Ana Celeste da Cruz David
Gilmara dos Santos Oliveira
Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC
Neste artigo temos como objetivo obter uma compreensão acerca
da percepção sobre a teoria da complexidade a partir de Morin aplicadas no
campo educacional e como os princípios dessa teoria podem ser identificados
na teoria dos Sistemas Complexos de Nussenzveig. Como ponto de partida
foram selecionados uma amostra de quatro textos na base de dados da
SciELO a partir das palavras-chave educação e complexidade e, ainda o
material produzido no projeto Escuta Pedagógica, realizado no Estado do
Ceará em 2010. Neste contexto, a ideia é discutir sobre a teoria da
complexidade no campo educacional e seu favorecimento pela UNESCO
através da obra “Os sete saberes necessários à educação do futuro” e quais os
possíveis motivos de não ter sido incentivado a investigação sobre o uso da
teoria dos sistemas complexos.
PALAVRAS-CHAVE: Educação; Complexidade; Sistemas Complexos.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Ana Celeste da Cruz David y Gilmara dos Santos Oliveira (2015): “A teoria da complexidade: percepção no campo educacional a partir da difusão da obra de edgar morin: “os sete saberes necessários à educação do futuro””, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (Mayo 2015). En línea: https://www.eumed.net/rev/atlante/04/teoria-complexidade.html
A ideia inicial de complexidade conforme conhecemos debatida no contexto educacional nasce em contraposição ao paradigma da simplificação. A crítica à fragmentação do conhecimento uma das principais discussões deste novo paradigma vem sendo fortemente discutido no cenário educacional seja na produção do conhecimento, na aprendizagem, na formação de professores, na elaboração dos currículos escolares dentre tantas outras questões que envolvem a complexidade. No Brasil esta perspectiva tem como principal referência, a arquitetura desenhada por Edgar Morin e foi essa composição que ganhou corpo no contexto educacional brasileiro e com apoio de órgãos internacionais chegou às escolas.
Ao falar de complexidade logo se remete a ideia construída pelo filósofo, sociólogo e antropólogo francês, ou seja, trata-se de um único viés acerca do que vem a ser a complexidade, olhar esse que dificilmente é contestado exatamente pela ausência de estudos neste campo de domínio da física e mais precisamente da física de Sistemas Complexos. Podemos afirmar ainda que no contexto educacional a obra que os profissionais de educação tiveram acesso de forma massiva foi “Os sete saberes necessário à educação do futuro” e em muitos casos a mesma não foi estudada e debatida como proposta educacional. Neste sentido, a questão que envolve a produção deste artigo é localizar no pensamento de Morin os princípios da teoria dos sistemas complexos e entender porque essa teoria não chegou às escolas.
Como caminho metodológico para este trabalho, foram selecionados quatro textos na base de dados da SciELO a partir das palavras-chave educação e complexidade e, ainda o material produzido pelo projeto Escuta Pedagógica, realizado no Estado do Ceará em 2010 em que o foco era conhecer a percepção dos docentes acerca da obra “Os sete saberes necessários a educação do futuro” de Edgar Morin (2006). Vale ressaltar que o esquema teórico geral dos princípios da Complexidade que nasceram do ramo da física de Sistemas Complexos.
Educação e Complexidade
A pesquisa dos artigos acadêmicos foi realizada na base de dados SciELO – Scientific Eletronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica Online), ferramenta para publicação digital de produção acadêmica e científica desenvolvida em cooperação entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME).
A consulta realizada na base de dados SciELO resultou inicialmente em doze (12) artigos que tratavam da temática educação e complexidade. A escolha desta base como fonte de pesquisa e em especial com recorte para as produções brasileiras teve motivações em compreender a problemática no contexto brasileiro tomando como porta voz desse contexto a própria produção de pesquisadores brasileiros. Deste universo investigado, três (3) foram descartados por terem como foco preferencial a educação ambiental e um deles por ter como direção a educação esportiva sendo, portanto distantes do nosso contexto de preocupações. Com uma lista de oito (8) artigos, levantamos os que apresentavam os conceitos educação e complexidade na lista de palavras-chave, o que resultou num novo universo para a nossa investigação ficando em cinco (5) artigos.
Após nova análise verificamos que dentre os artigos analisados um deles tratava da educação em classes hospitalares, campo de estudos não fizemos opção e por isso não o incluímos na amostra deste estudo. Desta maneira, os artigos selecionados foram organizados da seguinte forma, conforme quadro a seguir.
Autor |
Titulo |
Referência |
Palavras-chave |
|||
Almeida, Maria da Conceição
|
Educação como aprendizagem da vida |
Educar, Curitiba, n. 32, p. 43-55, 2008. Editora UFPR |
Aprendizagem |
Complexidade |
Educação |
|
Carvalho, Edgard de Assis |
Saberes complexos e educação transdisciplinar |
Educar, Curitiba, n. 32, p. 17-27, 2008. Editora UFPR |
Complexidade |
Educação |
Humanismo |
Transdisciplinaridade |
Ramos, Roberto |
A educação e o conhecimento: uma abordagem complexa. |
Educar, Curitiba, n. 32, p. 75-86, 2008. Editora UFPR |
Conhecimento
|
Complexidade |
Educação |
|
Rodrigues, Zita Ana Lago |
Paradigma da ciência, do saber e do conhecimento e a educação para a complexidade: pressupostos e possibilidades para a formação docente. |
Educar, Curitiba, n. 32, p. 87-102, 2008. Editora UFPR |
Ciência e conhecimento |
Complexidade |
Educação |
Formação docente |
Quadro 1: Artigos retirados da base de dados SciELO, todos de produção brasileira.
Notadamente os artigos foram publicados em 2008, no número 32 da Revista Educar, Editora UFRP, Curitiba. Podemos supor que o tema em debate neste número específico tenha sido a complexidade. Nas referências citadas pelos autores as obras de Morin (2006) representam 24% do total de escolhas. Os conceitos educação e complexidade, conforme as palavras-chave destacadas aparecem articuladas à aprendizagem, humanismo, transdiciplinaridade, ciência, conhecimento e formação docente.
Nos artigos em análise, os autores, partem de um cenário geral dos modelos e visões do mundo, da sociedade e da educações pautadas num paradigma racionalista-cientificista que apontam para a emergência do paradigma da complexidade. E neste contexto apresentam a educação como possibilidade para enfrentar o cenário atual.
Na observação de Almeida (2008), diante de diagnósticos sombrios e prognósticos de esperança “a educação emerge como um lugar de apostas essenciais para compreender e agir num mundo imerso na incerteza” (2008, p. 44). Para Carvalho (2008) a educação tem a dupla função de “acoplar necessidades básicas de formação e competências com atitudes metaprofissionais sintonizadas com a natureza, a cultura, o cosmos” (2008, p. 19). Já na perspectiva de Ramos (2008, p. 82), a “educação é parte de um todo - o contexto social e histórico, onde atuam diversas dimensões: a econômica, a cultural, a social, a política, a psicológica, e a biológica, entre outras”.
Em sua análise do cenário educacional Rodrigues (2008) destaca que há um consenso na sociedade sobre a dificuldade da escola em cumprir sua função social no confronto com as “novas bases materiais que caracterizam a reestruturação produtiva e a economia globalizada e as tecnologias da informação e comunicação” é evidenciada a “irrelevância e a obsolescência da escola atual e a imutabilidade dos sistemas educativos reativos às reformas e as exigências de um mundo cada vez mais complexo” (RODRIGUES, 2008, p. 89).
De acordo com Almeida (2008), o desafio do século XXI é encontrar a essência do conhecimento, aprender a ler um mundo imerso na incerteza, e na perspectiva de Morin (2006) encontrar o conhecimento pertinente. Considera Almeida que todas as sociedades podem ser chamadas de “sociedade do conhecimento” entendido este como “capital coletivo acumulado ou emergente” (2008, p. 48). A autora ainda apresenta críticas à atual quantidade e velocidade de circulação de informações e salienta que este fenômeno não se converte necessariamente em conhecimento. Neste contexto, trata-se da sociedade do conhecimento do tipo FAST ou SLOW. De acordo com a autora, a sociedade do conhecimento do tipo FAST concebida para produção e consumo de informações em quantidade excessiva e rapidez de circulação e movimento. Já a sociedade do conhecimento do tipo SLOW pode ser entendida como espaço de reflexão em tempo próprio e constituição de posicionamento crítico acerca do conhecido, apreendido (Almeida, 2008).
Na concepção da autora, desenha-se neste cenário de “forças de disjunções e conjunções e, pela dialógica entre ordem e desordem” a emergência de posições capazes de renovar a cultura, o conhecimento e a educação. Apoiada nas ideias de Morin (2006) de um trânsito das noções da ciência clássica, de uma natureza neutra, para a noção de organização onde os domínios físicos, materiais, biológicos, simbólicos se apresentam num processo de interdependência. E ainda do trânsito da noção de objeto para a noção de sistema, “e passamos à consideração de sistemas complexos nos quais as partes e o todo se produzem sempre em conjunto e se organizam mutuamente” (ALMEIDA, 2008, p. 49).
Buscando a superação da fragmentação do conhecer, caminhamos para uma compreensão contextualizada, global, multidimensional do mundo em que habitamos e de acordo com Morin (2006, p. 65) “educar para este pensamento (policêntrico) é a finalidade da educação do futuro, que deve trabalhar na era planetária, para a identidade e consciência terrena”. Condição que faz emergir a necessária religação de saberes físicos, materiais, culturais, biológicos. Uma das causas da dificuldade enfrentada por aqueles formados na disciplinaridade e na especialidade, que buscam agora a superação para religar saberes antes separado, segundo a ótica de Morin (2002),
o pensamento complexo pode ser traduzido como uma proposta de interpretação de mundo e dos fenômenos que nele ocorrem. E o maior desafio é a aceitação não da complexidade, mas da incompletude do conhecimento. Nesta forma de elaboração não predomina o raciocínio fragmentado, o modelo mental binário, a ideia de bem ou mal, certo ou errado, ocidente ou oriente, tampouco prevalece o utopismo do todo reducionista. É sem dúvida uma visão de mundo abrangente que nasce da complementariedade, do entrelaçamento, do abraço entre estes modelos já construídos (morin, 2002 apud VERGARA, 2011, p. 280).
Assumindo a condição do homem como homo sapiens e demens, o homem constituído da racionalidade e também da afetividade, do mito, do delírio, do trabalho e da ludicidade, num todo complexo nutrido de incertezas e ambiguidades. Um novo sujeito do conhecimento capaz de viabilizar “processos civilizatórios solidários e procedimentos educativos religados” (Carvalho, 2008, p. 18). A educação capaz de responder a esse novo sujeito reclama um modelo pedagógico de base transdisciplinar com estratégias teóricas conceituais e metodológicas, mediante uma nova e sólida formação dos docentes. Formação capaz de religar saberes e fomentar uma nova identidade entre ciências e artes, tradição e espiritualidade, razão e sensibilidade, cultura científica e humanidades.
O terceiro artigo utilizado como base para as reflexões apresentadas argumenta que o paradigma da complexidade de Morin (2006) possui recursos teóricos e metodológicos para repensar o processo educacional como processo complexo e dialógico “que abriga a ordem e a desordem” (RAMOS, 2008, p.85). O autor, Ramos (2008), traça uma linha histórica do cenário educacional brasileiro a partir dos modelos de desenvolvimento denominados de atualização histórica e aceleração evolutiva. Afirma este autor que a educação brasileira da Colônia a República oscilou entre estas duas tendências, sendo a educação tratada como prioridade básica, contudo, “sem priorizar a dimensão subjetiva que agencia a cidadania” (Ramos, 2008, p. 78).
Recorrendo a noção de paradigma de Kuhn (2000), Ramos (2008) anuncia um novo paradigma que é o da complexidade, que surge a partir da década de 70 do século XX estruturado na forma de teoria por Morin, vale salientar que o termo complexus é anterior a este autor, porém foi a partir dos estudos de Edgar Morin que o termo chega ao contexto educacional e se fortalece e como potência busca “repensar a Educação como um processo dialógico, envolto em uma pluralidade de dimensões” (RAMOS, 2008, p. 85), através da transdisciplinaridade por sua possibilidade de “eliminar distâncias, barreiras e separações entre o teórico, disciplinas e conceitos” (RAMOS, 2008, p. 83).
No quarto texto selecionado para esta reflexão, a autora questiona no que consiste uma educação para a complexidade? Neste sentido, e, ainda considerando as contribuições de Morin (2006), Rodrigues (2008, p. 92) alerta que uma educação voltada para a complexidade deve apresentar uma nova “arquitetura curricular contributiva a emancipação e a autonomia” capaz de religar saberes, certezas, incertezas e incompletudes, favorecendo a investigação, o questionamento, o pertencimento à condição humana inacabada, acolhendo os diferentes, valorizando o autoconhecimento e a autocompreensão (RODRIGUES 2008, p. 92 apud SANTOS, 1987) as capacidades que podem contribuir para a superação da alienação e da passividade frente aos problemas da comunidade planetária.
A proposta de uma nova arquitetura curricular exige uma formação docente vinculada em “pressupostos interpretativo-reflexivo-compreensivo” (RODRIGUES, 2008, p. 97) centrados em diálogos e saberes práticos como fundamento. Assevera a autora que será a partir da troca de experiência entre as instâncias educativas formais e não formais que “surgirão luzes para entendermos que os processos de formação docente em uma perspectiva de educação para a complexidade deverão [...] levar em conta “a utilidade para vida prática e a sobrevivência fraterna e solidária” (RODRIGUES, 2008, p. 99).
O PROJETO “ESCUTA PEDAGÓGICA”
Escuta pedagógica constitui-se de um projeto de pesquisa realizado pela Universidade Estadual do Ceará, no ano de 2010, em parceira com a Universidade Católica de Brasília - UCB e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP. Contou ainda com a participação do Rio Grande do Sul, através da Universidade Santa Cruz.
Objetivo do projeto foi conhecer o que diferentes segmentos educacionais do estado do Ceará pensam sobre a obra “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”. A pesquisa foi realizada como ação preliminar à Conferência Internacional sobre os Sete Saberes, evento promovido pela UNESCO em setembro de 2010, em comemoração aos 10 anos de lançamento da obra de Morin (2006).
Neste sentido, o projeto “Escuta Pedagógica” buscou aprofundar e criar uma interface entre os estudos da complexidade e transdiciplinaridade e o pensamento educacional vigente. A metodologia utilizada foi a de círculos de diálogo e uso de questionário. Os sujeitos pesquisados foram dos diferentes segmentos da comunidade educacional. Neste sentido, a proposta era identificar junto às escolas públicas e privadas e demais organizações sociais, a existência de práticas pedagógicas fundamentadas nos pressupostos estabelecidos nos documentos Sete Saberes (MORIN, 2006) esse foi o objetivo específico do evento.
Dentre as evidências resultantes da “Escuta Pedagógica”, 85% dos participantes disseram que não tinham conhecimento prévio da obra de Morin. Por outro lado, das palavras geradoras escolhidas Qualidade de vida (Saber IV) e Diálogo (Saber VII) foram as duas que obtiveram maior número de escolhas em todos os círculos de debates. Corroborando com o pensamento de Maturana e Varela (2011) a qualidade de vida no planeta é responsabilidade de cada um e de todos.
A partir dos Sete Saberes foram listados temas geradores num total de 49 palavras ou expressões, setes para cada um dos Sete Saberes. Os temas geradores serviram de ponto de partida para a metodologia dos círculos de diálogo. Em Brasília, foram 100 professores os participantes dos círculos de diálogo. No Ceará foram 642 participantes, destes 53 eram pesquisadores diretos sobre o assunto. E no Rio Grande do Sul, cerca de 138 professores de 48 escolas responderam ao questionário. Em Brasília não foi aplicado este estudo. No Rio Grande do Sul não foram realizados círculos de diálogos. No Ceará foram feitos círculos de diálogo e aplicados 1.441questionários, sendo 1.064 para alunos de ensino médio e Educação de Jovens e Adultos-EJA e 377 para professores.
Sendo assim, foi formada uma rede de pesquisa constituída de quatro nós, dois ligados aos círculos de diálogos e dois ligados aos questionários. Nesta rede, o estado do Ceará atua como fonte de recepção ligando os demais membros da rede, pois, neste Estado realizou-se tanto círculo de diálogo quanto aplicação de questionários.
Quadro2:https://sites.google.com/site/escutapedagogica7saberes/rede-da-escuta-pedagogica Projeto Escuta Pedagógica, acessado em 18 de junho de 2012.
Quanto ao sentido da obra para as comunidades pesquisadas dizem os pesquisadores que os Sete Saberes podem “desencadear processos de auto-eco-organização transformadores da realidade adversa que criamos com nosso pensamento fragmentado”, numa referência ao princípio da complexidade onde sujeito e sociedade situam-se na ambivalência entre autonomia e dependência, e assim, o desenvolvimento humano deve envolver “o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana” (MORIN, 2006, p. 17).
TEORIA DA COMPLEXIDADE: OCULTAMENTO E REVELAÇÕES
Desde a década de 90 que o eixo das reformas educacionais no Brasil passaram a concentrar-se na qualidade e modernização da gestão, inicialmente no plano Federal influenciando o plano Estadual com repercussões na primeira década dos anos 2000 nos planos municipais. A proposta de modernização da gestão educacional brasileira, contudo, inseriu-se numa tendência global gerada desde a Conferência de Educação para Todos, realizada em 1990, em Jomtiem, Tailândia. Desde essa época o planejamento educacional político estratégico brasileiro segue a tendência da modernização e de descentralização financeira, administrativa e pedagógica da educação no plano das políticas governamentais até alcançar o modelo de gestão das Comunidades Escolares.
Expressando essa tendência, documentos oficiais tais como o Projeto de Educação Básica para o Nordeste (1991); o Plano Decenal de Educação para Todos (1993); a proposta de governo “Mãos à Obra, Brasil” (1994), dentre outros. No cenário internacional a publicação pela UNESCO do Relatório Delors – Educação: Um Tesouro a Descobrir. Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, coordenado por Jacques Delors (1999), constitui-se em referencial para as políticas educacionais do Brasil.
Nesta linha, a UNESCO solicitou ao filósofo, sociólogo e antropólogo Edgar Morin uma obra que abordassem as questões da educação para o novo milênio, com o objetivo de “aprofundar a visão transdisciplinar da educação” (MORIN, 2006, p. 11). Como resultado foi lançado em 2000 a obra “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”. Obra difundida entre educadores no país através dos cursos de formação inicial e continuada, das produções acadêmicas, estudos e pesquisas, conforme apresentamos nas seções anteriores deste artigo. E cujos princípios e caracterização encontrados percebemos forte relação com os princípios característicos dos chamados sistemas complexos pesquisados pelo físico Nussenzveig (2008, p. 11), conforme quadro a seguir:
Princípios dos Sistemas Complexos |
Princípios da Complexidade |
Caracterização |
Sete Saberes |
Dinâmicos: Sistema formado por um grande número de unidades em evolução constante. Abertos: Cada unidade interage com um certo número, bem menor, de outras unidades. |
Sistêmico ou organizacional |
Liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo configurando uma indissociabilidade entre todo e partes, entre contexto político, econômico, social, cultural e educacional. |
As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. |
Estrutura Fractal: Estruturas geométricas de dimensões fracionárias que apresentam auto-similaridade em todas as escalas. |
Hologramático |
As partes estão no todo e vice-versa, o simbolismo do holograma representa partes e todo como face de uma mesma moeda. |
Os princípios do conhecimento pertinente. |
Não Linear: A resposta produzida por uma unidade pode ocorrer ou não, correspondendo ou inibindo o estímulo. |
Anel Retroativo |
A causa age no efeito e vice-versa, num jogo de causa e efeito de pluralidade causal. |
Ensinar a condição humana. |
Não Linear: A resposta produzida por uma unidade pode ocorrer ou não, correspondendo ou inibindo o estímulo. |
Anel Recursivo |
O produtor faz o produto e vice-versa, representa a dinâmica entre sujeito e objeto. O simbolismo do anel reflete a ambivalência que une e isola sujeito e objeto. |
Ensinar a identidade terrena. |
Emergente ou auto-organizado: O sistema se auto-organiza de forma espontânea, criando ordem a partir de um estado desordenado. |
Auto-eco-organização |
Relação entre autonomia e dependência. Sujeito e sociedade na ambivalência entre autonomia e dependência. |
Enfrentar as incertezas. |
Não normalidade ou aleatoriedade: Algumas características do sistema são distribuídas ao acaso. |
Dialógico |
Sustenta a relação dialógica entre os diferentes, entre os opostos, viabilizando a aproximação e associação dos contrários. |
Ensinar a compreensão. |
Não Linear |
Reintrodução |
O conhecimento é um processo que envolve sujeito e objeto num movimento não linear e plural. |
A ética do gênero humano. |
Quadro 3: Os sete princípios da complexidade segundo Morin (1999, p. 32-34), Os sete saberes necessários à educação do futuro (MORIN, 2006, p. 13-17) e Os princípios dos Sistemas Complexos Nussenzveig (2008, p. 11-12).
Partindo dessas relações entre a teoria dos Sistemas Complexos de Nussenzveig (2008) e a teoria da complexidade moriniana e sua obra “Os sete saberes necessários à educação do futuro” que foi adaptada para a linguagem educacional perguntamos: Que tipo de conhecimento foi gerado entre os educadores acerca da teoria da complexidade? De que maneira este conhecimento tem contribuído na constituição da prática pedagógica? Ou mesmo, como tem influenciado na formulação das políticas públicas educacionais? Um sistema complexo pode ser compreendido pelo pressuposto da complexidade? Sistema complexo e complexidade são sinônimos? Quais diferenças entre estes dois conceitos?
E mais ainda, por que no ambiente escolar a complexidade é discutida principalmente a partir da obra de Morin e não da teoria de onde parte essa complexidade? Por quais motivos no campo educacional não se ampliaram as discussões sobre complexidade utilizando-se a teoria dos sistemas complexos? Ao privilegiar o enfoque da complexidade na perspectiva Moriniana quais lacunas foram deixadas em aberto?
Apesar de serem muitas questões que apresentamos vale salientar que não temos a intenção de respondê-las e muito menos de dar conta de toda esta discussão com tamanha amplitude, mas o que queremos é provocar os debates em torno desta problemática ou escolha teórica/metodológica ao qual nos foi em certa medida, imposta por órgãos internacionais e abraçada pelo governo brasileiro como solução às lacunas deixadas pelo paradigma da simplificação.
Um exame das obras Complexidade e Caos (Nussenzveig, 2011) e “Os sete saberes” (Morin, 2006) é possível observar entre elas pontos de convergência e mesmo de transposição. O princípio sistêmico ou organizacional (Morin, 2006), onde a partir de interações constantes o todo revela as partes e vice-versa, é consoante as características de um sistema dinâmico e aberto formado na interação e trocas com outras unidades do mesmo sistema.
Para Morin (2006, p. 67) “o mundo torna-se cada vez mais um todo” tomando esta ideia com referência aos povos e nações e também a cada um dos indivíduos sobre a terra. Como um holograma que representa as partes e o todo como faces de uma mesma moeda, “doravante, cada indivíduo recebe e consome informações e substâncias oriundas de todo o universo” (MORIN, 2006, p. 67). Assim, o mundo e os indivíduos se organizam como um fractal, padrão de organização, verificado na natureza, cuja estrutura se repete formando-se através da autosimilaridade e autoafinidade capaz de gerar complexidade infinita a partir de informações finitas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação brasileira a partir da teoria da complexidade desenhada por Morin (2006) deu saltos importantes ao perceber as possibilidades de transitar pelo conhecimento nas tentativas de reuni-los avançando na interdisciplinaridade e transdisciplinaridade percebendo as lacunas deixadas pelo paradigma anterior. Neste sentido, a ideia de rever valores, reunir conhecimento e não fragmentá-los foi uma chamada importante aos educadores para que tomassem uma nova posição diante da fragilidades não só curriculares, mas também nas relações que vinham se estabelecendo entre os sujeitos e o mundo de um modo geral.
É válido salientar que este trabalho não tem intenções em desqualificar as contribuições de Morin ao cenário educacional brasileiro, mas entender que a fonte de nossos estudos sobre a complexidade poderia ser a teoria maior da qual o próprio estudo de Morin nasceu que foi a teoria dos sistemas complexos.
Embora, a obra “Os sete saberes” (Morin, 2006), tenha sido submetida a exame preliminar de diversas personalidades universitárias e funcionários de organismos internacionais para comentários e proposições, de acordo com os agradecimentos localizados na obra (2006, p. 9), ao longo da obra não estão identificados os diferentes olhares produzidos nestes exames.
Ao final da obra como propósito de uma bibliografia o autor em lugar de oferecer aos leitores um amplo leque de leituras orientadas pelas contribuições fornecidas de cada um dos pontos dos continentes, opta por considerar que não sendo possível mencionar a totalidade destas no limite da obra, faculta ao leitor interessado, buscar suas próprias leituras. Neste discurso, são sonegados dos leitores, educadores preferencialmente, informações e conhecimentos orientadores de um pensamento complexo na busca por uma compreensão polissêmica sobre a teoria dos sistemas complexos.
Pode-se dizer que hoje o sistema escolar, graças às discussões levantadas por este autor, não pode mais ser compreendido pelo viés do reducionismo e nem distanciados de uma visão holística. Os fenômenos educacionais não podem ser reduzidos a um determinado aspecto ou pressuposto como eram visualizados pelas ciências clássicas. Trata-se de um desafio de perceber o sistema educacional como sistema auto-organizado, ou seja, sistema complexo, situado na ordem do imponderável e que requer essa compreensão a partir de um modelo de abordagem que considere os princípios dos sistemas complexos e não apenas os da complexidade apresentada por Morin (2006).
Esta compreensão contemporânea torna-se possível na perspectiva do paradigma emergente da teoria da Complexidade desenhada por Morin que surgiu a partir da teoria dos Sistemas Complexos, pois ambas não são distanciadas e nem mesmo teorias distintas (GLEIRIA, 2005). Nas últimas décadas do século XX, esta comunidade de pesquisadores físicos passaram a se interessar pelas dinâmicas de sistemas complexos, cujas partes interagem de forma não-linear, ou seja, características basilares deste sistema são exatamente as da complexidade moriniana, mas que porém, em nenhum momento é salientado pelo autor.
Neste texto buscamos fazer um apanhado sobre a repercussão da teoria de Edgar Morin aqui no Brasil, a aceitação dessa teoria por parte dos professores brasileiros e em linhas gerais, os impactos dessa teoria nas políticas públicas educacionais nacionais e comparando os princípios dessa teoria com os da teoria dos Sistemas Complexos. A preocupação foi com os reducionismos, visto que buscamos compreender porque temos no contexto educacional apenas a obra de Morin como fonte de estudos sobre a teoria da complexidade? A ideia deste artigo não é exatamente dar conta dos questionamentos levantados, mas suscitar o debate entre os educadores brasileiros sobre os possíveis motivos que levaram órgãos internacionais como foi o caso da UNESCO a “venderem” esta ideia aos intelectuais que lidam diretamente com as políticas públicas educacionais do Brasil.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria da Conceição. Educação como aprendizagem na vida. Revista Educar. Editora UFRP: Curitiba, 2008.
CARVALHO, Edgard de Assis. Saberes complexos e educação transdisciplinar. Revista Educar. Editora UFRP: Curitiba, 2008.
MATURANA, Humberto. VARELA, Francisco. A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Palas Athena: São Paulo, 2011.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. Cortez: Brasília, 2006.
NUSSENZVEIG, Moisés H. Complexidade e Caos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPEA, 1996.
RAMOS, Roberto. A educação e o conhecimento: uma abordagem complexa. Revista Educar. Editora UFRP: Curitiba, 2008.
RODRIGUES, Zita Ana Lago. Paradigma da ciência, do saber e do conhecimento e a educação para a complexidade: pressupostos e possibilidades para a formação docente. Revista Educar. Editora UFRP: Curitiba, 2008.
VERGARA, Gilmara dos Santos Oliveira. Transdisciplinariedade e multirreferencialidade na formação de professorees in GALEFFI, Dante Augusto et al. Epistemologia, Construção do Conhecimento: perspectivas em ação. Salvador: EDUNEB, 2011. p. 279-290.
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