Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


INTERAÇÃO HOMEM-NATUREZA: OS PESCADORES, OS CARANGUEJOS E O MANGUEZAL

Autores e infomación del artículo

Patrick Heleno dos Santos Passos
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca

Suezilde da Conceição Amaral Ribeiro
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará

Mário Médice Costa Barbosa
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará

Waldemar Londres Vergara Filho
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

ckpassos@hotmail.com

Resumo

O artigo visou descrever parte do complexo cenário da pesca artesanal do caranguejo-uçá (U.Cordatus) no estado do Pará, especificamente em unidades de conservação na categoria reserva extrativista marinha. Assim como, perceber o processo de interação entre os pescadores artesanais de caranguejo, suas vivências e práticas de trabalho cotidianas no ecossistema de manguezal e o recurso pesqueiro do caranguejo-uçá, nesse contexto.  

Palavras chaves: Pescadores artesanais de caranguejo, Reservas extrativistas marinhas, Manguezal e Caranguejo-Uçá.

Abstract:
This article aims to describe part of the complex scenario of fishing for land crab (U.Cordatus) in Para state, specifically in protected areas in the marine extractive reserve category. As well as understand the process of interaction between artisanal fishermen crab, their experiences and daily work practices in the mangrove ecosystem and the fishery resources of the land crab in this context.

Key words: Artisanal fishermen crab, marine extractive reserves, mangroves and land crab.

Resumen:
Este artículo tiene como objetivo describir parte del complejo escenario de la pesca del cangrejo de tierra (U.Cordatus) con el fin de estado, específicamente en las áreas protegidas de la categoría de reserva de extracción marina. Así como entender el proceso de interacción entre el cangrejo pescadores artesanales, sus experiencias y prácticas de trabajo diario en el ecosistema manglar y los recursos pesqueros del cangrejo de tierra en este contexto.

Palabras clave: cangrejo pescadores artesanales, las reservas marinas extractivas, los manglares y los cangrejos de tierra.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Patrick Heleno dos Santos Passos, Suezilde da Conceição Amaral Ribeiro, Mário Médice Costa Barbosa y Waldemar Londres Vergara Filho (2016): “Interação homem-natureza: os pescadores, os caranguejos e o Manguezal”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2016). En línea: https://www.eumed.net/rev/caribe/2016/04/manguezal.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CARIBE-2016-04-manguezal


  1. INTRODUÇÃO

            Ao traçar uma sólida linha divisória entre o homem e os animais, o principal propósito dos pensadores do início do período moderno era justificar a caça, a domesticação, o hábito de comer carne, a vivissecção (que se tornara prática científica corrente, em fins do século XVII) e o extermínio sistemático de animais nocivos ou predadores. Mas essa insistência tão grande em distinguir o humano do animal também teve consequências importantes para a relação entre homens. Com efeito, se a essência da humanidade era definida como consistindo em alguma qualidade específica, seguia-se então que qualquer homem que não demonstrasse tal qualidade seria sub-humano ou semianimal. “O contraste entre o homem e não homem fornece uma analogia para o contraste entre o membro da sociedade humana e o estranho a ela” (THOMAS, 2010).
            Os manguezais são fontes de subsistência e renda para as comunidades que habitam suas áreas de entorno (ALVES e NISHIDA, 2003; GLASER e DIELE, 2004; WALTER et al., 2012). Ao assimilar essa condição de dependência e, ao mesmo tempo, de controle parcial da natureza, as comunidades de pesca artesanal desenvolvem estratégias de convivência com o meio ambiente que se diferem, consideravelmente, das comunidades urbanas e das comunidades essencialmente rurais (Caetano, 2015). Diegues (1983) atesta que, até mesmo onde existem pescadores-lavradores, os mesmos se diferenciam do pescador artesanal, tanto pelas relações que ele tem com a natureza como pelas estratégias de controle que se deve ter em um ambiente aberto, vulnerável e em contínua mudança. Assim também na relação com o trabalho.
            A experiência dos membros da comunidade a partir do trabalho diário das atividades extrativistas permite a aquisição de conhecimento sobre os recursos naturais disponíveis (DIEGUES e ARRUDA, 2001; ROCHA et al., 2008).
            Dentre os principais recursos alimentares extraídos dos manguezais estão peixes, moluscos e, principalmente, crustáceos. As espécies de crustáceos braquiúros Ucides cordatus Linnaeus, 1763 (caranguejo-uçá) e Cardisoma guanhumi Latreille, 1825 (guaiamum) são os principais recursos explorados por comunidades extrativistas ao longo dos manguezais da costa brasileira (ALVES e NISHIDA, 2002; FISCARELLI e PINHEIRO, 2002; ALVES e NISHIDA, 2003; FIRMO et al., 2011).
            Caetano (2015) estudando práticas e interações entre marisqueiras no ambiente pesqueiro, relata que os(as) pescadores(as) artesanais não se assemelham aos(às) trabalhadores(as) regidos(as) pelo patronato, pois não precisam de um chefe, patrão ou supervisor para inspecionar o desenvolvimento do trabalho, visto que entendem o território pesqueiro como um espaço sem dono, natural, sagrado e coletivo (SILVA, 2015).
            Considerando que a cata do caranguejo no litoral brasileiro é uma atividade informal, a situação dos trabalhadores catadores de caranguejo é de penúria e exclusão, por se encontrarem desassistidos de suas garantias mínimas de sobrevivência pelo poder público, desde o acesso a programas sociais até a obtenção de documentos pessoais (SOARES e GOMES, 2014).
            Os manguezais do litoral paraense abrigam uma parcela significativa dos manguezais brasileiros, que associados aos bosques de mangue do Amapá e Maranhão, perfazem o maior conjunto de manguezais do planeta, o que denota ao espaço litorâneo paraense riqueza significativa em recursos naturais, e consequentemente, de potencialidade aos mais variados usos (PROST e MENDES et al, 2013).
            Diante do exposto, o artigo visou descrever parte do cenário da pesca artesanal do caranguejo-uçá (U.Cordatus) no estado do Pará, especificamente em unidades de conservação na categoria reserva extrativista marinha. O enfoque principal visou descrever o processo de interação entre os caranguejeiros, o ecossistema de manguezal e o recurso pesqueiro do caranguejo-uçá, nesse contexto.  

  1. MATERIAL E MÉTODO

2.1  ÁREA DE ESTUDO

A zona costeira amazônica estende-se ao longo dos estados do Maranhão, Pará e Amapá com aproximadamente 2.250 km de extensão, excluindo-se as reentrâncias do litoral e as ilhas, ao longo da quais dezenas de estuários recortam a linha de costa (Souza Filho et al.,2005). Além de constituir uma das maiores extensões contínua de manguezais do planeta, acosta de manguezais do Maranhão, Pará e Amapá, com aproximadamente 8.900 km2 de área (Kjerfve et al., 2002), é caracterizada pelo baixo relevo, extensa planície costeira, alta drenagem e processos ativos de erosão e sedimentação (Souza Filho et al., 2004). Essa região apresenta também diferentes sistemas, como marismas, restingas e outras vegetações costeiras (Bastos, 1988; Santos & Rosário, 1988).

2.2 PROCEDIMENTOS MÉTODOLOGICOS
            A natureza da pesquisa é básica, consiste em analisar a relação do homem com ecossistema manguezal, os procedimentos utilizados são levantamento bibliográfico e documental; bem como levantamento de dados sobre as práticas e dinâmicas sociais que marcam a interação entre os sujeitos e o ecossistema manguezal que dizem respeito ao tema. A natureza da mesma é qualitativa é o lócus da pesquisa é o recorte que compreende o ecossistema manguezal no estado do Pará.

  1. RESULTADOS E DISCUSSÕES
    1. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E COMUNIDADES TRADICIONAIS

O Brasil possui 320 unidades de conservação federal geridas pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, estabelecidas a partir de decreto presidencial ou lei e dividem-se em dois grupos que compreende duas tipologias, sendo o primeiro de proteção integral e o segundo de uso sustentável que se subdividem em 12 categorias segundo ICMBIO (2014a). Portanto, cinco categorias são voltadas para a proteção integral, onde é permitido o uso indireto, ou seja, o que não envolve consumo, coleta (intensiva) ou dano dos recursos naturais, como turismo ecológico e pesquisa científica. As outras sete categorias são destinadas ao uso sustentável, que envolve o manejo, para fins comerciais ou não, dos recursos (BRASIL, 2000).
A esse respeito se faz importante caracterizar o estado do Pará e sua importância para o contexto geopolítico dos territórios tradicionais contidos nas unidades de conservação federal. A região amazônica concentra mais de ¼ das unidades de conservação federal do país, correspondendo a 88 reservas extrativistas de uso sustentável. O estado do Pará concentra o maior número de reservas extrativistas do país, sendo 11 reservas extrativistas florestais e 12 reservas extrativistas marinhas, totalizando 23 unidades de conservação do tipo resex`s.
As reservas extrativistas marinhas em território paraense correspondem a mais de 322 mil hectares (ICMBIO, 2014b) que contém um dos ecossistemas mais expressivos na costa brasileira, o manguezal, que é de extrema importância para a reprodução de peixes, moluscos, crustáceos e inúmeros micro-organismos, além da sobrevivência das populações humanas. São considerados terrenos da União (SENNA et al, 2002) e também vem sofrendo as consequências da forma de uso-ocupação dos espaços costeiros. 
O estado do Pará já se destacava, pois possuía nove reservas extrativistas marinhas, localizadas nos municípios Soure, Maracanã, Santarém Novo, São João da Ponta, Curuçá, Tracuateua, Bragança, Augusto Corrêa e Viseu, que auxiliam na conservação de uma área aproximada de 255.012,80 ha. Destes 148.984,50 ha são de ecossistema manguezal, contemplando 309 comunidades pesqueiras e um número aproximado de 28.100 famílias. ISAAC (2013).
Galizoni e Ribeiro (2011) destacaram que espaços de recursos naturais comuns no Brasil têm sido usados por populações historicamente marginalizadas, tais como caiçaras, ribeirinhos, povos indígenas e quilombolas. Tal característica relaciona-se à história da sociedade brasileira, fortemente ligada à monocultura e aos latifúndios, que açambarcaram as áreas principais de recursos de interesse comercial, sobretudo de exportação, subordinando as outras formas de produção ligadas aos recursos naturais. Nesse contexto, foram se mantendo as populações que se reproduziam socialmente a partir do uso comum de recursos, como os rios, os lagos, as praias, os mangues, os castanhais e babaçuais, nas franjas do sistema econômico predominante. Foi o que ocorreu com aqueles grupos sociais que, nos anos 1980, passaram a ser reconhecidos como populações tradicionais, conquistando em certos casos, o direito de acesso privilegiado aos recursos de que dependem na forma de unidades de conservação, como as RESESX (OLIVEIRA e MANESCHY, 2014).
Segundo Diegues et al (2000), as populações humanas que habitam os territórios das reservas extrativistas no Brasil são 13 grupos aos quais são chamados de  populações tradicionais não-indígenas: praieiros (pescadores artesanais do litoral amazônico), sitiantes, babaçueiros, pescadores, campeiros, quilombolas, pantaneiros, varjeiros (ribeirinhos não amazônicos), açorianos, caipiras, sertanejos, caboclos (ribeirinhos amazônicos), jangadeiros, caiçaras.
O conceito de “população tradicional” de acordo com Diegues (2005), Little (2002) e Cunha e Almeida (2001) é de uma diversidade de populações, que possuem grande conhecimento sobre os ambientes dos rios, igarapés e manguezais e dos seres aí encontrados; dependem diretamente dos recursos naturais do ambiente, tendo como premissas para seu uso os ciclos naturais (biológicos, climáticos, astronômicos), visando à produção e reprodução de seu modo de vida. O modo de vida é aqui tomado em sua acepção geral de práticas cotidianas de trabalho, de consumo, de vida familiar, de organização temporal das atividades, de lazer, conforme padrões, ou estilos, que caracterizam e distinguem grupos, comunidades ou, mais amplamente, sociedades. No modo de vida dessas populações, não há separações radicais entre o trabalho e as demais esferas da vida social, como sociabilidade, religião, obrigações familiares e vicinais etc.
Almeida (2004) afirma que um quarto do território brasileiro é ocupado por povos e comunidades chamadas tradicionais. Apesar da relevância e diversidade cultural que representam, estes grupos sociais possuem grande parte de seu passado na invisibilidade, tendo tido na Constituição de 1988 o principal fôlego para empreender uma luta pelo reconhecimento de seus direitos.
Na Amazônia, destacam-se, entre elas, os seringueiros, os quilombolas, as coletoras de coco de babaçu, os ribeirinhos e os ‘tiradores’ de caranguejo. Cunha e Almeida (2001) acrescentam que esses grupos querem ter controle sobre o território que exploram e, em troca desse controle, dispõem-se a conservar o meio ambiente. Nesse sentido, o conceito de ‘populações tradicionais’ não inclui os povos indígenas, pois seus direitos territoriais não são definidos em termos de conservação ambiental, como é o caso das reservas extrativistas, lembram os autores.
Sabendo do uso histórico do ecossistema manguezal pelas populações tradicionais paraenses e que os manguezais da costa norte brasileira compreendem os estados do Amapá, Pará e Maranhão e perfazem 70% dos manguezais brasileiros, o governo brasileiro publicou decreto presidencial no final de 2014 que amplia o número para doze de reservas extrativistas marinhas de uso sustentável no estado do Pará, localizadas na região do salgado paraense, nos municípios de São Caetano de Odivelas, Marapanim, Magalhães Barata e ampliação da reserva extrativista existente em Augusto Corrêa, segundo Brasil (2014).
Com as novas reservas extrativistas marinhas o número de famílias beneficiadas com a política ambiental preconizada pelo governo federal ultrapassa 34 mil, dispostas em 417 comunidades pesqueiras. O quadro estabelecido coloca-se como grande desafio na construção coletiva para os ajustes destas unidades, tendo em vista o elevado grau de exclusão sócio histórica destas populações e a busca constante pela execução de políticas públicas integradas que visem à conservação destes ambientes, conjugado com a manutenção dos aspectos culturais das comunidades tradicionais e a possibilidade do uso dos recursos para a geração de renda das comunidades tradicionais (VERGARA FILHO, 2007).
São diversas as razões para se estudar o ecossistema manguezal, porém, destaca-se o fato de que muitas comunidades humanas têm uma dependência tradicional desses ecossistemas para a sua subsistência, vez que servem de sítios de pesca e mariscagem para muitas comunidades ao longo da costa brasileira (Schaeffer- Novelli e Cintrón-Molero, 1999; Alves e Nishida, 2002). No Pará sua preservação é essencial para a manutenção de populações tradicionais de várias regiões (PROST e MENDES, 2013).
Segundo Furtado et al (2006), a dependência da maior parte da população costeira aos ecossistemas marinhos, como o ecossistema manguezal, é fato que se impõe à observação, à reflexão e ao debate interdisciplinar e interinstitucional, no sentido de: a) chamar a atenção para as questões que tomam conta do pensamento de muitos cientistas, tais como uso, super exploração, degradação e esgotamento; b) chamar atenção sobre o direito de uso dos recursos comuns e posse dos territórios costeiros e marinhos construídos, milenarmente, pelas populações tradicionais; c) desvelar as especificidades sociais e ambientais dessas populações tradicionais, em defesa do uso seletivo e da lícita apropriação dos mesmos; d) buscar um denominador comum para a sustentabilidade ou durabilidade dessa milenar relação entre o homem e meio ambiente, de modo a se ter um uso equilibrado dos recursos produzidos pelos ecossistemas em presença; e) minimizar conflitos e sugerir caminhos alternativos para a intervenção antrópica no universo costeiro que ora se faz por formas diversas.

    1. MANGUEZAL, PESCADORES E CARANGUEJOS.

            O manguezal está entre os ecossistemas que mais fornecem bens e serviços ambientais ao homem. Vários trabalhos científicos demonstram o valor deste sistema ecológico, por sua função como berçário para espécies marinhas e estuarinas, sua influência no clima local e global, seu papel no armazenamento e reciclagem de matéria orgânica e de nutrientes, controle da erosão, manutenção da biodiversidade e de recursos genéticos, dentre outros (HAMILTON et al., 1989; BARBIER, 1994; CONSTANZA et al., 1997; GILBERT e JANSSEN, 1998; RONNBACK, 1999; KAPLOWITZ, 2001). Devido à sua elevada produtividade, os manguezais brasileiros são habitados por diversas espécies de plantas e animais.
O ecossistema manguezal é o sistema ecológico costeiro tropical, dominado por espécies vegetais típicas, às quais se associam outros componentes da flora e da fauna, microscópicos e macroscópicos, adaptados a um substrato periodicamente inundado pelas marés, com grandes variações de salinidade (MACIEL, 1991).
O mangue abriga e alimenta uma fauna especial, formada principalmente por crustáceos, ostras, mariscos e caranguejos, numa impressionante abundância de seres que pulam entre suas raízes e suas folhas gordas, triturando materiais orgânicos, perfurando o mangal e umidificando o solo. Percebe-se que existem animais que buscam abrigo e proteção quando jovens, outros procuram o espaço para acasalar e outros para desovar, pois as condições ambientais são propicias ao desenvolvimento dessas fases biológicas (CASTRO, 1948).
            Segundo Vannucci (2002) o primeiro uso da palavra mangue encontrado foi em uma carta de Lopo-Homem-Reineis, datada em 1519, na qual a o termo mamguez (que era uma ortografia antiga do plural da palavra mangue) indicava uma área do “golfo dos Reyes”, hoje conhecido como Angra dos Reis, localizada a oeste e ao sul da cidade do Rio de Janeiro.  A palavra mangle, também foi usada neste mesmo ano pelos espanhóis. Já Segundo Oxford (1613 apud VANUCCI, 2002), fala que a palavra inglesa mangrove é derivada da palavra portuguesa mangue e do espanhol mangle. Analisar esses conceitos teóricos de referência e agregar conceitos como mangue, que em português, serve para designar as árvores, de diferentes espécies, dessa comunidade, sendo a palavra manguezal utilizada para designar o conjunto de árvores, ou seja, a comunidade em si, o ecossistema de mangues, tendo a origem da palavra mangue (ou manguezal) e sobre a origem da palavra mangrove em inglês (MORAES e ALMEIDA, 2012).
Os manguezais são importantes como fonte de alimento e sustento econômico de comunidades humanas litorâneas, provendo abrigo e manutenção à rica e diversificada fauna associada, constituída principalmente de peixes, moluscos e crustáceos (SCHAEFFER-NOVELLI e CINTRÓN 1986: SCHAEFFER-NOVELLI 1987; ALMEIDA 1995).
Os bosques de mangue, além do valor para as populações locais como fonte de alimentação e sustento econômico, constituem patrimônio paisagístico e bioecológico considerável (ALMEIDA, 1996).
            Na costa marítima do Pará, os manguezais formam uma faixa quase contínua de aproximadamente 300 km, intercalados com trechos de várzeas estuarinas, enseadas, pequenas baias e restingas. Os mangues paraenses abrangem uma área estimada em cerca de 2 mil km2 (SUDAM 1988). Estes bosques pertencem às unidades fisiográficas II e UI, segundo a classificação em Scheiffer-Novelli et al. (1990). A primeira vai do Cabo Norte (Amapá) até a Ponta de Curuçá (01 °42'N - 00036'S), enquanto a segunda se estende de Curuçá à Ponta dos Mangues Secos, no golfo Maranhense.
De modo similar ao que ocorre em outros manguezais, no Pará este ecossistema recebe sedimentos provenientes do braço sul do rio Amazonas (rio Pará), carreados para a orla marítima pelos movimentos de marés e correntes (ALMEIDA, 1996).
Os manguezais figuram nas paisagens locais como lugares de labuta, especialmente quando se referem às atividades masculinas ligadas à coleta, ou ‘tiração’, do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) (SILVEIRA e SOUZA, 2014).
            Silveira e Souza (2014) estudando o imaginário, trabalho e sexualidade no manguezal, mostram também o lado sagrado e místico desse ambiente de coleta de caranguejo: “A coleta do caranguejo ocorre no interior das densas florestas de mangue existentes na área litorânea da porção Nordeste do estado do Pará (PA), onde um rico universo de seres adere a uma ‘topografia fantástica’, envolvendo a presença e a agência de seres míticos denominados de encantados, percebidos como protetores das paisagens constituídas por áreas de manguezais, campos nativos e a orla marinha”.
Os caranguejos são um dos mais conhecidos habitantes dos mangues. Pertencem ao filo Arthropoda e à classe Crustácea, alimentam-se de detritos e são importantes para a dinâmica do manguezal, pois cavam buracos, formando verdadeiros túneis, provocando a aeração da lama, facilitando a circulação da água e fornecendo proteção a outros animais. Quando cavam estes túneis os caranguejos promovem a renovação de nutrientes de camadas mais profundas da lama, permitindo a reutilização destes nutrientes por plantas e outros micro-organismos.
Para Luederwaldt (1919), os caranguejos têm importância para o manguezal não apenas como um elo da cadeia alimentar ou como alimento para o homem e outros animais, mas também pelo trabalho constante de revirar a lama trazendo para a superfície a matéria orgânica que jaz em seu interior.
No ciclo de vida desse crustáceo, distinguem-se três principais fases: a ecdise (muda), o acasalamento (andada) e a desova. A ecdise constitui a etapa de crescimento do U. cordatus, ocorrendo geralmente uma vez por ano em indivíduos adultos, sendo mais frequente em jovens (RODRIGUES et al., 2000).
            Góes et al. (2000), estudando o comportamento reprodutivo de U. cordatus, definiram a ocorrência de quatro eventos principais relacionados à reprodução: a) caranguejo espumando (evento observado apenas em machos, que produzem uma espuma branca, exalando odor característico de caranguejo por todo o mangue); b) andada para acasalamento (comportamento pré-copulatório caracterizado por grande movimentação e batalhas entre machos, machos e fêmeas e entre fêmeas); c) acasalamento (observado na entrada das galerias, ocorre quando macho e fêmea permanecem entrelaçados ventre a ventre); d) liberação das larvas (que, no caso estudado pelo autor ocorreu durante todo o período de baixa-mar, nas margens dos canais de maré, quando as fêmeas abrem e fecham o abdome várias vezes enquanto liberam um líquido sobre os ovos, cuja função ainda é desconhecida).
Josué de Castro (1967) fazendo a relação do homem com o caranguejo nos mangues do Recife descreve a reprodução desse homem particular mediante a ecologia do ciclo do caranguejo que se desenvolve nos mangues: “Se a terra foi feita para o homem com tudo para bem servi-lo mangue foi feito essencialmente para o caranguejo”. Tudo aí é, ou está para ser caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. A lama misturada com urina, excremento e outros resíduos que a maré traz, quando ainda não é caranguejo vai ser. O caranguejo nasce nela, vive dela, cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela, fabricando com a lama a carninha branca de suas patas e a geleia esverdeada de suas vísceras pegajosas. Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem limpos como um copo e com sua carne feita de lama fazer a carne do seu corpo e a do corpo de seus filhos. São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejos. O que o organismo rejeita volta como detrito para a lama do mangue para virar caranguejo outra vez.
Nesta aparente placidez do charco desenrola-se trágico e silencioso o ciclo do caranguejo; O ciclo da fome devorando os homens e os caranguejos todos atolados na lama.
Tais conhecimentos associados ao saber dos caranguejeiros a respeito do crustáceo podem, portanto, subsidiar estudos científicos relacionados à biologia e ecologia desse crustáceo. Para Johannes (1981,1989), observações diárias de pescadores sobre os recursos e o ambiente de pesca, junto com o conhecimento aprendido dos mais idosos, poderiam beneficiar estudos ecológicos. Posey (1984), Sillitoe (1998), e Morin-Labatut e Akhtar (1992) ressaltam que os saberes e técnicas tradicionais complementam o conhecimento científico em pesquisas básicas e sobre avaliação de impactos ambientais, manejo de recurso e desenvolvimento sustentável.
Embora seja conhecimento tradicional que as andadas costumam começar um a dois dias após a lua cheia ou nova (Nordi, 1994; Diele e Koch, 2010), a razão da alternância da ocorrência desse fenômeno nestas duas fases lunares é desconhecida. Assim, por precaução, a captura é proibida durante seis dias após a lua cheia, e seis dias após a nova.
Segundo os pescadores, é a partir do mês de março ou abril que os caranguejos iniciam uma fase de engorda, estendendo-se até setembro ou outubro. Esta fase é relacionada diretamente à queda das sementes do mangue, consideradas pelos pescadores o único item alimentar responsável pela engorda dos caranguejos (SOUTO, 2008).
A biologia, ecologia e o ciclo de vida do crustáceo possuem forte ligação com o ciclo lunar, vez que exerce grande influência sobre a vida na terra, sobretudo no ambiente marinho, uma vez que as marés são fortemente dependentes da posição da lua em relação ao nosso planeta (ALVES e NISHIDA, 2002).
Nesse aspecto o ciclo lunar e as variações das marés são fatores que exercem grande influência sobre o ciclo de vida do caranguejo, atuando diretamente no padrão geral de atividade desse crustáceo em seu habitat. Em virtude da importância destes fatores para o sucesso das capturas e a organização das atividades de coleta, os catadores desenvolveram um elaborado conhecimento sobre as fases da lua e os tipos de maré (ALVES e NISHIDA, 2002).
Desse modo, para aquelas comunidades tradicionais que vivem nas áreas costeiras, onde a pesca e a extração de recursos oriundos do manguezal constituem a principal fonte de renda, o conhecimento sobre a lua torna-se um fator preponderante na sobrevivência, em função da sua influência na organização das atividades de coletas e na biologia dos recursos explorados. Nas ocasiões em que o sol, a lua e a terra estão alinhados, em sizígia (conjunção ou oposição), as forças de atração gravitacionais somam-se (Perkins 1974; Thurman 1997), sendo observadas nesta situação as maiores amplitudes entre as marés altas e baixas, referida pela comunidade científica como “maré de sizígia”, e de acordo com os catadores de caranguejo como “maré de lua”.
Durante um período de aproximadamente sete dias, os astros movimentam-se, saindo de uma situação de conjunção, dirigindo-se para uma situação de quadratura, onde o sol e a lua formam um ângulo reto em relação a terra. Nessa situação, observam-se as menores variações entre as marés altas e baixas, referida pela comunidade científica como “maré de quadratura” e pelos catadores de caranguejo como “maré de quarto” (minguante ou crescente). Por alguns dias, próximo à quadratura, as oscilações entre as marés baixas e altas são mínimas. Este período é conhecido pelos catadores como “maré morta”. O final da maré morta, quando a lua começa a mudar de fase (para quarto minguante ou crescente), é denominado pelos catadores de caranguejo como “cabeça de água morta” (Figura 3).
            De acordo com os catadores, o início e o término do processo de “embatumamento” dependem diretamente das fases da lua e de sua influência nas variações do nível das marés. Eles sugerem que o início (obstrução da abertura da toca) e o final (saída da toca após a muda) do embatumamento ocorrem durante a maré de quebramento (quadratura). Nessas ocasiões, o substrato do mangue, ainda úmido (mole), ofereceria condições favoráveis às etapas (inicial e final) do processo de ecdise da espécie U. cordatus.
            O mar, o manguezal e o interior das galerias são citados como locais de desova do caranguejo-uçá. Segundo os catadores, após o acasalamento, as fêmeas se entocam para o desenvolvimento dos ovos, em seguida desenterram-se e deslocam-se sobre o mangue em direção ao mar, onde as ovas serão liberadas. Há, ainda, relatos de que a fêmea também pode entocar-se em suas galerias para alimentar os ovos e proporcionar condições para o desenvolvimento das fases de ovo, larva e pós-larva (CAVALCANTE et al , 2011).
            Quanto aos aspectos de área de desova, Ivo e Gesteira (1999) declaram que, após o acasalamento, a fêmea se dirige ao mar onde irão eclodir as larvas. Entretanto, Nascimento (1986) apud Ivo e Gesteira (1999) acredita que este fenômeno ocorre no mangue local, onde as fêmeas mantêm as toca. Isso pode ser constatado pela presença de fêmeas ovígeras e de larvas na coluna d’água. Para Simit e Diele (2004), as larvas recém-eclodidas são levadas pela maré vazante para as águas costeiras, onde se desenvolverão até retornarem para o manguezal, mas, segundo Pinheiro e Fiscarelli (2001), não há registros de andadas específicas para fêmeas ovígeras que, saem das galerias e deslocam-se para a margem dos rios e córregos do manguezal, onde ocorre a eclosão de suas larvas.
            O período de muda é percebido devido ao aspecto mole e leitoso que o animal apresenta e à observação de galerias tampadas, o que determina uma fase de baixa produtividade da atividade, uma vez que os caranguejos tornam-se impróprios para o consumo. 
            Conhecedores e moradores que dependem do ecossistema manguezal, os catadores sabem que os manguezais são extremamente frágeis e vêm sofrendo severos impactos ambientais que, consequentemente, acarretam em ameaças a qualquer atividade dependente desse ecossistema, reduzindo, por exemplo, a incidência do caranguejo na região.
             Desta forma, a implementação de medidas conservacionistas visando à preservação dos manguezais e ecossistemas costeiros necessitam integrar o conhecimento das comunidades tradicionais que vivem próximas ou inseridas nessas áreas. O conhecimento local é um recurso valioso que deve ser considerado em planos de desenvolvimento e em estudos de manejo do meio ambiente (Alves e Rosa, 2005; Drew, 2005; Pedroso Junior e Sato, 2005), sendo impossível desenvolver modelos sustentáveis de apropriação dos recursos naturais sem antes estudar a experiência adquirida pelas culturas locais durante os ciclos de interação com o ecossistema (TOLEDO e CASTILLO, 1999).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
            O conhecimento tradicional dos catadores do caranguejo sobre o uso de recursos naturais deve ser considerado, pois, este conhecimento desenvolvido por povos tradicionais, serve como fonte de informação a respeito do status atual dos recursos, da dinâmica dos ecossistemas e das características ambientais locais, produzindo informações teórico-prática, sobre como manejar, conservar e utilizar os recursos naturais de maneira mais sustentável.
            Estudos constantes a cerca da exploração dos recursos de manguezais são imprescindíveis para que práticas de manejo e ações conservacionistas adequadas sejam aplicadas de forma coerente, visando manter a diversidade biológica e o desenvolvimento cultural social e econômico local desta área.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recibido: 04/02/2016 Aceptado: 25/04/2016 Publicado: Abril de 2016

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