Anderson Lincoln Vital da Silva
Maria Rosinete de Oliveira Vital
Rosa Eulália Vital da Silva
Faculdade Salesiana Dom Bosco
andersonlincoln.adv@gmail.comRESUMO: Ao se pensar em Amazônia, especificamente em ambientes rurais é necessário analisar políticas públicas, o processo de globalização e as questões regionais incluindo o desenvolvimento econômico sustentável. O artigo aborda a Educação do Campo, num breve contexto, inclusive da formação de professores, para em seguida, discutir a sustentabilidade. A discussão centra-se ainda, em duas vertentes de modelos econômicos, sendo uma no ambiente urbano no que tange ao modelo adotado para integrar a cidade de Manaus a economia nacional através da Zona Franca de Manaus, vinculando aos seus processos de globalização econômica e a outra em um modelo de gestão de forma alternativa de desenvolvimento sustentável, na comunidade do Julião da RDS do Tupé localizada na margem esquerda do rio Negro.
Palavras-chave: Globalização, Zona Franca de Manaus, Desenvolvimento Sustentável e Educação do Campo.
Abstract: When you think of Amazon, especially in rural environments is necessary to analyze public policies, the process of globalization and regional issues including sustainable economic development. The article discusses the Field Education, a brief background, including teacher training, to then discuss sustainability. The discussion also focuses on two aspects of economic models, one in an urban environment with respect to the model adopted to integrate the city of Manaus to the national economy through the Zona Franca de Manaus, linking to their processes of economic globalization and other in a model management alternative form of sustainable development in the community of Julian of RDS Tupé located on the left bank of the Rio Negro.
Key Words: Globalization, Zona Franca de Manaus, Sustainable Development and Countryside Education.
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Anderson Lincoln Vital da Silva, Maria Rosinete de Oliveira Vital y Rosa Eulália Vital da Silva (2015): “Educação do campo e a sustentabilidade na comunidade do Julião – RDS do TUPÉ-AM”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (agosto 2015). En línea: https://www.eumed.net/rev/caribe/2015/08/juliao.html
INTRODUÇÃO
A temática aborda a necessidade de se repensar as inter-relações entre o desenvolvimento econômico sustentável e as políticas públicas de desenvolvimento, em particular aquelas relacionadas à questão do trabalho e sustentabilidade na Amazônia. Haja vista as peculiaridades do Estado do Amazonas, com suas imensas riquezas naturais e a organização de sua população, bem como o crescente interesse de outros povos e grupos econômicos por esta região, questionando até mesmo a capacidade dos governos local e nacional em administrar tão variados recursos.
Haja vista sua composição cultural e étnica ser diversificada, com a presença de populações indígenas vivendo no contexto urbano da cidade de Manaus e trazendo consigo a riqueza de suas expressões culturais, ao mesmo tempo em que são influenciadas pelo contexto de uma metrópole. Habitam, ainda, na cidade as populações caboclas, formadas por grupos ribeirinhos que habitam a zona rural nas margens de rios, lagos e igarapés constituem também modos de vida amazônicos representando experiências e conhecimentos sobre formas de coexistência e utilização do meio local.
Nos últimos anos a temática do desenvolvimento sustentável da Amazônia num contexto global e local apresenta múltiplos olhares nas diversas áreas do conhecimento. O artigo em tela utiliza-se de uma metodologia bibliográfica, por se constituir de material já elaborado. Estrutura-se por sua vez, apresentando a Educação do Campo, a Sustentabilidade, a Zona Franca de Manaus como espaço produtivo na cidade de Manaus e as relações com a globalização e a questão local. Em seguida, e utilizado como exemplo de alternativa de desenvolvimento sustentável o caso do beneficiamento do cupuaçu na Comunidade do Julião na RDS do Tupé, demonstrando nesse interim, a possibilidade de outras formas produtivas não somente atreladas a indústria.
A EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONSTRUÇÃO DE CAMINHOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ALTERNATIVAS
Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9394/96, fica estabelecida a educação do campo, em seu art. 28 e demais incisos, in verbis, assevera uma proposta pedagógica diferenciada, em face de fatores ambientais, da organização do trabalho no ambiente rural, incluindo ainda a utilização de metodologias próprias.
Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - Miniorganização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - Adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Extraindo-se tal interpretação hermenêutica, é necessário que escola situada no campo reconheça essa diversidade de ambiente e promova o direito à igualdade respeitando as diferenças existentes entre a zona urbana e a zona rural, com suas peculiaridades geográficas e humanas, deste modo se adequando a realidade.
A escola rural deve proporcionar uma educação voltada para a realidade do campo, com um ambiente no qual alunos têm a possibilidade de aprender saberes que poderão executá-los, com isso gerando desenvolvimento em sua comunidade. Com tal ação, poderiam ser evitados processos migratórios do campo para a cidade. Entretanto, percebe-se que a educação do campo, ainda se traduz de forma precária.
Para Arroyo (2007) o sistema de escolar brasileiro é pensado no modelo urbano, dessa forma a formulação das políticas publicas e educativas são voltada especificamente para os cidadãos que vivem na cidade. O campo é considerado como um lugar de atraso, de esquecimento. Nesse caso, as políticas públicas relativas à educação são inspiradas em uma ideologia urbana gerando falta de políticas publicas para o campo. E, continua:
A história nos mostra que não temos uma tradição nem na formulação de políticas públicas, nem no pensamento e na prática de formação de profissionais da educação que focalize a educação do campo e a formação de educadores do campo como preocupação legitima (ARROYO, 2007, p.158)
Desta forma, e cristalino o entendimento, de uma educação do campo, voltada para a organização da comunidade, e ainda mais, para o desenvolvimento de forma sustentável. Assim, justifica-se a necessidade de uma breve discussão sobre a temática, pois como conceber modelos de gestão, atividades extensionistas em comunidades rurais, sem levar em consideração, a natureza, a concepção, o agir e o fazer dos habitantes do ambiente rural.
Sendo assim, a prática pedagógica não se limita apenas ao processo escolar, mas também ela imbuída ligada nas relações sociais que produzem aprendizagem.
Assim, para que o professor desenvolva uma pratica pedagógica que gere bons resultados é necessário que possua uma visão geral da sociedade e da realidade em que se encontra e ainda, o mesmo deve possuir uma ligação de interesses com a comunidade escolar a fim de juntos desenvolverem projetos de pesquisas que estimulem a reflexão sobre as atividades e os resultados do projeto político pedagógico da escola.
Com isso, é importante afirmar que a pesquisa é o elemento essencial para uma pratica pedagógica que possibilite a superação da alienação e da relação de subalternidade cultural, política e sócia. A pesquisa como característica da formação e da pratica do professor e como elemento de motivação para a atitude investigadora entre o educando (SOUZA, 2004, p. 3).
Uma dessas práticas será apresentada a seguir, aliando educação para o campo, de uma maneira com vistas ao desenvolvimento sustentável na comunidade rural amazônica.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL NA AMAZÔNIA
A discussão sobre o significado do termo desenvolvimento sustentável se inicia ainda nos anos 60, a partir dos estudos realizados pelo chamado Clube de Roma. Por sua vez, no relatório desenvolvido no Clube de Roma as conclusões apontavam segundo Romero (2012) que o crescimento econômico precisava parar para se evitar o esgotamento dos recursos naturais.
O cenário desta discussão e analise surge num contexto da recuperação e ascendência dos países no período pós-guerra, com destaque ao próprio Brasil, no período denominado de Milagre Econômico, além dos Tigres Asiáticos. Ou seja, apresenta-se uma informação do qual irá originar um debate com ênfase em determinados campos: social, econômico, politico e cultural, tendo a divisão como aponta Romero (2012) em zeristas, ou seja, aqueles “defensores de crescimento zero” e os desenvolvimentistas, visando à continuidade do desenvolvimento econômico do país.
Assim, o conceito de desenvolvimento sustentável foi construído e legitimado ao longo de décadas através de estudos e relatórios acerca da questão ambiental e do desenvolvimento econômico. O termo desenvolvimento sustentável surgiu com o nome de ecodesenvolvimento no qual aponta Romero (2012, p.65): “deve ser economicamente sustentado (ou eficiente), socialmente desejável (ou includente) e ecologicamente prudente (equilibrado)”.
Ainda nessa seara da agenda ambiental para a construção do conceito de desenvolvimento sustentável cita-se ainda a Conferencia das Nações Unidades sobre o Ambiente Humano em 1972, que segundo Sachs (2002, p.48) “foi colocada à dimensão ambiente na agenda internacional e pela primeira vez foi discutida as dependências entre o desenvolvimento e o meio ambiente”.
Em seguida uma serie de encontros e relatórios culminaram vinte anos depois com a II Conferência da ONU sobre o meio ambiente em 1992 realizada na cidade do Rio de Janeiro. Nesse evento foram apresentadas conclusões sobre o relatório do Clube de Roma, e que segundo Romero (2012) persistiam ainda na ideia de 20 anos atrás, ou seja, que o crescimento devia parar.
Tais situações decorrem da utilização irracional dos recursos não renováveis e da produção da qual o planeta não suporta, do qual Romero (2012, p. 71) explica:
O destaque maior é a destruição de ecossistemas e suas implicações na capacidade de suporte do planeta, na medida em que os ecossistemas no seu conjunto prestam o serviço ecossistêmico maior que a capacidade de absorção de resíduos gerados pelas atividades humanas.
Desta forma, o conceito de desenvolvimento sustentável começar também a ser entendido como uma polissemia, como afirma Nascimento (2012), ou seja, um campo em que empresariados, políticos, movimentos sociais e organismos multilaterais contribuem numa relação direta para tal construção.
A seguir a discussão centra-se em dois modelos econômicos diferenciados, sendo um através da Zona Franca de Manaus, como alterativa de integração da economia regional a nacional e a segunda será demostrado como é possível em uma comunidade amazônica uma alternativa de desenvolvimento sustentável e geração de emprego e renda, sem sobrepor questões culturais.
ZONA FRANCA DE MANAUS E GLOBALIZAÇÃO
A justificativa de abordar esta temática sobre a globalização e a ZFM ocorre pelo fato do modelo de desenvolvimento adotado para a região a partir da década de 1960 foi baseado na implantação de grandes projetos nos setores mineral, agropecuário e industrial, bem como a instalação da Zona Franca de Manaus em 1967.
A história econômica da Amazônia evidenciou ciclos de prosperidade relativa, intercalados com períodos de estagnação ou crescimento bastante lento das atividades produtivas.
Na época de implantação desse modelo, Manaus constituía-se um mero entreposto comercial que ligava a economia extrativista praticada no interior com o restante do mundo. Os produtos coletados ou extraídos da floresta eram da flora: madeira em tora, borracha, sorva, castanha, pau-rosa, cumaru, breu, resinas, sementes oleaginosas, essências odoríferas; e da fauna: quelônios, peixes, couro, peles silvestres, entre outros (BOMFIM & BOTELHO, 2009).
A situação econômica apresenta-se com características feudais que mantinham o produtor em nível de subsistência, escravizado aos interesses dos intermediários e dos donos dos seringais (latifúndios com seringueiras produtoras de látex), ou seja, os comerciantes levavam alimentos, fumos, tecidos, roupas, remédios e ferramentas e em troca, adquiriam os produtos extraídos da floresta. Nesse período a base da estrutura econômica da região foi constituída pelo extrativismo, sendo exercido de forma intensificada ou sazonal de acordo com os regimes das enchentes dos rios amazônicos ou em consequências das flutuações dos preços desses produtos extrativos no mercado internacional.
Para Salazar (2006) diante desse quadro se definiam as possibilidades e os limites do crescimento econômico regional, os recursos de infraestrutura na qual atendiam apenas a necessidade do modelo extrativo-exportador. A saída para o desenvolvimento desta área da Amazônia consistiria num projeto que sintonizasse uma opção política radical, fundada no interesse nacional e tendo por objetivo a integração da economia regional à economia brasileira.
A dinâmica da economia capitalista assume diversas faces no seu processo de expansão, concentração, crise, estagnação e recuperação. Para Silva (1997) o significado da criação da Zona Franca de Manaus, consiste na mais ampla estratégia do capitalismo, no âmbito de uma necessidade crescente da criação e ampliação de formas de lucro, ou seja, formando-se articuladas novas e particulares unidades de produção que se articulam ao conjunto global da economia.
Com o final dos anos 60, ocorre uma redefinição tanto no local, regional e nacional da Amazônia Ocidental, com a implementação da Zona Franca de Manaus em 1967. Para Valle (2007) é uma decisão política do governo brasileiro com múltiplas implicações envolvendo Estado, empresas e trabalhadores, cada um dispondo de diferentes tipos de capital, combinando-se na confirmação de uma estrutura econômica industrial moderna orientada para produção/montagem de produtos destinados ao mercado extra-regional.
Seráfico (2005) afirmar que:
a criação da Zona Franca de Manaus foi justificada pela ditadura militar com a necessidade de se ocupar uma região despovoada. Era necessário, portanto, dotar a região de “condições de meios de vida” e infraestrutura que atraíssem para ela a força de trabalho e o capital, nacional e estrangeiro, vistos como imprescindíveis para a dinamização das forças produtivas locais, objetivando instaurar na região condições de “rentabilidade econômica global”. De fato, sua criação e desenvolvimento sempre estiveram atrelados a circunstâncias político, econômicas, locais, nacionais e mundiais.
Outro dado que deve ser suscitado ao tratar de Zona Franca após situar as condições históricas mais amplas em que se discute e aprova a prorrogação dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus. Proposta em 1950, pelo Deputado Federal Francisco Pereira da Silva, como Porto Franco de Manaus, por meio do projeto nº. 1.310, aprovada em 6 de junho de 1957 pela Lei nº. 3.173, regulamentada posteriormente pelo Decreto nº. 47.757, de 2 de fevereiro de 1960, a Zona Franca de Manaus foi reestruturada e implantada em 28 de fevereiro de 1967, através do Decreto-Lei nº. 288. Esse instrumento reformulou-a, ampliando os incentivos e a área de abrangência que inicialmente a caracterizavam, válidos para toda a Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima). Em 1988, quando promulgada a Constituição Federal pós-ditatorial, a Zona Franca foi incluída no ato as disposições constitucionais transitórias, art. 40 da Carta Magna:
Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição.
Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca de Manaus.
Diante do cenário constituído observa-se grandes transformações na cidade de Manaus, atingindo dois milhões de habitantes em 2007, concentrando cerca de 55% da população estadual na cidade e sendo responsável por uma arrecadação tributária de 96% do Amazonas. Com estes números e o percurso histórico, econômico e político cabe à reflexão sobre a globalização econômica e a questão regional.
GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E A QUESTÃO REGIONAL
A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades culturais e civilizações (IANNI, 1996).
Cabe discutir que ao mesmo tempo em que há profundas transformações sociais, compreendendo as forças produtivas, isto é, o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão do trabalho social, o mercado, o planejamento e o monopólio da violência (IANNI, 2003) verifica-se que com o processo de crescimento da ZFM o despertar da atenção de migrantes de outros estados como Ceará, Maranhão e Pará, além de habitantes do interior do Amazonas, o que ocasionou de forma expressiva a demanda de serviços sociais básicos: saneamento, saúde, educação, transporte público, segurança. Com as migrações, acumulou-se enorme passivo social que deu origem a uma sociedade dualista em que convivem lado a lado exclusão e riqueza, exigindo definição de melhores políticas públicas visando elevar a qualidade de vida e a competitividade da economia da ZFM.
Destaca-se ainda nessa seara a questão da identidade e da cultura atreladas à compreensão de tempo e espaço. McGrew (1992) apud Hall (1992, p. 18), assevera que:
a "globalização" se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado.
Ora num contexto de amplos processos numa escala global sendo sedimentados na Cidade de Manaus, percebe-se uma reestruturação na organização social, no que tange a direitos fundamentais, trabalhistas, econômicos, ou seja, a o campo de luta passa a ser diferente quando apenas apresenta-se uma economia extrativista e com isso uma nova formação de identidade e tecida, como afirma Hall (1992, p18): ” as identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades — híbridas — estão tomando seu lugar.
Com o processo de globalização ocorre que as condições de vida e trabalho, em todos os lugares, estão sendo revolucionados pelos processos que provocam, induzem ou comandam a globalização. A nova divisão transnacional do trabalho e produção transforma o mundo em uma fábrica global.
Ianni (1996) argumenta sobre a reestruturação de empresas, grandes, médias e pequenas, em conformidade com as exigências da produtividade, agilidade e capacidade de inovação abertas pela ampliação dos mercados, em âmbito nacional e mundial. Todos são desafiados a integrar-se no novo mapa do mundo.
Observa-se, portanto, mudanças, acontecimentos e as rupturas, com as relações, os processos e as estruturas, que se formam e transformam com a sociedade global; uma sociedade na qual se unam as sociedades nacionais em seus segmentos locais e em seus arranjos regionais. Isto pode ser observado na evolução do parque industrial que proporcionou à sociedade uma cultura empresarial onde praticamente não existia atividade industrial. O maior desafio consiste na logística que é desfavorável, o aumento da burocracia para fiscalizar a movimentação de cargas – dos insumos que chegam e de produtos industrializados que saem de Manaus – gerou um ambiente desfavorável aos negócios com custos visíveis e invisíveis que tornam mais onerosa à produção.
Entretanto, é necessário lembrar que uma das propostas do modelo Zona Franca é o processo de interiorização de suas riquezas, aglutinando valor aos produtos regionais, o que demanda investimentos por parte do poder público e mudança comportamental das populações tradicionais em relação ao modo de produção. A partir deste viés, uma proposta de pesquisa desenvolvido em uma comunidade da zona rural de Manaus pode demonstrar como é possível o aumento de renda e qualidade de vida da população aliando liderança e meio ambiente.
O CASO DO BENEFICIAMENTO LOCAL E COOPERATIVO DA POLPA DE CUPUAÇU NA COMUNIDADE DO JULIÃO NA RDS DO TUPÉ
Em 2005, através do Decreto nº. 8044, de 25 de agosto de 2006, foi criada a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS do TUPÉ), que de acordo com o Art. 1º do referido Decreto, tem o objetivo básico de preservar a natureza e ao mesmo tempo assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria da qualidade de vida das populações tradicionais, a exploração sustentável dos recursos naturais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvidas por estas populações.
Por sua vez trabalhar em uma RDS, principalmente no meio rural, significa desenvolver uma dinâmica de trabalho diferenciada e formas de intervenção comunitária dentro das legislações vigentes do Desenvolvimento Sustentável.
Integrados ao meio ambiente, o homem amazônico, nas condições de agricultores, pescadores, remadores, caçadores, mateiros, etc., seguem as mudanças de uma natureza monumentalizada pelas suas enormes proporções que delas exige criatividade e os instigam à compreensão imaginativa (FRAXE e WITKOSKI, 2007, p. 186).
O caso em tela ocorreu na comunidade do Julião que fica à beira do Tarumã-Mirim, no limite da RDS, conforme figura 1.
Scudeller e Santos-Silva (2009) relatam que na comunidade habitam aproximadamente 70 famílias. Em termos de infraestrutura possui uma escola municipal com turmas do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental e o Programa Itinerante do sexto ao nono ano, que no caso representa o Ensino Fundamental II, uma igreja evangélica, o barracão sede da Associação Comunitária e que aloja a cozinha do grupo de beneficiamento do cupuaçu.
Em 2009, com o Programa Luz para Todos do Governo Federal, a comunidade passa a ser abastecida de energia e de água. Existe transporte fluvial, mas com periodicidade irregular e custo elevado. Há um telefone público que geralmente está com defeito e não funciona. Cinqüenta por cento daqueles que possuem lotes na vila tem residência principal em Manaus, passando apenas finais de semana na comunidade. A população desta comunidade também tem renda familiar baixa e baixo nível de instrução formal, é constituída principalmente por adultos/velhos e crianças. O número de jovens que residem na comunidade é muito baixo (SCUDELLER E SANTOS-SILVA, 2009)
A partir de um extenso trabalho de campo durante os anos de 2004 a 2006, através do projeto Biotupé extraiu algumas conclusões acerca da viabilidade econômica do uso de alguns recursos vegetais não-madeireiros pelos comunitários, tais como óleo de copaíba, produção de geléia de cupuaçu e artesanato, para geração de renda e melhoria da qualidade de vida. A partir dos estudos foi traçado um cenário de variáveis antes da introdução da cooperativa do beneficiamento do cupuaçu com os comunitários:
1. Falta de representatividade do líder comunitário; 2. Falta de iniciativa comunitária; 3. As relações sociais eram muito instáveis e grande fluxo de pessoas vindo para Manaus a qualquer dificuldade; e por fim, 4. A falta de perspectiva imediata de retorno financeiro das atividades propostas (SCUDELLER, 2007, p.258).
Oliveira (2007) analisa que a questão que se vislumbra é como compreender as estratégias das populações e do poder local para superação das dificuldades de acesso à educação, saúde e telecomunicações, como essa articulação se insere numa rede de organizações do movimento social local (sindicatos, cooperativas, nações indígenas), inserido a Amazônia como pauta de discussão internacional, relacionada à questão ambiental. (p. 175)
Confirmando a iniciativa de estudos e pesquisas Mariosa (2009), considera:
que de fundamental importância, portanto, conceber projetos de desenvolvimento comunitário que compreendam, considerem e reorientem os processos sociais, econômicos e ambientas explícitos nas comunidades. Da mesma forma, nesta interagem, deve-se enfatizar uma aprendizagem que além de valorizar os saberes tecnocientíficos respeite, igualmente, os saberes locais, proporcionando experiências que ampliem seus conceitos mudando valores e posturas mediante seus pares e, consequentemente, o ambiente onde vivem. A tônica deste processo é, enfim, transformar as comunidades em gestoras de seus processos e participantes integrais da sociedade.(p. 10)
Com apoio financeiro do CNPq (MCT/MDA através do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico processo no 554318/2005-9 edital CT-AGRO 19 e processo 554289/2005-9 edital CT-AGRO 20) Scudeller e Santos-Silva (2009) juntamente com o Grupo de Pesquisas Biotupé realizaram diversas reuniões com o grupo de beneficiadores de cupuaçu da comunidade Julião mostrando a importância de uma organização comunitária mais forte e eficiente para que eles mesmos, sozinhos, de forma competente, possam desenvolver todas as atividades necessárias para o aproveitamento do cupuaçu, independentemente do projeto.
A escolha dessa fruta se dá em decorrência de que Segundo o Caderno de Produtos Potenciais da Amazônia (1998) a demanda pelo cupuaçu é cada vez maior, em função do sabor agradável da polpa do fruto e da sua rentabilidade como cultura perene. A facilidade de industrialização dos frutos e sementes vem despertando acentuado interesse tanto do mercado regional como nacional e o internacional. Na culinária regional seu uso tem sido registrado em mais de 60 modalidades de produtos como, por exemplo, pudins, cremes, tortas, molhos, bolos e pizzas.
Por 22 meses foram trabalhadas na comunidade o beneficiamento do cupuaçu de forma a gerar um produto que agregasse valor e não dependesse de energia elétrica (por motivos óbvios na época). Então foi decidido trabalhar a produção de doces, geléias e balas. Formando três frentes de atuação: 1. padronização da receita de doce, geléia e balas de cupuaçu, processadas e beneficiadas na própria comunidade nos princípios da cooperação; 2. organização comunitária e elaboração de um estatuto do grupo; 3. manejo e tratos culturais do cupuaçuzal (SCUDELLER & SANTOS-SILVA, 2009)
Com os resultados obtidos pode-se afirmar que:
o beneficiamento do cupuaçu é uma atividade rentável, com um potencial de geração de renda da grandeza de R$ 100,00 (cem reais) para cada 1,5h trabalhada na produção de doces e geléias e o mesmo valor para cada 16h trabalhada na produção de balas, sem contabilizar o esforço da venda. Verificou-se que 6kg de polpa e cerca de 2h de trabalho na cozinha rendeu 48 potes (250 ml cada) de doce e 48 potes de geléia ou então 720 balas gastando-se cerca de 18h (SCUDELLER & SANTOS-SILVA, p.177, 2009)
Percebe-se, portanto, que união de executar um projeto de desenvolvimento comunitário que compreenda, considere e reoriente os processos sociais, econômicos e ambientas explícitos nas comunidades, alem de evidenciar o que afirma Delors (2003) que o principio geral de ações como estas devem ser baseadas na participação responsável de todos os membros da sociedade e da iniciação ao trabalho em equipe, as sinergias, mas também ao auto-emprego e ao espírito empreendedor, sendo necessário ativar os recursos de cada um, mobilizar os saberes locais, com vista à criação de novas atitudes que afastam os malefícios do desemprego e das políticas assistencialista.
Um dos resultados que se pode elucidar é justamente a mudança morosa do discurso destes comunitários em relação à espera por benefícios governamental assistencialista presentes em nosso país.
Tal resultado se retrata através das mudanças requeridas pelo mundo contemporâneo exigem que a educação se dê, cada vez mais, o tempo todo e nos mais diferentes espaços, rompendo a atuação apenas do Estado e exigindo a ação de novos atores sociais, não se restringindo à formação escolar, devendo estender-se à preparação para o mundo do trabalho, a evolução da consciência e da cidadania.
Nesse contexto, assevera Leff (2000, p. 114) ao pontuar sobre a questão cultural:
a cultura tanto como estilo de vida e de desenvolvimento, como direitos das comunidades sobre seus territórios e seus espaços étnicos, e como um conjunto de valores, práticas e instituições para a autogestão de seus recursos que não foi contemplada nos paradigmas dominantes da economia.
Diante dos cenários de pobreza e miséria somos levados a buscar alternativas que rompam o ciclo ativando alternativas para o desenvolvimento de nossa região amazônica.
É indiscutível a importância da educação para o desenvolvimento de um país, de uma região ou de uma pequena comunidade. É através dela que os seres humanos se apropriam do saber de seus antepassados e transformam este saber em novos saberes gerando poder e força para suas comunidades.
No momento atual, os autores Delors (2003), Pinho (1976), Agenda XXI (2000), e Clement (2003) e outros vêm acentuando a relação direta entre educação e desenvolvimento econômico, visto que, o progresso só acontece a partir da capacidade criadora e transformadora do seu povo. A educação, enquanto prática social é vista por diferentes segmentos sociais como uma das possibilidades da atuação, na tentativa de reverter ou amenizar o quadro de desequilíbrios instalados na natureza. E, reconhecemos a importância reflexiva desta prática social no percurso dos seres humanos que vão se constituindo como sujeitos críticos, como atores e autores de suas ações (FREIRE, 2004). Ao mesmo tempo, acontece uma formulação de políticas públicas, difusão da temática em diferentes movimentos sociais e propostas de incorporação do estudo do ambiente associado à ciência, tecnologia e sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A breve discussão tecida neste artigo consiste em demostrar uma possibilidade de alternativa de desenvolvimento sustentável em comunidade de uma RDS, desatrelando uma única forma concebida de desenvolvimento com ligações na indústria.
Nesse interim, foi apresentado o processo histórico da Zona Franca de Manaus, apontando o cenário antes da criação através dos avanços e estagnação que a cidade vivenciou na época da borracha, e em seguida, as ações através de diferentes tipos de capital para a implantação de uma Zona Franca na cidade de Manaus.
Portanto pode-se verificar que na experiência do caso relatado sobre o beneficiamento do cupuaçu na Comunidade do Julião na RDS do Tupé a importância de promover iniciativas de uso e exploração racional dos recursos naturais, implementando atividades de caráter produtivo e educativo a partir de conceitos inerentes ao desenvolvimento sustentável.
Sendo assim, o desenvolvimento de projetos em comunidades amazônicas deve ser estimulado, se pautando numa característica de apreender a empreender, ou seja, promover saberes de gestão financeira e desenvolvimento sustentável aliado a saberes culturais das populações tradicionais da Amazônia juntamente com a nossa riqueza de biodiversidade que desempenha papel fundamental no contexto econômico, cultural, social e político, possibilitando assim, estratégias de sobrevivência, desenvolvimento, transformando as comunidades em gestoras dos processos e integração na sociedade e assim, tendo sua articulação em rede, ou seja, diversas coisas, variáveis, fatores que conectados ao social, permite uma circulação de todos esses componentes na rede. Ressalta-se ainda, que somente torna-se possível modelos de gestão sustentável em ambientes rurais, desde que ocorra uma educação do campo favorável, no qual sejam respeitados a sua organização do trabalho pedagógico.
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