George Henrique de Moura*
Celso Vila Nova Souza Junior*
Matheus Silva de Paiva***
Augusto de Souza Sobral Freitas e Silva****
Universidade Católica de Brasília, Brasil
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RESUMO
O presente artigo objetiva analisar a formação da economia argentina entre os anos de 1870 a 1914. Para tanto, contextualiza-se o cenário econômico e social do período, bem como ilustra-se os principais fatores que contribuíram para o espetáculo do crescimento da Argentina no período denominado pela literatura de “Belle Époque”. Posto isto, com base em dados históricos, demonstra-se o processo de desenvolvimento econômico nos diversos setores econômicos argentinos, bem como a fundamental participação do capital e da mão de obra estrangeira em sua formação econômica. Além disso, o artigo discorre sobre a sociedade argentina como um todo, levando em consideração as variáveis populacionais, educacionais, de emprego e de capital fixo. Por fim, faz-se uma síntese sobre a complexidade política deste período na Argentina, destacando os conflitos ocorridos na disputa pelo poder e seus principais líderes.
Palavras-Chave: Economia Argentina, “Belle Époque”, Imigração Europeia, Contexto Histórico.
ABSTRACT
This article aims to analyze the formation of the Argentine economy in the years 1870 to 1914. For this, it contextualizes economic and social scenario of the period and is illustrated the main factors that contributed to the growth of the show in Argentina period called the literature of "Belle Époque". Having said that, based on historical data, it is demonstrated the economic development process in the various Argentine economic sectors, as well as the key role of capital and foreign labor in the economic formation Argentina. In addition, the article discusses the Argentine society as a whole, taking into account the population, educational, employment and fixed capital. Finally, it is a summary of the political complexity of this period in Argentina, highlighting the conflicts in the struggle for power and its top leaders.
Keywords: Argentine Economy, “Belle Époque”, European Immigration, Historical Context.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
George Henrique de Moura, Celso Vila Nova Souza Junior, Matheus Silva de Paiva y Augusto de Souza Sobral Freitas e Silva (2016): “Uma análise histórica da formação da sociedade argentina e sua economia: 1870 a 1914”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Latinoamérica, (octubre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/la/16/belle-epoque.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/la-16-belle-epoque
O processo de desenvolvimento dos países da América Latina tem como marco o seu passado colonial, suas relações com as principais potências econômicas mundiais e os contextos econômicos e político ao longo dos anos. A grande mudança se deu no século XIX, com a alteração no sistema de relações internacionais entre países, que consolidou a Grã-Bretanha como principal potência mundial e praticamente decretou a falência de Portugal e Espanha e do modelo Mercantilista europeu. Despontaram-se neste período, como principais protagonistas do crescimento da América Latina, o Brasil e a Argentina. O processo de crescimento desses dois países foi distinto devido às colonizações portuguesa e espanhola, respectivamente.
O período abordado apresenta notável crescimento da economia da Argentina, impulsionado principalmente pela imigração europeia, que trouxe mão de obra qualificada em larga escala, além de novas tecnologias, máquinas e equipamentos. Este período é chamado de áureo ou ainda de Belle Époque. Caracterizado pela chegada da Inglaterra e pelo início de sua enorme influência no crescimento econômico argentino, nele começa-se a formação da base da economia argentina, onde se observa grande apropriação de terras para a pecuária e a criação dos primeiros frigoríficos. Também é marcado pelo início das atividades bancárias e financeiras da Argentina e o mais importante: a consolidação do estado nacional.
Destacam-se, ainda, as disparidades regionais que já existiam antes do período considerado e permaneceram ou até se ampliaram por conta do crescimento. No entanto, o crescimento econômico gerou enormes melhorias em várias localidades do país, gerando melhor qualidade de vida para seus habitantes, apesar dos problemas que também apareceram com o aumento vertiginoso da população, impulsionado pela imigração em massa. Contudo, o desenvolvimento econômico teve seus custos, pois engendrou algumas tensões, como os conflitos entre argentinos natos e imigrantes, trabalhadores da indústria e da agricultura, empresas nacionais e estrangeiras e de sindicatos e autoridades nacionais.
A América Latina durante o século XIX e XX, especialmente entre 1870 e 1914, viveu um período de instabilidade política. A presença de ditadores era comum, assim como a manipulação de eleições. Todavia, a Argentina (entre outros países), destacava-se da maioria das nações deste continente porque paulatinamente promovia a estabilização política interna, o que permitia garantir as bases da propriedade material. Além disso, a Argentina figurava-se como o segundo maior país da América do Sul, possuindo dezenove províncias. A área continental da Argentina está localizada entre a Cordilheira dos Andes a oeste e o Oceano Atlântico a leste, fazendo fronteira com o Paraguai e a Bolívia a norte, Brasil e Uruguai a nordeste e com o Chile a oeste e a sul.
No final da década de 1870, era difícil imaginar que a Argentina poderia alcançar boas taxas de crescimento econômico e transformação social. O país padecia de baixa qualidade pecuária, era importador de trigo, o sistema de transporte abrangia uma pequena parcela do território, o serviço bancário era precário e a taxa de investimento e de imigração eram pequenas. Além de ter acabado de sair de uma longa guerra contra o Paraguai, que findou em 1870, enfrentou uma crise econômica, participou de conflitos contra os índios pelas fronteiras e do combate armado entre regiões dentro do país.
Para além, a economia primário-exportadora teve início em 1870 quando a nação foi incorporada ao comércio internacional. Isso possibilitou uma enorme expansão das principais atividades produtivas que caracterizaram o grande desenvolvimento argentino, com destaque para a exportação de carnes resfriadas. Além disso, houve um intenso processo imigratório e entrada de capital estrangeiro no país. E, na política, o Partido Nacionalista e o Partido Autonomista, travaram grandes disputas. Por exemplo, nas eleições presidenciais de 1880 houve vários confrontos no cenário nacional argentino, entre partidários do general Roca e aliados a Tejedor, o governador de Buenos Aires.
Neste sentido, o artigo se baseia em um estudo de raízes históricas do processo de desenvolvimento da economia argentina de 1870 a 1914, tendo por objetivo contextualizar a Argentina da época, trazendo dados sobre sua estrutura socioeconômica e demonstrando como se deu o crescimento acelerado do país no período. A abordagem vai desde o princípio da organização política, social e econômica até o período pré-primeira guerra mundial, mostrando como a Argentina obteve resultados espetaculares nos econômicos e sociais.
Segundo Lenz (1998), a história da nação argentina inicia-se propriamente no século XIX, tendo o início de seu processo de independência no ano de 1810, durando até o ano de 1816, quando, finalmente, sua independência foi formalmente declarada. A Inglaterra sempre teve interesse pelo território argentino por conta da sua localização estratégica na América Latina e pela sua capacidade fluvial de navegação. Como os ingleses eram aliados dos espanhóis e dos portugueses nos conflitos europeus, não podiam, ainda que desejassem, apoiar a independência argentina. Então, limitaram-se a fazer as alianças com o setor exportador argentino.
Segundo Boenser (1982), após conseguir sua independência, a América Latina iniciou um novo processo de dependência, dessa vez com a Grã-Bretanha. Entretanto, essa nova dependência não era mais baseada em termos territoriais, mas econômicos: por meio de alianças com as oligarquias locais e na disseminação da ideia de abertura dos mercados dos países latinos. A Inglaterra tinha interesse na independência da América Latina, mas tratou de fazer com que os novos países independentes não se agrupassem, por isso esforçou-se para fazer acordos comerciais e apressar o estabelecimento de livre comércio na região. De acordo com Treber (1977), a estratégia inglesa de domínio dos mares foi muito bem-sucedida e levou o país a estabelecer locais estratégicos ao redor do planeta, sendo os investimentos da Inglaterra nas províncias do Rio de La Plata um fator fundamental nesse processo.
Durante o final dos anos de 1860, as regiões argentinas eram autossuficientes, mantinham uma economia de subsistência e trabalhavam de maneira praticamente isolada devido às grandes distâncias que as separavam, à escassez de comunicações e de transportes terrestres, fluviais ou marítimos. Contudo, a partir da década de 1870, o cenário mudou completamente. O Porto de Buenos Aires possibilitou o comércio com a Espanha pelo Rio de La Plata e a valorização da criação de gado no litoral. Assim, iniciou-se o mais importante fator do impressionante crescimento da Argentina nesse período: o comércio externo. De acordo com Ferrer (1995), o grande marco de transição foi o Porto de Buenos Aires.
Segundo Laclau (1975, p. 37):
A magnitude da renda diferencial e o monopólio da terra constituíram-se em pauta e condição do crescimento a ocorrido entre 1860 e 1930. A expansão da renda determinou, assim, o crescimento próprio de um capitalismo dependente, com uma baixa taxa de inversão produtiva, mas com um sustentado aumento de consumo. Nessas condições, teve tendência a uma plena absorção de mão- de-obra, combinada com etapas de agudo desemprego estrutural.
Consequentemente, a apropriação de novas terras e a expansão da zona pampeira foram as principais características da etapa de transição da economia argentina e deram grande contribuição para a produção do país. Surgiu, então, a estância que consistia num sistema de administração da grande propriedade e trabalho assalariado. Assim, a criação de gado experimentou um desenvolvimento sem precedentes, pois contava com abundância de terras férteis na zona dos Pampas, expansão da demanda mundial, liberação do regime comercial, pouca complexidade das empresas de gado e baixa necessidade de mão de obra para esse tipo de serviço.
Entre os anos de 1870 e 1914, a nação argentina experimentou um crescimento econômico espetacular, tanto que é chamado na literatura de “Período do Apogeu” ou ainda “Belle Époque”. A expansão das atividades pecuárias e agroexportadoras colocaram o país como uma potência econômica mundial. Este crescimento, que alcançou a taxa média de 5% a. a. e proporcionou à Argentina uma aproximação do PIB per capta dos países ricos, sustentou-se, basicamente, em mudanças importantes no comércio internacional, tais como: redução dos custos de transporte marítimo e o movimento dos fatores de produção capital e mão-de-obra entre os continentes. A Tabela 1 mostra uma comparação do PIB per capta da Argentina com o dos principais países da época. Como se pode notar, no último quartil do séc. XIX o PIB per capita da Argentina correspondia a aproximadamente 21% do PIB per capita australiano. No entanto, no começo da década de 30 do século XX, esta proporção já se aproximava de 90%.
Para Lenz (1998), essa fase de crescimento pode ser resumida em dois fatores. O primeiro diz respeito à expansão e à integração crescente, da Argentina, à economia mundial. Nesse sentido, ela se apresentou como o país mais integrado à economia mundial por conta do expressivo crescimento de suas exportações e pela quantidade substancial de capitais estrangeiros nela investidos. O segundo, deve-se à grande expansão de terras cultiváveis, com baixa população, na região dos pampas. Com isso, foram incorporadas para o cultivo novas e importantes zonas férteis, determinantes para o desenvolvimento. As exportações cresceram por conta do aumento da demanda mundial por produtos agropecuários e à disponibilidade de terras cultiváveis, principalmente na região dos Pampas, ainda não utilizadas ou parcialmente aproveitadas. No início dessa etapa de desenvolvimento, as estradas de ferro não tiveram participação decisiva. Segundo Gallo (1981), somente a partir de 1895, na produção da Província de Buenos Aires é que se observa a relação direta entre o crescimento da produção e da rede ferroviária. A instalação do primeiro frigorífico, em 1882, é um símbolo do novo período, assim como o primeiro embarque de carne de carneiro e cordeiro para o Reino Unido, ocorrido no mesmo ano.
Para Glade (in Bethel, 2001), para promover a integração da Província de Buenos Aires, incentivou-se a migração e a construção de estradas férreas que foram viabilizadas através de investimentos da Inglaterra. De 1860 a 1880, houve uma ampla política de colonização. A escassez de mão-de-obra na Argentina, um problema durante todo o século XIX, foi sanada com a chegada de imigrantes. Estima-se que de 1870 a 1914 o país tenha recebido seis milhões de imigrantes fazendo com que, ao final do período, a população imigrante superasse, em número absolutos, a população local. O setor agrícola foi bastante beneficiado com tal imigração, tanto que mesmo durante a crise de 1890 continuou a apresentar crescimento, impedindo que o problema de falta de emprego se agravasse. Esse período também apresenta a origem da formação do capital argentino, devido sobretudo ao grande volume de empréstimos e investimentos externos. O Estado Argentino deu o incentivo inicial, tomando empréstimos de bancos europeus, principalmente os ingleses. Os investimentos estrangeiros que aos poucos entraram na Argentina, se dividiram em diversas atividades econômicas, como comércio e créditos, portos, bancos, frigoríficos, gás e eletricidade, mas houve forte predomínio em ferrovias e empréstimos públicos. Em 1910, os investimentos estrangeiros alcançaram a cifra de U$ 2.175,6 milhões, 65,4% de origem inglesa, sendo que U$ 664,1 mil foram direcionados a empréstimos e U$ 772,2 mil a ferrovias, conforme Rapoport (2000).
A Tabela 2 apresenta os resultados dos investimentos em ferrovias na Argentina entre os anos de 1870 e 1914. Nota-se que o comprimento das vias aumentou em mais de 30 vezes durante o período analisado, enquanto que o capital investimento aumentou em 44 vezes.
Com isso, segundo Donghi (1982), grupos nacionais ficaram encarregados das atividades primárias enquanto o transporte transoceânico ficou nas mãos dos estrangeiros. Portanto, os investimentos redefiniram a distribuição de funções e a América Latina transformou-se em produtora de matérias-primas para os grandes centros da economia industrial e de alimentos para as regiões metropolitanas, ao mesmo tempo em que se tornou consumidora dos produtos industrializados vindos do exterior.
A notável expansão das estradas de ferro na Argentina aliada ao desenvolvimento tecnológico facilitou a expansão territorial que se deu por meio da Campanha do Deserto. Segundo Lenz (2006b), a Campanha do Deserto consistiu em operações militares que tinham o intuito de expulsar os índios – que reclamavam para si a posse do território, visto que já o ocupavam antes mesmo da chegada dos espanhóis – da região sul de Buenos Aires a fim de fazer dessas áreas novas regiões produtivas. Durante o governo de Nicolás Avellaneda (1874 – 1880), tropas lideradas pelo General Júlio Roca rapidamente tomaram conta de todo território economicamente utilizável. Assim, com a ocupação de terras mais distantes, porém férteis, o deslocamento de pessoas foi facilitado, o que também contribuiu decisivamente para o rápido transporte de exércitos e informações fundamentais para a conquista de novos territórios. Além disso, as linhas férreas ligaram o interior da Argentina à sua capital, Buenos Aires que, conforme Ortiz (1997), que acabou por se tornar a maior cidade da América Latina e a terceira maior cidade do Continente Americano, atrás apenas de Nova Iorque e Chicago.
Apesar disso, de 1890 a 1900, a Argentina experimentou uma grande crise econômica que afetou diretamente os principais bancos do país, quais sejam, o Banco da Província de Buenos Aires e o Banco Nacional. O governo argentino não respaldava todos os papéis financeiros em circulação. A grande entrada de empréstimos do exterior gerou uma grande dívida que, em 1890, chegou a 300 mil libras. Os ingleses não permitiram o adiamento dos pagamentos nem a continuidade de transferência de capitais para a argentina, o que desencadeou a crise econômica. Martí (1983), afirma que:
“A maioria dos empréstimos que os governos e as empresas argentinos obtinha no exterior era a juros fixos e implicavam em pagamento imediato de um serviço estipulado a ouro. De 1886 a 1990, a Argentina havia tomado emprestado aproximadamente 668 milhões de pesos de ouro e o seu passivo, em 1892, tinha o montante de 922.545.000 pesos ouro. Enquanto os fundos do exterior continuaram afluentes, não houve problemas no balanço de pagamento. A crise aconteceu porque os fundos estrangeiros diminuíram antes que o valor das exportações se houvesse expandido a ponto de cobrir os serviços da dívida. A crise sobreveio quando houve a interrupção dos empréstimos que eram respaldados em ouro, provocou uma depreciação monetária e ao mesmo tempo a quebra do sistema bancário.”
Somente a partir de novas negociações com a Inglaterra, foi liberado um empréstimo. A partir daí a situação econômica começou a ser revertida. Segundo Ford (1975, p. 119) “essa crise não foi apenas bancária, mas sim uma crise de desenvolvimento, de esgotamento do modelo vigente extremamente dependente de recursos externos”. A recuperação da economia argentina ocorreu no período de 1900 a 1912, alavancada pelo crescimento da produção de trigo, pela retomada da construção de estradas férreas, pelo advento de novas técnicas de congelamento e transporte de carne, pelo uso intensivo do fator trabalho, pela utilização de pastos artificiais e pela plantação de forrageiras. Assim, houve o assentamento de novas populações nas zonas rurais, a criação de cidades com redes de transportes, o surgimento do grande arrendatário e a diminuição do número de estâncias médias e pequenas.
Neste período, a Argentina viveu um expressivo crescimento econômico. As causas deste crescimento decorriam, predominantemente, de fatores externos. Desde 1900, por exemplo, o investimento externo cresceu a uma taxa de 11,41% a.a. A Inglaterra, por sua vez, contribuía com a maior parte do capital, além de existir vasta mão-de-obra imigrante e os mercados externos eram muito favoráveis aos produtos produzidos na Argentina. A Europa era o destino de praticamente todas as exportações de carne, assim como dos demais produtos derivados da pecuária. A expressiva imigração do período resultou em desordenamento do equilíbrio demográfico e regional da Argentina.
Para Gallo (1981), considerando o aspecto empresarial da economia argentina, é ainda mais expressiva a participação estrangeira. Notam-se expressivas quantidades de estrangeiros que possuíam estabelecimentos de diversos setores da economia. Em números relativos, 68,4% dos proprietários de estabelecimentos comerciais, 68,7% dos detentores de fábricas e 31,9% dos donos de firmas agrícolas e pecuaristas nasceram fora da Argentina. Isso demonstra que os imigrantes, que vieram para se estabelecer, não estavam apenas em busca de oferecerem mão de obra, mas também terem se tornarem proprietários de capitais argentinos.
O final do séc. XIX foi muito generoso com o setor exportador da Argentina. Para se ter uma ideia, durante a década de 1860, a Argentina exportou anualmente, em média, aproximadamente 45 mil toneladas de lã. Na década de 80, a média chegou ao pico de aproximadamente 100 mil toneladas por ano. Já nos anos de 1895 até 1899, estima-se que a média tenha subido para 211 mil toneladas. Todavia, no período de 1910 até 1914, o volume aproximado de exportações de lã caiu drasticamente, atingindo a média de 137 mil toneladas ao ano. Além disso, outras indústrias, de diferentes setores da economia, tiveram enorme crescimento na década de 1870. Entre elas, destaca-se o couro, cujo valor de exportações atingiu 75% do valor de exportações de lã. Entretanto, com o advento dos navios com câmaras frigoríficas, houve grande aumento das exportações de carne. Em princípio, a carne de carneiro foi a mais valorizada, porém, na virada do século XIX para o XX, a carne bovina foi mais comercializada e superou em grande número as exportações de carne de carneiro. Segundo Glade (2001), em números absolutos, a exportação de carne de carneiro e cordeiro congelada foi de 36.486 toneladas em 1894 para 58.688 toneladas em 1914. A carne bovina congelada partiu de 267 toneladas e chegou a 326.287 toneladas no mesmo período. Ainda neste período, as exportações de carne enlatada subiram de 1.374 toneladas para 13.590 toneladas.
Assim como a pecuária, a agricultura argentina também apresentou crescimento elevado no período considerado. O país tornou-se um grande exportador de grãos, com destaque para o trigo e para o milho no final da década de 1870. Destes anos em diante, o ritmo rápido de crescimento se manteve, fazendo com que, no quinquênio anterior à Primeira Guerra Mundial, os valores das exportações de trigo e de milho, superassem os valores das exportações de lã e carne bovina congelada e resfriada. A Tabela 3 apresenta os valores das exportações argentinas de produtos primários entre os anos de 1875 e 1914. Como pode ser visto, os principais produtos foram o trigo, o milho, a lã, a carne bovina congelada e o couro em geral.
A Argentina dedicou-se quase totalmente à economia de exportação, mais do que qualquer outro país da América Latina. Estima-se que de 1875 a 1914, as exportações argentinas tenham crescido em torno de 5% ao ano. Entretanto, a animação desses anos era sempre contida pelo compromisso assumido de que a Argentina seria um dos mais importantes países do mundo. Dotada de um dos maiores sistemas ferroviários do mundo, promoveu o cercamento dos Pampas e destinou grande porção de terra para a agricultura. Estes fatores somado à capacidade portuária de Buenos Aires e Rosário e aos de serviços de transportes e infraestrutura faziam da Argentina um país plenamente capacitado para ser uma grande potência mundial.
Assim como a economia, a sociedade argentina também sofreu mudanças drásticas. Em números absolutos, a população argentina evoluiu da seguinte forma: em 1869, a Argentina tinha 1.736.490 habitantes; 3.956.060 em 1895 e 7.885.237 em 1914. A população imigrante foi a principal causa para esse aumento vertiginoso. Entre os anos de 1871 e 1914, a Argentina absorveu aproximadamente seis milhões de pessoas. Desse total, mais de três milhões (54%) chegaram ao país para se estabelecer e começar uma nova vida. A composição da população imigrante foi diversa. Pessoas de vários países europeus atravessaram o Oceano Atlântico e chegaram à Argentina. A Tabela 4 apresenta a composição da etnia dos imigrantes que foram para a Argentina entre os anos de 1857 até 1930. Como se pode perceber, a maioria foi composta por imigrantes italianos, com destaque também para espanhóis e franceses.
Inúmeras pessoas de várias nações europeias imigravam para a Argentina, também os argentinos emigravam para outros países, principalmente os europeus. Todavia, segundo Rapoport (2000), a entrada líquida de imigrantes que chegavam à Argentina era sempre positiva. Além disto, nota-se que no ano de 1890, quando do início da primeira crise argentina, o saldo foi significante menor ao do ano de 1885, apesar do quantitativo de imigrantes ter variado positivamente.
Além da imigração externa, outra mudança notável na sociedade argentina neste período foi a migração interna. As províncias litorâneas receberam um imenso contingente. A porcentagem da população dessas províncias aumentou de 48 para 72 por cento em relação ao total da população argentina. Acrescido a isto, tem-se que a relação entre a população urbana e rural também sofreu uma importante alteração. Nas áreas urbanas, a proporção subiu de 29% para 53%, entre os anos de 1869 e 1914, destacando-se o número de habitantes da cidade de Buenos Aires que cresceu cerca de 867% entre estes anos. Para além, o desenvolvimento da cultura de cereais, dos vinhedos e da indústria açucareira, foram alguns dos fatores responsáveis pelo extraordinário aumento da população nas áreas urbanas. Neste sentido, o aumento de pequenas vilas no litoral teve papel decisivo, junto com a grande expansão das linhas férreas, para a redução do isolamento das áreas rurais. Entre 1860 e 1880, consolidaram-se os primeiros assentamentos rurais importantes. Depois disso, a expansão da produção de cereais gerou um importante crescimento de assentamento na região dos pampas.
Um dos resultados do processo acelerado de mobilidade social foi a expressiva expansão dos setores médios da sociedade. Estima-se que a classe média argentina foi de 12 a 15% da população economicamente ativa em 1869, para cerca de 35 a 40% em 1914. Este crescimento associava-se, nas áreas urbanas, principalmente ao aumento registrado no setor terciário da economia e, com menor representatividade, ao desenvolvimento industrial. Por outro lado, nas áreas rurais o crescimento dos setores médios da sociedade se deu exclusivamente por conta da disseminação do cultivo e produção de cereais. Outrossim, o cenário para os arrendatários de terra não era tão favorável. Uma mudança importante ocorrera: até o final do século XIX, foi relativamente fácil adquirir a posse das terras que trabalhavam. Porém, com o advento de novas máquinas racionais, a mudança na escala das empresas agrícolas e o aumento de preços da terra devido à exaustão das novas áreas de fronteira, tornou extremamente difícil a aquisição de terras. Essas mudanças provocou um aumento importante dos números relativos de arrendatários, alcançando, em 1914, 60% do total de agricultores.
Para Bermúdez (2009), no que tange ao desenvolvimento social, a Argentina apresentou acentuadas melhorias no período de 1878 a 1914. Mesmo com o enorme aumento da população, houve grande redução do analfabetismo, que foi de 77,9% em 1869 para 35% em 1914. O nível da educação das diversas províncias é um bom parâmetro para descrever a discrepância regional. De acordo com Gallo (2002), em 1914, o analfabetismo nas províncias alcançava 35,2% da população. Todavia, no litoral esse valor era de 26,9%. Nas demais localidades da Argentina a situação era ainda pior, o índice de analfabetismo chegava a alcançar a marca de 57,6%. A saúde pública também merece destaque, pois os avanços foram tão notáveis que não se registraram novas epidemias de febre amarela e de cólera nas grandes cidades. O setor habitacional também apresentou crescimento. Ao passo que em 1869, 80% da população da Argentina vivia em moradias construídas de barro e palha, em 1895 o número registrado de pessoas nessas condições de moradia foi de 50%. Essas tendências se mantiveram nos anos seguintes, até 1914. Entretanto, a imigração em massa causou sérios problemas para a habitação. A quantidade de pessoas por domicílio aumentou. Além disso, o processo de adequação da legislação trabalhista foi muito lento e ineficiente, apesar de terem sido aprovadas algumas leis importantes como a que previa folga dominical e feriados nacionais. O trabalho das mulheres e dos menores de idade foi regulamentado e surgiu a legislação sobre acidentes de trabalho na indústria. A jornada de trabalho reduziu-se paulatinamente, chegando ao ponto em que a jornada de trabalho de oito horas era praticamente regra nas empresas urbanas.
Para Conde (1991), é preciso destacar a ocorrência de conflitos neste período. A entrada em massa de imigrantes no território argentino, a ascensão e queda de grupos sociais e a velocidade de mudança social provocaram uma série de tensões sociais. Alguns conflitos provocaram derramamento de sangue, como em Tandil em 1871. As localidades que registraram o maior número de conflitos, inclusive os armados, foram Buenos Aires, Santa Fe e Rosário. Além disso, foram registrados diversos conflitos entre trabalhadores de diferentes setores da economia. Como o confronto entre agricultores e industriais e entre empresas nacionais e estrangeiras. Também não faltaram atritos entre trabalhadores e empresários, ou entre sindicatos e autoridades nacionais.
No começo do século XX, foram registradas várias greves, principalmente em Buenos Aires, que afetaram principalmente os setores industriais de madeira, de confecção de roupas, de construção, de gêneros alimentícios, de metalurgia e indústria têxtil. Os grevistas reivindicavam melhores salários diminuição da jornada de trabalho e também a consolidação das organizações sindicais. Em boa parte das paralisações, os grevistas obtiveram sucesso na totalidade ou em parte do que solicitaram. Algumas dessas greves ocorreram por motivos políticos e não obtiveram sucesso. A reivindicação mais frequente foi a de revogação da Lei da Residência, que deu poder ao executivo de deportar estrangeiros considerados perigosos para a segurança interna.
As mudanças também foram acentuadas devido à transformação das cidades. Em Buenos Aires, facilmente se observava o aumento da riqueza, o refinamento e a opulência dos edifícios públicos. Em destaque, os prédios da administração, os parques e seus monumentos luxuosos, as novas avenidas, os bondes e até o metrô subterrâneo davam à cidade uma aparência completamente diferente à de décadas imediatamente anteriores. A moda europeia foi transportada para a região platina de maneira muito acelerada tanto pela imensa quantidade de imigrantes, quando pelos próprios argentinos que cruzavam o Atlântico. Logicamente, a chegada de tantos imigrantes trouxe consigo novas ideias. A Argentina recepcionou bem correntes de pensamento científico, literário e político. O liberalismo continuou sendo o pensamento dominante entre os grupos diretores da vida cultural, social e econômica do país. Dentro disso, duas correntes de ideias se contrastavam, a saber, a dos liberais e a dos universalistas, estes últimos influenciados por Darwin, Spencer, Lombroso e etc.
A vitória do general Roca na luta de 1880 foi seguida da formação do Partido Autonomista Nacional (PAN), a primeira organização política da Argentina em âmbito nacional. O exército nacional assumiu a força e foi a base de sustentação das autoridades locais. A constituição facilitou a supremacia do presidente pois estabeleceu mecanismos como a intervenção federal. Segundo J. Irazusta (1975, p. 169):
As intervenções federais neste país, senhores, têm sido determinadas invariavelmente tendo em vista um destes objetivos: suprimir uma certa influência ou restabelecê-la, instalar um governo local capaz de garantir a posição interna do Executivo, ou derrubar um governo local oposto ao governo central.
Entretanto, a constituição também estabeleceu alguns obstáculos como a proibição da reeleição presidencial, o Judiciário conseguiu manter um certo grau de independência dos poderes centrais e os princípios liberais da constituição possibilitaram o crescimento de uma imprensa muito influente e que fiscalizava o poder das autoridades nacionais. A imprensa foi mais importante na formação de opinião pública do que nas atividades eleitorais. O comparecimento às eleições foi baixo no período compreendido entre os anos de 1886 e 1990. Apenas cerca de 15% da população com direito a voto compareceu para as eleições, que era constituída por argentinos do sexo masculino e maiores de dezoito anos. No período entre os anos de 1890 e 1895, cerca de 25% das pessoas com direito a voto compareceram às eleições. A constituição argentina não fazia qualquer proibição ao voto dos imigrantes e o voto era facultativo – só passou a ser obrigatório em 1912. As principais razões pelas quais muitos estrangeiros não buscaram naturalização, tampouco foram votar são, basicamente: os imigrantes não vieram com esse objetivo e se não se naturalizassem poderiam contar com o apoio dos cônsules de seus respectivos países.
O processo eleitoral no período foi marcado por diversas irregularidades. Desde manobras ilegais menos ofensivas até a compra de votos e o uso da violência física. Muitas vezes, porém, a apatia da população com relação às eleições tornava desnecessário o uso de qualquer artimanha. Para que fossem eficazes, os algozes tinham que contar com o apoio de seus aliados políticos e serem organizados. Tendo isso em vista, o recrutamento político tinha de ser feito observando a possibilidade de os recrutas se envolverem na luta física com risco de vida. Tratavam de fortalecer os vínculos entre os líderes e seus seguidores. Líderes que eram chamados de caudilhos (ou chefes) eram homens de diversas origens como pequenos fazendeiros ou comerciantes, capatazes de fazendas e ex-oficiais das milícias provincianas.
De 1880 a 1916, o Partido Nacionalista (PAN) controlou a política nacional e, com pouquíssimas exceções, governou as províncias argentinas. Nesse período, o termo “oligarquia” foi usado em seu sentido político clássico. O PAN contava com muitos membros da elite social e econômica, mas muitos membros da elite atuavam em partidos da oposição e por conta disso eram excluídos da vida pública. Os homens de negócios, porém, demonstravam claramente sua indiferença pela política porque os partidos pareciam não ter ideias diferentes em relação à política econômica. O único exemplo de conexão clara estabelecida entre um setor da economia e um partido político é a dos pecuaristas de Buenos Aires. Nas eleições de 1894, a União Provincial (nome oficial do partido) foi apelidada de “partido do gado” por conta da influência dos pecuaristas nesse partido. Todavia, os membros do partido não rejeitaram o apelido. Analogamente, a imprensa oficial apelidou o partido da oposição, a Unión Cívica Radical, de “porcos” em alusão ao apoio que tinham recebido da Liga Agrária.
A preeminência do governo pessoal também provocou algumas divisões nas fileiras do partido oficial. Juárez Célman, por exemplo, tentou afastar Roca da liderança do PAN e minou a posição que este e seus partidários detinham tanto nesse partido quanto nas províncias. A partir de 1889, os adeptos de Célman também lançaram ofensiva política contra a capital federal, principal reduto da oposição. Mas seu plano falhou por conta da crise financeira de 1890. Não foi a oposição quem se beneficiou, mas os partidários de Roca que recuperou sua posição no PAN e o vice-presidente Carlos Pellegrini que passou a ser o presidente de 1890 até 1992.
As forças que apoiaram Juárez Célman não foram derrotadas totalmente e encontraram apoio no Partido modernista, o que obrigou Roca e Pellegrini a buscar o apoio de Bartolomé Mitre, que desejava ser o novo presidente. Contudo, um fraco candidato de conciliação, Luis Sáens Peña, foi eleito presidente para os anos de 1982 e 1894. Posteriormente, Sáens Peña renunciou ao cargo por motivos de saúde e foi sucedido por José Evaristo Uriburu (1894 - 1898) que era partidário de Roca. A derrota das revoltas armadas possibilitou a volta do general Roca ao poder, foi eleito para o mandato de 1898 até 1904. Porém, em 1901, perdeu seu principal aliado, Carlos Pellegrini, em razão da negociação da dívida externa. Então, Roca criou uma nova coligação que levou Manuel Quintana, antigo partidário de Mitre, ao poder (1901 - 1906), tendo como presidente José Figueiroa Alcorta. Com a morte de Quintana, Alcorta assumiu o poder (1906 - 1910) e, com o apoio de dissidentes do partido oficial, destruiu a coligação política que era a base da predominância política de Roca.
Finalmente, Roca foi derrubado pelo instrumento sobre o qual fundamentou sua predominância: o grande poder do cargo presidencial. Poder que vinha de um legado histórico fortemente personalista e uma constituição que dava poderes em excesso ao Executivo. Em 1903, uma das últimas falas presidenciais, Roca indicou bem o progresso alcançado e as medidas que deveriam ser tomadas para continuar o progresso argentino. Por fim, Roca conclui seu discurso ressaltando sua posição de que a Argentina não alcançaria tão rapidamente uma democracia perfeita e voltou a defender seu pensamento político e seus princípios.
A Argentina vivenciou um grande período de desenvolvimento econômico devido ao aproveitamento de sua excelente localização geográfica, que lhe permitiu comercializar com o mundo através das exportações pelo porto de Buenos Aires. O país possuía algumas manufaturas, mas foi na exportação de produtos primários que descobriu e desenvolveu seu potencial: a produção de cereal e carne, sendo esta iniciada com a criação de ovinos e depois de bovinos.
A expansão econômica do país pode ser medida pelo volume e variedade de suas exportações. Sua extensão territorial e a fertilidade do solo lhe propiciaram vultosos investimentos britânicos. Seu território foi expandido através da Campanha do Deserto e zonas mais afastadas dos centros econômicos puderam ser povoadas a partir da criação e ampliação de ferrovias. Os anos que abrangeram o período iniciado em 1870 e concluído ao final da década de 1930 marcaram a Argentina por um forte processo de desenvolvimento econômico. Este longo período, denominado Belle Époque, apresentou uma integração ao mercado internacional inigualável, cujos volumes exportados conferiram a esta economia uma posição de destaque no cenário mundial.
A Belle Époque foi impulsionada, sobretudo, pela entrada de capitais externos. Estes garantiram a construção de malhas ferroviárias que facilitaram o transporte de mercadorias e pessoas, com menor custo de transporte e uniram o mercado europeu ao mercado nacional da Argentina. Isso possibilitou a ocupação de territórios mais afastados, movimento que ficou conhecido como Campanha do Deserto, e a exploração de novas terras férteis, fazendo com que a Argentina tivesse uma resposta sempre pronta ao aumento da demanda por produtos primários.
A imigração incrementou a mão de obra em número e em qualidade. Imigrantes vinham de toda a Europa para se estabelecerem. Com isso, a população argentina experimentou enorme crescimento, assim como a economia da nação. Graças à abundância de terras férteis e ao volume de imigrações, a Argentina atingiu níveis espetaculares de produção de agropecuária. As exportações do setor rural apresentam o incrível crescimento de quase 500% no período de 1875 a 1914. As exportações agropecuárias foram tão fomentadas, que mesmo com o crescimento populacional as exportações por habitante aumentaram.
Por tudo isso, no período de 1870 a 1914, a Argentina experimentou crescimento econômico e mudanças sociais sem comparação na história do país e da América Latina.
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** Professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: matheus.paiva@ucb.com
*** Bacharel em Economia pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
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