403).
Daí as fragmentações resultantes, como a ampliação do desemprego, o abandono à educação, o desapreço à saúde como um bem individual e social inalienável, todas as novas formas perversas de sociabilidade que já existem ou se estão preparando neste país, para fazer dele – ainda mais – um país fragmentado, cujas diversas parcelas, de modo a assegurar sua sobrevivência imediata, serão jogadas umas contra as outras e convidadas a uma batalha sem quartel (SANTOS, 2001, p. 46 apud SOUZA & IWAKE, 2004, p. 06).
A urbanização não ocorre de maneira uniforme, as cidades passam por processos de urbanização seguindo interesses capitalistas, que ao propiciarem a industrialização, ou muitas vezes forçá-la, deixam em segundo plano as camadas mais necessitadas das cidades, e esse processo também influencia regionalmente ou ainda em escala mais ampla, pois o papel e a funcionalidade da cidade, além de sua estrutura, são alterados.
Reflexos disso ocorrem em relação ao próprio trabalho, em termos de sua valorização ligada a sua capacidade técnica e sua localização, embora Lima (2014) faça uma análise a partir do Estado do Ceará, pode-se correlacioná-lo com o surto de industrialização pelo qual o Estado de Mato Grosso do Sul vivenciou, e Três Lagoas, ao receber empresas sem um planejamento, os salários foram desvalorizados pela oferta de mão de obra abundante, além de trabalho em pequenas escalas, ainda que sobrevivam, são integrados no circuito inferior da economia, mostrando que a política implantada de redução de incentivos fiscais, e busca por indústrias que tragam “desenvolvimento” precarizou o trabalho:
[...] evidenciamos que os fatores ligados ao mundo do trabalho (força de trabalho a baixo custo, fraca organização sindical, terceirização da produção), além dos incentivos fiscais, foram fundamentais para a transferência de grandes empresas do sudeste brasileiro para este Estado. Também evidenciamos a precarização do trabalho por peça, realizado pelos trabalhadores em seus domicílios [...] o que demonstra o caráter de espoliação nas relações de trabalho e a necessidade de ampliarmos os estudos sobre a geografia do trabalho (LIMA, 2014, p. 24).
Do processo de industrialização em Três Lagoas/MS, mencionamos o planejamento urbano diferenciado que houve, visto que corredores industriais da cidade contam com uma infraestrutura básica (água, luz, pavimentação), e alguns casos mais avançadas (cabos de fibra ótica com internet a altas velocidades), o que mostra uma grande contradição, visto que em bairros em que a segregação ao espaço urbano constitui a periferia física e social carecem de uma infraestrutura básica, sendo casas também construídas com técnicas mais básicas, e geralmente com materiais de custos mais baixos.
Essa relação é evidenciada por meio da complexidade do processo de trabalho, e a relação do homem com o seu meio. A lógica vigente da divisão territorial do trabalho materializa no globo essa relação intricada, e atua também no âmbito de geração de valores, acumulação de riquezas, integrada a exploração de áreas mais pobres e com menos poder de influência. Essa relação acaba sendo traduzida nas cidades, as quais, por estarem integradas a esse sistema, e muitas vezes não conseguirem atender a todos os interesses, acabam por reproduzir essa lógica exploratória, sendo influência direta da relação global – local, as cidades em seu próprio espaço urbano dividem trabalhos, e se fragmentam em locais com um trabalho e presença de técnicas mais densas, e em locais em que existem técnicas mais arcaicas e menos valorizadas.
É lógica global, dada por diversos atores, diversos interesses e com os mais variados e desiguais ganhos, puro reflexo do processo de globalização, que é puramente: “[...] o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista. Para entendê-la, como, de resto, a qualquer fase da história, há dois elementos fundamentais a levar em conta: o estado das técnicas e o estado da política” (SANTOS, 2006b p. 23).
Segundo o autor, no fim do século XX graças ao avanço da ciência, produziu-se um sistema de técnicas presidido pelas técnicas da informação, que passou a exercer um papel de internacionalização da técnica.
Santos elucida que a globalização não é apenas o surgimento desse sistema de técnica. “Ela é também resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes” (SANTOS, 2006b, p. 24).
A globalização é esse mercado global que usa desse sistema de técnicas para explorar, segregar e garantir a mais-valia globalizada.
Para Bauman (1999, p. 79) “de fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial”.
O autor ainda chama atenção sobre a sociedade de consumo que surgiu juntamente com a globalização, ou surgiu como pressuposta da globalização.
A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditado primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel (BAUMAN, 1999, p. 88).
Nesse sentido, o autor completa que “[...] o dilema sobre o qual mais se cogita hoje em dia é se é necessário consumir para viver ou se o homem vive para poder consumir” (BAUMAN, 1999, p. 88).
Esse processo evidencia uma gama de diferentes apropriações do meio ambiente pelo trabalho humano, materializado em diferentes técnicas, sejam elas pré-concebidas, ou meramente concebidas, elas servem a um propósito em seu contexto de criação, e geram uma materialidade vigente no espaço urbano, materializam o tempo, passam de produtos da história, para serem elas as produtoras da história (SANTOS, 2006 apud NASCIMENTO, 2010) e mais do que isso: diferencia a população, através de seu nível econômico.
O domínio do capital impõe a técnica enquanto base do processo de globalização e seu domínio sobre o ser humano. Daí pode-se compreender o imenso fosso entre a lógica da acumulação versus a fragilizada distribuição de renda, que comporta um dos problemas fundamentais do desenvolvimento socioeconômico (SOUZA & IWAKE, 2004, p. 03).
Esse fosso se percebe na cidade de Três Lagoas, na medida em que se pode observar as diferentes apropriações por parte do espaço urbano, e as formas e interesses que ditam essas apropriações:
Enfim, as técnicas não contemplam a todos, e essa diferenciação se mostra necessária e programada para a reprodução capitalista, e não atingem a vários interesses, na verdade buscam atingir o em comum da reprodução capitalista, tornando por consequente o seu acesso limitado:
[...] Na lógica do mercado, muitos instrumentos (como variados softwares e satélites) e técnicas a eles associadas desenvolvem-se com espantosa rapidez. A tecnologia desenvolvida para atender a necessidades de produtividade e lucro, inegavelmente traz muitos benefícios para a humanidade em diversas áreas, entre as quais podem ser citadas a Medicina, as Comunicações etc. Novas descobertas tecnológicas podem tanto atender a necessidades reais quanto àquelas criadas artificialmente para manter a dinâmica do mercado (telefones celulares com jogos, câmeras fotográficas digitais cada vez mais potentes etc). Entretanto, seu acesso é restrito pelo poder aquisitivo iníquo. Ainda que haja o discurso da massificação tecnológica, paradoxalmente, o acesso a ela não é universal (VENTURI, 2006, p. 71).
A diferenciação de técnicas e do próprio trabalho sejam elas por nível social, econômico existe na cidade de Três Lagoas/MS, mas não somente nela, pois é uma realidade presente em todo o globo. Três Lagoas é apenas um reflexo local de uma condicionante global.
Neste ensaio, ainda que de forma muito superficial, pois caberiam análises mais profundas acerca das condições de desenvolvimento evolução do trabalho, realizou-se uma análise qualitativa das técnicas empregadas. Buscou-se, porém, abordar diferenciações e algumas opções para estudos futuros, mostrando pontos que se contradizem e permitem evidenciar tal divisão, hoje advinda da lógica capitalista, que ao buscar mais lucro, interfere e molda o espaço urbano trazendo influências globais e as colocando sob as necessidades locais, criando, com base em Corrêa (1987), um espaço urbano que se articula e ao mesmo tempo se contradiz, por estar fragmentado.
Dessa forma, a Figura 2 traduz diferenciações dentro de um mesmo espaço urbano, pois podemos observar alguns locais, dentre vários que podemos ver carências e presenças por exemplo, de equipamentos básicos:
Todavia, essa fragmentação supracitada é o próprio reflexo do espaço urbano, condicionado por interesses e mais que isso: articulado e fragmentado.
REFERÊNCIAS
ARANHA-SILVA, Edima. Produção de moradias e expansão da periferia: nova dinâmica territorial urbana em Três Lagoas/MS. Anais... X Encontro de História de Mato Grosso do Sul, Simpósio Internacional de História, 2010, Três Lagoas. As muitas (in)dependências das Américas: dois séculos de História. Três Lagoas: Editora da UFMS, 2010. v. 1. p. 403-423.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
CORREA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1993.
HOBSBAWN, Eric John. A era do capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 291-319.
LIMA, Átila de Menezes. Geografia: filosofia das técnicas? Reflexões para se pensar uma geografia do trabalho. Revista Pegada, Vol-15, n. 2. Presidente Prudente, p. 19-48, dez. 2014.
MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? Por uma epistemologia crítica. São Paulo: Contexto, 2006.
NASCIMENTO, Sandra do. A contemporaneidade da Nova Atlântida de Francis Bacon (1561-1626): contribuições para uma epistemologia da técnica na perspectiva da geografia na atualidade. Francisco Beltrão: UNIOESTE, Dissertação de Mestrado 2010.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. 4ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Edusp, 2006a.
______. Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 13ª ed. São Paulo: Record, 2006b.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1989.
SOUZA, Mariângela Alice Pieruccini de; IWAKE, Shiguero. Cidade, técnica e indignação. Cascavél, 2004. Disponível em:
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VENTURI, Luis Antônio Bittar. O papel da técnica no processo de produção científica Boletim Paulista de Geografia, a. 57, n. 84. São Paulo, Universidade de São Paulo, p. 69-76, jul. 2006.
* Mestrando em Geografia pela Programa de Pós-graduação em Geografia PPGGeo da Universidade federal de Mato Grosso do Sul/CPTL, e bolsista Capes. E-mail: le.otávio@hotmail.com
** Mestrando em Geografia pela Programa de Pós-graduação em Geografia PPGGeo da Universidade federal de Mato Grosso do Sul/CPTL, e bolsista Capes. E-mail: guilhermeufms@hotmail.com
*** Prof.ª. Dra. do Programa de Pós-graduação em Geografia PPGGeo da Universidade federal de Mato Grosso do Sul/CPTL. E-mail: edimaranha@gmail.com
1 As cidades já haviam recuperado prestígio na época do Renascimento Comercial a partir do século XIII, mas de fato vieram a se consolidarem e a terem um crescimento expressivo após as Revoluções Industriais, em especial com a consolidação deste processo no século XIX (SPÓSITO, 1989; HOBSBAWN, 1996).
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